Política Sexual em Comte e Durkheim: Feminismo, História, e a Tradição Sociológica Francesa[*]

Jean Elisabeth Pedersen
Tradução: Denise Lopes de Souza

Em 1900, Emile Durkheim celebrou um novo século ao recapitular a história da sociologia do século anterior. Embora tenha nomeado figuras fundadoras de ambos os lados do Atlântico, caracterizou o novo campo como uma “ciência essencialmente francesa” (1900, 609). Somente a França poderia fornecer o lar apropriado para a nova ciência; somente a França agrupava as inovações da ordem social pós-revolucionária com a contínua tradição intelectual da racionalidade Cartesiana. Em sua história precedente do socialismo, Durkheim havia nomeado Henri de Saint-Simon como o fundador do pensamento “sociológico” (1958), mas, em sua nova história centenária, conferiu a maior parte do elogio a Auguste Comte, o “pai” do campo, o inventor do termo sociologia, e, apesar de suas dívidas com Saint-Simon, “para nós, o mestre per excellence” (Durkheim 1900, 609-12).[1]

Em histórias subseqüentes da disciplina, Durkheim se juntou ao seu predecessor Comte entre os reconhecidos “pais fundadores da sociologia moderna”, e a ciência social francesa de Comte e Durkheim do século XIX se tornou parte da pré-história da sociologia americana do século XX.[2] Na classificação hierárquica de Comte das ciências naturais e sociais, a sociologia era a mais alta, mais complexa e mais importante. Durkheim continuou o projeto de Comte ao desenvolver o que famosamente chamou “a ciência dos fatos sociais” (1895). Em sua avaliação sobre sociologia em 1900, ele tomou todos os créditos por trazer o campo para o que descreveu como a “a era de especialidades” ao combinar história, etnografia comparativa e estatística para entender as causas e efeitos das regras legais específicas e injunções morais (Durkheim 1900, 649). Mais tarde, intelectuais enfatizaram o papel de Durkheim em fazer da sociologia uma disciplina autônoma ao institucionalizá-la dentro do sistema universitário francês (Gouldner 1970; Clark 1973).

O teórico social Donald Levine, autor de uma das mais ambiciosas tentativas recentes de entender, reconciliar e renovar o que ele chama “visões da tradição sociológica”, sustenta que Durkheim representa “a totalidade da tradição francesa”, não somente devido ao seu trabalho como sociólogo, mas também por seu “papel cívico” como historiador da sociologia. Ele elogia Durkheim especialmente pela análise do “diálogo além das gerações”, que constitui o cânone da sociologia francesa, e toma a prática de Durkheim como “exemplar” para seu próprio trabalho (1995, 172). Embora Levine esteja correto em conferir a Durkheim seu papel central na criação da sociologia, as atenciosas análises contextuais do cânone francês feitas por ambos se tornaram defeituosas devido à omissão de um contexto político particularmente significante: o debate do século XIX sobre o que os contemporâneos chamam de “questão da mulher”.[3]

Meu trabalho, em contraste, integra abordagens da história das mulheres, sociologia feminista, história e filosofia da ciência e ciência social para fornecer uma história alternativa do cânone francês que se tornou tão importante para o pensamento social contemporâneo. Enquanto Durkheim reconhecia o significado da Revolução Francesa em sua história centenária, nada disse sobre as calorosas discussões acerca do verdadeiro relacionamento entre homens e mulheres, que eram um legado destacado daquele grande conflito.[4] Ambos, Comte e Durkheim, que desenvolveram suas ciências da sociedade no contexto dessas discussões, valorizaram a diferença sexual, dirigiram a atenção ao estudo da família e insistiram que somente alguns tipos de casamento poderiam servir como base para uma sociedade avançada. Comte, por exemplo, rejeitou as discussões de socialistas utópicos e das primeiras ativistas feministas quando sustentou que “a unidade social verdadeira é certamente a família” e afirmou que “a sociedade provará que a igualdade de sexos...é incompatível com toda existência social”.[5]

Enquanto Durkheim, diferentemente de Comte, acreditava que o significado social da “família conjugal” contemporânea estava em declínio, ainda assim enfatizava a crescente importância do casamento moderno (Durkheim 1921). Como Comte, ele dirigiu sua ciência social para fins políticos ao usar sua pesquisa sobre tópicos como a história da família, a divisão do trabalho e o suicídio para contrapor uma demanda feminista do fim do século particularmente controversa, o divórcio por consentimento mútuo. Além disso, a influente exposição da história da sociologia de Durkheim estabeleceu um precedente para trabalhos posteriores que minimizaram a importância dos esforços sobre políticas sexuais que tinham marcado o desenvolvimento de sua nova disciplina.

Seguindo o exemplo de Durkheim, a maioria dos intelectuais da sociologia francesa fez vistas grossas ou subestimou as maneiras pelas quais os trabalhos de Comte e Durkheim participaram dos contínuos debates sobre as implicações políticas e sociais da diferença sexual. Sociólogos americanos desde os anos 20 até os 50 estiveram menos interessados em contextualizar o cânone que tinham herdado do que criar e celebrar a superioridade científica rigorosa da ciência social pura sobre seus parentes menos importantes, a reforma e o trabalho social.[6] Até mesmo interpretações mais matizadas do cânone, que intelectuais franceses e americanos produziram nos anos 60 e 70, situaram o campo numa colocação histórica incompleta porque sua visão do passado ignorou as ações e experiências de mulheres para contar a história do que um autor reveladoramente chamou de “mestres do pensamento sociológico” (Coser 1977) exclusivamente em termos de interações entre homens.[7]

Nos últimos vinte anos, intelectuais feministas têm desafiado o status canônico de Comte e Durkheim ao criticar suas sociologias, antropologias e filosofias sobre mulheres e família.[8] Outros, menos focados nessas duas figuras francesas e sua tradição nacional, têm contestado o cânone de uma segunda maneira, ao redescobrir os trabalhos sociais esquecidos de mulheres desde Mary Astell e Mary Wortley Montague até Jane Addams e Charlotte Perkins Gilman (Deegan 1988; McDonald 1993, 5-6, 1994; Deegan e Hill 1997). Um recente analista dos limites móveis entre ciência, ciência social e literatura destacara a importância em estudar o que ele chama de “’história secreta’ das ciências modernas”, aquela que enfatiza o papel que escritoras profissionais como Clotilde de Vaux, Harriet Taylor e Beatrice Webb tiveram nas vidas de seus, mais famosos, companheiros (Lepenies 1988, 15).

Conforme historiadoras feministas como Joan Scott e Bonnie Smith notaram, quanto mais sabemos sobre o que as mulheres conquistaram no passado, mais temos razão para nos perguntar porque suas conquistas têm sido tão freqüentemente esquecidas no presente (Scott 1988; Smith 1998). Para responder essa questão no caso da sociologia, precisamos saber não somente o que o cânone sociológico deixou, mas também como e porque ele foi criado. Para explorar essa questão, meu trabalho busca entender e desafiar o cânone sociológico de uma outra forma, combinando a crítica da sociologia influente de Comte e Durkheim com a crítica posterior das igualmente influentes histórias do pensamento social de Durkheim.

Recentes sociólogos do conhecimento, filósofos da ciência, historiadores da ciência e da ciência social têm sustentado que não se pode entender inteiramente nem usar efetivamente um método científico ou científico social sem explorar as circunstâncias de sua criação (Chandler, Davidson e Harootunian 1994; McDonald 1996; Somers 1996). O mesmo discernimento deveria ser considerado na avaliação da influência de trabalhos exemplares em qualquer área. Embora as influentes contribuições de Comte e Durkheim para a ciência social não tenham sido idênticas, elas foram fundamentalmente sexistas, marginalizando as mulheres ao definir a sociedade e a história em termos de interesses e atividades masculinas. Como resultado, somente uma versão histórica feminista consegue produzir uma história da sociologia que esclareça inteiramente as causas e conseqüências de sua canonização.

Para fornecer tal análise eu li os textos clássicos de Comte e Durkheim em comparação com os opostos trabalhos dos socialistas utópicos, das primeiras feministas e reformistas do divórcio do fim do século (fin-desiècle) que eles combateram. Também explorei a correspondência pessoal e o comentário social que revela como o próprio Comte e Durkheim entenderam as implicações políticas de seus principais trabalhos. As duas primeiras sessões, discussões sobre Comte e Durkheim em seus respectivos contextos históricos, demonstram em que medida seus trabalhos foram conservadores, não simplesmente no relacionamento com as posições de intelectuais feministas hoje, mas até mesmo no relacionamento com figuras feministas que eles confrontaram em suas próprias épocas. A terceira sessão, uma análise das descrições do próprio Durkheim sobre as tradições Saint-Simonianas e Comteanas, que identificou como suas mais importantes inspirações, mostra como as histórias fundadoras de Durkheim e seu campo ajudaram a eliminar a presença e o esforço político das mulheres da história da sociologia. A sessão final sugere os benefícios das histórias novas e explicitamente feministas para a sociologia contemporânea e para o pensamento social.

Wolf Lepenies e Peter Weingart notaram que para o “profissional [da disciplina], a história da disciplina [é geralmente]... a estória do herói e do culto a ele” (1983, ix). A filósofa Andréa Nye destacou as implicações sexistas de tal estória em sua crítica feminista sobre histórias disciplinares da lógica, as quais fornecem “narrativas heróicas de vitória, ruptura, derrota, [e] reverso... [para] mostrar a lógica se movendo adequadamente, quando fixa, em direção à perfeição” (1990, 3). Ela observa: “Parece que os historiadores da lógica insistem em que os problemas dela, ... não estão ligados às relações conflituosas entre homens e mulheres, entre homens, ou entre homens e o mundo natural; ou seja, não estão relacionadas a tudo que possa tê-las feito compreensíveis”.(3)

As histórias de Durkheim da teoria social não são tão hermeticamente seladas quanto as histórias da lógica que Nye descreve. O propósito de sua sociologia era precisamente localizar homens individuais na rede da sociedade em volta deles. Para esse propósito seus trabalhos científicos sociais, suas histórias da sociologia e socialismo e seu manual para sociólogos geralmente mostravam a opinião dele sobre os problemas sociais que seus predecessores tinham enfrentado e que ele esperava, juntamente com seus sucessores, resolver. Todavia, seu trabalho compartilha alguns similares pontos obscuros com aqueles de Nye, “historiadores da lógica, geralmente eles mesmos lógicos” (Nye 1990, 173). Apesar da presença de mulheres feministas e de homens radicais nos momentos iniciais da ciência social francesa, os relatos de Durkheim sobre as origens da sociologia similarmente omitiram “relações conflituosas entre homens e mulheres” e minimizaram conflitos políticos “entre homens”. Devido ao status canônico de Durkheim, essas omissões paradigmáticas têm ecoado pelo trabalho de subseqüentes intérpretes da tradição científica social até o presente momento. Dada a importância do papel central do gênero na construção das disciplinas, histórias especificamente feministas são necessárias para reverter tal silêncio.

