A inserção do Adventismo no Brasil através da comunidade alemã

Haller Elinar Stach Schunemann[*] []

Introdução

A Igreja Adventista do Sétimo Dia [IASD] no Brasil atualmente apresenta a maior membresia em números absolutos deste movimento mundial. É, também, um dos grupos mais expressivos dentro do protestantismo no Brasil, sendo que apenas duas tradições dentro do país apresentam um membresia maior: os luteranos e os batistas, excluídos os diversos ramos pentecostais. O quadro sócio-econômico atual da membresia da IASD é bem diferente do perfil apresentado em sua inserção no Brasil. Há uma peculiaridade da chegada da IASD no Brasil que é sua relação com a comunidade alemã estabelecida no Brasil durante o século XIX e início do XX. A identidade do adventismo no Brasil com a comunidade alemã foi analisada em nossa tese (SCHUNEMANN 2002). Com o objetivo de compreender a importância desta relação, apresentamos o surgimento da IASD no Estados Unidos, a expansão na Alemanha e a imigração alemã no Brasil, estabelecendo, assim, os parâmetros para compreensão desta identidade inicial e como moldou significativamente a IASD no Brasil por várias décadas

Origens do Adventismo

A Igreja Adventista do Sétimo Dia é um movimento religioso nascido nos Estados Unidos em torno do carisma de Ellen White, após a Grande Decepção de 1844, que envolveu os seguidores do pregador batista William Miller. A pregação millerita enfatizava a volta de Cristo à Terra para o "ano judaico de 1843". Após algumas decepções a expectativa do movimento alcançou o máximo de excitação em torno da data de 22 de outubro de 1844, o décimo-dia do sétimo mês do calendário judaico caraíta, que seria o dia da festa judaica da Expiação. Após a grande decepção provocada pela não ocorrência do evento esperado, o movimento passou por um período de diversas divisões. A Igreja Adventista do Sétimo Dia começou a ser formada em torno de três figuras principais Ellen White, James White e Joseph Bates, que defenderam uma posição singular: a data estava correta, mas o evento errado. Esta data marcaria o inicio do ministério de Cristo no Santuário Celestial. O carisma profético reivindicado por Ellen White foi considerado uma evidência de que eles estavam corretos. O sétimo dia como sábado foi incorporado na mesma época. Por volta de 1848 um grupo de cerca de 200 pessoas sob a liderança dos três já começava a delinear um rumo próprio dentre as diversas divergências que ocorreram entre os decepcionados adventistas. A organização formal da Igreja Adventista do Sétimo Dia só ocorreu, porém, em 1863. Na época de sua organização a doutrina adventista já estava basicamente moldada. A ênfase da IASD foi dada para àquelas doutrinas consideradas como distintivas do adventismo do sétimo dia, que confirmariam o surgimento da IASD como um movimento profetizado para o surgimento no tempo do fim. As doutrinas que a IASD aprecia destacar como suas marcas distintivas são: o juízo investigativo (começado por Jesus Cristo em 1844 que termina um pouco antes da volta de Cristo à Terra), o milênio (um período em que a Terra fica desolada), o sábado (como sinal da adoração verdadeira a Deus), o estado de inconsciência dos mortos e Ellen White (como profetiza da Igreja Remanescente, o Espírito de Profecia).

A expansão missionária mundial começou oficialmente em 1874, mas só na última década do século XIX é que estes esforços se intensificaram e acabaram tornando-a um dos movimentos religiosos mundiais com estratégia proselitista mais intensa e agressiva. Na fase inicial da expansão mundial o país mais receptivo à pregação adventista do sétimo dia foi a Alemanha. Esta expansão notável foi motivada, por um lado, pelos esforços do alemão Louis Richard Conradi, que imigrara para os Estados Unidos, onde entrando em contato com adventistas do sétimo dia convertera-se para a nova fé, e após algum tempo de trabalho na IASD dos Estados Unidos voltou para a Alemanha, e por outro, pelas condições de rápidas transformações sociais produzida pela intensa industrialização alemã.

