Missão e Projeto: motivos e contingências nas trajetórias dos agrupamentos do Santo Daime na Holanda

Alberto Groisman[*] []

Resumo

Este artigo analisa motivos e procedimentos que desencadeiam e consolidam a inserção de pessoas de camadas médias urbanas em “novas” práticas religiosas, enfocando um aspecto desse fenômeno: a constituição de agrupamentos, assim como a expansão do Santo Daime - sistema religioso que utiliza uma bebida psicoativa em seus rituais - no Brasil e em outros países. O trabalho procura analisar também a estrutura, trajetória, práticas e concepções dos agrupamentos daimistas, distinguindo e dimensionando simbólica e socialmente dois conteúdos motivadores: um, que é sintetizado pela categoria missão, e outro, pela categoria projeto. Neste sentido, o artigo aborda a bricolage que caracteriza a constituição desse sistema religioso, o papel das contingências que influenciaram sua trajetória expansionista e os elementos que demarcam no campo da práxis dos agentes religiosos a distinção entre missão e projeto.

Abstract

This article analyses motives and procedures that trigger and consolidate the insertion of people from middle class origin in “new” religious practices, focusing on a phenomena: the constitution of groups, and then of the expansion of Santo Daime – religious system in what a psychoactive beverage is ritually taken -, in Brazil and to other countries. The work looks also for analyse structure, trajectory, practices and conceptions of daimista groups, distinguishing and dimensioning symbolically and socially two motivator contents: one, that is synthesised by the category mission, and other, by the category project. In this sense, the article approaches a bricolage that characterises the constitution of this religious system, the role contingencies play to influence its expansionist trajectory, and the elements that mark in the field of religious agents’s praxis, the distinction between mission and project.

Uma introdução densa

O uso de plantas e substâncias psicoativas na busca de técnicas de modificação ou expansão da percepção do mundo parece ter se tornado, nas sociedades urbanizadas do Ocidente, um movimento transcultural. Ou seja, um conjunto mais ou menos organizado de idéias e atitudes voltadas para a transposição de fronteiras geográficas e simbólicas, e motivado por uma atitude de “aprendizado” com outras culturas.

Nesse movimento, a idéia de transcendência - aqui, no sentido que Schütz elaborou [SCHÜTZ 1979], ou seja, um transpor de qualquer limite dado pelo mundo construído pela vida cotidiana - tem ocupado papel central, pelo menos entre as pessoas que se poderia encarar como uma vanguarda deste movimento: adultos maduros, oriundos de camadas médias urbanas, com formação escolar extensa, interesse em filosofia e em práticas espirituais não-ocidentais, com inquietações sobre o futuro do planeta, e/ou, ainda, com alguma, ou algumas destas características, e vinculados a um background indígena, direto ou não, com treinamento em performance de técnicas rituais consideradas de conteúdo xamânico.

Associados ao uso das plantas, consideradas expansores da consciência ou enteógenas,[1] também podem ser observados estímulos à modificação/substituição de paradigmas teóricos e cosmológicos ocidentais considerados inadequados para responder às interrogações que, por exemplo a física quântica propôs. No mesmo sentido, mas com outra ênfase, vimos emergir crenças, interesses e práticas voltadas para a possibilidade de transformação do Self [CSORDAS 1997], que tem na exploração do uso ritualístico destas plantas e substâncias uma grande influência.

Um apelo pela eliminação destas fronteiras, talvez associado à mesma movimentação cultural, parece ter produzido situações pessoais e coletivas idiossincráticas, nas quais surgiu uma relação fértil, mas tensa, entre tradição e modernidade. Em muitas abordagens essas configurações foram consideradas motivadas por um multiculturalism [MODOOD, T & P WERBNER 1997], uma espécie de espaço eclético de expressão da diversidade cultural, principalmente na metrópole; em outras, o processo ou suas decorrências foi tomado como hibridisation, visão criticada [PAPASTERGIADIS, N 2000], mas aceita por muitos autores como um arranjo simbólico e social cuja gênese poderia ser explicada em termos da transmissão de mutações culturais, ao nível de uma genética das formas de relações sociais e que produziria um ser híbrido culturalmente, combinante - em sua construção social - de diferentes matrizes originais.

Estas duas abordagens, embora bastante aceitas, não levam em conta que, primeiro, na História da humanidade, espaços multiculturais têm sido construídos em diversas ocasiões, com diferentes fins, não sendo necessariamente uma característica do chamado mundo globalizado; segundo, que, como antropólogos têm procurado mostrar, a idéia de que possam haver matrizes originais é bastante inverossímil se pensarmos que toda e qualquer matriz ou padrão cultural é subjetivamente organizado no decorrer de trajetórias individuais ou coletivas pelo processo dinâmico de observação e escrutínio do outro.

A definição desse, ou melhor, dos diversos fenômenos decorrentes dos movimentos de eliminação de fronteiras, sejam elas culturais, ou mesmo geográficas, embora possa indicar as implicações de arranjos contemporâneos, apenas cristalizam enfoques, que, dada a dinâmica dos processos, tornam-se rapidamente obsoletos. Assim, talvez olhar para os fenômenos menos na forma como se encontram e mais na forma como se desdobram possa permitir um olhar sobre motivos, contingências, escolhas de percurso e implicações como parte importante da forma como esses fenômenos se mostram.