I. Comte, socialismo utópico e feminismo

A meta vitalícia de Comte foi desenvolver uma ciência da sociedade que forneceria regras para se alcançar ordem e progresso sem revolução social violenta, o que parecia ter se tornado parte permanente da cultura política francesa desde a revolução de 1789. Nascido sob o Diretório em 1798, ele já tinha passado pela ascensão e queda do império napoleônico e pelo início da restauração de Bourbon quando publicou o primeiro volume de seu primeiro grande trabalho, o Cours de philosophie positive, em 1830, menos de um mês antes da Revolução de Julho. Antes de publicar o último volume de seu segundo grande trabalho, o Système de politique positive, em 1854, ele já tinha passado pela Monarquia de Julho, pela Revolução de 1848 e pelo estabelecimento do Segundo Império sob Napoleão III.

As idéias do próprio Comte sobre a ciência social e política sexual mudaram tão dramaticamente quanto a época tempestuosa ao seu redor. Mary Pickering, a principal autora de sua biografia, identificou três estágios separados de sua atitude face às mulheres que estavam ao seu redor e suas recomendações para o comportamento social delas. No primeiro, que precedeu seu casamento e suas principais publicações, ele leu os trabalhos feministas igualitários de Mary Wollstonecraft e o Marquês de Condorcet, criticou a opressão social das mulheres em suas cartas e desafiou seus pais ao se casar com Caroline Massin, “uma mulher forte e inteligente... de uma classe social inferior... sem dote” (Pickering 1996, 12). Depois da deterioração de seu casamento e da ascensão do socialismo utópico, Comte entrou numa fase “anti-feminista” reacionária, associada com seu primeiro grande trabalho, o Cours de philosophie positive (1996, 17-21). Seu novo amor pela escritora Clotilde de Vaux e reações às participações das mulheres e trabalhadores na Revolução de 1848 uniram-se para produzir uma final “fase altamente ambivalente” associada ao seu segundo grande trabalho, o Système de politique positive, uma “conciliação” que reconhecia o intelecto e a influência das mulheres, mas permaneceu “patriarcal” (1996, 17-21).

Ao elogiar Comte, Durkheim focou somente no trabalho associado à fase do meio, citando repetidamente o Cours de philosophie positive, ao passo que ignorava publicações posteriores de Comte. Isso faz a reconsideração do Cours de Comte, o contexto de sua criação e as implicações de suas argumentações particularmente importantes. Embora Durkheim nada tenha dito sobre a política sexual do trabalho de Comte, o próprio Comte a viu como central para seu método. Em vez de se ignorar tais políticas, pode-se ter um sentido mais completo dos papéis de Comte e Durkheim para a fundação da tradição sociológica francesa ao considerar-se suas respectivas posições.

Intelectuais têm debatido o relacionamento entre os dois volumosos trabalhos de Comte desde quando o segundo apareceu. Enquanto Cours de philosophie positive enfatizou o uso da razão para chegar a soluções científicas sociais para problemas políticos, o Système de politique positive valorizou a expressão da emoção numa nova religião da humanidade.[9] Seja elogio à razão ou à emoção o que Comte fizera, ele, entretanto, constantemente relacionou homens ao pensamento e mulheres ao sentimento. Até mesmo quando isso o levou a substituir a marginalização das mulheres no primeiro sistema à veneração delas no segundo, ele constantemente relacionava suas avaliações da natureza emocional das mulheres a explicações sobre porque as mulheres eram inadequadas para participar da vida pública. Até mesmo na religião da humanidade, que reverenciou as mulheres pela perspicácia espiritual, elas poderiam conquistar sua maior honra somente se permanecessem, na frase contraditória de Comte, “livres no sagrado retiro de seus lares” (1851, 1:259), ou seja, de forma alguma inteiramente livres.

A essencialidade sexual e conservadorismo político de Comte foram não uma reflexão do seu tempo, mas uma reação a ele. O primeiro volume completo de seu primeiro trabalho, o Cours de philosophie positive, apareceu exatamente antes da Revolução de 1830.[10] Uma historiadora caracterizou os anos imediatamente posteriores à revolução como “anos negros”, com altos níveis de desemprego, baixos salários e greves freqüentes (Riot-Sarcey 1994, 51). “Paradoxalmente” ela, entretanto, salienta que esses anos eram também aqueles onde “tudo parecia no reino do possível” (54). Outro intelectual caracterizou o período como uma época de “euforia política”, com menos restrições na imprensa, maior liberdade de associação e uma renovada fundação de um grande número de clubes republicanos (Beecher 1986, 410). Nesse clima contraditório de incerteza econômica e otimismo político, socialistas utópicos encontraram muitas audiências interessadas pelos novos caminhos nos quais eles propunham resolver problemas industriais ao mudar o relacionamento entre especialistas sociais científicos e políticos eleitos, trabalhadores e proprietários e mulheres e homens.

Até 1838, ano em que Comte começou a compor aqueles volumes posteriores do Cours que incluiriam sua opinião sobre homens, mulheres, família e sociedade, existiram pelo menos três desafios para estabelecer a posição das mulheres na França. O primeiro foi o de Charles Fourier; o mais extensamente conhecido foi o de Prosper Enfantin, que expandiu o trabalho de Saint-Simon; e o mais potencialmente radical foi o de um grupo de mulheres da classe trabalhadora que, no final, modificou o que tinham aprendido de Fourieristas e Saint-Simonistas para criar o que a historiadora Claire Goldberg Moses chamou não somente de um “movimento autônomo de mulheres”, mas também “o primeiro empreendimento feminista conscientemente separatista” (1984, 63). As variadas propostas dos socialistas utópicos sobre como conquistar igualdade entre homens e mulheres incluíram não somente planos visionários para estruturas matrimoniais alternativas e lares cooperativos, mas também exigências pragmáticas por divórcio legal e o direito das mulheres ao voto. O próprio Comte, como ex-aluno de Saint-Simon, reagiu ao enfatizar que a sociologia provaria a necessidade de famílias tradicionais conduzidas por homens públicos racionais e mulheres emocionais e privadas.

Esses debates tinham começado já em 1808, quando Fourier “estabeleceu uma pauta” para radicais sexuais (Moses 1993, 37), alegando em seu Théorie dês quatre mouvements que “progresso social e mudanças históricas ocorrem em virtude do progresso da mulher em direção à liberdade, e a decadência da ordem social ocorre como resultado da diminuição da liberdade da mulher” (Fourier [1808] 1983, 145). Na opinião de Fourier, as pessoas não poderiam ser verdadeiramente livres e a sociedade perfeitamente ordenada até que as mulheres fossem libertadas do que ele chamou de “correntes do trabalho doméstico familiar”. Em seus falanstérios ele convidou mulheres a buscar trabalho mais satisfatório, “grandes casas de mil de setecentas até mil e oitocentas pessoas... onde o trabalho doméstico e os cuidados com as crianças empregarão somente um décimo de mulheres que são agora requeridas em nossas famílias fragmentadas” ([1808] 1983, 145-46).

Até 1829, outra alternativa para o trabalho industrial comum e para a vida familiar apareceu no trabalho, mais popular, de Enfantin. Embora o inspirador de Enfantin, Saint-Simon, tivesse morrido quase desconhecido em 1825, aquele baseou-se no trabalho deste para fundar “primeiro uma ‘escola’, depois uma ‘sociedade’ e, finalmente, uma ‘religião’” (Moses 1984, 42). Ele clamou por uma redefinição de Deus como ambos, pai e mãe, profetizou uma nova ordem mundial sob a regulamento do “casal papal”, propôs hierarquias sociais paralelas de liderança masculina e feminina e, finalmente, e mais dramaticamente, estimulou os Saint-Simonianos sob sua nova liderança para “reabilitar a humanidade”, trocando as restrições do casamento monogâmico, que subordinava as mulheres aos homens, por um sistema complexo de relacionamentos amorosos livres. Embora sua última idéia provocasse o governo francês a condenar Enfantin por “imoralidade pública” em 1832, seus idéias Saint-Simonianos sobreviveram mesmo entre aqueles desencantados seguidores que se voltaram para Fourier após o aprisionamento de Efantin (Moses 1984, 42-50; Beecher 1986, 417-28; Riot-Sarcey 1994, 76-86).

Discussões sobre a questão da mulher não se limitavam a teóricos sociais masculinos.[11] De um terço até metade dos seguidores de Enfantin eram mulheres tais como Jeanne Deroin e Suzanne Voilquin, primeiras feministas que, ao final, fundaram um novo jornal, escrito por mulheres para mulheres, muitas das quais simbolicamente indicaram sua libertação do controle masculino ao assinarem seus artigos somente com seus primeiros nomes. A primeira edição do manifesto, La femme libre, proclamou: “Nascemos livres como os homens e não é justo que metade da raça humana permaneça em estado de servidão à outra metade”. Suas exigências específicas incluíam “emancipação social” para as mulheres em público e “igualdade no casamento” para mulheres do lar ([Deroin?] [1832] 1983, 146). Enquanto seu novo movimento ainda enfatizava diferenças entre homens e mulheres, ele também explorou as diferenças entre mulheres, alcançando uma audiência de classe trabalhadora maior do que seus predecessores masculinos, Fourier, Saint-Simon, e até mesmo o próprio Enfantin (Moses 1993, 44-65).

Estes três grupos competidores de socialistas utópicos geralmente discutiam um com o outro e entre eles mesmos. Em pelo menos uma ocasião, a maior e mais barulhenta multidão abafou a apresentação pioneira do próprio Fourier numa conferência vizinha Saint-Simoniana (Beecher 1986, 418). Fourier, que se ofendeu com a crescente popularidade de oradores que não tinham estudado a questão da mulher tão cedo quanto ele, retaliou ao criticar a ênfase Saint-Simoniana sobre a religião: “[Os Saint-Simonianos] lisonjeiam as mulheres [e] prometem uma liberdade derrisória... [A]ntes de dá-las o direito a governar, a elas deveria ser dado o direito de trabalhar e comer bem” ([1832] 1983, 145-46).