A marca do trabalho proselitista de L.R. Conradi foi relacionar, essencialmente, o adventismo do sétimo dia aos movimentos anabatistas sabatistas, que existiam espalhados da Europa Oriental até a Rússia. Assim, dirigiu os seus esforços e de seus auxiliares a buscarem estas comunidades dispersas desde o século XVI, em grande parte pela imigração de alemães. No "cone sul" da América do Sul existiam comunidades alemães expressivas, que se tornaram o ponto para o estabelecimento das primeiras comunidades adventistas na América do Sul.

A imigração alemã para o Brasil

Analisar o porquê de os alemães terem vindo ao Brasil tem sido uma questão desafiante para os estudiosos. DREHER (1984) sugere que a preferência pelos alemães que chegaram ainda um pouco antes da independência do Brasil estava no fato de que não havendo um Estado alemão organizado e, portanto, não possuindo colônias, não consistiriam num perigo para o domínio lusitano no Brasil. GERTZ (1987) aponta para o fato de que a primeira imperatriz do Brasil era de origem alemã, o que teria influenciado a criar condições para que a primeira colônia organizada em terras devolutas em São Leopoldo (RS), em 1824, fosse de seus conterrâneos.

Não é muito fácil determinar quantos alemães entraram no Brasil entre 1824 e 1947, período considerado de imigração alemã para o Brasil. Há, basicamente, dois problemas: falta de precisão dos dados, e mudanças territoriais na Europa Oriental, fazendo com que, por exemplo, muitos alemães tivessem vindo da Rússia e poloneses tivessem passaporte alemão. De um modo geral, estima-se que cerca de 250 mil alemães vieram nesse período (SEYEFERTH 2000). FOUQUET (1974), analisando a presença alemã no Brasil destaca que as colônias alemãs no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Espírito Santo foram predominantemente rurais, enquanto no Paraná, em São Paulo e no Rio de Janeiro a concentração maior se deu nas capitais destes Estados. Ao analisar a relação de colônias apresentadas por FOQUET (1974) e MAGALHÃES (1998), podemos observar que não apenas as colônias tiveram uma distribuição irregular no período analisado de quase cento e cinqüenta anos como também os locais de origem dos imigrantes alemães eram muito variados, bem como houve várias colônias a partir de deslocamentos internos do país. Cidades como Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro também receberam imigrantes alemães no fim do século XIX. Sendo que na primeira foi, essencialmente, um deslocamento dos teuto-brasileiros do interior Rio Grande do Sul para a capital.

O sucesso dos empreendimentos também foi muito variado, não havendo registro preciso de quantos voltaram para a Alemanha ou foram para a Argentina. No entanto, o número dos que ficaram foi expressivo e o fato de as principais colônias para receber os alemães terem sido rurais e agrícolas, em regiões remotas do país como o Sul ou o Espírito Santo, contribui para dar um traço peculiar à imigração alemã. SEYEFERTH (2000) comenta o seguinte sobre a colonização alemã: " A concentração em áreas restritas, relativamente isoladas da sociedade brasileira, apesar da posterior introdução de outros imigrantes, facilitou a manutenção dos costumes e o uso cotidiano da língua alemã." Ela acrescenta ainda que o fato de os alemães terem organizado escolas alemãs foi menos motivado por um sentimento étnico e mais pelo fato das carências e ausências do governo brasileiro em exercer sua tarefa. A omissão do Estado impeliu-os à formação de sociedades comunitárias para organizar a escola, a vida social e até a saúde. Conforme destacado por DREHER (1984) não havia muitas razões aos alemães vindo ao Brasil, principalmente, antes da Unificação Alemã em 1871, para manter um sentimento de forte nacionalismo alemão. Na realidade, durante boa parte do período que os imigrantes alemães vieram ao Brasil, eles se sentiam abandonados pelo país de origem que, de um modo geral, não tinha oferecido condições satisfatórias de vida, e pelo país que os recebera, porque quase todas as promessas feitas não foram cumpridas. Seyeferth (2000) destaca a formação de um sentimento de uma etnicidade teuto-brasileira. Uma marca importante na formação desta foi, justamente, a publicação de jornais alemães onde existiam colônias significativas de alemães, principalmente, em cidades do sul do Brasil, onde após algumas gerações as colônias alemães já se haviam firmado e algumas já estavam organizadas como municípios.