Na base da discussão que proponho aqui, penso que para poderíamos considerar que parece necessária para as pessoas envolvidas nesses processos uma constante ressignificação na semântica de suas ações. E é esta resignificação – e sua eficácia - que tornam essas ações aptas a serem colocadas em prática nas diversas situações de negociação entre os atores e na definição dos papéis a serem desempenhados.

Bricolage simbólica

Neste artigo procuro analisar algumas dimensões e implicações de um processo que vejo como incluído nesse fenômeno e que implica numa bricolage simbólica. Um pouco especulativamente, vou pensar tal bricolage não em termos de uma estrutura lingüística, mas em termos de um código emblemático dinâmico, que, antes de produzir e promover tradição, impulsiona e aglutina pessoas em torno de uma dinâmica de modernização pragmática. Em seu interior, esse processo parece ser motivado, de um lado, por uma espécie de empirismo espiritualista - ou uma tendência de exploração dos limites da consciência humana -, por uma busca de desenvolvimento espiritual ou por uma ideologia de integração e reparação cósmicas, ao gosto do que, por exemplo, Soares chamou “nova consciência religiosa” [SOARES 1990] , e que outros, como Heelas [1996], associaram ao que é conhecido como New Age movement ou Movimento da Nova Era.

Em outro sentido, associo esse processo a um declínio no campo das práticas sociais, da densa, ampla, direta e indireta influência do que se poderia chamar de ideologia libertadora no além-morte, vinculada à promessa de salvação e vida eterna, que o catolicismo se encarregou em disseminar e garantir. E que teve, talvez, como desdobramento da necessidade de consolidação institucional, a desmotivação da busca da experiência direta do encontro com o divino.

Para esse empreendimento, meu enfoque vai ser a presença do Santo Daime num país europeu, a Holanda.

Nota sobre o Santo Daime

Santo Daime é uma denominação genérica utilizada em diversas redes semantizadas, adeptos, mídia, academia, para referir-se à bebida psicoativa que é utilizada em rituais de grupos religiosos. A expressão se refere também ao sistema ritual e doutrinário sistematizado sob a liderança de Raimundo Irineu Serra, conhecido como Mestre Irineu. Relatos dão conta que Serra, um imigrante negro, chega às fronteiras do Brasil com a Bolívia e o Peru por volta dos anos dez do séc. XX, toma a ayahuasca[2], e com base em suas experiências visionárias, cria um grupo de inspiração espiritualista-cristã. Enquanto organização coletiva, o sistema que Serra constrói surge provavelmente no final dos anos 20, nas fronteiras do Estado do Acre com a Bolívia e o Peru, e posteriormente nos arredores da cidade de Rio Branco, onde se consolida e se expande. Após o falecimento de Serra, em 1971, um de seus seguidores, Sebastião Mota de Melo, assim como um significativo número de participantes (já na época seus seguidores), rompem com as lideranças que assumiram a direção da organização de Serra e iniciam um novo agrupamento, reinterpretando a adaptando elementos até então adotados. Até a primeira metade dos anos oitenta, essa organização, que é conhecida por CEFLURIS[3], passa a patrocinar a expansão do grupo no Brasil e posteriormente, na segunda metade dos anos oitenta, sua expansão internacional[4].

Denominado(a) uma religião ayahuasqueira brasileira,[5] o(a) Santo Daime pode ser visto tanto como um sistema religioso, no sentido em que reúne transculturalmente elementos simbólicos recorrentes na construção da vida ritual e cotidiana de seus adeptos-participantes, quanto como (b) um movimento religioso, na medida em que reúne características organizacionais dentro dos diversos agrupamentos[6] em que busca legitimar e expandir sua presença material, simbólica e espiritual nos diversos contextos em que atuam seus participantes, podendo ainda ser abordado como (c) uma rede religiosa, ou seja uma articulação de agrupamentos formados a partir de iniciativas individuais ou de pequenos grupos, com uma autonomia controlada, ou seja, aptos a estabelecer diálogo, vínculos e alianças, assim como dissensão e conflito com idéias, agrupamentos e organizações espirituais outras, que não necessariamente compartilham a visão de mundo daimista, mas que, chamados, a se definir, vão se denominar daimistas.

Santo Daime na Europa: Itinerários e Narrativas de uma Expansão Contingente

O Santo Daime consolida sua presença na Europa nos anos 90 do séc. XX. Na base dos desdobramentos dos fatores facilitadores da presença do Santo Daime na Holanda estão: (1) uma crise do que se poderia chamar de referenciais genéricos de localização no mundo. Nesse campo, um olhar panorâmico sobre a segunda metade do século XX é bastante esclarecedor. Muito se escreveu sobre os anos 60, seus movimentos contra-culturais e de contestação, popularmente associados aos ícones sexo, drogas e rock-and-roll. Um outro fluxo associado genericamente a esse movimento, mas pouco explorado em termos de sua densa influência na ideologia de talvez mais de uma geração, é o sistema tonalismo-nagualismo, sistematizado de forma instigante pelos escritos de Carlos Castañeda.