Os próprios seguidores de Enfantin se dividiram depois de 1831, quando ele anunciou duas políticas controversas: “reabilitação da humanidade” e “espera pela Mulher” (Moses 1984, 47, 49). Saint-Amand Bazard, co-líder de Enfantin, Claire Bazard, a comandante da hierarquia das mulheres, e diversos outros membros proeminentes deixaram o grupo em protesto ao desafio de Enfantin sobre o casamento monogâmico. Enfantin reagiu ao enunciar que a cadeira vazia ao lado dele permaneceria daquela forma até que uma mulher que pudesse complementar sua liderança religiosa masculina como sua metade feminina do casal papal ideal ocupasse o lugar (Moses 1993, 34-44). Até que sua Messias feminina aparecesse, ele sumariamente expeliu mulheres Saint-Simonianas influentes, tais como Agläe Saint-Hilaire, de posições de liderança que elas já tinham alcançado: “Não há mais nenhuma mulher nos graus da hierarquia [Saint-Simoniana]” (Moses 1984, 56). Depois de a polícia ter fechado o dormitório de alunos e o hall de conferências Saint-Simonianos no início de 1832, Enfantin marginalizou as mulheres em seu grupo ao deixá-las em Paris, enquanto abrigou seus companheiros masculinos em Ménilmontant. Embora as mulheres Saint-Simonianas sempre tivessem sustentado suas próprias posições sobre as idéias de Enfantin, essa última divisão finalmente provocou Désirée Veret, Reine Guindorf e Suzanne Voilquin a produzirem um novo jornal sob sucessivos títulos La femme libre, Apostolat des femmes, Affranchissement des femmes, e, na maior parte dos dois anos em que foi publicado, La tribune des femmes (Moses 1984, 65).

Mulheres Saint-Simonianas podem ter deixado o grupo sob encarceramento, mas tal exclusão também inspirou muitas delas a aparecerem com suas próprias variações distintivas sobre temas socialistas utópicos que as rodeavam. Embora, por exemplo, mulheres Saint-Simonianas tais como Voilquin, Pauline Rolan e Claire Démar concordassem que uniões pessoais deveriam ser baseadas no amor em vez de convenção social ou necessidade econômica, elas logo descobriram que as mulheres corriam mais risco com experimentações sexuais do que os homens. Como mulheres da classe trabalhadora, elas também se preocupavam mais com a sobrevivência econômica do que os homens da classe média que tinham inicialmente seguido Enfantin. Como resultado, embora as Saint-Simonianas nunca desistissem do desejo de renovação moral, elas também acolheram bem a ênfase Fourierista sobre a economia.[12] Moses sustentou que o feminismo delas tornou-se o legado mais duradouro das doutrinas socialistas utópicas originais de Saint-Simon.

O trabalho científico social do próprio Comte emergiu do mesmo mundo de discussões barulhentas sobre reforma social e igualdade sexual que os socialistas utópicos compartilharam. Enquanto Enfantin conheceu amplamente Saint-Simon através de seu trabalho publicado, Comte tinha, na realidade, estudado com Saint-Simon por cinco anos.[13] Como Fourier, Comte invejou a popularidade de Enfantin e os Saint-Simonianos que o seguiram. Ele desenvolveu suas idéias parcialmente como um contínuo comentário sobre elas, criticando sua religião emocional como uma distorção do plano original de Saint-Simon, enfatizando sua própria cientificidade como a mais fiel expansão das idéias iniciais comuns do mestre, e, mais tarde, tentando desenvolver sua própria contra-religião, a Religião da Humanidade (Pickering, 1993a). Sua publicação de Cours de philosophie positive funcionou como parte de sua crítica pública sobre os socialistas utópicos cujas audiências invejou, especialmente quando a usou para insistir no que chamou de “subordinação natural das mulheres” (Comte [1855] 1974, 504).

O objetivo estabelecido por Comte ao produzir seu primeiro sistema foi desenvolver uma ciência da sociedade que permitisse a cientistas sociais especialistas “suprir a verdadeira teoria do progresso para a prática política”, ao aconselhar políticos sobre como alcançar mudança social sem caos social ([1855] 1974, 464). Embora Comte alegasse que sua ciência social seria tão infalível quanto qualquer ciência física ou natural, suas próprias hipóteses políticas evidenciaram-se assim que ele listou as “três classes de considerações” que todo cientista social precisaria entender: “as condições da existência social do indivíduo, da família e da sociedade, sendo a última entendida num sentido científico, a espécie humana como um todo e, principalmente, a totalidade da raça branca.” (498). Embora sua primeira categoria fosse “o indivíduo”, ele rapidamente concluiu que “o espírito científico nos proíbe de considerar a sociedade como uma soma de indivíduos. A verdadeira unidade social é certamente a família” (502).

Em oposição aos seus contemporâneos socialistas utópicos que buscavam igualdade sexual, Comte declarou que o único tipo de família que poderia servir como base para a sociedade era “redutível a... duas ordens de relação – isto é, a subordinação dos sexos que institui a família, e aquela das gerações que a mantém” ([1855] 1974, 503). Embora reconhecesse que “as condições últimas do casamento pudessem mudar”, ele insistiu que as mesmas sempre permaneceriam hierárquicas, “conforme o princípio fundamental da instituição: a subordinação natural das mulheres, que reapareceu sob todas as formas de casamento, em todas as épocas” (504). Ele concluiu: “A sociologia provará que a igualdade dos sexos... é incompatível com toda existência social, ao mostrar que cada sexo tem funções especiais e permanentes que devem desempenhar na economia natural da família humana” (505).

A naturalização de Comte sobre a diferença e desigualdade sexual sugere que, mesmo quando parecia falar sobre “indivíduos” sem considerar o gênero, ele falava, na realidade, sobre homens. Por exemplo: embora ele definisse “atividade especulativa espontânea” como a principal característica que separava “Homem” de “animais inferiores”, ele também enfatizou a “inferioridade relativa da Mulher” considerando isto como “trabalho mental” (505). Mulheres emocionais representavam um desvio do padrão masculino racional que Comte chamou, com inclusão ilusória, de “o organismo social” (505) ou, numa carta de 5 de outubro de 1843 para um dos seus companheiros intelectuais mais próximo, o filósofo britânico John Stuart Mill, de “o grande tipo humano” (Mill 1899, 246).

O compromisso de Comte com sua sociologia conservadora sobre as mulheres e da família foi tão grande que contribuiu para a dramática ruptura com Mill depois que os dois intelectuais exploraram o que Comte chamou, na mesma carta, de “nosso sério desacordo sociológico e biológico sobre a condição e a destinação social das mulheres” (Mill 1899, 245; Thompson 1974). Mill, o qual tinha elogiado Comte como “uma das grandes mentes de nossa época” numa carta de 8 de novembro de 1841 (Mill 1899, 4), reagiu às publicações das opiniões de Comte sobre as mulheres com uma série de cartas mantendo a confiança na educação das mulheres que formaria mais tarde o clássico feminista On the Subjection of Women [A Sujeição da Mulher] (Koffman 1978, 219). Numa carta de 30 de agosto de 1843, Mill alertou Comte sobre os perigos em tornar essenciais as implicações da diferença biológica: “Corremos o risco de exagerar o grau da verdadeira diferença [entre homens e mulheres] se não considerarmos as diferenças na educação e posição social; pois, sejam as mulheres inferiores ou não em sua capacidade por esforço intelectual prolongado, não há dúvida de que nada em sua educação é organizado de forma a desenvolver esta capacidade nelas” (Mill 1899, 238). Comte discordou fortemente em sua carta de resposta de 5 de outubro de 1843: “Acredito que você não dá a necessária importância às conseqüências da inferioridade natural” (246). Após uma série de correspondências sobre a importância relativa da natureza e da formação para produzir diferença sexual, nas quais continuaram a discordar sobre se as mulheres deveriam ser iguais ou subordinadas aos homens, Comte e Mill, que tinham um dia planejado juntos criar uma nova ciência social, pararam de se corresponder.

Nas décadas posteriores à divergência, Mill continuou a fazer campanha pelo direito das mulheres ao voto na Inglaterra. Ao passo que Comte entrou no que Pickering caracterizou como sua terceira fase, de “conciliação”, ele veio a valorizar a superioridade moral e emocional das mulheres e até mesmo reconheceu a importância do intelecto delas (Pickering 1996, 21-25). Todavia, embora designasse as mulheres como sacerdotisas na nova Religião da Humanidade que esboçou em seu segundo grande trabalho, o Système de politique positive, manteve controle econômico e legal nas mãos dos homens (Gane 1993, 6). Embora a nova ênfase de Comte sobre mulheres, emoção e religião trouxesse seu trabalho posterior mais próximo daqueles próprios Saint-Simonianos que tinha criticado em seus primeiros escritos (Pickering 1993a), ele nunca seguiu os socialistas utópicos até o ponto de relacionar a valorização da emoção das mulheres com as mudanças progressivas em sua situação econômica ou política. Por exemplo, enquanto prometeu que, “desde a infância, cada um de nós [homens] será ensinado a considerar seu sexo [mulheres] como a principal fonte de felicidade e melhora humana, seja na vida pública ou privada” (Comte 1851, 1:259), ele também sustentou que o casamento era a única alternativa para “tendências anárquicas” (238) e condenou propostas para “igualdade temporal” entre homens e mulheres como “retrógradas utopias vãs” ou “sonhos subversivos” (248). Embora propusesse educação secundária para as meninas tanto quanto para os meninos, continuou a se opor ao divórcio, educação profissional para mulheres, controle da mulher sobre seu dote ou herança e até mesmo um novo casamento de uma viúva após a morte de seu esposo.[14]

II. Durkheim, divórcio e feminismo

Comte pode ter desenvolvido algumas das idéias fundadoras da sociologia, mas foi Durkheim o responsável por institucionalizar a nova disciplina no sistema da universidade francesa e ganhar o apoio dos políticos republicanos para a ciência da sociedade. À primeira vista, as circunstâncias pessoais, políticas e profissionais de Durkheim parecem ter sido muito mais fáceis do que as de Comte. Por exemplo, enquanto os relacionamentos de Comte com mulheres tais como sua ex-mulher Massin e sua posterior musa de Vaux foram tempestuosos, o casamento de Durkheim com Louise Dreyfus, sobre o qual muito menos é admitidamente conhecido, tem sido lembrado por seus alunos e subseqüentes intelectuais como calmo, amistoso e cooperativo (Lukes 1985, 99; Gane 1993, 2-3). Similarmente, enquanto Comte passou por meia dúzia de mudanças importantes no regime político, Durkheim passou somente pela troca do Segundo Império para a Terceira República em 1871, quando ele tinha treze anos. Mais importante, enquanto Comte viveu a maior parte do tempo nas margens da academia, Durkheim seguiu uma trajetória ascendente pelo coração dos sistemas universitário francês, do começo de sua educação superior na influente École Normale Supérieure até o fim de sua carreira em Sorbonne.