Outro aspecto importante a destacar na imigração alemã é sobre a sua expressão religiosa. Normalmente, associa-se os alemães ao luteranismo, contudo, a distribuição da religião na Alemanha é bem mais complexa, uma vez que várias regiões alemãs permaneceram católicas e mesmo entre as regiões protestantes havia a divisão entre a área reformada e área luterana. Além disso, não podemos esquecer que nas mais diversas regiões havia comunidades originárias dos movimentos anabatistas, como os menonitas, por exemplo (CRAIG 1987). A religião dos imigrantes era, predominantemente, protestante, embora tenham vindo para o Brasil, alemães católicos. MAGALHÃES (1998) analisa que boa parte dos imigrantes tinha uma prática religiosa ligado ao Pietismo, movimento originário do século XVIII no Luteranismo, mas que ainda no século XIX tinha muita influência na religiosidade popular alemã.

A marca do Pietismo é, justamente, a piedade pessoal, experiência religiosa subjetiva em que se volta para o lado mais pessoal da fé. Acrescenta ainda que, devido à falta de liderança religiosa, principalmente entre as comunidades protestantes, esta tradição pietista se firmou na prática de religião familiar, centralizada, normalmente, no culto familiar. Tanto DREHER (1984) como MAGALHÃES (1998) ressaltam que somente pelo fim do século XIX é que a Igreja Luterana passa a ter preocupações com os teuto-brasileiros. Segundo MAGALHÃES (1998) uma das razões teria sido a expansão do Adventismo nas colônias alemãs no Brasil.

As primeiras comunidades adventistas no Brasil

A inserção do Adventismo no Brasil enquanto um empreendimento missionário institucional só ocorreu na década de 1890. O primeiro missionário foi Albert Stauffer, colportor, vendedor de livros evangélicos. Vindo para trabalhar na Argentina, no Uruguai e no Brasil, só dispunha, praticamente, de literatura em alemão e inglês. No caso brasileiro, a presença de colônias alemãs, que se mantinham relativamente isoladas do resto do país, propiciou o primeiro contexto favorável para a expansão do adventismo no Brasil. Conhecendo a existência de colônias alemãs dispersas pelo país, começou percorrendo os Estados do Espírito Santo e de São Paulo.

O Estado de Santa Catarina foi alcançado por Bachmeyer, colportor convertirdo no Rio, por Snyder, companheiro de colportagem de Stauffer. Logo, Bachmeyer se dirigiu ao sul do país para vender a literatura adventista. Na viagem pelas colônias de Santa Catarina, descobriu observadores do sábado, mas como não era nem ordenado e sequer batizado, escreveu ao escritório no Rio, comunicando a descoberta e pedindo que fosse enviado um pastor para batizar aqueles crentes. O Pastor J.H. Westphal era o pastor adventista para o Cone Sul. Ele morava na Argentina, sendo que ele só pôde vir ao Brasil em 1895 quando foram organizadas as primeiras comunidades e realizados os primeiros batismos. Como estes membros estavam bastante dispersos os primeiros fatos aconteceram em lugares isolados e distantes. O primeiro batizado foi Guilherme Stein Jr., que vivia em Rio Claro (SP). Em direção a Rio Claro, para realizar o batismo, foi organizada a primeira escola sabatina na cidade de Indaiatuba onde havia alguns interessados, mas que não foram batizados. No ano de 1895, tanto em Gaspar Alto (SC), como no distrito rural de Santa Maria (ES) foram organizadas igrejas adventistas. (SDABC ENCYCLOPEDIA, PEVERINI 1988, BORGES 2000). Encontramos neste período organização de igrejas em localidades como Teófilo Otoni (MG), Blumenau e Joinville (SC), Curitiba (PR), Ijuí, Não-Me-Toques, Campos de Quevedo e Taquari, estas todas no Rio Grande do Sul.