Com um poder mobilizador ainda pouco investigado, os escritos de Castañeda tornaram literária e socialmente acessíveis, e, por outro lado, transculturalmente plausíveis, uma visão de mundo e uma semântica sobre o mundo espiritual, de (no trabalho de Castañeda, descritos como de “origem indígena”) e para usuários de alucinógenos, antes abordados através de complicadas descrições etnológicas que procuravam situar esses sistemas menos em sua transponibilidade e mais em sua especificidade e diferenciação de certa forma em seu esoterismo.

Ainda nesse sentido, uma outra questão associada a presença do Santo Daime na Europa é a de que se trata de um processo desencadeado por uma transposição simbólica, que eu - um pouco densamente - definiria como uma reprodução e implantação performática de sistematizações idiossincráticas, muitas vezes pessoalmente organizadas e interpretadas, de formatos rituais e de formulações ideocosmológicas desenvolvidas num contexto amazônico e influenciadas pelo contato com pessoas oriundas de contextos urbano-industriais e motivadas por experiências.

Essa transposição muitas vezes se dá fortemente barganhada por uma idéia de que há alguns itens tradicionais que precisam ser fielmente transpostos. Essa premissa implica em uma série de parâmetros para o estabelecimento de relações políticas e pessoais que, ao mesmo tempo em que determinam desdobramentos, também suscitam mecanismos e conteúdos diversos de negociação, que, para fins desta análise poderiam ser vistos como articulando um ethos, as agendas e os muitos projetos das pessoas, dos agrupamentos e das entidades envolvidas.

O chamado projeto, enquanto categoria de entendimento de uma espécie específica de elaboração e projeção da ação, é associado por Gilberto Velho à perspectiva do indivíduo nas sociedades complexas e definido como “uma ação com um objetivo predeterminado, mas que só se concretiza num campo de possibilidades [VELHO 1981]. A essa base articulada talvez fosse útil acrescentar um outro elemento, as contingências, para entender um movimento ou fluxo, seja ele configurado no social enquanto deslocamento ou reposicionamento de pessoas, assim como das idéias e práticas que elas vivem em comum, compartilham ou disputam.

Associo a essa categoria de entendimento a idéia de itinerário, que tem sido utilizada analiticamente para definir as trajetórias das pessoas em busca de cura (e, assim, definida como itinerário terapêutico) e às trajetórias individuais no campo da espiritualidade contemporânea, evocando a idéia de um itinerário de busca, no qual há o apelo ideológico e moral por um ethos e um Self disponíveis para a auto-transformação.

A idéia, então, de itinerário religioso ou espiritual, pode sintetizar a articulação entre as agendas pessoais grupais, assim como fornecer um parâmetro para olhar as correlações complexas que se estabelecem no contexto do continuum entre o pensamento, os ritos e a vida cotidiana de seus participantes. Assim, investigar a presença de agrupamentos daimistas na Holanda, e talvez, em outros países, é entrecruzar analiticamente agenda, projeto e trajetórias pessoais com agenda, projeto e trajetórias coletivas dos agrupamentos daimistas - e é o que experimentalmente tentarei fazer aqui.

No mesmo campo da bricolage simbólica à qual me referi antes, considero que categorias sintéticas legitimam e motivam a ação dos daimistas envolvidos no processo de transposição simbólica do Santo Daime para a Holanda. Uma é representada pelo termo missão - utilizado amplamente no discurso de daimistas brasileiros para definir e circunscrever muitas de suas atitudes no mundo. Outra dimensão nesse processo é recortada pela categoria projeto, definida por Gilberto Velho como “uma ação com um objetivo predeterminado, mas que só se concretiza num campo de possibilidades”, que poderia ser considerada mais apropriada como definidora de como os holandeses que participam de rituais do Santo Daime pensam e agem em relação a sua própria inserção no sistema religioso.

Assim, minha intenção é compreender os desdobramentos “trajetoriais” dessas duas perspectivas tanto no posicionamento quanto na percepção que as pessoas envolvidas desenvolvem nas formas como expressam sua inserção quando narram a emergência e as razões para o surgimento dos grupos que participam.

As narrativas dos daimistas ligados ao CEFLURIS demonstram que os passos mais efetivos para a implantação de novos núcleos fora da área em que foram fundados os primeiros centros ocorreram na segunda metade dos anos 70 (do séc. XX). Também entre os anos 70 e os anos 80 houve um aumento significativo do fluxo de visitantes de outras regiões do país e de outros países para a região de Rio Branco, e, mais especificamente, para a localidade conhecida como Colônia Cinco Mil[7]. Vera Fróes [1986:48], por exemplo, registra que, até junho de 1980, havia no livro de registros da Colônia Cinco Mil, 1201 assinaturas de pessoas que haviam tomado o daime pela primeira vez. Segundo Fróes, havia a indicação de várias procedências, incluindo as de outros países como Argentina, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Inglaterra, França, Itália, Suíça, Alemanha, Portugal, Japão, Israel e Canadá.