Entretanto, embora as circunstâncias sociais de Durkheim pareçam ter sido menos atribuladas que as de Comte, os escritos sociológicos daquelee Durkheim se ocuparam igualmente da questão da ordem social. Embora a Terceira República, estabelecida na infância de Durkheim, durasse bastante tempo depois de sua morte, o novo sistema era muito pouco seguro. Até a época em que Durkheim escreveu seus primeiros livros, o governo republicano, que tinha emergido depois da guerra Franco-Prussiana e da Comuna de Paris, tinha sobrevivido aos desafios iniciais dos monarquistas na década de 1870 somente para enfrentar novas críticas de feministas, socialistas e nacionalistas anti-semíticos na década de 1890. O trabalho de Durkheim, que propunha a fundação da moralidade laica, a qual seria ensinada nas escolas públicas, tentou fornecer respostas oficiais ao novo sentido de crise política, econômica e cultural (Stock-Morton 1988). Em seu guia para cientistas sociais, o Règles de la méthode sociologique, Durkheim prometeu que sociólogos futuros seriam capazes de definir estados sociais normais e melhorar a saúde de uma dada sociedade da mesma forma que médicos contemporâneos já conseguiam diagnosticar e curar a doença de um paciente individual (Durkheim 1895, 93).

Observadores no fin-de-siècle geralmente relacionam seus sentidos de crise às formas pelas quais as relações tradicionais entre homens e mulheres pareciam mudar com dramática velocidade (Perrot 1987; Silverman 1989). Embora as feministas republicanas que constituíam a massa do novo movimento de mulheres estivessem mais propensas a se opor à prostituição do que apoiar relacionamentos amorosos livres de seus predecessores socialistas utópicos, elas exigiram suas próprias reformas controversas.[15] Já em 1873 quinhentas pessoas assinaram uma petição exigindo direitos civis e divórcio legal para as mulheres (Klejman e Rchefort 1989, 51). Feministas que participaram de uma série de congressos cada vez mais manifestos em 1878, 1889, 1896 e 1900 buscaram autonomia legal para mulheres solteiras ou casadas, incluindo o direito de freqüentar a universidade, administrar propriedade, testemunhar documentos legais, ser tutoras, votar em eleições nacionais e divorcia-se nos mesmos termos que os homens.[16] Antes da virada do século tais congressos, juntamente com pesquisas da imprensa, romances populares, e peças parisienses, colocaram o casamento e o divórcio no centro do que o historiador Edward Berenson chamou “um debate de escala nacional” (1984, 41).

Durkheim, como Comte antes dele, sustentou posições sociais oficiais em debates sobre política sexual que o rodeavam. Por exemplo, dedicou uma das suas primeiras séries de conferências à “sociologia da família”, especialmente a “família conjugal”, em 1888 (Durkheim 1888, 1921). Em 1893, fundamentou-se naquele trabalho anterior para insistir na diferença sexual como ingrediente essencial para o casamento moderno e sociedade civilizada em seu primeiro livro, De la division du travail social ([1893] 1984). Talvez mais significante, terminou seu terceiro trabalho acadêmico, Le suicide, em 1897, ao expressar uma ansiedade sobre as conseqüências sociais do divórcio, a qual repetiu em espaços mais explicitamente políticos quando se opôs ao divórcio por consentimento mútuo em Revue bleue em 1906 e num seminário sobre “Casamento e divórcio” em Union pour l´action morale em 1909 (Durkheim [1897] 1951, 1906; Union pour l´action morale 1909).

Analistas do pensamento social têm geralmente discutido sobre se categorizam Durkheim como “adversário conservador” do Marxismo, individualista “liberal” ou até mesmo crítico social “radical”.[17] Por exemplo, embora Durkheim rejeitasse a luta de classes revolucionária, ele apoiou os socialistas utópicos franceses do fin-de-siècle que buscavam melhorar a vida da classe trabalhadora por meio de intervenção pacífica do Estado (Lukes 1985, 320-60). Se opôs ao militarismo e ao anti-semitismo, e ajudou a fundar a Ligue pour la défense des droits de l´homme, criada para defender o capitão francês judeu Alfred Dreyfus de acusações de traição à direita em um dos mais controversos julgamentos do século.[18]

Enquanto Comte havia assumido a superioridade da civilização européia em sua afirmação de que a ciência social era a estória da “raça branca” (Comte [1855] 1974, 498), Durkheim usou seu último livro, Les formes élémentaires de la vie religieuse, para sustentar que a mesma estrutura conceitual da ciência moderna tinha suas mais importantes raízes imersas na experiência primitiva da religião australiana aborígine (Durkheim [1912] 1995, 433-40). Embora os primeiros trabalhos, tais como De la division du travail social, tivessem enfatizado um progresso inevitável das sociedades mecânicas primitivas com famílias patriarcais ou paternais para civilizar sociedades orgânicas com famílias conjugais, Les formes élémentaires tomou um rumo diferente. Em vez de simplesmente contrastar selvagem e civilizado, o último trabalho de Durkheim também fez consistentes relações entre as primeiras tribos e as nações modernas quando comparou animais totêmicos à bandeira francesa ou o entusiasmo religioso ao espírito da Revolução Francesa (Durkheim [1912] 1995, 212-16, 228-31, 420-30).

Intelectuais que se voltaram para questões de gênero têm advertido que a oposição de Durkheim ao divórcio por consentimento mútuo o designa como conservador social a respeito dos assuntos feministas de sua época (Sydie 1987; Gane 1993, 21-58; Lehmann 1994). Um olhar mais próximo sobre a situação histórica de Durkheim, entretanto, fornece uma avaliação mais complexa de sua política sexual (Pedersen 1998). Embora a oposição persistente de Durkheim ao divórcio por consentimento mútuo o colocasse em oposição a homens radicais e à maioria das mulheres feministas, seu último reconhecimento de que algumas formas de divórcio limitado seriam sempre necessárias o colocou numa categoria diferente da de seus contemporâneos mais conservadores, os quais se opunham a todos os tipos de divórcio.

Desde a Revolução Francesa, no século anterior, republicanos e católicos romanos tinham discutido sobre se o casamento era um serviço civil ou um juramento solene sagrado, e se o divórcio era o simples término de um contrato legal ou a rejeição pecaminosa de uma promessa permanente. Para republicanos e socialistas no fim do século XIX, legalizar o divórcio era um aspecto importante de seu programa anti-clerical, parte de uma tentativa de estabelecer uma sociedade secular igualitária. Alfred Naquet, que conduziu a campanha por divórcio legal nas primeiras décadas da Terceira República, explicou em 1881: “O primeiro avanço da mentalidade clerical contra a mentalidade democrática moderna foi a revogação do divórcio: portanto, a primeira vingança do espírito democrático contra o espírito clerical deveria ser o restabelecimento do divórcio” (Naquet 1881, 1). Para as feministas, o divórcio era um importante símbolo da autonomia da mulher, garantindo o direito de abandonar um casamento ruim. O primeiro Congrès international du droit des femmes anunciou em 1871 “que a indissolubilidade do casamento é contrário ao princípio da liberdade individual e à moralidade” e exigiu “o direito absoluto ao divórcio” (Congrès international du droit des femmes [1878] 1983, 133-34).

A Lei Naquet, que trouxe de volta o divórcio à França, em 1884, foi um projeto de lei de meio-termo que rejeitava o divórcio revolucionário com consentimento mútuo em favor de um divórcio por um limitado número de causas: adultério, convicção criminal de desonra ou “crueldade, violência ou abuso sério” (Veil 1981, 105, 111). Reformadores do divórcio insatisfeitos reclamaram que aquela nova lei não somente estimulava as pessoas a mentirem sobre suas vidas privadas, como também as forçavam a fazer de suas discordâncias um espetáculo público. Por exemplo, os romancistas Paul e Victor Margueritte, alguns dos mais sinceros oponentes da legislação existente, a caracterizaram como “restritiva e incompleta... geralmente ineficiente, algumas vezes opressiva e sempre deplorável devido ao escândalo que acompanhava seu procedimento” (Margueritte e Margueritte 1902, 3). Embora feministas católicas romanas como Marie Maurgeret, editora de Le féminisme chrétien, se opusesse até mesmo a divórcios limitados como “amor livre”, os oitocentos participantes do Congrès international de la condition et des droits des femmes em 1900 não somente exigiram a legalização do divórcio por consentimento mútuo mas também, por duas votações apertadas, a legalização do divórcio quando quaisquer um dos companheiros demonstrasse desejo persistente pelo fim do casamento.[19]

A ansiedade de Durkheim sobre os efeitos de um divórcio fácil e sua consistente oposição ao divórcio com consentimento mútuo surgiu no seu próprio estudo sociológico sobre o suicídio, um tópico que fascinou os médicos do fin-de-siècle, demógrafos e outros comentaristas culturais. Durkheim usou seu terceiro livro, Le suicide, para provar uma de suas maiores teses sociológicas: até mesmo a ação aparentemente mais individual, o suicídio, origina-se de causas sociais identificáveis (Durkheim [1897] 1951). O trabalho estatístico que ele apresentou como evidência sugeriu que, embora homens e mulheres tivessem interesses comuns em formar famílias, eles tinham interesses opostos sobre o casamento, que era bom para os homens, e sobre o divórcio, que era bom para as mulheres. Por exemplo: enquanto homens casados se matavam menos do que solteiros, mulheres casadas e sem filhos na verdade se matavam mais que as solteiras. Similarmente, em países onde o divórcio era permitido a taxa de suicídio masculino era maior, mas a taxa de suicídio feminino menor.

Durkheim considerou essa prova de divergentes reações dos homens e das mulheres em relação ao casamento e ao divórcio “especialmente perturbadoras” ([1897] 1951, 384), mas intelectuais feministas têm estado ainda mais perturbadas pela forma como ele tentou primeiro explicar o problema e, depois, resolvê-lo (Sydie 1987; Lehmann 1994). Por exemplo, embora reconhecesse que as casadas enfrentavam mais restrições sociais que os homens casados, dedicou a maior parte de sua explicação sobre a diferença em taxas de suicídio para as formas pelas quais as mulheres eram “criaturas mais instintiva[s]” que os homens. Na sua opinião, os desejos sexuais “naturalmente limitados” das mulheres estavam mais proximamente relacionados às necessidades do seu[s] organismo[s biológicos]” (272). O casamento diminuía a taxa de suicídio masculino porque os homens modernos precisavam de regulamento sexual para sobreviver; e aumentava as taxas de suicídio feminino porque os desejos das mulheres ainda eram auto-reguladores. Embora Durkheim tivesse sustentado que o propósito de seu estudo era mostrar que comportamentos individuais poderiam ser compreendidos somente em termos sociológicos, seu tratamento às mulheres como entidades biológicas parecia colocá-las fora do todo plano de ação sociológico (Besnard 1973; Sydie 1987; Lehmann 1994).

