Aldo Natale Terrin é professor de Antropologia e de História das Religiões da Universidade de Milão. Nessa obra ele busca contribuir com a ampliação da leitura do rito. Pela profundidade de análise empreendida e pela quantidade de autores citados, pode-se ter uma noção da importância do tema para a compreensão da religiosidade humana.
Recorre aos conceitos de Gestalt e performance, sugerindo aos leitores uma ampliação da compreensão de "linguagens" e levando em conta todo o tipo de expressão humana no tempo e no espaço. Sua compreensão sobre experiência parte da idéia de que ela se dá primeiramente através do corpo, sendo, portanto, muito importante que se use todos os tipos de percepção para a expressão do mito através do rito. Os estudiosos também devem fazer uso de todos os recursos disponíveis para não caírem na simplificação da tradução da linguagem usada no rito.
Na introdução do livro expõe seu desejo de "levar com ele" os leitores no caminho que faz para demonstrar que o rito não é apenas entediante, mas que também é interessante, é música, dança e festa. Como eixo central de análise, o autor trabalha a perspectiva da Antropologia e da Ciência da Religião.
Para seduzir o leitor, organiza o livro em duas partes: primeiramente propõe definições e classificações do rito sob a ótica sócio-funcionalista, etológica e ecológica e, assim, prepara a discussão da segunda parte, em que a chave de leitura é a fenomenologia da ritualidade e sua relação com a arte.
Inicia lembrando que existem diversas definições para rito, pois diversos âmbitos da ciência podem abraçar esse conceito. Faz uma pequena explanação de ordem semântica e reconhece que, mesmo na diversidade, há pontos em comum: a entonação religiosa e a indicação de uma ordem cósmica. Esse conceito de ordem é muito importante, pois revela a força organizadora do rito.
Propõe formas de identificar os ritos nos dias de hoje. Faz um sobrevôo pelos diferentes tipos de ritos encontrados na História das Religiões: apotrópicos, eliminatórios e de purificação. Os três têm como característica comum o fato de que as pessoas se afastam da rotina quando passam por eles, mantendo longe de si elementos ou seres perigosos.
Uma outra forma de classificar os ritos está associada aos ciclos da vida: de passagem, cíclicos e de crise. Pode-se classificá-los através de seu conteúdo religioso e conotação mística.
Na tentativa de dar conta de seu objeto de estudo, faz uma verdadeira passagem pela História da Antropologia e pela Ciência da Religião. Mostra várias formas de interpretação. Dentre elas podemos destacar a sócio-funcionalista, tendo como um dos representantes Durkheim. Além dessa outras são levantadas, como a estruturalista, de Lévi-Strauss, e a expressivo-lúdico-simbólica, que, por sinal, é a que mais interessa ao autor.
No segundo capítulo aprofunda a perspectiva sócio-funcionalista, reconhecendo ser esse o pensamento dominante entre os antropólogos. Recorta do pensamento de Durkheim, Radcliffi Brown, Malinowski e Mary Douglas somente os elementos relacionados aos ritos e sua importância na vida do grupo como elemento organizador. Lembra ainda dos ritos em suas funções: integrativa, de espelho, confirmativa das estratificações sociais, reconciliadora do âmbito social e de expressão de uma violência passada (René Girard), bem como a visão simbólico-funcionalista de Clifford Geertz e Victor Turner. Desses últimos, ressalta o valor dos símbolos presentes nos ritos.
Em seguida, Terrin passa a analisar as perspectivas etológica e ecológica da ritualização e do rito. Reconhece uma base natural nos ritos humanos, que adquirem propriedades simbólicas no campo cultural. Não coloca as duas perspectivas como incompatíveis, pois reconhece linguagem simbólica no mundo animal.
A visão ecológica é portadora de uma visão holística sobre a concepção do real. Estabelece relação entre os ritos, harmonia na natureza e ambiente circundante. O autor lembra que no movimento New Age, tão em voga na sociedade moderna, esse tipo de pensamento está presente.
Em o Rito: por necessidade ou jogo reúne algumas noções que demonstram que o rito é co-natural ao homem. Faz um breve histórico de seu início, enfatizando a existência dessa atividade mesmo antes da linguagem falada. A experiência era vivida antes de pensarem a seu respeito.
Afirma também não existirem dúvidas de que, dentro da História das Religiões e do mundo religioso, o rito nasce como jogo. e por jogo e que, portanto, entende-se a possibilidade de entrar em outros papéis que não os do cotidiano e com regras estabelecidas. Utiliza a expressão "metalinguagem" para explicar a função simbólica. Portanto, pode ser pensado como uma ação que tem significado "pré-pragmático" e "ultra-significante". A realidade é trabalhada como representação de si mesma. Pela presença dessas variáveis há uma limitação imposta ao observador, pois, nessa condição, ele não consegue se entregar à experiência da atividade, como fazem os participantes.
As regras, tanto do jogo quanto do rito, permitem uma transposição do real que, como disse Froberius, comporta uma "comoção cósmica" e tem um caráter religioso. Nesse ponto, parece que o rito é mais que um jogo, pois pode ser ponte para um outro mundo, um mundo possível onde as regras têm significados múltiplos, simbólicos. Essa transposição comporta uma transformação "psicológica e consciencial" devido à identificação e mudança de estado de consciência e de fluxo, como mostra Bárbara Myerhoff.
Reconhecendo a importância da atividade, do envolvimento dos integrantes com o jogo ou rito, sugere que as liturgias, enquanto continentes simbólicos, devem estar o mais distante possível do controle racional, para que os símbolos ganhem a expressão primeira.
O quinto capítulo, Espaço e Rito, parte da premissa de que os homens têm uma visão de mundo do tipo Gestalt, ou seja, percebem os detalhes, quando a visão é do todo. Assim, faz a correlação entre a percepção e o habitat que o envolve o ser humano abarcando toda a geografia. Esse tipo de recorte introduz uma nova perspectiva epistemológica em que aparece o conceito de espaço em relação ao rito.
Há uma inversão nos esquemas que organizam o pensar sobre o rito: não há espaços sagrado e profano permanentes. A partir da experiência humana, os espaços transitam nas duas categorias. Para explicar esse modo de pensar utiliza a tradição hindu, onde microcosmo e macrocosmo são administrados no nível cultural. Cita que muitos historiadores concordam com o fato de a dança ter sido a primeira forma ritual, envolvendo corpo e espaço. Como o primeiro entendimento vem através do corpo, é através da organização do mesmo, no espaço, que virá a organização do grupo e a compreensão de como as relações se estabelecem. Na questão do espaço e rito faltam estudos mais aprofundados e há uma certa dificuldade nesse tipo de pensamento, pois os teólogos católicos e evangélicos dizem que a liturgia não é rito e que não deve ser assim olhada. Apesar dessa opção, os arquitetos constroem as igrejas e inconscientemente favorecem o estabelecimento desse espaço sagrado.
Apoiado no pensamento de Suzane Langer, propõe a distinção de três espaços em relação ao rito: físico, que é o da biosfera; significativo, que se refere à performance, à representação utilizando a linguagem simbólica e virtual; e o espaço interior, onde se condensam os anteriores e é possível a experiência mística. Levando em consideração que o rito utiliza simbologias, é preciso que esses três espaços estejam em harmonia para que as pessoas possam experienciar de maneira efetiva a proposta ritual.
Por fim, convida os leitores a serem sensíveis às novas experimentações no campo da comunicação. Para isso, refere-se ao trabalho de E. Haall e acaba por sugerir porque os espaços destinados ao rito devam levar os homens a vivê-los poeticamente, já que a vida moderna induz a uma sensação da "falta de ar" provocada pela falta de espaço.
Ao capítulo sexto coube a discussão sobre o tempo e rito, o rito como cálculo de tempo. Mostra que há várias formas de concebê-los de acordo com a Ciência, Filosofia e Antropologia e que, além das expressões serem diferentes, podem ser contrastantes. Os antropólogos dizem que o tempo é uma construção social ou sócio-religiosa e é a partir dessa chave que aparece o verdadeiro princípio reflexivo sobre o assunto. Faz um apanhado sobre como as religiões cristãs, budista, hindu, egípcia e o Judaísmo vêem o tempo. Como essas visões são diferentes, propõe uma tipologia dos tempos religiosos para depois verificar se elas possuem algo em comum no interior do rito. Trata o rito como uma pausa simbólica em que o tempo primeiro é reeditado. Também diz que o tempo no rito é mais lento, remetendo ao conceito de "antiestrutura" de Victor Turner.
Para falar da relação entre rito e música, lembra que os primeiros indícios musicais datam de 2000 a 3000 a.C. e as primeiras teorias, do século III a.C. Há uma dificuldade em se saber como as músicas eram tocadas por falta de registros escritos; então, são esmiuçadas as circunstâncias que podem ter cercado a música antiga ligada ao rito. O autor procura mostrar que tipo de música acompanha determinado rito e quais ritos se servem de um tipo especial de música. Sentimentos religiosos correspondem a alguns tipos de música e estão relacionados com experiências originárias e primordiais. Na busca de sustentação para sua posição, recorre a Aristóteles e a sua classificação da música na Grécia antiga. Para unir rito e música é preciso conhecer a essência profunda do mesmo controlando suas coordenadas profundas e estabelecer sua natureza, que permanece a mesma desde os primórdios. Portanto, para promover mudança na linguagem ritual sem que ela perca a co-naturalidade, talvez seja melhor retirar o rito da cultura do momento e ter uma boa educação musical.
No oitavo capítulo faz uma crítica aos liturgistas e teólogos pela falta de abertura a outros tipos de códigos lingüísticos, paralingüísticos e extralingüísticos, e se propõe a estudar o ritual como performance para ter uma visão do todo "onde gesto, palavra movimento e ação se entrelaçam e se conjugam de maneira complementar e holística." (p. 319). Sugere que, para se entender a origem da linguagem, deve-se remontar ao ritual e sua ação no mundo antigo, sempre ressaltando as formas simbólicas originárias de expressão. Lembra do teatro e da dança como tal e, a seguir, faz uso do termo performance para sustentar a visão gestáltica que se deve ter do rito, em que são englobados todos os tipos de atividades usadas para comunicar algo. Embora no decorrer da História teatro e rito tenham se distanciado, é necessário que reconquistem o status perdido não negando a performance, que é importante para a comunicação e êxito de ambos.
Para finalizar, coloca frente a frente o rito e o espírito da pós-modernidade, que é marcado pela fragmentação. Então fica um princípio organizador versus este outro que chega às raias da relatividade. Sem dúvida chegou aos ritos esse espírito de "fragmentariedade", pois eles são utilizados desagregados de suas origens, de uma forma egóica e descompromissada com a História. São os ritos sem mitos ou com mitos ajustados.
Pergunta-se então, qual seria o futuro do rito. Acredita que a pós-modernidade evita contar a verdade inteira e, portanto, o futuro está nesta experiência de fragmentos. Terrin acredita que o aprendizado se dá primeiramente através do corpo e, por isso, enfatiza a noção de performance. A possibilidade de se expressar inteiramente abre o caminho para a visão holística, total, que também é desejo nesta época.
Em linhas gerais, o autor leva o leitor a um passeio pela História das Religiões e oferece uma visão antropológica dos ritos. Essa passagem pela História e Antropologia situa sua posição e mostra as influências que recebeu, bem como o salto que propõe, com a introdução de performance, que viria para fazer as conexões necessárias para uma compreensão mais ampla do rito: arte, música, dança, tempo, espaço e jogos, assim como tudo o que simbolizam. A importância disso está na construção de uma visão holística, que é sua proposta para o futuro dos ritos.
Insiste na leitura simbólica e na abertura para novidades. Ainda assim, em nossa avaliação, deixa de lado a contribuição junguiana. De onde viriam todos esses símbolos usados nos ritos? Para Jung viriam do inconsciente coletivo, que é comum a toda humanidade, herdado e não aprendido. A forma de se entrar em contato com ele é através de seus arquétipos, que são os símbolos utilizados para dar voz ao inconsciente. Eles aparecem nos mitos, nos contos de fada e nos ritos, ou seja, na forma religiosa para a manifestação do que Jung chamou de alma. Estas ultrapassam a racionalidade humana e pode-se falar na metalinguagem e nos significado pré-pragmático e ultra-significante que Terrin propõe. Ficaria, assim, mais clara a origem dos símbolos aliada a origem dos ritos.
Enfim, é um livro que vale a pena ser lido pelas contribuições em relação à leitura do tempo, espaço, simbologia e à performance, demonstrando que de fato participar de um rito pode ser fundamental.
[*] Gaduada em Psicologia pela Universidade São Marcos. Atua em consultório e é professora de educação infantil da rede particular. Mestranda no Programa de Ciências da Religião da PUC-SP.