Nos anos 80 ocorre a fundação de três igrejas fora da região amazônica - no Rio de Janeiro, em Mauá (qual Estado, RJ) e em Brasília - e do primeiro grupo daimista organizado que teria promovido trabalhos rituais fora da América do Sul, a partir de 1987 em Boston (EUA).

Mas somente em 1989 teria sido realizado o primeiro ritual oficial na Europa. Convidados pelo terapeuta chileno Claudio Naranjo, um grupo de lideranças da igreja do Céu do Mar, do Rio de janeiro, organiza rituais durante a Semana Santa na cidade de Caravaca, na Espanha. Essas etapas do processo, que, por ocasião das narrativas, ganharam o status de resultado de tramas e incitavas “do poder”, aqui entendido como uma força especial que interfere na história dos homens e que auxilia para que o que deva acontecer aconteça, assumiram na sua seqüência um significado importante, na medida em que Naranjo era conhecido por sua seriedade e prestígio principalmente nos círculos da psicoterapia não-tradicional, o que criou uma conjuntura favorável para a expansão dos contatos em solo europeu.

Entretanto, o caráter considerado “oficial” desse primeiro ritual do CEFLURIS na Europa não desencadeou necessariamente uma “oficialização litúrgica”. Membros ou pessoas vinculadas à tradição do CEFLURIS passaram a patrocinar sessões encaradas por participantes europeus como workshops. A presenças desses facilitadores, sempre celebrada efusivamente por participantes europeus - muitos dos quais tinham expectativa de estar compartilhando o daime com uma “xamã sul-americano” - ainda era cercada por infra-estrutura informal, na qual participantes perplexos tentavam infrutífera e mimeticamente entoar os hinos em português e executar de forma claudicante os passos do bailado daimista.

Neste sentido, workshops com daime ocorrem na Holanda, Alemanha, Itália e Espanha, de certa forma, paralelamente aos rituais chamados oficiais, que começavam a acontecer. Este paralelismo trouxe problemas institucionais para o CEFLURIS, que acaba convocando um primeiro encontro de centros daimistas europeus em Gerona, Barcelona, Espanha, para o período de Finados (dois de novembro) de 1996, tendo na pauta a padronização dos procedimentos dos agrupamentos, principalmente aqueles relativos à performance do ritual, às relações com o CEFLURIS e às formas de sustentação financeira e de cobrança de fees[8] para participação nos trabalhos espirituais.

Assim, de um lado havia sido expresso na estrutura do encontro um grande investimento político e pessoal da diretoria do CEFLURIS para demonstrar que o Santo Daime, como religião institucionalizante e séria, tinha em sua agenda a transparência e a seriedade, e que a consolidação de tal característica seria alcançada apenas com o apoio dos agrupamentos europeus a um plano de “reforma institucional”.

Dessa forma, no I Encontro Europeu de Centros Daimistas havia representantes de agrupamentos da Bélgica, Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Holanda, Portugal, Espanha, Suíça, País de Gales e Grécia, num total de vinte e oito agrupamentos de pessoas associadas ao CEFLURIS. Particularmente os agrupamentos da Espanha e da Holanda eram considerados os mais consolidados, mas outros países tinham representações expressivas, como a Alemanha, que tinha uma rede pulverizada de oito grupos atuantes com número significativo de participantes.

Foi solicitado aos representantes dos grupos presentes no encontro que indicassem número de participantes permanentes e eventuais, chegando-se à conclusão de que cerca de 300 pessoas participavam regularmente das atividades dos agrupamentos daimistas, e que pelo menos o mesmo número participava eventualmente, sendo que havia uma predominância geral da participação de mulheres, particularmente onde os grupos eram considerados consolidados, na Espanha e na Holanda,[9] totalizando assim, em dois anos de presença, a adesão de mais de 500 pessoas. Elas haviam tomado o daime, que seria, a rigor, uma poderosa substância psicoativa, ingerida em um ritual transformado dinamicamente mas estruturado com base na religiosidade interiorana brasileira, influenciada pelo que se poderia chamar de xamanismo transicional,[10] pelo esoterismo e por elementos das tradições afro.

No período entre 1997 e 1998 existiam três agrupamentos organizados do Santo Daime na Holanda, um em Amsterdã, um em Haia (Den Haag), a capital administrativa da Holanda, e outro em Alkmaar, uma localidade. Em 1996 e no período de 1997/1998 recolhi dados sobre esses grupos e pretendo, a seguir, abordar mais especificamente como as narrativas dos participantes situam o surgimentos desses grupos e enfocá-los do ponto de vista das relações e implicações de sua existência em termos de terem sido criados a partir de missão ou projeto.