Quando Durkheim proclamou sua retórica questão, “Um dos sexos deve necessariamente ser sacrificado, e a solução é somente escolher dos males o menor” ele mesmo responde, “Nada mais parece possível desde que os interesses do marido e da mulher no casamento sejam tão obviamente opostos” (384). Aparentemente, era mais importante manter uma taxa de suicídio masculino baixa ao se limitar a disponibilidade de divórcio do que preocupar-se com a taxa de suicídio feminino mais alta que disso resultaria. Ele concluiu sua discussão sobre casamento, divórcio e suicídio ao repreender feministas francesas não especificadas, “os atuais campeões de direitos iguais para a mulher equiparados aos do homem”, não reconhecendo que mudanças legais na sociedade contemporânea poderiam ser efetivas somente se os reformadores esperassem até que mudanças psicológicas apropriadas já tivessem acontecido (385-86). Como Ruth Sydie apontou, “A sociedade é [em tais instâncias], de fato, um código para os interesses e necessidades de homens em oposição aos das mulheres” (1987, 46).

Em 1904, o governo francês fez o primeiro anexo significativo à Lei Naquet ao permitir a um culpado ou culpada que tivesse se divorciado por adultério a casar-se com seu ou sua amante (Veil 1981, 114). Em 1906, Durkheim retornou ao seu ataque ao divórcio fácil com um artigo para Revuebleue, um jornal semanal que abrangia política e literatura (Albert 1972, 392-93). Nove anos após Le suicide, Durkheim reexaminou suas estatísticas e reinterpretou seus resultados no que o sociólogo francês Pierre Besnard caracterizou como uma “reversão brutal” de sua posição anterior (1973, 58). Embora Durkheim ainda considerasse que o divórcio aumentava as taxas de suicídio masculino, ele agora sustentava que não tinha de forma alguma efeito significativo nas taxas de suicídio feminino. Reassegurou que os interesses dos homens e das mulheres no casamento não eram tão diferentes como ele havia originalmente temido, alertou “homens de letras, homens da Lei e homens do Estado” contra os perigos de expandir a Lei Naquet além da permissão pelo divórcio por consentimento mútuo (Durkheim 1906, 549). Besnard sustentou que os argumentos de Durkheim aqui são sintomáticos de uma “incompatibilidade entre a sociologia Durkheimiana e as mulheres” (1973, 28).

Em 1908, uma segunda modificação da lei sobre o divórcio permitiu a inocentes cônjuges que tinham obtido a separação convertê-la ao divórcio após três anos de espera (Veil 1981, 115). No ano seguinte, Durkheim retornou ao tópico do divórcio e suicídio em um seminário sobre casamento e divórcio, o quinto de uma série de seis sessões sobre o feminismo na Union pour l´action morale. Durkheim tinha direcionado suas afirmações em Le suicide aos anônimos “campeões... dos direitos da mulher”; e suas afirmações no Revue bleue, aos “homens de letras, homens da Lei e homens do Estado”. A transcrição das discussões no Union pour l´action morale oferece uma rara chance de observar as discussões de Durkheim com mulheres específicas que também estavam interessadas no que o moderador Paul Desjadins caracterizou como “a crise contemporânea do casamento” (Union pour l´action morale 1909, 245-46).

A Union pour l´action morale descreveu suas “conversas abertas” como discussões para pessoas que queriam refletir sobre assuntos contemporâneos sem confinar-se ao ponto de vista de um único “jornal, ... partido,.... igreja.... ou bloco” (Union pour l´action morale 1904-5, 1). Além de Durkheim e Desjardins, estavam entre os quinze diferentes participantes dessa reunião sobre “a crise do casamento” os filósofos Leon Brunschwicg e Dominique Parodi, os quais também trabalharam com Durkheim em Année sociologique; professores de direito H. Berthelemy, Paul Bureau, Paul Errera e Tissier; advogados praticantes Jules Dietz e A. Fabry, ambos membros do Cour d´appel; jornalistas G. Blanchon, do republicano Journal des débats, e Louise Compain, do jornal feminista La Française; romancista Simone Bodève; e duas outras mulheres, Jeanne Chambon e Hélène Porgès (Union pour l´action morale 1909, 242).

Enquanto os onze homens estavam divididos sobre os méritos relativos do casamento permanente, divórcio legal e a possibilidade de viver juntos sem o casamento, as quatro mulheres estavam unanimemente insatisfeitas com a situação atual das casadas. Quando Berthelemy, um professor de direito administrativo na Universidade de Paris, caracterizou o problema como uma luta entre “uniões legais” desejáveis e “uniões livres” indesejáveis, Bodève, que se sustentava como taquigráfica, respondeu que o casamento só era desejável para os homens. Mulheres não tinham vantagem em desistir de sua independência econômica ao se casarem. Similarmente, Chambon sustentou que o contrato de casamento não deveria ser necessário para casais que esperavam comprometer suas vidas com as vidas dos companheiros voluntariamente, sem a coerção da lei (Union pour l´action morale 1909, 250, 257).

Durkheim reagiu à troca ao comentar que se houve concordância com Berthelemy, de que o casamento era simplesmente um contrato, não havia forma de evitar “as conseqüências que estas mulheres tinham acabado de indicar” (Union pour l´action morale 1909, 258). Ele próprio evitou tais “conseqüências” feministas ao insistir que o casamento tinha de ser muito mais do que uma questão de escolha individual. Repetindo os argumentos que tinha feito no seu trabalho sobre a família conjugal, em La division du travail e em Le suicide, esboçou a história de uma família na qual o Estado legitimamente se tornou cada vez mais importante “quanto mais se avançou”; então defendeu a importância social do casamento como uma maneira de regular o desejo, especialmente para homens; e alertou que facilitar o divórcio aumentaria taxas de suicídio (258). Concluiu: “Os interesses sociais envolvidos [no casamento e vida doméstica] são demasiados sérios para [o Estado] ... para deixá-las ao arbítrio dos indivíduos” (261).

Enquanto outros homens na sala estavam divididos em suas reações para com os argumentos de Durkheim, as mulheres no seminário o desafiaram consistentemente com interpretações alternativas da história da família, os benefícios do casamento e as conseqüências do divórcio. Por exemplo, Compain objetou que reformas legais que melhoravam o status de crianças ilegítimas e mães solteiras provavam que o casamento, na verdade, estava se tornando menos importante para o Estado (265). Chambon sugeriu que, enquanto o Estado poderia proteger as crianças ao regular o casamento, casais sem filhos deveriam ter liberdade para divorciar-se quando quisessem (269-70). Bodève argumentou que homens tinham uma tendência maior a casar-se novamente do que as mulheres não porque precisassem de regulamento sexual, mas porque, diferentemente das mulheres, não sabiam “como arrumar a casa sozinhos... remendar roupas, limpar a casa” (279), enquanto Porgès assinalou que tal “regulamento do casamento” nunca tinha evitado má conduta sexual, “situações falsas... [e] ações repreensíveis” (282). Ela preferia o divórcio legal à “hipocrisia e imoralidade dissimulada” que resultava sem ele (283).

O próprio Durkheim objetou intensamente quando Fabry, um juiz que tinha orgulho de muitos divórcios compassivos que tinha concedido, caracterizou intensamente a posição de Durkheim simplesmente como anti-divórcio. “Oh! Me dê licença”, Durkheim interrompeu, “eu admito [a necessidade de limitado] divórcio... acredito que casamento absoluta[mente] permanente é impossível” (Union pour l´action morale 1909, 293). Pressionado para esclarecer sua posição, Durkheim concluiu, “O que eu quero é que o juiz que é confrontado com um caso específico não considere simplesmente os desejos expressos pelas partes envolvidas, mas pense mais sobre os grandes interesses sociais que estão envolvidos em qualquer questão deste tipo pelas quais ele é o responsável” (193). Quando o moderador Paul Desjardins fechou a sessão, reconheceu “a autoridade dos sociólogos informados” e concluiu: “quanto a mim mesmo, lembrarei acima de tudo a forte impressão do que Durkheim disse... sobre a sanidade do regulamento” (302-3). Exigências de resistência pública ao feminismo permaneceram tão fortes que as francesas não conquistariam o direito ao divórcio com consentimento mútuo até 1975, trinta anos após conquistar o direito ao voto.

Durkheim, que reconheceu a necessidade de divórcio limitado até mesmo quando se preocupou com a possibilidade de que isto se tornaria muito facilmente disponível, nunca foi tão politicamente conservador quanto Comte, o qual havia no final rejeitado não somente o divórcio das esposas, mas também um novo casamento de viúvas (Pedersen 1998). Entretanto, a participação enérgica de Durkheim no debate sobre o divórcio sugere a medida em que ele, como Comte, estava criando suas teorias científicas sociais sobre homens, mulheres, casamento e a família, não como um reflexo de, mas como uma reação a outras idéias que estavam disponíveis para ele naquela época. Similarmente, sua repetida intervenção no debate público sobre o divórcio mostra as formas em que ele, como Comte, combinou ciência social com crítica social. Finalmente, sua consistente oposição ao divórcio por consentimento mútuo como uma ameaça à sociedade sugere a forma pela qual seu trabalho, como o de Comte, marginalizou as mulheres e reagiu contra o feminismo de sua época quando definiu “sociedade” em termos de interesses e ansiedades masculinas.

III. Durkheim e o desaparecimento das mulheres da história da sociologia francesa

Diferente da de Comte, a influência de Durkheim no subseqüente desenvolvimento da sociologia não parou com seus trabalhos sociológicos canônicos, mas continuou com seu trabalho simultâneo sobre a história e a teoria do campo que estava ajudando a inventar. O comportamento de Durkheim como um historiador do pensamento social foi consistente como seu comportamento como um sociólogo e crítico social; embora participasse em contínuos debates sobre assuntos feministas enquanto escrevia seus trabalhos fundadores da sociologia, ele também ajudou a obscurecer a importância de tais preocupações quando simultaneamente escreveu suas influentes histórias do pensamento social. Por exemplo, Durkheim reconheceu Mill, Saint-Simon e Comte entre seus predecessores, mas parece nunca ter explorado o significado de suas opiniões potencialmente conflitantes sobre as relações apropriadas entre homens e mulheres. Certamente, as histórias de Durkheim sugeriram não somente que seus predecessores que valiam a pena serem discutidos tinham sido todos masculinos, mas também que a própria ciência social era uma atividade masculina.

