CHESNUT, R. Andrew
Competitive Spirits: Latin America's New Religious Economy. New York: Oxford University Press, 2003, ISBN 0-19-516184-X, pp.189

por Karina Kosicki Bellotti[*] []

O mais recente estudo do historiador norte-americano Andrew Chesnut versa sobre a competição religiosa na América Latina, tendo como objetivo central explicar as razões do crescimento das três "firmas espirituais" mais prósperas nos últimos cinqüenta anos: o Pentecostalismo, a Renovação Católica Carismática (RCC) e as religiões da chamada "Diáspora Africana" (Umbanda, Candomblé, Santería e Vodu). O trabalho concentrou-se principalmente no Brasil, México e Guatemala.

O autor possui familiaridade com o cenário religioso latino-americano. Em seu trabalho anterior, Born Again in Brazil: The Pentecostal Boom and the Pathogens of Poverty (1997), Chesnut fez um estudo de caso sobre a influência pentecostal na periferia de Belém do Pará no início dos anos 1990. Concluiu, dentre outras coisas, que o Pentecostalismo conquistou mais fiéis do que as Comunidades Eclesiais de Base atuantes na região por oferecer respostas pragmáticas e personalizadas aos problemas causados pela pobreza (doenças físicas e psicológicas, alcoolismo, conflitos domésticos).

Essa idéia foi ampliada no presente trabalho, por meio de uma perspectiva comparada, a partir de respostas às seguintes perguntas: que alternativas as igrejas pentecostais, os grupos de Renovação Carismática e mães e pais-de-santo oferecem às necessidades e anseios dos latino-americanos? Como essas três religiões competem entre si para conquistar adeptos?

Chesnut toma como pressuposto uma relação dialética entre a sociedade e a religião, na qual o produto religioso deve ter uma relevância na realidade social de seus fiéis (2003: 44). Sua abordagem aplica os instrumentos da teoria microeconômica para compreender como e porque ocorre a grande adesão às religiões em questão.

Segundo essa teoria, demonstrada no trabalho de Finke e Stark (1992), todo monopólio religioso é assegurado pela coerção estatal, tal como o monopólio econômico. Assim, o agente religioso não seria obrigado a suprir as necessidades espirituais de seus fiéis – pelo contrário, os fiéis é que deveriam se adequar aos produtos oferecidos pelo agente, o que causaria apatia por parte dos fiéis e acomodação por parte do agente. É o que teria ocorrido na América Ibérica durante cerca de quatrocentos anos de colonização. Com a separação entre Igreja Católica e Estado, concretizada a partir do século XIX, a Igreja continuaria a exercer influência sobre os povos latinos, mas em um contexto diferente: o do livre mercado religioso, em que é garantido o direito de crer e de não crer.

Essa nova situação consolidou-se a partir dos anos 1950, com o desenvolvimento dos meios de comunicação, urbanização e industrialização dos países latinos, além da popularização do chamado "Pentecostalismo de Cura Divina" entre as camadas mais pobres. Chesnut afirma que se estabeleceu um mercado religioso livre, em que instituições e grupos competiriam entre si para maximizar sua membresia, tal como as empresas buscam aumentar seus lucros.

Isso pressupõe uma relação de produção e consumo em que ambos os lados fazem escolhas racionais. De um lado, as religiões procuram vender um produto embalado de forma atraente (salvação, cura, descarrego, prosperidade financeira, paz interior, etc). De outro lado, o consumidor escolhe produtos religiosos que lhe ofereçam a satisfação de seus desejos e necessidades.

Contudo, isso não significa que todas as religiões existentes nesse espaço de livre circulação obedeçam a esse princípio capitalista, mas sim que as instituições interessadas em aumentar sua visibilidade social lançaram mão dessa prática, levando em conta os gostos e as preferências de seus potenciais consumidores. Fatores como classe socioeconômica, gênero, demografia e formação religiosa prévia influenciam nessas opções religiosas.