Sobre Missões, Projetos; Considerando Contingências e Idiossincrasias

Um enfoque para abordar a trajetórias seria pensar missão em termos das matrizes religiosas existentes na sociedade brasileira. Nesse sentido, daimistas brasileiros definem suas ações a partir de uma dimensão relacional com a divindade e o mundo espiritual - que, em última instância, e implicitamente, é quem os coloca no contexto de sua obrigação, e o que também, por extensão, organiza, dramatiza e estimula a relação de compadrio e subserviência que muitos desses daimistas estabelecem com outras lideranças do movimento. Associada a essa articulação entre ação-sagrado-divindade-lideranças, configura-se uma ideologia de honra e gênero. Assim, quem “recebe” e concretiza sua missão cumpre com sucesso os desígnios de um Self disciplinado, humilde, corajoso e realizador, valores altamente desejáveis num contexto de lógica cármica que é o Santo Daime enquanto sistema religioso.

Por outro lado, os acontecimentos narrados nas referências à expansão por participantes do Santo Daime inserem o processo no campo do ethos, dos projetos, e das agendas da pessoas envolvidas no chamado movimento da Nova Era, mas relativizado por dois elementos. O primeiro, que Luis Eduardo Soares apontou em um artigo chamado “O Santo Daime no contexto da Nova Consciência Religiosa”, situa os participantes do Santo Daime como parte de um fluxo de certa forma dissonante em relação às tendências itinerantes dos participantes da Nova Consciência Religiosa e como buscadores de um espaço ritual/social onde pudessem parar e consolidar os resultados de seu itinerário exploratório.

O segundo elemento é o representado pela importância que assumem as contingências, circunstâncias, motivações pessoais e idiossincrasias expressas pelos atores sobre si e sobre os outros no estabelecimento de escolhas e caminhos. Neste particular poderíamos considerar, por exemplo, a multiplicidade de razões que motivou agrupamentos e pessoas a se engajaram na criação e na consolidação de núcleos daimistas e, depois, de “igrejas” em território holandês, uma primeiro motivada pela busca de tratamento de uma doença grave, uma segunda motivado pela continuidade de uma busca exploratória de alternativas para garantir a continuidade de um processo coletivo de convivência social e espiritual, e uma terceiro, desencadeada primeiro por uma visão na qual um brasileiro se vê aceitando uma missão.

Por um lado, um olhar sobre esses acontecimentos narrados indica a forma e a dinâmica do processo, mostra como iniciativas, projetos e eventualidades, quando articuladas, podem proporcionar resultados que muitas vezes não fazem parte das expectativas, mas que somam densamente em seu desdobramento. Por outro lado, evidenciam um aspecto que vem sendo observado sobre o que tem sido chamado de religião na pós-modernidade, ou seja, sua característica de movimento exploratório, empírico, no qual o ser e o estar podem ser vistos como motivados por uma perspectiva de desenvolvimento espiritual e auto-conhecimento, mas que tem na sua centralidade um projeto de permanente dis-solução (termo utilizado por exemplo no contexto dos escritos de movimentos como de Bhagwan Shree Rajneesh) do ego e de re-solução, termo que elaboro para definir euristicamente o projeto do novo estado experencial do ser e do estar que essa religiosidade propõe como resultante da iniciativa anterior.

Consideradas essas implicações de fundo, passo agora a abordar sinteticamente características de surgimento e instalação dos agrupamentos daimistas na Holanda, procurando situar o que pareceu ser um processo de constante impulso e acomodação de intenções, que ora são pessoais, tornando-se grupais, mas que ora aparecem como grupais, implicando numa adesão individual estimulada.

Os Agrupamentos Holandeses

O agrupamento daimista de Amsterdã surgiu do afastamento de pessoas que participavam de rituais com o emergente agrupamento de Den Haag. Uma dessas pessoas, que posteriormente viria a se tornar a principal líder do grupo de Amsterdã posteriormente, considera-se precursora em fazer contatos com os daimistas brasileiros e a pioneira da iniciativa de trazer o Santo Daime, enquanto organização religiosa, para a Holanda. Assim, sua narrativa dá conta de que, em 1992, teve diagnosticado de um tumor no cérebro; cética em relação aos resultados de procedimentos como radioterapia e cirurgia, e procurando formas alternativas de tratamento, ouve falar do Santo Daime quando participava de shamanic workshops, como são definidas as atividades de pessoas que se apresentam como xamãs e organizam, em contexto urbano, sessões consideradas vinculadas a tradições indígenas com fins terapêuticos e divinatórios[11]. Nessa busca, ela faz contato com daimistas na Itália e participa posteriormente de rituais na Espanha, onde ouve falar do Céu do Mapiá, para onde vai posteriormente. No Céu do Mapiá coleta livros e fitas de hinos e recebe o daime para fazer tratamento, com a recomendação e a incumbência de tomar uma colherada todos os dias às três horas da manhã, o que fez entre dezembro de 1992 e julho de 1993.

Quando encerrou esse tratamento ainda restava uma garrafa de daime e, por orientação ainda dada no Brasil por seus anfitriões mapienses, ela procurou pessoas para compartilhar a bebida, e ficou sabendo de um grupo de seguidores de Osho em Den Haag que estavam explorando terapia com psicoativos e cujo líder havia escrito um livro sobre as substâncias psicodélicas em que era mencionada a ayahuasca. Assim o contato foi feito e, segundo sua narrativa, é iniciado o movimento de implantação do primeiro agrupamento daimista na Holanda.