Por exemplo, em sua história centenária da sociologia apresentou dois conceitos cruciais de como o trabalho científico social apropriado deveria emergir. A primeira afirmação de Durkheim era de que havia uma distinção hierárquica entre arte ou habilidade, “un art”, e ciência, “une science”. O primeiro era pragmático e técnico: uma forma de estudar fatos “para saber o que fazer com eles” ou “conquistar um resultado [dado]”. O segundo abstrato e intelectual: uma forma de estudar os fatos “simplesmente pelo interesse de conhecê-los, sem qualquer interesse em suas aplicações”. O primeiro, geralmente produzido às pressas, era necessariamente infectado por instintos, paixões, [e] preconceitos.” O segundo, a verdadeira ciência, poderia emergir somente da procura deliberada por conhecimento “quando o espírito, abstraído de todas as preocupações práticas, estudasse as coisas com o único propósito de entendê-las”. Esse desenvolvimento, o qual Durkheim elogiou como sendo “a dissociação entre teoria e prática”, poderia somente ser possuído por alguém que tivesse obtido vantagem em pesquisa feita lentamente e desinteresse intelectual em alcançar o que Durkheim caracterizou como uma “mentalidade [mentalité] relativamente avançada” (1900, 609-10).

A segunda afirmação de Durkheim apresenta uma caracterização altamente sexista da atividade de um intelectual nesta situação invejável: “Os verdadeiros atos criativos consistem, não em expressar... diversas idéias bonitas com as quais o intelecto se acalma [dont se berce l´intelligence], mas em entendê-las para fertilizá-las ao colocá-las em contato com [outras] coisas, em coordená-las, em sustentá-las como os começos de uma prova, de uma forma que as faça compreensível logicamente e controlável por outros” (1900, 612). Essa passagem implicitamente contrastou feminino e masculino com a vantagem do último. Não foi suficiente expressar idéias ocasionais que poderiam “acalmar” ou, no idioma francês original, “embalar” o intelecto – “belles idées dont se berce l´intelligence].” O verdadeiro cientista social deve “entender” agressivamente as idéias para “fertilizá-las”. Esta habilidade masculina para “entender” e “fertilizar” uma série de “idéias bonitas” feministas de uma forma que as faça compreensíveis ao submetê-las ao “controle... lógico” foi o que Durkheim aclamou em Comte, o qual ele saudou mais tarde no mesmo parágrafo com uma linguagem ainda mais masculina, nomeando-o como o “pai da sociologia e seu “mestre par excellence” (Durkheim 1900, 612).

Embora a história da sociologia de Durkheim dissesse nada específico sobre o sexo ideal do cientista social, sua distinção inicial entre “arte” prática, interessada e “ciência” preferível, desinteressada foi rememorativo de distinções mais explicitamente sexistas que ele tinha feito no seu trabalho anterior sobre divisão sexual e trabalho. Por exemplo, em De la division du travail, ele prognosticou que, ao passo que sociedades se tornassem mais civilizadas, as mulheres se voltariam para as “artes e letras”, enquanto os homens se “devotariam mais especificamente à ciência” ([1893] 1984, 20-21). Similarmente, em Le suicide, esperou que o conflito entre mulheres naturais e homens sociais desaparecesse, uma vez que as próprias mulheres se tornassem mais envolvidas “na sociedade”. Embora prognosticasse numa nota de rodapé que “a mulher não seria excluída de certas funções e relegada a outras”, ele também imaginou que “livre[s] escolha[s]” que mulheres fizessem baseadas em suas “aptidões” seriam “uniformes”. No mesmo texto, prognosticou que as mulheres se tornariam invariavelmente “mais diferentes” dos homens, mais interessadas em “funções estéticas” ([1897] 1951, 385. Como Jennifer Lehmann apontou, Durkheim nunca imaginou um mundo no qual homens e mulheres pudessem compartilhar um interesse legítimo nas mesmas ocupações ou atividades (1994, 32-73).

Da mesma forma que a história da sociologia de Durkheim, a qual sugeriu que cientistas sociais eram masculinos, e a sociologia dele, a qual previu que cientistas seriam homens, a história do socialismo do autor participou dos modelos do jornalismo, memórias e estudo histórico e fechou os olhos às contribuições das mulheres Saint-Simonianas em favor de seus colegas masculinos. Por exemplo, a conferência de Durkheim sobre o que ele chamou de “a escola Saint-Simoniana” raramente mencionou as mulheres que constituíam um terço dos seguidores de Enfantin; abandonou a estória da escola muito cedo para considerar Veret, Guindorf e Voilquin, as mulheres Saint-Simonianas que fundaram seu pioneiro jornal, La tribunne des femmes, em 1832; desconsiderou a importância dos desafios utópicos socialistas ao casamento e à família ao contrastar os “homens característicos, distintos que tinham sido partidários do Saint-Simonianismo” com “o escárnio que a seita de Enfantin trouxe para si mesma e que depreciou todo o movimento”. (Durkheim 1958, 205-37).

Historiadores franceses tais como Michele Riot-Sarcey têm sugerido recentemente que escritores e jornalistas hostis do século XIX criaram um intencional “halo de silêncio” em volta do trabalho das feministas socialistas utópicas ao desconsiderar suas opiniões e ignorar seus protestos, panfletos e petições.[20] Uma das publicações mais bem sucedidas Saint-Simonianas tinha sido a síntese de Hippolyte Carnot da série de conferências populares de Saint-Amand Bazard de 1828-29 (Carnot 1830), uma reimpressão de Revue encyclopédique que ultrapassou dez mil cópias em forma de panfleto somente no período de 1830 até 1831, mas apareceu antes que Carnot deixasse o movimento com os Bazards e antes da quebra que finalmente conduziu as Saint-Simonianas à ação autônoma.[21] A Bibliographie Saint-Simonienne autorizada de Henri Fournel apareceu depois das divisões de 1831, da retirada de Ménilmontant e do julgamento, mas mencionou pouco sobre as cartas, publicações ou atividades das mulheres (Fournel [1833] 1973). Quando Sébastien Charléty publicou sua Histoire du Saint-Simonisme em 1896, o mesmo ano que Durkheim terminou suas conferências sobre a história do socialismo, Chaléty fez breve referência a Claire Bazard, Agläe Saint-Hilaire, Claire Démar e o Tribune des femmes, mas até mesmo Charléty dedicou quase toda a sua atenção às palavras e ações de homens socialistas.[22]

Durkheim herdou de suas próprias fontes o mesmo modelo de silêncio do século XIX, as quais incluíam não somente os trabalhos reunidos de Saint-Simon e Enfantin, mas também um recente ensaio de Carnot e um trabalho inicial de Louis Reybaud. Enquanto Carnot, Reybaud e todos os autores anônimos de “notas históricas” que prefaciaram os trabalhos autorizados de Saint-Simon e Enfantin falavam sobre mulheres, ele tinha muito menos a dizer sobre como Saint-Simonianas falavam por elas mesmas (Reybaud [1840] 1864; Saint-Simon [1865-78] 1963; Carnot 1887). Quando Durkheim citou Carnot, o qual tinha relatado que “a abundância de convertidos [ao Saint-Simonianismo eram] homens e mulheres de todas as classes e profissões”, ele, como o próprio Carnot, listou somente membros masculinos do movimento pelo nome: “Famílias inteiras... tais como os Rodrigues, Péreires, Gueroults, os Chevalliers, Fournel, o Diretor de Creusot e sua esposa, Charles Lemonnier e sua esposa, Jules Renouvier, o irmão de Charton, o historiador, a família d´Eichthal, LaMoricière, que trouxe consigo muitos de seus colegas do exército, etc.”[23]

Durkheim não foi responsável pelas omissões anteriores que herdou, mas seu próprio trabalho às vezes criou novos silêncios para intelectuais posteriores. Certamente, onde as fontes de Durkheim sobre socialismo utópico podem não ter dito muito sobre as palavras e ações Saint-Simonianas, as conferências do próprio Durkheim sobre a história do socialismo às vezes ofereceram ainda menos. Isto é particularmente aparente em seu breve tratamento sobre o que chamou de “a questão das mulheres e do casamento” – o conflito entre Saint-Amand Bazard, que apoiou a igualdade das mulheres no casamento, e Enfantin, que queria expandir essa igualdade com a possibilidade adicional de expressão sexual fora do casamento (Durkheim 1958, 236).

As fontes de Durkheim focaram principalmente as contribuições masculinas para seus argumentos. Entretanto, diferente de Durkheim, elas também mencionaram uma importante participante feminina, Claire Bazard, a comandante da hierarquia de Saint-Simonianas. O autor de “notas históricas” sustentou que Enfantin tinha reconhecido uma das cartas “Mães” de Bazard como o começo da “nossa discussão sobre mulheres” (Saint-Simon [1865-78] 1963, 73). Similarmente, o ensaio de Carnot nomeou Bazard como a mulher que “tinha primeiro protestado, em nome de seu sexo, contra o papel que Enfantin atribuiu às mulheres na sociedade imaginária” (1887, 152). Durkheim, pelo contrário, não disse absolutamente nada sobre Bazard, embora o fato da condenação dela sobre a posição de Enfantin tivesse confirmado sua própria rejeição do trabalho de Enfantin como “misticismo sensualista” (Durkheim 1958, 236). Recontando a estória do grupo somente até o encontro de Enfantin com a polícia, sua partida para Ménilmontant e seu julgamento, Durkheim concluiu, “É desnecessário relatar as convulsões finais da escola, a qual tem uma postura sobre história anedótica, mas não sobre a história do pensamento” (282).

Enquanto Durkheim retratava “a história do pensamento” em sua tradição sociológica, a herança legítima da ciência social derivou de um grande homem para outro em um desenvolvimento progressivo do qual seu próprio trabalho era o clímax. Sua história do socialismo, a qual inicialmente criticou Comte por falhar em reconhecer a dívida intelectual a Saint-Simon, essencialmente elogiou Comte por avançar na causa social “separando mais claramente ciência da prática” do que o próprio Saint-Simon, que não tinha “possuído o mesmo grau de paciência científica” (Durkheim 1958, 86, 104-8). Similarmente, a seção de Durkheim sobre as disputas entre os Saint-Simonianos que contestaram o legado de seu professor após sua morte identificaram positivamente Bazard como a única figura que deu ao sistema inicial de Saint-Simon “sua consistência lógica máxima e florescência” (1958, 280). Finalmente, o programático Règles de Durkheim e sua retrospectiva centenária da história da sociologia declararam as formas nas quais seu próprio trabalho melhoraria o de seus predecessores (1895, 1-3, 25-35; 1900).