Sobre a inserção do protestantismo no Brasil é feita uma classificação de movimentos de imigração e de missão. (CAMARGO, 1973, MENDONÇA, 1990). A Igreja Adventista do Sétimo Dia chega ao Brasil como um projeto missionário. No entanto, esta missão foi feita quase exclusivamente nas comunidades alemãs. Assim, embora o Adventismo não tenha sido trazido pelos imigrantes, esteve intimamente ligada à imigração alemã que ocorria em direção ao Brasil. Ainda antes da Primeira Guerra Mundial, a IASD no Brasil recebeu uma parcela pequena de imigrantes alemães adventistas do sétimo dia, além daqueles missionários alemães que vieram trabalhar no Brasil e que, devido à existência de comunidades de conterrâneos, acabaram fixando raízes no país. É interessante observarmos que a introdução e expansão inicial do Adventismo no Brasil possuem paralelo com a forma de expansão nos Estados Unidos, pelo menos cerca de meio século antes.

O perfil destes primeiros conversos era formado por uma camada simples da sociedade rural. É interessante que as colônias alemãs no sul do país ou no Espírito Santo composta de protestantes e pequenos proprietários rurais eram semelhantes ao perfil do Adventismo do sétimo dia nos Estados Unidos, por ocasião de sua formação. Há uma cultura bíblica que mantém boa parte destas comunidades de imigrantes. Embora nem todos alemães fossem protestantes, é entre estes que o Adventismo faz sua inserção e expansão. MAGALHÃES (1998) destaca a formação religiosa pietista de boa parte destes imigrantes, podemos concluir que havia uma afinidade com o Adventismo, que foi fundado, em grande parte, por ex-metodistas, também influenciados pelo pietismo alemão. Assim na religiosidade das colônias alemãs a ênfase em uma vida de santidade para aguardar o juízo próximo de Deus encontrava uma familiaridade do tema e da própria forma identidade religiosa.

A inserção em uma ambiente com proximidade cultural àquela encontrada no norte estadunidense pode ser observada também na inserção do Adventismo nos demais países do Cone Sul. Isto pode explicar talvez, porque inicialmente o Adventismo progrediu mais nas partes "européias" da América do Sul, como Argentina e o sul do Brasil. No entanto, esta vantagem inicial do Adventismo na "Neo-Europa" Sul-americana demonstra ser um fator limitante do crescimento do Adventismo no Brasil. Em primeiro lugar, a comunidade alemã não era numerosa e de um modo geral as mais antigas colônias, por onde o Adventismo começou estavam longe do eixo produtivo do País e em regiões de pouca expressão econômica e política. A única exceção, o Rio Grande do Sul, no período bem inicial da inserção do Adventismo estava ainda se recuperando da "guerra 'civil'" ocorrido após a Proclamação da República.

Este domínio alemão pode ser confirmado pelo fato de que os "estadunidenses" enviados para o Brasil eram, na maior parte, alemães que haviam emigrado para os Estados Unidos. Após algum tempo, houve, inclusive, a chegada de missionários adventistas alemães e também de membros imigrantes alemães adventistas. Os números não foram muito elevados, mas indicam claramente um vínculo muito forte, que não encontra paralelo no Chile, na Argentina ou no Uruguai, onde a igreja também começou com imigrantes alemãs, mas mais rapidamente difundiu-se junto a outras comunidades de imigrantes. Apresentamos na tabela 1 a relação da liderança neste período.

Tabela 1 - Divisão dos Campos Administrativos do Brasil entre 1906-1910 e a liderança

Região Pastor-Presidente Membros
Rio Grande do Sul H.F. Graf 444
Paraná e Santa Catarina Waldemar Ehlers 427
São Paulo Emilio Hoelze 23
Espirito Santo e Minas Gerais Frederich Spies 150

As principais instituições foram instaladas inicialmente nestas regiões "alemãs". A primeira tentativa de um colégio foi em Brusque (SC), entre 1897-1903, transferido depois para Taquari (RS). Neste local foi estabelecido além do colégio, uma pequena tipografia para a preparação da literatura adventista. Mesmo quando as instituições deixaram Taquari (RS), primeiro a gráfica em 1907 e depois o colégio em 1909, uma região de comunidades alemãs, vieram para Santo André e Santo Amaro, no Estado de São Paulo, locais que, embora, não registrassem colônias germânicas, contava com pequenas comunidades alemães. Santo Amaro e Itapecerica da Serra também receberam colonos alemães no início do século XIX, mas as colônias não prosperaram, e boa parte migrou para Rio Negro (PR) e Mafra (SC), mas ainda possui a presença de alguns alemães. Em Santo André (SP) a propriedade comprada para o estabelecimento da gráfica era conhecida antes como "Tanque dos Alemães", o que sugere a presença de alguns alemães na região.