Ao eleger como central o conceito de mercado para entender o funcionamento do pluralismo religioso na América Latina contemporânea, Chesnut rejeita conceitos como "campo" ou "arena" religiosa, considerando-os vagos demais para explicar as transformações ocorridas após a laicização do Estado. O autor refuta as acusações feitas à teoria econômica aplicada aos estudos de religião, defendendo que, longe de ser reducionista, essa abordagem considera uma realidade bastante visível nos países latino-americanos (Chesnut 2003:7; 151). Apoiado em fontes como pronunciamentos episcopais, jornais eclesiásticos, folhetos apologéticos, entrevistas com clero e laicato, bem como em pesquisa de campo (2003:15), Chesnut mostra como a teoria econômica ajuda a sistematizar tendências de um "campo" religioso extremamente diversificado como o latino-americano.

Com o livre mercado haveria uma padronização dos produtos religiosos oferecidos; aqueles que fizessem maior sucesso permaneceriam, por meio da reprodução pela concorrência, com mínimas diferenciações. O sucesso de cada religião dependeria de quatro elementos: a oferta de um produto atraente, uma estratégia de venda eficiente, executada por representantes empenhados, balizados dentro de uma organização bem estruturada (Chesnut 2003: 13-16).

No caso da América Latina, dois produtos prevaleceram: o pneumacentrismo[1] e a cura divina, já que em países carentes de instituições de assistência social, o contato pessoal e direto com o Espírito Santo ou espíritos traz a possibilidade de cura de enfermidades e conflitos aparentemente insolúveis. E, segundo o estudo, dois terços da clientela são formados por mulheres, que muitas vezes atuam como agentes de divulgação religiosa.

A diferenciação ocorre no nível doutrinário: pode-se optar por um pneumacentrismo "virgofílico" (que aceita a Virgem Maria como santa, caso dos Católicos) ou "virgofóbico" (que recusa Maria como santa, caso dos Pentecostais – Chesnut 2003: 152). Pode-se ter o contato com o Espírito Santo (Cristianismo) ou com espíritos (Diáspora). Chesnut explora as particularidades de cada religião, mostrando as implicações de cada escolha.

No Pentecostalismo e na Renovação Carismática, o pneumacentrismo e a cura divina promovem uma relação direta com a divindade, prometendo não somente o êxtase e a cura, mas uma nova vida pela conversão. Chesnut afirma que o papel de gênero conferido às mulheres latinas é o de cuidar de toda a família e, por isso, as religiões pneumocêntricas atendem a interesses pragmáticos de mulheres que recebem a incumbência de resolver as questões domésticas. Assim, ao obterem sucesso com um produto, tornam-se suas maiores propagadoras, engajando-se em serviços da igreja ou em organizações ligadas a elas.

Somente nas religiões da Diáspora – justamente as mais marginalizadas das três – as mulheres possuem posições de liderança (o número de mães-de-santo supera o de pais-de-santo no Brasil, por exemplo), mas mesmo assim no carismatismo cristão elas comandam grupos de estudos e de oração, ensinam em Escolas Dominicais, organizam visitas a famílias ou fazem divulgação de porta em porta.

O sucesso das religiões da Diáspora, que não contam com a divulgação em grande mídia, provaria a eficácia das relações familiares e de solidariedade, fator não negligenciado por quem investe em mídia eletrônica (RCC/Pentecostalismo). O fato de essas "representantes de venda" pertencerem muitas vezes à mesma classe social de suas clientes em potencial facilita a identificação com os problemas vivenciados e a acolhida das soluções oferecidas pelas agentes. Para Chesnut, saber respaldar esse trabalho feminino é uma das condições para que a organização de cada religião continue a racionalizar seus movimentos.

"W see the tools of religious economy have proven to be especially powerful. With their emphasis on salvation and convertion, the success of the CCR (Catholic Charismatic Renewal) and Pentecostalism among the popular classes is more readily apparent than is the prosperity of diasporan religion. Only a systematic analysis of the four components that determine the fate of any religious enterprise in an unregulated spiritual economy could discover the reasons for the significant growth of Candomblé, Santería, Umbanda, and Vodou since the mid-twentieth century (…) In short, religious economy has explained how the non-proselytory and decentralizes diasporan religions have competed effectively with the evangelical zeal of their main Christian rivals over the past half-century" (2003: 127).