Enquanto Durkheim produzia a imagem de uma conversa masculina contínua que transcendia tempo e espaço, ele tinha pouco a dizer sobre homens radicais, e nada a dizer sobre mulheres feministas, com as quais suas figuras fundadoras discordaram e contra as quais desenvolveram algumas de suas mais importantes idéias. Sua história do socialismo, que elogiou Saint-Simon por inspirar “todos os grandes movimentos intelectuais” do século XIX, listou as conquistas do século como “teorias socialistas”, “história científica”, “filosofia positivista”, “sociologia positivista” de Comte e até mesmo “as aspirações para a regeneração religiosa”, mas não mencionou de forma alguma o feminismo (Durkheim 1958, 105, 205). Seu Règles de la méthode sociologique mencionou as contribuições de Comte e Mill para a ciência da sociedade, mas disse nada sobre seus pungentes argumentos sobre o lugar das mulheres naquela sociedade (Durkheim 1895). Em outros ensaios, ele direcionou sua admirável atenção crítica às teorias sociais e políticas de Jean-Jacques Rousseau, mas não mencionou a crítica feminista fundamental de Wollstonecraft´s sobre a hipótese de Rousseau de que as mulheres deveriam submeter-se a seus sexos biológicos de uma maneira que os homens não (Durkheim 1953).

Sem saber mais sobre a biblioteca de Durkheim e seus hábitos de leitura, é impossível dizer quais de suas omissões surgiram de uma não-intencional ignorância histórica e quais surgiram de plano intelectual intencional. De qualquer forma, entretanto, suas histórias da teoria social estabeleceram um sério precedente para posteriores considerações que, similarmente, ignoraram a voz das mulheres, a história e sociologia das vidas e trabalho delas e um significado maior das controvérsias sobre as políticas sexuais como um tópico acadêmico. Durkheim tentou separar “história anedótica” de “história do pensamento”, mas intelectuais feministas têm bom motivo para serem céticas sobre o que ele decidiu colocar em cada categoria.

IV. História feminista, sociologia contemporânea e pensamento social Durkheimiano

A influência da definição de boa sociologia e a própria história do campo sociológico feita por Durkheim são facilmente visíveis nos trabalhos dos subseqüentes teóricos sociais que têm não somente repetido as omissões de Durkheim, mas também adicionado suas próprias. Por exemplo, embora Talcott Parsons apresentasse a segunda edição de A Estrutura da Ação Social ao sugerir que sociólogos deveriam focar em testes empíricos das novas teorias sociais em vez de “reestudar e reavaliar” o “trabalho teórico feito há mais de uma geração”, sua identificação de Durkheim como um dos “três auges” do pensamento social garantiu que sua interpretação do trabalho desse autor imporia um papel central para todos que estudassem o que um intelectual chamou de “a mais famosa interpretação já oferecida sobre o desenvolvimento da tradição sociológica” (Parsons 1949, a-b; Camic 1989, 39). Parsons, ávido por sustentar Durkheim por objetividade científica, ignorou os interesses de Saint-Simon e o interesse de Durkheim naquele para oferecer uma intencionalmente não-política e não-histórica leitura do trabalho de Durkheim: “A mais importante [fonte para as idéias de Durkheim] é encontrada numa fonte que é autenticamente francesa e positivista: Auguste Comte” (Parsons 1949, 13-15).

Embora Parsons publicasse a primeira edição de seu livro em 1937, sua glorificação de ciência positiva ganhou um atrativo mais amplo no caminho de se tornar um “decreto” para os cientistas sociais americanos nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial (Camic 1989, 38, 93-94), quando, como a historiadora Dorothy Ross apontou, “um ponto ainda mais alto das aspirações científicas foi alcançado” não somente pela sociologia, mas também pela economia e política social (Ross 1991, xiv; Levine 1995, 35-36; McDonald 1996). Subseqüentes intelectuais da tradição sociológica, mais historicamente inclinados, têm estado tão interessados na história do socialismo de Durkheim, quanto na história da sociologia. Apesar de opiniões mais contextuais, suas histórias da sociologia têm recapitulado a omissão das mulheres e do feminismo, o que delineou as explicações originais do próprio Durkheim. Isso sugere a necessidade não simplesmente de uma melhor história da sociologia, mas especificamente de uma história feminista da sociologia.

Por exemplo, embora o sociólogo C. Wright Mills desafiasse a abordagem não-histórica Parsoniana já em 1959, foi a crítica acirrada de seu estudante Alvin Gouldner, publicada em 1970, que ganhou tumultuosa ressonância particular depois de 1968 (Levine 1995, 71, 95; McDonald 1996). Gouldner reagiu contra Parsons ao retratar a sociedade moderna como uma tradição partida, descendendo de Saint-Simon através de Comte para a “sociologia acadêmica” ou através de Enfantin para o socialismo (Gouldner 1970, 113). Opondo qualquer lealdade Parsoniana a Durkheim, as afinidades de Gouldner claramente se apóiam na segunda “tradição protéica”, a qual foi conduzida dos Saint-Simonianos para o Marxismo, socialismo científico, escola de Frankfurt e um estilo de sociologia que foi socialmente consciente e politicamente ativo (113). Entretanto, provavelmente devido à sua própria confiança na história parcial de Durkheim sobre os Saint-Simonianos, Gouldner descuidou-se completamente nas maneiras pelas quais o socialismo inicial que admirou foram entrelaçadas com outro desenvolvimento social que ele ignorou, o feminismo socialista inicial.[24] Paradoxalmente, as exigências progressivas de Gouldner por uma ciência social contextualizada produziram uma das mais explícitas admissões do sociólogo como masculino, quando caracterizou sociólogos como figuras que modelavam suas vidas naqueles “professores cavalheiros... [ou] fazendeiros cavalheiros e rancheiros cavalheiros”, os quais ficavam com “as esposas que os viam através da graduação acadêmica, (....) praticavam poligamia em série... [ou viviam como] homossexuais não assumidos”, e que participavam das “escolas de sociologia americana... [que eram] dominantemente ‘masculinas’ e até mesmo com um tom ‘machão’ no grupo... [ou em escolas que eram] mais ‘femininas’ em seu comportamento pessoal e na sensibilidade mais esteticamente refinada de seu trabalho manifesto” (1970, 57, 99). Sua aparente incapacidade de imaginar as mulheres, seja como antigas predecessoras, seja como atuais colegas, caminha paralelamente com as maneiras pelas quais os ativistas masculinos do seu meio no mesmo período faziam.

Recentemente, Donald Levine caracterizou o que ele chama de “tradição francesa” de Charles-Louis Montesquieu, Rousseau, Comte e Durkheim como uma sociologia que acredita que “as propriedades e necessidades [da sociedade] são fenômenos naturais, para serem considerados simplesmente como quaisquer outros objetos naturais” (1995, 152, 274). Embora se emparelhe com Saint-Simon e Comte em diversos lugares (1-2, 158-67, 251, 300), ele nada diz em seu texto sobre os socialistas utópicos que expandiram o trabalho de Saint-Simon e contra o qual Comte desenvolveu suas idéias. Apesar do fato de que Levine reconhece a existência do “trabalho das feministas européias e americanas que suscitaram a questão do gênero, o relacionamento entre os sexos, e a questão da ciência historicamente dominada por homens para questões de significância geral” (283), ele nada diz sobre as formas pelas quais Comte e Durkheim marginalizaram as mulheres ao, implicitamente, definir a sociedade e os sociólogos em termos masculinos. Similarmente, não dá importância às formas pelas quais as primeiras feministas criticaram o trabalho de Comte e Durkheim durante suas vidas. Como resultado, embora a abordagem de Levine aceite a crítica feminista moderna como uma recente adição à tradição sociológica, ela obscurece o fato de que o feminismo tem suas próprias tradições, algumas das quais tão antigas quanto a própria sociologia. Embora termine seu trabalho sobre “as visões da tradição sociológica” ao requerer uma “narrativa dialógica”, as vozes das mulheres ainda são notavelmente difíceis de se ouvir nesta conversa (Levine 1995, 96-102, 327-29).

O próprio fato que Comte e, especialmente, Durkheim permaneceram tão importantes para os teóricos sociais, aumenta a necessidade de compreensão do contexto social no qual eles produziram seu trabalho científico social fundador.[25] Margaret Somers fez recentemente um trabalho de história, filosofia e sociologia da ciência que argumenta que as categorias analíticas das ciências sociais são “história-carregada”, o que significa dizer que sofrem as limitações do tempo e espaço nas quais foram desenvolvidos. Aceitar essa análise significa que avaliar o conhecimento científico social requer o que ela chama de uma “epistemologia histórica, [uma forma de]... apropriar-se e interpretar as histórias do conhecimento através da reconstrução de seus feitos, ressonância e luta através do tempo” (1996, 54). Em outras palavras, uma análise crítica da luta sociológica passada se tornaria um pré-requisito crucial para sociologia contemporânea e teoria social. Se a análise de Somers está correta, nenhum intelectual contemporâneo poderá confiar nos modelos de Comte ou até mesmo nos de Durkheim sem considerar o que historiadores das ciências sociais, sociólogos do conhecimento, e filósofos da ciência descobriram sobre as condições nas quais os trabalhos de Comte e Durkheim foram primeiro produzidos e depois lembrados.

O pedido de Somers por uma “epistemologia história” não especifica o tipo de história que ela tem em mente. Entretanto, intelectuais feministas têm mostrado que compreensões sexistas da sociedade que marginalizam as mulheres têm estado no coração, não somente do trabalho de Comte e Durkheim, mas também em muitas das formas canônicas de saber que herdamos de campos tão diversos como religião, sociologia, filosofia e ciência.[26] Certamente, o trabalho feminista recente sobre historiografia tem sugerido que a própria história é assunto para similares pontos sexistas obscuros (Scott 1988; Smith 1998). Isto sugere que somente a história feminista, aquela que ativamente explora as ações e representações das mulheres tanto quanto as dos homens, pode identificar e explorar todas as disputas de limite que o método de análise de Somers requer.

Historiadores da França do século XIX tipicamente citam Comte e Durkheim como os únicos dois de muitos comentadores culturais importantes sobre a questão de seu tempo, desde o discutido lugar das mulheres na esfera pública até os supostos relacionamentos entre crime, loucura e declínio da população.[27] Meu trabalho constrói essa tradição quando trato o trabalho de Comte e Durkheim com um olhar feminista, noto as maneiras pelas quais suas promessas em trazer explanações sociológicas para o comportamento humano vacilam quando confrontado com as diferenças entre os comportamentos masculino e feminino, os quais Comte proclamou como naturais e até mesmo Durkheim prescreveu como a base para uma sociedade civilizada. Quando destaco a significância histórica destas escolhas ao compará-las com o trabalho de reformadoras feministas do século XIX, rejeito as afirmações de que a ciência social deles forneceu uma opinião oficial sobre os assuntos políticos a que se dirigiam. Recusando-me a aceitar que Comte e Durkheim estavam necessariamente certos, recrio maiores climas intelectuais e políticos dos quais eles eram uma parte para sugerir a natureza contestada e contingente dos conceitos sociológicos que proclamaram como cientificamente verdadeiros.