Naquele momento, o encontro se dá com o grupo de pessoas que já está organizado há muito tempo como uma espécie de grupo-comunidade terapêutica, que tem em seu núcleo fundador pessoas que desde os anos 70 conviviam e organizavam-se de forma coletiva, primeiro em sítios administrados de forma cooperativa e coletiva, depois em uma comunidade do chamado “movimento Rajneesh”, cujos participantes ficaram conhecidos como sannyasin from Osho, e cujo modelo de organização eram as comunidades conhecidas como ashrams.[12] No final dos anos 70, essas pessoas criaram e conviveram numa comunidade-ashram chamado Anubhava,[13] que perdurou até a metade dos anos 80.

Pouco tempo depois da morte de Bhagwan Shree Rajneesh e da quase desagregação de seus ashrams, as pessoas do futuro agrupamento de Den Haag resolveram romper com o movimento e criar atividades de exploração das potencialidades terapêuticas das substâncias psicoativas. As atividades do grupo, então, se voltam para o uso de psicoativos em sessões controladas.

É nesse período que componentes do grupo ficam sabendo do Santo Daime através de uma entrevista de um líder daimista publicada numa revista norte-americana chamada Shaman’s Drum[14]. O conteúdo é compartilhado com os demais membros do grupo e logo surge o interesse em conhecer mais sobre o Santo Daime. Um contato com daimistas, porém, vai ocorrer somente em 1993, quando membros do grupo participam de uma conferência em San Francisco, EUA, comemorativa dos 50 anos do descobrimento do ácido lisérgico por Albert Hofmann. No evento, um contato é estabelecido com um daimista de um grupo que estava iniciando seus trabalhos em Stuttgart, que os convida a vir à Alemanha, o que ocorre pouco tempo depois.

Assim, a igreja daimista de Den Haag teve em sua origem a atividade de um grupo de pessoas com uma convivência de longa duração, a partir de um núcleo formado ainda nos anos 70 e que, naquele início dos anos 90, procurava se associar pessoal, grupal e profissionalmente ao movimento emergente de revival do psicodelismo, mas agora com um caráter especificamente vinculado ao chamado New Age movement e, mais especificamente, ao uso ritualmente controlado de substâncias psicoativas para fins terapêuticos e de desenvolvimento espiritual.

Por sua vez, o agrupamento daimista de Alkmaar, segundo a narrativa de seu líder brasileiro, é criado em 1995 por ocasião de uma viagem sua para a Europa como membro de uma das chamadas comitivas.[15] Depois de relutar ele decide participar da viagem, motivado pela idéia de que estava cumprindo uma missão de levar para o Velho Continente a cura e conhecimento sobre o uso do daime e da santa maria, como é chamada ritualmente a cannabis no contexto daimista. A atribuição espiritual dessa missão teria sido antecipada por uma visão ainda nos anos 80, e depois por outra visão pouco antes de sua viagem.[16] Assim, segundo sua narrativa, a motivação central de sua presença na Europa seria essa missão, confirmada pelas duas visões.

Analisando as narrativas pude notar que, antes de se caracterizarem que como projetos sistematizados, as iniciativas de expansão foram grandemente determinadas pelo resultado de combinação da reconstrução cotidiana dos caminhos relacionais dos participantes. Assim, no caso dos agrupamentos de Amsterdã e Alkmaar, buscas relacionadas a receber e oferecer cura, bem como a atribuição de incumbências e autoatribuição de uma missão, foram centrais para influenciar as formas com que esses agrupamentos se organizaram pelo menos nos primeiros anos de sua existência. Assim, para esses dois agrupamentos, a realização de rituais tinha uma motivação terapêutica muito forte - no caso dos grupos de Amsterdã e de Alkmaar, eram enfatizadas tanto pelas lideranças quanto pelos participantes a transmissão da autoridade ritual e do conhecimento da “tradição”, e das formas de uso do daime e da santa maria, reforçando uma visão missionária.

Já em Den Haag, embora o aspecto terapêutico e a busca do conhecimento ritual fossem considerados importantes, o investimento coletivo estava direcionado para a consolidação dos vínculos internos e relações com um segmento chamado Unbandaime, linha espiritual surgida entre umbandistas que, no Brasil, passaram a freqüentar grupos daimistas e inseriram o uso do daime e as práticas mediúnicas da Umbanda no mesmo espaço ritual. Este vínculo, por sua vez, foi incluído então num projeto do grupo de reparação cármica das atrocidades cometidas pelos europeus em relação aos povos conquistados do Terceiro Mundo, principalmente indígenas e africanos [GROISMAN 2002].

Por outro lado, a configuração dos agrupamentos - em suas especificidades - na época de minha pesquisa parecia indicar que o processo de sua criação marcou os desdobramentos de sua organização e funcionamento. Assim, em Amsterdã, os participantes dos rituais se aglutinavam em torno da líder: (1) de forma individualizada (forma em que se inspira a criação do agrupamento); (2) seguindo um modelo que segue os padrões dos grupos brasileiros, ou uma forma centralizada de gestão política, na qual decisões são tomadas por um núcleo central e submetidas ao crivo das lideranças brasileiras do CEFLURIS; e (3) considerando o vínculo e a identificação ideológica mais explícita de membros com a santa maria e com tradições dos índios das pradarias norte-americanas, incluídos na iconografia ritual e nas conexões dos membros com pessoas do círculo da New Age da cidade de Amsterdã.