Interessante relembrarmos que a própria IASD na Alemanha, estava em expansão e não era muito mais antiga do que a sua inserção no Brasil, no entanto, o crescimento ocorreu lá de forma muito significativa. A descrição apresentada no SDABC ENCYCLOPEDIA sobre a IASD na Alemanha nos dá impressão de uma igreja crescente e com influência em todo o Leste e Sudeste Europeu e até na Rússia. Talvez, devido ao clima de grande confiança na superioridade germânica, os conversos ao Adventismo viam uma harmonia de duas eleições: a nacionalista e a religiosa, fundidas em um dever soberano. Pensamos que isto pode explicar, em parte porque a IASD no Brasil, em seus primórdios parece uma "filial" da IASD alemã, por exemplo, usando inicialmente o hinário alemão e as traduções alemãs da doutrina adventista, e mesmo dos livros de Ellen G. White.

Este sentido de eleição não deseja ressaltar um aspecto exclusivista a ponto de só evangelizar alemães no Brasil, mas de evangelizar e levar, de certa forma, a superioridade da cultura alemã. O fato de o Brasil ter recebido principal atenção dos alemães adventistas pode ser compreendido pelo fato de que as outras duas grandes colônias de alemães no Novo Mundo, Estados Unidos e Canadá, já possuíam um trabalho adventista bem organizado.

A primeira literatura adventista impressa no Brasil em português foi feito por pessoas como Guilherme Stein Jr., que traduziram algumas obras de Ellen White consideradas fundamentais além de publicar uma revista para evangelização em português. O que queremos ressaltar é a fusão de aspectos da mentalidade germânica com a mentalidade adventista do sétimo dia no Brasil. Alguns intelectuais brasileiros defendiam a imigração européia, em especial, a alemã (SKIDMORE, 1989), por esta razão supomos que havia um "clima" favorável aos adventistas alemães para assumirem o trabalho da Igreja Adventista no Brasil. Entre as razões, poderíamos pensar na existência de material doutrinário adventista em alemão, bem como uma maior tradição de publicações de jornais nas comunidades alemães e sua maior experiência em uma expressão religiosa com predomínio da atividade leiga e desprovida, praticamente, de rituais.

O fato de a comunidade alemã ser demasiadamente isolada no contato com os brasileiros constitui-se em uma barreira a longo prazo. As comunidades alemãs em Santa Catarina e no Espírito Santo eram predominantemente rurais e apresentaram um pequeno crescimento No Paraná, no Rio Grande do Sul e São Paulo, onde a comunidade alemã era mais urbana, a IASD conseguiu uma melhor expansão, mas mesmo assim esta expansão foi lenta. Talvez, o isolamento cultural da comunidade alemã no Brasil levou a moldar um adventismo com sentimentos de exclusivismo e superioridade.

O melhor exemplo de relação entre o Adventismo e a comunidade alemã se dá no Espírito Santo. LÜDTZKE (1989) escrevendo sobre o desenvolvimento da IASD no Estado do Espírito Santo salienta bem algumas características essencialmente alemãs, da mensagem adventista no Estado. Ao mostrar a sucessão de igrejas que foram abertas e a lista de alguns conversos, podemos observar que enquanto a IASD foi uma igreja do interior, ela foi uma igreja alemã. LÜDTZKE defende que a primeira igreja organizada no Brasil teria sido a de Santa Maria (ES); outros autores, no entanto, não confirmam esta tese. Ao descrever o processo lento da formação das primeiras comunidades adventistas, o estudo nos permite constatar que a ocupação alemã na região apresentou vários deslocamentos em busca de uma situação melhor na agricultura, deslocamentos estes que acabaram por auxiliar no alcance de novos membros, uma vez que praticamente todas as regiões que haviam estas pequenas migrações eram na região da serra, que estava sendo colonizada por alemães, no entanto não é percebido ainda um ação intensa para alcançar novos membros sistematicamente.

