YAMASAKI, Taiko
Shingon: Japanese Esoteric Buddhism. Boston e London: Shambala, 1988, ISBN 0-87773-443-7, 244 pgs.

por Rafael Shoji []

Como conseqüência da imigração e do interesse e conversão de diversos brasileiros, mesmo aqueles que se baseiam em pesquisas empíricas não precisam mais fazer uma pesquisa de campo na Ásia se quiserem estudar o Budismo. Diversas escolas budistas se encontram representadas também no Brasil. Ainda que a identificação de padrões brasileiros seja um importante contribuição dessas pesquisas, elas devem ter como pressuposto a diversidade interna das tradições religiosas na própria Ásia. No caso das religiões orientais em geral, essa consciência da diversidade é atualmente uma importante contribuição política no caso do Islamismo, mas também no caso do Budismo a consciência dessa variedade permite uma maior crítica em relação a generalizações. A maior parte da visão comum e da mídia sobre o Budismo se restringe ao Zen e ao Budismo tibetano, existindo uma imagem mais ou menos estereotipada dos budistas, através da meditação e da figura carismática do Dalai Lama. Também o Tantrismo, fundamental na formação do Shingon, é também freqüentemente sujeito a uma interpretação reducionista, sendo freqüentemente interpretado e divulgado como uma prática sexual. Ainda que a ciência da religião descreva diferentes formas de adaptação das religiões orientais, o que também consiste em apresentar seus estereótipos e simplificações nos países ocidentais, isso não significa que ela deva estimular esse tipo de descrição ou visão comum. Mesmo doutrinalmente, religiões como o Budismo e Hinduísmo não são monoteístas, o que implica que uma contextualização e diversidade de formas já são elementos pressupostos religiosamente.

Essa resenha tem como objetivo apresentar um livro de introdução ao Budismo Shingon, como também é conhecida a principal tradição do Budismo tântrico presente no Japão. Ainda que o texto tenha sido escrito em 1988, é ainda uma das melhores introduções ao Shingon, que contém muito poucas descrições sistemáticas em línguas ocidentais. Pelo fato do livro ter sido escrito pelo abade de um tradicional templo japonês e ser um importante pesquisador do Budismo tântrico, puderam ser descritos academicamente diversos rituais e práticas até então desconhecidos, além de uma apresentação histórica e doutrinal de um especialista.

A primeira parte do livro (capítulos 1 e 2) se destina a descrever a história do Shingon desde a Índia do século VI até o Japão. Em uma fase posterior ao surgimento do Budismo Mahayana, como resultante de uma influência tântrica, rituais e divindades hindus foram incorporadas ao Budismo através de uma reinterpretação dos métodos e condições para se atingir a iluminação. O termo Budismo esotérico (jap. mikkyô) tem sido o nome mais utilizado para se designar a corrente budista de influência tântrica que chegou ao Japão durante o século IX e que desde então se desenvolve também a partir das influências locais do Xintoísmo e das outras correntes budistas que se estabeleceram posteriormente. O Budismo tibetano foi o resultado do sincretismo desta corrente tântrica com a religião local tibetana (Bon). Além das diferentes influências devido às diferentes religiões e culturas locais, a corrente tibetana do Budismo tântrico se distingue da japonesa por ter incorporado os escritos e a influência tântrica de um período posterior, com um maior contato com a cultura indiana, devido à proximidade geográfica. No caso do Japão, após ter se desenvolvido na dinastia Tang na China, no século VIII, o Budismo Esotérico foi estabelecido através de Kûkai, nome póstumo Kôbô Daishi, e Saichô, fundador da escola Tendai e também conhecido com o título Dengyô Daishi, que tinham embarcado para a China nos primeiros anos do século IX. No Japão, além do Budismo esotérico estar presente no Shingon e na escola Tendai, ele também tem reaparecido em diversos novos movimentos religiosos. Kûkai estabeleceu uma escola no monte Kôya, mas depois de sua morte uma série de divisões e disputas ocorreram, fazendo com que atualmente a Koyasan seja somente um dos ramos do Shingon (p. 37).