Já em Alkmaar, o agrupamento se reunia em torno da autoridade ritual e pessoal do líder, um experiente músico que, carismático e convincente em sua intenção e performance, colocava em prática sua missão de curar e ensinar os europeus recebida em visões ainda no Brasil.

Assim, no contexto dos desdobramentos que assumiu a expansão do Santo Daime para o Hemisfério Norte, estão alguns fenômenos que me parecem centrais. Primeiro, a manifestação de um ethos que tem como parâmetros motivadores dois bens simbólicos, o desenvolvimento espiritual e a cura espiritual, que se articulam na transculturalidade implícita, tanto no campo do projeto quanto no campo da missão. Poderíamos sistematizar este ethos como motivado, também, por uma espécie de impulso empírico de busca de outra possibilidades para o Self na diversidade humana, enquanto um espelho, curioso, auto-observante, em certos casos auto-crítico, em outros narcísico e, nesse sentido, motivador ou desmotivador dos sentimentos de localidade e nacionalidade.

Mas não se pode furtar à percepção de que poderíamos vê-lo, também, com um viés econômico, quando reconhecidamente voltado para a transformação dos saberes com os quais tem contato - bens simbólicos - em commodities, peças de um mercado no qual o apelo simbólico é também um apelo de estímulo à troca de valor para alimentar um mercado ávido de todo o tipo de exotismos e novidades. Nesse sentido, as idéias de conhecimento mútuo e troca transcultural, características de todo o contato, torna-se apropriação daqueles saberes.

Assim, as formas como os lideres das três igrejas do Santo Daime existentes na Holanda narraram o surgimento de suas organizações e como as configuraram em seus primórdios, expressam com eloqüência, por um lado, as formas contemporâneas de prática e expressão da espiritualidade e, por outro, demonstram uma característica marcante do Santo Daime enquanto organização religiosa, e que está num dos seus principais projetos de ser um sistema eclético[17], mas que poderíamos, recorrendo a Turner, chamar também de multivocal. A categoria multivocal, na leitura que faço aqui, se prestaria a definir um espaço ou um contexto de tal forma aberto e evocativo que poderíamos construí-lo socialmente, ou percebê-lo com tal versatilidade que não seria possível estabelecer com precisão o seu significado - uma tarefa interpretativista clássica -, mas apenas constatar as diversas formas com que se expressa nos diferentes contextos e, dentro deles,, a partir das diversas interpretações. Ou, em outras palavras, essa multivocalidade seria uma forma de definir uma versatilidade tão eficaz que diferentes formas de motivação, disposição e inclinação - para usar as categorias de Geertz em sua clássica definição de religião – poderiam ser objeto ou ter lugar em seu interior como forma absolutamente legítima e aceita.

A contrapartida para essa fluidez seria a estrutura ritual e um estilo de conduta comportamental que o Santo Daime, na condição de sistema religioso, preconiza nas diversas oportunidades de explicitação, uma proposta rigidez nas formas, sustentada por uma disposição ao autêntico e ao tradicional e por uma extraordinária flexibilidade proporcionada por uma ideologia de salvação que praticamente não exclui nenhum interessado a priori (por seu comportamento, posição social ou tipo de interesse que desperta) desde ele que se integre com o intuito de se desenvolver espiritualmente, outra multivocalidade, contribuir materialmente com dinheiro ou trabalho, e estar disposto a cumprir missões, tarefas ou, em outras palavras, realizar projetos indicados pelas lideranças ou propostos pelo próprio participante.

Uma implicação dessas premissas para a fruição da criação e da consolidação das igrejas holandesas e para a facilitação da inserção de seus membros no sistema como um todo é uma mimesis particularmente do formato/estrutura ritual e uma experimentação dos demais elementos

Assim, em termos de um ethos que inspirou os holandeses a investir na empreitada de transpor simbolicamente (rito, algumas práticas sociais e ideo-cosmo-logia) o Santo Daime para a Holanda, precisamos, em primeiro lugar, considerar o contexto ideológico amplo e denso que Watling [WATLING 2000] observou ao analisar a organização e práticas religiosas da população em uma cidade do interior da Holanda, caracterizada por seu caráter de constante experimentação dos sistemas presentes e busca de inovação dos mecanismos de articulações social.

Repercutindo uma visão mais ou menos generalizada entre os daimistas, de que o aprendizado do ritual e da doutrina são fruto do conhecimento adquirido no continuum entre a experiência ritual e a prática cotidiana, os participantes nos rituais holandeses tinham em sua agenda eventos nos quais se reuniam fundamentalmente para aprender. Eles me diziam: “we are here to learn”. Um desses eventos era semanal e constituía-se em uma sessão com estrutura mais informal que os rituais oficiais, na qual havia uma intenção sistematizada de ensaiar o entoar dos hinos e o aprendizado da etiqueta, tanto daquela percebida na performance dos facilitadores brasileiros (aí procurando “estudar” e incorporar em suas próprias práticas), quanto de uma mais particular, que eles próprios desenvolveram e que queriam compartilhar com os novatos.