Na tabela 2 apresentamos as datas de fundações das igrejas, e os sobrenomes das famílias convertidas ao Adventismo como ilustração da total afinidade entre a comunidade alemã e o Adventismo no Brasil.

Tabela 2- Primeiras comunidades adventistas no Espírito Santo

Ano Localidade Conversos (sobrenomes)
1895 Sta. Maria do Jetibá Storch, Denz, Radünz, Völz, Westphal
1896 Jucu Kühl, Becker
1901 Serra Pelada Mudanças do Storch. Novos conversos: Grünewald, Keffer, Marquat, Krüger, Ost, Claus, Dalman, Zahn, Kepke
1906 Manteiga Westphal, Welmer, Braun, Bus, Wendler, Schultz
1910 Laranjinha Estabelecida com a mudança dos Kühl e Becker

Basicamente, o que se pode perceber que só há alemães entre os adventistas no Espírito Santo. Segundo LÜDTZE, só em 1919, em Laranjinha é que foi realizado o primeiro culto em português! Devido aos deslocamentos em busca de melhores condições, algumas igrejas, como a de Santa Maria não tiveram longa duração, embora ainda existisse no fim da década de 1910.

Os dados do crescimento da Igreja sugerem que houve um período de crescimento lento que reflete, provavelmente, as dificuldades na expansão do adventismo entre os nativos. Rabelo (1990) chega a comentar um episódio na construção do Colégio Adventista em Santo Amaro (SP) em que o colégio ficou sob suspeita diante do governo estadual pelo fato de as pessoas falarem apenas alemão, e isto em 1917. Este dado revela quão étnica era a IASD no Brasil, uma fé da comunidade alemã, com alguns brasileiros entre eles.

Mentalidade alemã e o Adventismo

Tentando analisar a mentalidade dos primeiros conversos adventistas no Brasil, fica difícil de dizer que existe um significado nacionalista no recebimento da mensagem adventista. Como DREHER (1984) analisa em sua obra, é difícil falar em um sentimento de germanidade entre os alemães que migraram para o Brasil antes da formação do Segundo Reich. Ele destaca que o uso da Igreja Luterana para formar e fortalecer uma identidade alemã entre os teuto-brasileiros ocorreu principalmente após 1890, quando o nacionalismo alemão desenvolve-se mais intensamente e há uma aliança explícita entre o conceito de germanidade e de religiosidade protestante.

Analisando os dados sobre a fundação das colônias alemãs fica patente que a maior parte das colônias foram fundadas antes da formação do Império Alemão. Assim, cada um destes imigrados tinha um sentimento de pertencer mais ao seu Estado de origem do que a uma nação. Além do mais, a maior parte dos imigrantes, como já consideramos, migraram para o Brasil em busca de uma condição de vida melhor. No entanto, como pudemos considerar, os alemães sempre se mantiveram bastante isolados em suas comunidades, o que fortaleceu a formação de um sentimento de independência e auto-suficiência. (DREHER 1984). Dentre os adventistas alemães poderíamos dizer que o fato de terem sido aqueles que primeiro receberam a "verdade" no Brasil, contribui para lhes dar um sentimento de uma missão especial na condução do Adventismo no Brasil.

O fim da Primeira Guerra Mundial representa também, praticamente, o fim da primeira era alemã na IASD do Brasil. O periódico publicado em alemão pela Casa Publicadora Brasileira, a editora adventista, é descontinuado devido à declaração de guerra do Brasil à Alemanha, em 1917. O objetivo era evitar suspeita de alguma ligação entre a IASD e o governo imperial alemão que, como consideraram, prejudicaria a situação da IASD no Brasil. Na realidade, a IASD nos Estados Unidos precisou se explicar ao governo estadunidense quanto à presença de tantos alemães na sua "filial" brasileira ( GREENLEAF, 1992)

SEYERFERTH (2000) demonstra que a comunidade alemã foi o grupo de imigrantes que mais lentamente influenciou a sociedade brasileira como um todo. Enquanto a presença de italianos e japoneses, principalmente, em São Paulo, se fez sentir rapidamente, as comunidades alemãs permaneceram muito isoladas, influenciado de modo tímido as lideranças nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Conforme já analisamos, a colonização alemã no Brasil, na parte anterior, foi bastante exclusivista, no sentido de, realmente, formar colônias. Além disso, devido ao grande número de promessas não cumpridas pelas autoridades brasileiras para com estas colônias, formou uma grande reserva quanto à seriedade do país. (DREHER 1984).