O enfoque doutrinal é a perspectiva previlegiada na segunda parte do livro (capítulos 3 e 4). Em contraste com o Budismo exotérico, o Shingon é esotérico no sentido de que seus ensinamentos e práticas mais internos só devem ser transmitidos de mestre para discípulo (p. 56). Ao contrário de muitas correntes budistas, os ensinamentos principais - os sutras Dainichi-kyô e Kongôchô-gyô - são baseados não no Buda histórico Shakyamuni, mas no ensinamento de Dainichi Nyorai, que teriam sido descobertos em uma torre de ferro pelo terceiro patriarca Nagarjuna, a primeira figura histórica na série de patriarcas cujo oitavo representante é Kûkai. A principal divindade é Dainichi Nyorai, entendido freqüentemente como a energia essencial da vida, sendo o universo e as outras divindades uma manifestação dessa energia (p. 64). Também ao contrário de muitas escolas budistas, existe no Shingon uma afirmação de um self e do desejo humano (p. 72-75). Longe de serem negados, esses aspectos foram enfatizados em diversos momentos da história do Shingon, muitas vezes entendidos como uma reafirmação não só da vida mundana, mas também do self e do desejo humano (p. 8-10, 72-79). Se em termos tradicionais essas características são freqüentemente contrárias à formulação original do Budismo, no caso do Shingon eles são representados em uma escola budista considerada bastante ortodoxa no Japão. Em termos históricos, o Shingon freqüentemente rejeitou o Budismo Mahayana por estar longe dos interesses das pessoas comuns e por valorizando mais o aspecto filosófico (p. 9). No capítulo 4 é apresentada em mais detalhe essa visão da mente no Shingon, que busca superar e se diferenciar das outras escolas budistas, baseadas no vazio e na via da negação, a partir da afirmação de uma mente criativa que seria a fonte de todas as coisas (p. 96). Aqui conhecedores de psicologia podem contrapor a à visão ocidental de mente e consciência ao conceitos defendidos pelo Shingon.

As práticas religiosas são descritas na última parte do livro, nos capítulos 5, 6, 7 e 8. Como um conjunto de práticas complexas e altamente ritualizadas, somente alguns aspectos podem ser aqui indicados. De uma forma geral, o conjunto de práticas do Shingon está doutrinalmente associado ao que é descrito nos dois sutras principais, mas se expressa em uma variedade de complexos rituais. As principais práticas, especialmente as contemplativas, buscam uma purificação das atividades do corpo, fala e mente, respectivamente através de mudras, mantras e mandalas, em um processo que é frequentemente descrito como kaji (mutual empowerment), descrito no capítulo 5. No capítulo 6 são descritas as mandalas Tai-zô e Kongô-kai, que podem usadas separadamente ou em conjunto. Como representação geográfica de um espaço sagrado, essas mandalas apresentam diversos níveis e deidades que representariam a unidade do universo e do mundo espiritual (p. 126). Tradicionalmente os adeptos tem uma divindade guardiã conhecida no ritual de iniciação com essas mandalas (p. 106) e elas também são um instrumento para diversas atividades contemplativas e de visualização, muitas vezes também associados a elementos da natureza. Padrões ritualísticos gerais são descritos no capítulo 7, existindo diversas rituais para divindades específicas ou em grupos, muitos com finalidades específicas. Nesse contexto, um dos rituais públicos mais populares é o goma, a cerimônia do fogo, realizado tradicionalmente para o bodisatva Fudô Myô-ô, no qual desejos inscritos em tabuletas de madeira são queimados ritualmente. Em termos históricos, esse ritual parece ser originário dos rituais brâmanes a Agni, no qual os pedidos são levados aos céus pela fumaça e pelas chamas. No Shingon, ele também tem esse significado mágico de realização de pedidos, apesar de seu significado central ser teoricamente queimar a desilusão e os apegos com o fogo da sabedoria (p. 74). No capítulo 8 são descritas práticas mais intensivas do Shingon e experiências do próprio autor, com relatos místicos que são particularmente interessantes não só para os interessados em religiões orientais, mas também para os pesquisadores de mística comparada.

Como principal dificuldade do livro, talvez pelo fato de ter tido originalmente diversas partes escritas para o público japonês, está a profusão de termos em sânscrito e japonês. Uma introdução e um útil apêndice ajudam a aliviar essa dificuldade, mas é de se esperar que o texto pudesse ser menos árido se tivesse como preocupação também uma perspectiva comparada, que facilitasse sua compreensão para leitores ocidentais. No entanto, como texto básico sobre o Shingon ou mesmo para aqueles que se interessam por religiões orientais em geral, esse livro representa uma importante e confiável fonte de informações sobre o Budismo tântrico japonês, podendo contribuir para estudos mais aprofundados em diversas disciplinas, servindo ainda como um desafio a generalizações sobre o Budismo e sobre o conceito de religião em geral.