Por outro lado, o formato do ritual daimista também tem um papel fundamental na promoção e facilitação da inserção destes europeus. Sua estrutura pressupõe um controle genérico da experiência com base no poder divinatório do entoar os hinos. E, assim, ensejar o rito, ou, em outras palavras, (a) patrocinar com fundos ou trabalho sua realização, (b) participar ativa e adequadamente de seus desdobramentos, ou seja, integrar-se em sua linguagem e (c) procurar encontrar os caminhos para que o desempenho pessoal seja um sucesso, confirmando a expectativa implícita e generalizada sobre a ingestão da bebida e os efeitos provocados, é o fiel da balança da performance pessoal e grupal.

Assim, o que temos é uma situação quase paradoxal, produzida pelas tensões entre tradição e modernidade na medida em que está inscrita num contexto em que se entrecruzam dois modelos de motivação, o do projeto e o da missão. Essa situação, em suma, no seu caráter contingencial, pode ser vista com uma abordagem da trajetória de uma vanguarda cujos fins se inserem incisivamente na agenda ocidental de reparação e “bem-estar global”, e que convive no seu cotidiano com as práticas e o pensamento de uma concepção religiosa na qual a tradição continua sendo central, e sua manutenção parte das missão de seus sacerdotes.

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Notas

[*] Professor na Universidade Federal de Santa Catarina.

[1] Têrmo que que foi elaborado no final da década de 70 por Carl A. P. Ruck, Jeremy Bigwood, Jonathan Ott e R.GordonWasson [RUCK et alli 1979]. E que articula do grego entheon (divindade interior) e gen (que indica a idéia de nascer). A elaboração e o uso da expressão segue a tendência da politização e disseminação de uma visão que preconiza um caráter sacramental para os psicoativos, e assim, se constitui numa reação a uma visão destes psicoativos, como drogas a serem criminalizadas.

[2] Ayahuasca é o nome popularizado de preparados utilizados por grupos indígenas, curandeiros urbanos, populações ribeirinhas e organizações religiosas, cuja composição tem na base a utilização da planta Banisteriopsis caapi, um cipó da família das Malpigiáceas, que contém harmina, substância inibidora da monoamina oxidase, que favorece a ação de outras substâncias endógenas ou exógenas que com efeitos psicoativos. A bebida é também conhecida por yagé, caapi, natema, kamarampi, pildé, oasca or uasca, daime e vegetal, é considerada psicoativa, classificada pela farmacologia tradicional como alucinógena e pela literatura contemporânea como enteógena (Ver Groisman 2000). No contexto do Santo Daime, a B. caapi se chama jagube e é preparada ritualmente juntamente com a planta Psychotria viridis, que contém a triptamina DMT.

[3] Centro Eclético de Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra.

[4] Ver GROISMAN 2000.

[5] Ver LABATE: 2000:29.

[6] Utilizo aqui a categoria agrupamento para evitar restringir a forma de organização coletiva de participantes de rituais daimistas na Holanda à definição “grupo”, que denota uma estratégia organizativa específica, e para não limitar as possibilidades de auto-denominação, principalmente nos casos em que os participantes atribuem um status para o grupo e a direção das entidades organizativas, como o CEFLURIS, atribui outro.

[7] A Colônia Cinco Mil foi a primeira comunidade organizada sob a liderança de Sebastião Mota de Melo.

[8] Nestas workshops, ao invés do sistema de associação (mensalidade, direitos e deveres), a modalidade de sustentação era o pagamento de valores, muitas vezes vultosos pelos participantes, para financiar a participação dos “xamãs” brasileiros, vista por participantes como prestação de serviços terapêuticos.

[9] Ver GROISMAN 2000.

[10] Conforme a definição de LUNA [1986] para o xamanismo praticado pelos vegetalistas no Peru.

[11] Ver LABATE 2001.

[12] Os mais conhecidos eram os existentes em Poona, na Índia e Oregon, EUA.

[13] Tradução de Anubhava: experiência [GROISMAN 2000].

[14] Entrevista concedida por Alex Polari de Alverga para Gary Dale Richman, revista Shaman’s Drum [inverno-1990/1991].

[15] Termo que é utilizado para denominar as equipes daimistas que, a partir do anos 90, passaram a percorrer centros daimistas no Brasil e no Exterior para visitar, supervisionar, instruir e atuar nos trabalhos espirituais, patrocinados pelos agrupamentos locais

[16] Ver GROISMAN 2000.

[17] É extraordinário que este projeto de ecletismo, expresso em muitas referências a trajetória intelectual-teológica de Raimundo Irineu Serra, seja não só um motivador para o ingresso de participantes, mas possa ser adotado por pesquisadores para definir as possibilidades multivocais do sistema daimista enquanto promotor de um habitus ritual e ideológico.