O teórico social britânico Mike Gane caracterizou o desenvolvimento da sociologia como um processo “curioso”. Ele observa que “curiosamente... o problema de gênero, especialmente a sociologia do gênero, foi finalmente empurrado para as margens e expelido da sociologia quando as tradições principais foram estabelecidas em volta de Marx, Durkheim e Weber no século XX” (1993, 11). Uma nova história da construção do cânone sociológico deveria ser capaz de ir além da observação de Gane sobre o “curioso” contraste entre argumentos barulhentos do século XIX sobre formas alternativas de família e os subseqüentes silêncios do século XX sobre a sociologia de gênero. Uma melhor história da sociologia deveria ser capaz de explicar o que estava em jogo, não somente para cada um dos sucessivos teóricos sociais envolvidos, mas também para cada subseqüente intelectual que explicasse as ligações entre eles. Minha própria análise do trabalho canônico de Durkheim sobre Comte e seus contemporâneos socialistas utópicos dá um passo em direção ao desenvolvimento de uma nova história feminista do contestado desenvolvimento da tradição sociológica francesa que pode executar precisamente esta tarefa.

Notas

[*] Uma versão anterior deste artigo foi apresentada no Fórum sobre História das Ciências Humanas na História da Sociedade da Ciência no outono de 1990, e outras versões posteriores foram apresentadas na Sociedade de Estudos Históricos Franceses e na conferência “Re(visões) de Gênero” em SUNY-Binghamton, ambos na primavera de 1999. Uma pequena licença da Universidade de Rochester em 1996 e uma Bolsa de estudos da Fundação Faculdade Monticello na Biblioteca Newberry em 1997 me deram tempo e recursos para aperfeiçoar e reestruturar a discussão original. Eu gostaria de agradecer Jan Goldstein e John MacAloon por me apresentarem a Comte e Durkheim, e também a uma série de subseqüentes companheiros de discussão incluindo John Brooks, Martha Hildreth, Susan Henking, Bernard Lightman, Eileen Findlay, Marc Geisler, Ed Tiryakian, Robert Nye, Stephen Turner, Robert Alun Jones, Janet Horne, Mary Chalmers, Karen Offen, Judith De-Groat, Debora Modrak, os revisores anônimos da Signs, e aos participantes da Verba Nacional para o Instituto de Verão Humanidades sobre “A Idéia da Ciência Social”, especialmente Tracey Sedinger.

[1] Durkheim lecionou “História do Socialismo” pela primeira vez na Universidade de Bordeaux no ano acadêmico de 1895-96 (Lukes 1985, 245, 618). Essas conferências, coletadas e publicadas postumamente por Marcel Mauss em 1928, finalmente apareceram em inglês como Durkheim 1958.

[2] Ver, por exemplo, Thompson 1975, 3-8; Lukes 1985, 66-85; Levine 1995, 13-16, 87, 161; Wallace e Wolf 1995, 17-26

[3] Sobre a história e uso desse termo, ver Offen 1984, 648.

[4] Ver, especialmente, Scott 1996. Outras análises feministas da Revolução Francesa incluem Landes 1988; e Hunt 1991. Histórias do feminismo na França incluem Hause e Kenney 1984; Moses 1984; e Klejman e Rochefort 1989.

[5] Comte (1855) 1974, 502, 505. Todas as citações de Cours de philosophie positive são da tradução inglesa de Harriet Martineau, a qual o próprio Comte elogiou como a melhor introdução ao seu trabalho.

[6] Levine 1995, 92-94, 278. Ver, ex., Park e Burgess 1921, 7; Sorokin 1928, xvii, 12, 463, 505; e Parsons 1949, a-b, 13-15, 301-3, 310, 775ª. A notável exceção aqui seria Mills 1959.

[7] Ver, ex, Nisbet (1966) 1993; Aron 1970; Gouldner 1970; e Coser 1977. Para análises da natureza a-histórica da síntese Parsoniana e as reações a ela, ver McDonal 1996; e Somers 1996.

[8] Ver, ex., Kofman 1978; Sydie 1987; Erickson 1993; Lehmann 1994; Pedersen 1998. Três intelectuais que também discutiram a política sexual da sociologia Durkheimiana, embora sem alegar fornecer uma crítica feminista, são Besnard 1973; Kandal 1988; e Gane 1993.

[9] Após meio século de sua morte em 1857, seus seguidores estavam divididos entre republicanos anticlericais, tais como Emile Littré e Emile Durkheim, os quais elogiavam o primeiro sistema, e adversários de direita do governo parlamentar e educação secular, tais como Charles Maurras e Maurice Barres, os quais preferiam o segundo (Lepenies 1988, 40-46). Pickering, pelo contrário, persuadiu pela continuidade entre os dois trabalhos alegando que Comte já tinha indicado o caráter religioso do positivismo e a importância de coisas espirituais no seu primeiro sistema (1993b, 5-6).

[10] Sobre a história da composição e publicação das seções individuais dos multi-volumes de Cours de philosophie positive, ver Pickering 1993b, 429-30, 453-55, 475-76, 487-88.

[11] Para alguns dos mais recentes trabalhos sobre socialismo utópico e feminismo inicial, ver Arnaud 1990; Riot-Sarcey 1992, 1994; Moses 1993; Vigoureux 1993.

[12] Moses 1984, 70-85, 1993, 44-65; Riot-Sarcey 1994, 76-86. Sobre as próprias mulheres Fourieristas ver Vigoureux 1993.

[13] Enfantin, o qual tinha subscrito o Catéchisme des industriels de Saint-Simon desde 1823, tornou-se ativo na publicação de Le producteur, o jornal que as disciplinas de Sain-Simon fundaram após a sua morte em 1825. Entretanto, Frank Manuel relata que Enfantin “tinha visto Saint-Simon sozinho somente uma vez – e tinha sido mordido por seu cão” (1963, 346). Comte, pelo contrário, somente deixou Saint-Simon, seu mestre por cinco anos, depois de áspera discussão sobre o desejo de Saint-Simon de controlar o trabalho de Comte ao articular sua apresentação pública com uma introdução crítica (Pickering 1993b, 231).

[14] Comte 1851, 1:204-73; Kandal 1988, 77; e Gane 1993, 6, 125. Embora Comte venerasse de Vaux como a “Saint Clotilde” que havia provocado “um novo nascimento de toda natureza moral [dele], elogiasse seu primeiro romance e oferecesse a ela um emprego em Litté´s Revue positive, ele apreciou o trabalho de Vaux somente na medida que pudesse difundir seu evangelho positivista e procurou controlar o estilo juntamente com o conteúdo de seu segundo romance (Lepenies 1988, 27-30). Mulheres podiam tornar-se sacerdotisas, mas Comte esperava que até mesmo sua deusa permanecesse sua serva.

[15] Mulheres Saint-Simonianas já tinham descoberto que o preço para liberdade sexual era mais alto do que queriam pagar. Antes de 1848, feministas tais como Jeanne Deroin tinha começado a enfatizar moralidade e maternidade como justificação para a cidadania feminina. Entretanto, o governo francês considerasse até essas exigências por igualdade muito radicais; até 1852, a maioria das líderes feministas que não tinha morrido tinha sido censurada ou exilada (Moses 1984, 229-37).

[16] Congrès français et international du droit des femmes 1889; Congrès international des oeuvres et institutions féminines 1890; Dissard 1896; Congrès international de la condition et des droits des femmes 1901; Pégard 1902; Klejman e Rochefort 1989, 54-57, 82-87, 137-49.

[17] O próprio Durkheim evitou rótulos políticos, deixando para acadêmicos subseqüentes a tentativa de classificá-lo. Para uma idéia geral dos assuntos envolvidos, ver Fenton 1984. Sobre Durkheim como conservador, ver Gouldner 1970; como um liberal, ver Seidman 1983; como radical, ver Pearce 1989; e Gane 1992.

[18] Alguns dos mais recentes trabalhos que exploraram as opiniões políticas e as preocupações morais de Durkheim incluem Archives de sciences sociales des religions 1990; Gane 1992; Pickering e Miller 1993; Turner 1993; Pickering e Martins 1994; Miller 1996. Para cultura feminista, ver Sydie 1987; Lehmann 1994; e Pedersen 1998.

[19] Maugeret 1897, 118-19; Congrès international de la condition et des droits des femmes 1901, 302-5. Como a necessidade pelos dois votos mostra, as feministas não estavam tão certas sobre a conveniência do divórcio sob a exigência de um dos companheiros uma vez que lutavam por divórcio com consentimento mútuo. Para maiores análises sobre a conferência, ver Klejman e Rochefort 1989, 142-46.

[20] Sobre os republicanos hostis e jornalismo socialista dos homens tais como Louis Blanc, ver Riot-Sarcey 1994, 74-76. Para críticas de figuras desde o romancista Georges Sand até o historiador Louis Reybaud, ver Dubos 1993, 16-17.

[21] As séries de conferências originais do próprio Bazard, a Exposition de la doctrine Saint-Simonienne: Première année, foram quase tão populares, com três edições totalizando sete mil cópias de 1830 até 1831 (Briscoe 1980, 299-300).

[22] Charléty (1896) 1931, 75-76, 214. Embora Charléty confiasse muito na Bibliographie Saint-Simonienne original de Fournel, sua própria bibliografia incluía mais trabalhos de Saint-Simonianas, especialmente na versão expandida organizada pelo Centro de documentação social para a segunda edição em 1931.

[23] Durkheim 1958, 280. Para caracterizações originais dos homens e mulheres no movimento que Durkheim abreviou para fazer sua própria lista, ver Carnot 1887, 146-49.

[24] Foi Gouldner, por exemplo, o responsável por apresentar as conferências originais de Durkheim de 1895-96 sobre a história da sociologia para uma audiência que falava inglês em 1958.

[25] Para exemplos de intelectuais que baseiam abordagem contemporânea para a história, sociologia e filosofia explicitamente em modelos Comteanos e Durkheimianos sem considerar o gênero, ver Schmaus 1994; Levine 1995; e Scharff 1995.

[26] Para teologia e crítica bíblica, ver Shüssler Fiorenza 1992; para estudos religiosos, Erickson 1993; para filosofia, Nye 1990 e Code 1991; para sociologia, Smith 1990; para filosofia da ciência, Harding 1986; e para ciência, Schiebinger 1989, 1993.

[27] Ver, ex., Nye 1984; Offen 1984; Bereson 1988; e Landes 1988.