O trabalho de Chesnut pode ser considerado como uma bem fundamentada referência de aplicação da microeconomia aos estudos de religião. Em tempos de pós-modernidade, em que as Humanidades são acusadas de se render à fragmentação de seus objetos e suas abordagens, podemos enxergar no estudo do autor norte-americano uma visão ampla e comparativa da diversidade religiosa latina. É a perspectiva de alguém ao mesmo tempo distante fisicamente mas familiarizado e sensível ao que se passa nos trópicos, permitindo tecer críticas aos acadêmicos americanos e latinos que se recusaram a reconhecer nos latinos uma racionalização e uma padronização de suas práticas religiosas.

A maior crítica direciona-se ao norte-americano John Burdick (1993), que comparou o modelo de mercado a oportunismo espiritual. Enquanto teóricos brasileiros já vêm trabalhando de forma consistente a maneira como a mentalidade capitalista foi incorporada à religião (Campos 1997, Mariano 2001), ainda existe uma grande desconfiança da relação entre religião e dinheiro. Paul Freston (1993: 8) demonstra que, como a Igreja Católica foi financiada pela Coroa Portuguesa durante toda a colonização, a maioria da população não era chamada a contribuir com suas finanças.[2] Mesmo com a laicização, a Igreja Católica, por ser um organismo supranacional, não dependia de financiamentos dos fiéis tal como os protestantes e, principalmente, os pentecostais. Práticas como a Teologia da Prosperidade acentuaram a rejeição à relação religião/dinheiro entre muitas pessoas. Talvez a noção de que a religião se refira ao sagrado e ao transcendente - e o dinheiro seja visto como algo mundano - contribua para essa recusa, inclusive em nível acadêmico.

A defesa que Chesnut faz de seu modelo de mercado é bastante consistente e dessacralizada, como um bom estudo acadêmico de religiões deve ser. Porém, ao se fazer escolhas, há que se deixar algo de lado. A recusa que muitos "pós-modernos" fizeram dos grandes modelos explicativos foi justamente o perigo da generalização e do anacronismo – defeitos que, felizmente, não estão presentes no estudo de Chesnut.

Abordar os "vencedores" da competição religiosa nos permite entender marcantes tendências do comportamento religioso latino. Mas essa perspectiva nos faz lembrar que o estudo dos "vencidos" ou daqueles que se recusam a entrar na competição também revela as sensibilidades e as práticas de quem foi trazido à revelia ao complexo jogo do mercado (religioso ou não).

Bibliografia

BURDICK, John. 1993. Looking for God in Brazil. Berkeley: University of California Press.

CAMPOS, Leonildo Silveira. 1997. Teatro, Templo e Mercado. São Bernardo do Campo-Petrópolis: UMESP-Vozes.

FINKE, Roger, and Rodney Stark. 1992. The Churching of America, 1776-1990. New Brunswick, N.J.: Rutgers University Press.

FRESTON, Paul. 1993. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao Impeachment. Campinas: Tese de doutorado em Sociologia - UNICAMP.

MARIANO, Ricardo. 2001. Análise sociológica do crescimento pentecostal no Brasil. São Paulo: Tese de doutorado em Sociologia - FFLCH/USP.

Notas

[*] Doutoranda em História pela UNICAMP. Conduz pesquisa sobre mídia evangélica no Brasil desde 1998.

[1] "I consider pneumatic religion to be any faith-based organization that puts direct communication with the Spirit or spirits at the center of its belief system" (Chesnut 2003: 5).

[2] "Nos Estados Unidos, a área mais rentável para escândalos (religiosos e políticos) é o sexo, ao passo que , no Brasil,é o dinheiro. Há poucas matérias jornalísticas acusando pastores evangélicos de práticas sexuais, mas muitas acusando-os de práticas monetárias. No Brasil (tradição cartorial e formação católica),as implicações do livre-mercado em religião ainda não foram largamente aceitas; daí que escândalos monetários rendem mais do que escândalos sexuais. Nos Estados Unidos (tradição laissez-faire e formação puritana) dá-se o contrário" (Freston 1993: 8).