O Adventismo começa a alcançar os "nativos" em 1904, quando organiza a sua primeira igreja na cidade de Rolante (RS). O fato de que neste período inicial só o Estado do Rio Grande do Sul apresentar um crescimento continuo é um claro sinal de que ocorreram condições favoráveis para a formação de uma comunidade brasileira bem estabelecido e que, inclusive, desenvolve logo um senso de missão em torno da crença da IASD. Este fato se torna uma marca da história do Adventismo no Brasil.

Conclusões

Entendemos que a associação do Adventistmo com os alemães foi um fator importante para o estabelecimento da Igreja Adventista no Brasil, embora entre a comunidade lusófona do país também existe também um forte sentimento milenarista, a cultura pietista de boa parte dos imigrantes alemães forneceu o elo básico para que o adventismo lançar raízes no Brasil. O milenarismo brasileiro estrutura-se dentro de uma mentalidade católica popular que possui traços bem diferentes da mentalidade protestante popular na qual a IASD se formou nos Estados Unidos. Este distanciamento consistiu uma barreira inicial na qual a comunidade alemã serviu como uma ponte.

Como no Adventismo há um forte sentimento anticatólico, principalmente quanto às representações religiosas e adoração praticada pelos católicos há um distanciamento das massas populares nativas nesta fase inicial. É verdade que os adventistas também chamam os protestantes de apostatados, mas na adoração possuem uma forte herança protestante, identificada na centralidade da palavra e dos tipos de cânticos utilizados na adoração. A liturgia adventista é conduzida com grande participação dos "leigos" com muitas semelhanças ao culto despojado do segmento da reforma calvinista. Assim, a pouca flexibilidade doutrinária inicial do Adventismo foi compensada pelo encontro, no Brasil, de uma comunidade com uma mentalidade próxima à presente em suas condições de origem nos Estados Unidos.

Bibliografia

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CRAIG. 1987.The Germans. London, Peguin Books, 1987.

DREHER, Martin N. Igreja e Germanidade: estudo crítico da história da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil. S. Leopoldo - Porto Alegre - Caxias do Sul, Sinodal, Escola Superior de Teologia São Lourenço dos Brindes, Ed. Universidade de Caxias do Sul, 1984.

FOUQUET, C. O Imigrante Alemão e seus descendentes no Brasil. São Paulo, São Leopoldo: Instituto Hans Staden e Fed. Centro Culturais 25 de Julho, 1974.

GERTZ, René. O Fascismo no Sul do Brasil. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1987.

GREENLEAF. Flyod. The Seventh-Day Adventist Church in Latin American and the Caribbean. Berrien Springs, Michigan: Andrews University Press, 1992. ( 2 volumes).

LÜDTKE, Mizael. Origem e Desenvolvimento da Igreja Adventista no Espírito Santo. São Paulo, Centro Nacional da Memória Adventista/IAE, 1989.

MAGALHÃES, Marionilde Brepohl. Pangermanismo e Nazismo. A trajetória alemã rumo ao Brasil. Campinas, Editora da Unicamp, 1998.

MENDONÇA, Antonio Gouveia, e Velásquez Filho, Prócoro. Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo, Loyola/Ciências da Religião, 1990.

RABELLO, João. John Boehm- Educador e Pioneiro. São Paulo, Centro Nacional da Memória Adventista- IAE, 1990

SEYFERTH, Giralda. A Colonização Alemã no Brasil: Etnicidade e Conflito. in. Fausto, Boris (org). Fazer a América. São Paulo, EDUSP, 2000.

SCHUNEMANN, Haller E. S. O Tempo do Fim: uma história social da Igreja Adventista do Sétimo Dia no Brasil. São Bernardo do Campo, UMESP, 2002. [tese de doutorado]

SKIDMORE, Thomas E. Preto no Branco - raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio : Paz e Terra, 1989. 2 ed.

Notas

[*] Doutor em Ciências Sociais e Religião pela Universidade Metodista de São Paulo; Docente de Filosofia e Psicologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo.