O modelo reticulado de racionalidade científica inclui o objetivo da investigação, o método pelo qual o objetivo é alcançado e os valores epistêmicos que permitem avaliar se o objetivo foi alcançado pelo método aplicado. Amplio esse modelo de racionalidade ao acrescentar as hipóteses e compromissos metafísicos que revelam as origens das afirmações epistêmicas. Em seguida, exploro as fronteiras racionais entre as ciências naturais e a teologia cristã no que diz respeito aos objetivos, aos métodos e à metafísica. Por fim, discuto as vantagens e os problemas em explorar as fronteiras racionais entre a ciência e a teologia.
Palavras-chaves: racionalidade; ciências naturais; teologia cristã; compromissos e hipóteses metafísicas.
The reticulated model of scientific rationality includes the goal of the investigation, the method by which the goal is achieved, and the epistemic values needed to assess whether the goal was achieved by the applied method. I expand this model of rationality to include metaphysical assumptions and commitments that inform the origins of epistemic claims. I then explore the rational boundaries between the natural sciences and Christian theology in terms of goals, methods, and metaphysics. Finally, I discuss the advantages and problems of exploring the rational boundaries between science and theology.
Keywords: Rationality; Natural sciences, Christian theology, and metaphysical assumptions and commitments
Na primeira metade do século XX, a ciência era considerada o apogeu da objetividade e da racionalidade. Na segunda metade, porém, historiadores, sociólogos e filósofos de linha pós-moderna contestaram essa privilegiada posição epistêmica. De acordo com eles, a ciência não ocupa tal posição na sociedade ocidental, e é simplesmente mais uma instituição cultural que disputa recursos limitados com as demais. O destronamento da ciência facilitou, em parte, as recentes tentativas de reaproximação entre ciência e religião, mas há um risco perigoso aqui: ambas as instituições podem ser vistas como empreendimentos irracionais (RUSE, 2000: 593-619).[2] Esse artigo tenta evitar tal posição extrema, argumentando que a racionalidade científica e a racionalidade religiosa compartilham uma estrutura comum, apesar das diferenças no que diz respeito a suas fronteiras racionais.[3] Proponho que qualquer reaproximação entre as duas instituições deve levar em conta essas fronteiras.
Neste artigo, exploro especificamente as fronteiras racionais entre as ciências naturais e a teologia cristã.[4] Além disso, procuro afastar a discussão sobre a relação entre ciência e religião dos debates a respeito da justificativa empírica das hipóteses e dos compromissos metafísicos. Proponho, particularmente, que toda pesquisa sobre a relação entre ciência e teologia leve em consideração as diferenças e as semelhanças entre suas abordagens metafísicas do mundo, especialmente suas premissas e lealdades básicas. Tal redirecionamento pode resultar numa interação entre cientistas e teólogos, interação essa que evita a discordância sem sentido, a indiferença não-amigável, o diálogo banal e o consenso trivial, e que mantém a integridade e a fidelidade da ciência e da teologia como meios independentes e mutuamente complementares de exploração deste mundo unificado que temos.
É com esse propósito que me aproprio do modelo reticulado de racionalidade científica de Larry Laudan, proposto para salvar a racionalidade científica da morte durante a revolução historiográfica dos anos 1960 (LAUDAN, 1984). Segundo ele, a racionalidade científica é governada por três componentes inter-relacionados numa “rede triádica”: os objetivos ou metas da ciência; os métodos utilizados pelos cientistas para alcançar esses objetivos ou metas, e as teorias ou afirmações factuais que resultam da aplicação dos métodos.[5] Também fazem parte desse modelo os valores cognitivos necessários para avaliar se as metas foram alcançadas, em termos de afirmações factuais, pelos métodos utilizados. Ernan McMullin modificou tal modelo de racionalidade ao limitar o terceiro componente aos valores epistêmicos (McMULLIN, 1988: 1-47).
Considero que o modelo reticulado de racionalidade científica serve não apenas ao exame das afirmações da epistemologia científica, mas também da epistemologia teológica, e particularmente à tentativa de analisar a influência mútua entre ciência e religião e de promover sua reaproximação.[6] Como o propósito desse modelo era resgatar a racionalidade científica, especialmente no que diz respeito à escolha da teoria e sua justificativa, os valores epistêmicos ou cognitivos eram empregados para avaliar as afirmações científicas. Amplio o escopo desse último componente da racionalidade para a análise da metafísica tanto da ciência quanto da teologia, o que inclui não apenas os valores epistêmicos e cognitivos que justificam as afirmações epistêmicas, como também as lealdades e pressuposições básicas empregados para formular tais afirmações. Essa noção ampliada de racionalidade serve não apenas para avaliar as afirmações epistêmicas da ciência e da teologia, mas também para entender as origens dessas afirmações. Afinal, as hipóteses e compromissos metafísicos fundamentais da ciência e da teologia são delimitações importantes que guiam a formulação das teorias científicas e das doutrinas teológicas.
Minha tese é a de que, para uma interação proveitosa entre cientistas e teólogos, é necessário analisar as estruturas de racionalidade das ciências naturais e da teologia cristã no que diz respeito às fronteiras entre seus objetivos, métodos e metafísica. Neste artigo, primeiramente examino as fronteiras entre os objetivos científicos e os objetivos teológicos, passando então para uma investigação das fronteiras entre os métodos científicos e os métodos teológicos empregados para alcançar tais objetivos. Embora problemáticas, as fronteiras entre os objetivos e os métodos científicos e teológicos não representam o objetivo primordial deste artigo. A meta principal é investigar as premissas e compromissos metafísicos que operam como pano de fundo da ciência e da teologia, assim como seus valores epistêmicos e não epistêmicos, e examinar de que modo essas fundamentam as afirmações científicas e teológicas. Ao concluir, discuto brevemente as vantagens e problemas de se examinar as relações entre ciência e religião por meio da investigação de suas fronteiras racionais.
O objetivo da investigação racional é alcançar o ponto ou o objeto almejado. Em outras palavras, é visando à conclusão ou ao fim que as investigações são iniciadas. Como tais, os objetivos são cruciais, pois influenciam o rumo das investigações, e o caminho seguido para alcançá-los reflete heuristicamente aquilo que se intenciona. Além disso, a noção de objetivo tem uma importante dimensão psicológica que tanto pode ajudar quanto interferir nos rumos da pesquisa. Por isso, os objetivos são uma fonte vital de motivação para a investigação tanto na ciência quanto na teologia. Nesta seção, são exploradas as fronteiras entre os objetivos científicos e teológicos, incluindo os objetos do processo investigativo e as explicações atribuídas aos objetos sob investigação.
De modo geral, o objetivo das ciências é conhecer o mundo natural explicando seus fenômenos naturais por meio das causas naturais que os antecedem. Segundo muitos cientistas e filósofos da ciência, o objetivo específico da ciência é a verdade, a qual pode ser expressa numa teoria científica ou numa lei natural, isto é, uma concepção da natureza que representa ou corresponde acuradamente a um mecanismo causal que está na base de determinado fenômeno. Karl Popper (1979: 191-205, esp. 196), por exemplo, afirma que o objetivo da ciência é formular teorias que capturam “propriedades cada vez mais essenciais do mundo”.[7] Na opinião de outros, esse objetivo é menos transcendente. Laudan (1996: 78), por exemplo, propõe: “o objetivo da ciência é assegurar teorias altamente eficazes na solução de problemas”. Para outros ainda, o objetivo da ciência se baseia na abordagem teórica empregada para compreendê-la. Thomas Kuhn (1962), por exemplo, vê a ciência como a estagnação da prática científica normal pontuada por uma ciência revolucionária ou extraordinária. Para ele, o objetivo da ciência normal é possibilitar a expressão do paradigma dominante enquanto que o objetivo da ciência revolucionária é substituir o paradigma dominante por outro incomensurável.
Embora o objetivo da ciência seja articular uma explicação teórica, a natureza da teoria científica é uma questão polêmica. Para explicá-la, há dois modelos principais. O primeiro é o da concepção sintática, proposto pelos positivistas lógicos. Nesse modelo, as teorias são enunciados condicionais de primeira ordem deduzidos de leis que também são enunciados condicionais de primeira ordem. Já as regras de correspondência são enunciados bicondicionais de primeira ordem que conectam termos teóricos e observacionais. Um dos muitos problemas desse modelo está na distinção entre termos teóricos e observacionais. A geração seguinte de filósofos da ciência argumentou que os termos observáveis estão carregados de teoria. O segundo modelo, que sucedeu o sintático, foi o semântico. Segundo tal concepção, as teorias científicas apresentam estruturas matemáticas que representam o mundo natural. Essa natureza representativa das teorias é abordada de quatro maneiras: pelos predicados de estruturas conjuntistas (“set-theoretic”) de Suppe, pelos espaços-estado (“state spaces”) de van Fraassen, pela relação estruturalista de Stegmüller e pelo sistema relacional de Suppe.[8] Tal concepção foi utilizada para explicar a estrutura de várias teorias científicas importantes.[9]
Enquanto o objetivo geral da ciência é conhecer a natureza do mundo, o objetivo geral da teologia cristã tradicional é conhecer a natureza trina de Deus, especialmente a encarnação e a ressurreição de Jesus e a nossa relação com Deus através de Cristo.[10] Os objetivos da ciência geralmente são afirmações epistêmicas sobre os fenômenos naturais expressas em leis ou teorias científicas. Já os objetivos teológicos, em geral, são afirmações epistêmicas sobre o Deus trino expressas em dogmas ou doutrinas teológicas.[11] Para alguns, os objetivos da teologia também incluem a compreensão da Igreja, de sua missão e da “transformação da pessoa” (BARBOUR, 1997: 87). Para outros, no entanto, os objetivos teológicos podem ser expressos independentemente da existência de Deus, como na teologia da morte de Deus.[12]
Assim como a natureza das teorias científicas é contestada, a natureza das doutrinas teológicas também é objeto de debate entre os teólogos. George Lindbeck, ao se referir à natureza da doutrina na era pós-liberal, identificou três tipos de doutrina: a proposicional-cognitiva, a expressiva-experiencial e a lingüístico-cultural.[13] No primeiro tipo, o proposicional, os enunciados representam “afirmações verdadeiras sobre realidades objetivas”. O objetivo desses enunciados doutrinais é o conhecimento da natureza de Deus, expresso em proposições absolutas, ou seja, que são verdadeiras sem se referir a tempo e espaço. Geralmente, elas derivam de fontes reveladas, como a Bíblia. O segundo tipo de doutrina consiste em enunciados que são “símbolos não informativos e não discursivos de sentimentos interiores, atitudes e orientações existenciais”. Seu objetivo é o conhecimento da natureza de Deus, expressa em termos estéticos e que tratam da experiência individual de Deus. Esses enunciados doutrinais se originam de um núcleo comum da experiência religiosa, o qual precede sua expressão formal. Os dois primeiros tipos de enunciados estão em lados opostos da cunhagem da doutrina, e essa, segundo Lindbeck, é indissolúvel (LINDBECK, 1984: 24, 16).
O último tipo de doutrina é representado pelos enunciados lingüístico-culturais, utilizados como artifício pelo próprio Lindbeck ao abordar questões ecumênicas. O objetivo desses enunciados é conhecer a natureza de Deus, expressa em “regras autoritativas, da comunidade, de discurso, atitudes e ações” (LINDBECK, 1984: 18). Assim como as regras gramaticais governam o uso da linguagem, as regras da doutrina regulam a vida das comunidades de fé. Tais regras, ao contrário dos símbolos, são invariáveis quanto ao conteúdo. E, ao contrário das proposições, essas regras são empregadas para atender às exigências de determinados contextos culturais. Nesse caso, o objetivo geral da teologia é um enunciado sobre a natureza de Deus, que deriva de uma variedade de fontes, mas é regulado por necessidades particulares da Igreja.[14] Lindbeck, por exemplo, percebeu que as doutrinas cristológicas dos Concílios de Nicéia e Calcedônia são “princípios reguladores” que governam ou guiam o discurso da Igreja sobre a natureza divina e humana de Jesus, e não apenas proposições de primeira ordem que definem uma categoria ontológica.[15]
As diferenças nas fronteiras entre os objetivos científicos e teológicos são consideráveis. A primeira diz respeito aos objetos da pesquisa. Para os cientistas naturais, os objetos de pesquisa são os fenômenos naturais; para os teólogos cristãos, são a natureza trina de Deus e a relação humano-divino. Apesar de diferentes, os objetos das pesquisas científica e teológica estão relacionados, sendo que Deus criou a natureza e a natureza testemunha – embora silenciosamente – sua origem divina (Salmo 19). Além dos próprios objetos de investigação, as explicações atribuídas aos objetos científicos e teológicos também se mostram divergentes. Para a ciência, trata-se do conhecimento mecânico das redes causais e explicáveis de fenômenos naturais (expressas em teorias e leis); para a teologia, trata-se do conhecimento das relações do Deus trino que se faz conhecer pela revelação divina (expressa em doutrinas e dogmas).[16] Embora existam diferenças entre as explicações da ciência e da teologia, elas também compartilham algo. Esse algo é a análise causal: para os cientistas, os eventos naturais são causas próximas, enquanto que, para os teólogos, Deus é a causa última. Por fim, enquanto as afirmações científicas são, em parte, justificadas por meios empíricos, a aceitação da auto-revelação de Deus vem através da experiência pessoal da fé. Nesse caso, o objetivo da ciência é explicar os fenômenos naturais em termos naturalistas, e o objetivo da teologia é acreditar em Deus por meio da fé religiosa. Deve-se notar, entretanto, que os cientistas também exercitam a fé, uma fé secular de acordo com Michael Polanyi, nos seus colegas e na regularidade dos eventos naturais.
Método é o conjunto de meios utilizados para alcançar uma meta, porém, freqüentemente, ele é moldado pelo objetivo da investigação. O método tem caráter instrumental e não pode servir como um fim. Algumas vezes, funciona heuristicamente como regra geral para a realização de um trabalho; em outras vezes, representa hábitos ou virtudes implícitos que podem ser adquiridos tacitamente. Em outras ocasiões ainda, o método representa um conjunto detalhado de protocolos e instruções utilizados para obter um resultado específico. De modo geral, método é “um padrão normativo de operações recorrentes e relacionadas que produzem resultados progressivos e cumulativos” (LONERGAN, 1972: 4). É, assim, um complexo conjunto de atividades – cognitivas e manuais – utilizadas para alcançar uma meta. Nesta seção, são exploradas as fronteiras entre os métodos científicos e teológicos.
A noção de que existe um único método científico responsável pelo sucesso da ciência faz parte da tradição moderna dessa disciplina.[17] No início do século XX, os positivistas lógicos e os empiristas propuseram que o método científico consistia em regras de lógica empregadas para garantir a veracidade das afirmações científicas. Eles argumentavam que o método científico envolvia a verificação ou confirmação indutiva das teorias (CARNAP, 1953: 47-92). As observações resultantes dos experimentos eram utilizadas, de acordo com um modelo probabilístico, para verificar ou confirmar as teorias. Porém, essa noção de verificação ou confirmação não escapou do problema da indução: como pode um enunciado universal ser considerado verdadeiro se está baseado num número limitado de observações? Para evitar esse problema, Karl Popper (1962) propôs um modelo dedutivo. De acordo com ele, conjeturas ousadas eram sugeridas e testadas. Se uma delas falhasse no teste, era considerada falsificada. Mas, se passasse, seria provisoriamente corroborada. Mais tarde, no entanto, Imre Lakatos argumentou que os cientistas não deveriam rejeitar uma teoria simplesmente porque as evidências não a confirmavam. Ele propôs uma metodologia alternativa, baseada em princípios racionais que se desenvolveram ao longo da História (LAKATOS 1975: 91-196).
Na última metade do século XX, a noção de um método científico único foi severamente criticada sob vários aspectos. Os positivistas lógicos e os empiricistas, assim como seus descendentes, foram acusados de restringir o método científico a justificativas epistêmicas, o que impedia o desenvolvimento de concepções científicas, especialmente quando se levava em conta a história da ciência (NOLA; SANKEY, 2000). A morte do método científico é creditada a Thomas Kuhn e a seu colega Paul Feyerabend, entre outros. Para Kuhn (1977: 320-339), não existe um conjunto objetivo de valores que determina a escolha da teoria; na verdade, esses valores estão submetidos a ela e apenas podem influenciá-la. Conseqüentemente, não existe um algoritmo ou método científico que justifique o conhecimento científico.[18] A intenção de Kuhn não é descartar a racionalidade, mas considerar a comunidade científica como um fator importante na prática da ciência. Feyerabend (1975) foi mais além em sua crítica ao método científico. Segundo argumentava, a noção de um método científico racional é um mito e esse anarquismo é o melhor meio de praticar ciência.[19]
Depois de ser considerado o principal orgulho da ciência e da filosofia da ciência, o método científico foi substituído por estudos sociológicos sobre a prática científica e pela cultura material dos laboratórios.[20] Atualmente, o método científico se refere – se é que tem alguma importância referencial – aos protocolos experimentais para a geração de dados, e não mais a regras de lógica necessárias para justificar fatos científicos. De acordo com essa nova concepção – se é que podemos chamá-la assim – cada ciência natural emprega protocolos específicos para investigar seus objetos de interesse. Assim, não existe hoje um método científico distinto e aplicável a todas as ciências naturais. Em vez disso, há protocolos específicos para cada ciência natural.
Também é altamente contestável a noção de haver existido um único método teológico. Em algumas tradições cristãs, um método teológico prevalece. Avery Dulles assinala como exemplo o método escolástico dos católicos romanos anterior ao Concílio Vaticano II. Atualmente, os teólogos utilizam uma pluralidade de métodos, baseados nas diferentes tradições históricas e filosóficas, na hermenêutica bíblica e nos locais institucionais de autoridade. John Mueller (1984) nota que a teologia é praticada por quatro diferentes métodos: empírico, existencial, sócio-fenomenológico e transcendental. Mas essa taxonomia não está completa. O teólogo Gordon Kaufman (1995), de Harvard, propõe um método teológico analítico-lingüístico, segundo o qual os teólogos concebem a palavra “Deus” partindo de seu uso original para, então, considerá-la um ponto último de referência para a experiência humana.
No método empírico, os teólogos investigam a experiência humana a fim de revelar o sentido de nossa relação com Deus. Para David Tracy, a teologia reflete o significado da ação de Deus na vida dos indivíduos e comunidades de crentes. No método existencial, os teólogos exploram as ansiedades e preocupações na relação humano-divino. Paul Tillich, por exemplo, parte da situação humana em que lutamos para dar significado à existência num mundo que parece pouco se preocupar conosco. No método sócio-fenomenológico, o sofrimento humano funciona como uma passagem para compreender a natureza de Deus. De acordo com Edward Schillebeeckx, a tarefa dos teólogos é transformar, através do Evangelho, a dor brutal do sofrimento injusto para todos os seres humanos num mundo caído e corrupto. Por fim, no método transcendental, os teólogos examinam as condições em que os seres humanos se auto-superam para estabelecer uma relação com Deus. O método teológico de Bernard Lonergan serve de ilustração, pois proporciona não só o conhecimento de um Deus amoroso, mas também permite estar apaixonado por Deus e pelos outros por meio da conversão religiosa.
As fronteiras entre os objetivos científicos e teológicos são diferentes, assim como diferem as fronteiras entre os métodos que a ciência e a teologia utilizam para alcançar seus respectivos objetivos. Na investigação dos fenômenos naturais, os cientistas empregam determinados protocolos experimentais. Tais protocolos permitem controlar e manipular diretamente o fenômeno de interesse, o qual pode ser percebido pelos sentidos ou com o auxílio de instrumentos. Não é assim para os teólogos, que dependem da auto-revelação de Deus ou de uma outra fonte de autoridade. Para eles, os objetos de investigação são o Deus trino, que não obrigatoriamente é acessível aos sentidos – com ou sem auxílio de instrumentos–, e a nossa relação com Ele. Deus pode servir como objeto de investigação para os teólogos, mas não pode ser diretamente manipulado ou controlado através de experimentos a exemplo do que fazem os cientistas ao investigar os fenômenos naturais.[21] Embora os métodos de cada disciplina sejam diferentes, a ciência e a teologia compartilham uma abordagem crítica comum. Como afirma Lonergan, essa abordagem está no caminho rumo à compreensão dos dados da experiência, no julgamento da veracidade dessa compreensão e na decisão sobre como agir em face dessa compreensão. Por fim, alguns teólogos têm se apropriado de métodos científicos para utilizá-los em sua disciplina.[22]
O último componente do modelo reticulado de racionalidade é a noção de valor. Os valores podem ter uma função cognitiva ou epistêmica, sendo utilizados para verificar se os objetivos foram alcançados de modo satisfatório pelos métodos. Os valores desempenham um importante papel na justificativa das afirmações epistêmicas da ciência. Kuhn (1977), em seu famoso ensaio sobre o papel dos valores na escolha da teoria, demonstrou que eles são necessários para compensar a falta de fatores objetivos que expliquem, de modo completo, por que os cientistas escolhem determinadas teorias.
Ao se analisar as fronteiras metafísicas da ciência e da teologia, especialmente a escolha das doutrinas ou teorias, a noção de valores epistêmicos ou cognitivos se mostra por demais limitada. Os cientistas e os teólogos se envolvem, respectivamente, não apenas na avaliação das teorias e das doutrinas, mas também participam de sua formulação. Para uma completa compreensão da atividade dos cientistas e dos teólogos, é preciso examinar de que maneira eles formulam suas teorias e doutrinas. Assim, é necessária uma noção mais abrangente de metafísica, que explique o processo de composição delas. R. G. Collingwood (1998) oferece essa noção ampliada, a qual inclui a análise das pressuposições utilizadas na formulação das afirmações epistêmicas.[23]
Segundo Collingwood, a missão principal da metafísica é revelar as pressuposições sobre as quais a ciência foi edificada.[24] Parte dessa missão é identificar quais pressuposições são necessárias para elaborar questões sobre o mundo. Collingwood divide as pressuposições em relativas e absolutas. As primeiras funcionam como hipóteses de fundo no caso que uma pergunta é feita sob um conjunto de condições, e uma resposta sob um outro. Já as pressuposições absolutas sempre funcionam como premissas de fundo para formular perguntas, e nunca para oferecer respostas.[25] Collingwood considera que a eficácia lógica das pressuposições, ou seja, sua capacidade de produzir questões, independe de seu valor de verdade; ao invés, a eficácia delas depende do fato de elas terem sido pressupostas. Dessa forma, as pressuposições absolutas são necessárias à elaboração de perguntas sobre o mundo natural e, por isso, são importantes para a análise das ciências naturais.
Um grande número de pressuposições absolutas fundamenta a atividade das ciências naturais. É o caso do materialismo, do reducionismo, do determinismo e do mecanicismo, apenas para citar algumas. Embora importantes para a geração de conhecimento científico, as pressuposições apresentam alguns problemas e não são aceitas por todos os cientistas. Por exemplo, a hipótese reducionista predominante na teoria sobre o câncer – a teoria da mutação somática – foi desafiada por outra teoria baseada em conceitos holísticos.[26] Conseqüentemente, não há um único conjunto de premissas de fundo com o qual todos os cientistas concordam. Em vez disso, os cientistas utilizam um grande número de premissas e combinações de premissas para gerar o conhecimento científico.
Porém, há uma premissa de fundo com a qual quase todos os praticantes das ciências naturais concordam: o naturalismo. Definir o naturalismo é uma tarefa assustadora, por isso, para o propósito deste artigo, essa pressuposição servirá para identificar fenômenos naturais produzidos por eventos e forças naturais que a razão humana não compreende. Em outras palavras, não é preciso encontrar forças externas ao mundo natural para explicar fenômenos naturais. O naturalismo é geralmente dividido em dois tipos, ambos relevantes à presente discussão: o metodológico e o metafísico (DE VRIES, 1986: 388-396).
O naturalismo metodológico pressupõe que os cientistas investiguem apenas os fenômenos naturais e formulem explicações físicas ou mecânicas para esses fenômenos. Tal premissa coloca um limite para o desenvolvimento de uma estratégia experimental ou heurística para orientar a pesquisa em ciências naturais.[27] A postura ou atitude naturalista dos cientistas se restringe apenas à investigação sobre o mundo natural, e por isso essa pressuposição mostra-se ineficaz para levantar questões sobre fenômenos que ultrapassam o mundo físico, tais como a experiência religiosa. Se Deus interfere no processo natural ou age através dele, é uma questão que simplesmente não pode ser abordada pelo naturalismo metodológico.
O naturalismo metafísico, por outro lado, pressupõe que os fenômenos físicos ou materiais são tudo o que existe. Francis Crick afirmou de modo abrupto: “Você, seus prazeres e aflições, suas memórias e ambições, seu senso de identidade e livre arbítrio, na verdade, nada mais são do que o comportamento de uma vasta comunidade de nervos e células e as moléculas a eles associadas” (CRICK, 1994: 3). A afirmação de Crick está fundamentada na crença de que a identidade pessoal resulta apenas de fatores físicos e materiais.[28] Como tal, o naturalismo metafísico nega a existência de qualquer coisa que não seja física ou material, e vai bem além do pressuposto limite do naturalismo metodológico, ao fazer afirmações metafísicas não fundamentadas sobre a natureza da realidade.
As pressuposições absolutas são importantes para analisar como, durante investigação científica, as questões são geradas ou construídas – e elas têm uma função similar na análise da investigação teológica. Para os teólogos cristãos tradicionais, a premissa de fundo predominante é o sobrenaturalismo.[29] De acordo com essa pressuposição, existem fenômenos que transcendem o mundo natural e que a razão humana só pode compreender, ou apreender, com a ajuda divina. Assim, na economia criada por Deus, há uma ordem natural e também uma ordem sobrenatural. De acordo com muitos teólogos cristãos, a revelação divina, particularmente como foi apresentada na Bíblia, é a principal fonte de formulação e suporte das doutrinas e dos dogmas teológicos a respeito dos reinos sobrenatural e natural. Para esses teólogos, apropriar-se da revelação para formular doutrinas é uma tarefa que exige uma interpretação acurada e relevante da Bíblia. Além do sobrenaturalismo, a investigação teologia utiliza outras premissas de fundo, tais como a hipótese da intervenção divina na ordem criada e da inteligibilidade, do propósito e/ou de planejamento no seio da ordem criada.[30]
Se as diferenças entre os objetivos e os métodos da ciência e da teologia são importantes, as diferenças entre suas premissas de fundo naturalistas e sobrenaturalistas são ainda mais significativas. Infelizmente, alguns defensores dessas disciplinas parecem mais interessados em desacreditar as pressuposições alheias do que como investigar o mundo. Alguns dos que defendem o sobrenaturalismo rejeitam o naturalismo. Sobre o naturalismo metodológico, Alvin Plantiga (1997: 143-153) destaca que “há pouco a ser dito em sua defesa; quando examinado friamente sob a luz do dia”.[31] E, claro, muitos dos que defendem o naturalismo rejeitam o sobrenaturalismo. William Provine, por exemplo, afirmou em um debate com Phillip Johnson: “Aderi ao sobrenaturalismo porque queria que fosse verdadeiro. Mas, ao estudar a biologia evolutiva, vi que não poderia manter minha crença porque as evidências a favor do naturalismo eram demasiadas” (JOHNSON e PROVINE, 1994).
O debate sobre as pressuposições naturalistas e sobrenaturalistas freqüentemente se concentra nas evidências empíricas. Michael Behe (1996), por exemplo, defende a noção de “complexidade irredutível” e enumera os problemas empíricos enfrentados pelos cientistas naturais no que diz respeito à evolução de estruturas biológicas complexas de acordo com um mecanismo darwiniano ou naturalista. Ele rejeita o naturalismo evolutivo e defende o plano (ou desígnio) inteligente com base empírica.[32] Richard Dawkins (1986: 4), ao contrário, rejeita as explicações sobrenaturais atribuídas à complexidade biológica, como a do plano, e defende uma versão metafísica da seleção natural com base empírica.[33] Collingwood, como foi mencionado acima, consideraria que são enganosos os esforços para justificar as pressuposições absolutas com base em evidência empírica.[34] Afinal, a eficácia lógica dessas suposições depende de elas terem sido propostas e não de serem empiricamente verdadeiras ou falsas.
Na ciência, os valores geralmente são classificados em dois tipos: epistêmicos e não epistêmicos (MCMULLIN, 1982: 3-28).[35] Os valores epistêmicos antecipam a veracidade das afirmações científicas. São importantes porque permitem avaliar o “encaixe” entre as teorias científicas e o mundo natural. Entre eles, estão incluídos a consistência externa, a fertilidade, a coerência interna, a qualidade da previsão, a simplicidade e o poder unificador. Os valores não epistêmicos são utilizados quando os valores epistêmicos não conseguem fazer uma distinção entre teorias empiricamente equivalentes. Eles não elevam o “status epistêmico” da teoria, mas refletem crenças culturais, sociais, políticas e religiosas. Embora esses valores influenciem seus praticantes por um curto período de tempo, eventualmente são substituídos por considerações epistêmicas. Por exemplo: Michael Ruse (1999) demonstrou, em um estudo sobre o desenvolvimento da ciência evolutiva durante os séculos XIX e XX, que houve uma transição de valores não epistêmicos para valores epistêmicos em sua prática.[36]
Valores epistêmicos e não epistêmicos também desempenham um papel importante na teologia, embora a discussão sobre o valor, ou a expressão, das doutrinas teológicas não seja necessariamente conduzida nesses termos.[37] Os valores epistêmicos utilizados pelos teólogos para avaliar ou expressar suas doutrinas não são os mesmos que utilizados pelos cientistas para avaliar ou articular suas teorias. A qualidade da previsão, por exemplo, não é um valor importante para a avaliação das doutrinas teológicas. Embora algumas doutrinas se preocupem com eventos futuros, elas geralmente não são usadas para prever esses acontecimentos. Por outro lado, os teólogos compartilham alguns valores epistêmicos com os cientistas. A consistência interna, por exemplo, é importante para avaliar inconsistências lógicas nas doutrinas teológicas. A coerência externa com outras doutrinas teológicas também é um fator importante para avaliar a força de doutrinas específicas. Bruce Marshall (2000), por exemplo, argumenta que a Trindade é uma doutrina “primária” com a qual as demais doutrinas devem manter coerência.
Valores não epistêmicos ou culturais – e, claro, valores científicos – também são importantes para a avaliação das doutrinas teológicas, pois podem influenciar o conteúdo das doutrinas. Os teólogos cristãos ocidentais, por exemplo, utilizam diversas metáforas para avaliar o significado da doutrina da expiação.[38] Essas metáforas se baseiam na noção de justiça, cujo valor social predominante é a culpa. No entanto, esse valor tem pouca importância quando a doutrina é avaliada no Japão, onde a vergonha é o principal valor social que sustenta a noção de justiça (GREEN; BAKER, 2000). Os valores científicos também influenciam a avaliação das doutrinas. Arthur Peacocke, por exemplo, recorre a evidências atuais da biologia e da psicologia para avaliar a doutrina do ser humano. Ele explora, por exemplo, as questões levantadas pela estampa genômica para entender o pecado original (PEACOCKE, 1993: 245-248).
Por fim, cientistas e teólogos realmente compartilham alguns valores básicos, mas sem necessariamente se restringir a valores epistêmicos e não epistêmicos. Tais valores geralmente refletem as necessidades éticas ou factuais necessárias à busca do conhecimento científico. O valor factual não se limita simplesmente à correspondência absoluta entre o mundo e as teorias científicas, mas também envolve a possibilidade de correção das teorias científicas à luz de evidências adicionais. Os valores éticos são importantes para as comunidades de profissionais e para seu trabalho. Certamente, os teólogos e cientistas compartilham um desejo genuíno de conhecer os fatos e obedecer aos valores éticos ou virtudes que os asseguram. A honestidade, por exemplo, é a disposição não só para dizer a verdade, mas também para evitar dizer uma mentira. Além disso, a honestidade diz respeito a um caráter sincero e confiável.[39] Esses valores ou virtudes são essenciais para a aquisição do conhecimento na maioria das disciplinas. Embora os cientistas geralmente sejam retratados como mais virtuosos que os praticantes de outras disciplinas, estudos pós-modernos ridicularizaram essa caricatura.
Explorei neste ensaio as fronteiras racionais entre ciência e teologia em termos de metas, métodos e metafísica. Há várias vantagens em moldar a exploração da interação entre ciência e teologia em termos de seus limites racionais. A primeira vantagem é que podem ser localizados desacordos entre cientistas e teólogos com respeito a suas diferentes metas ou objetivos, procedimentos metodológicos ou hipóteses e compromissos metafísicos. De fato, a análise da metafísica da ciência e da teologia, incluindo as premissas de fundo permite um exame esmiuçado do insensato desacordo que freqüentemente tem caracterizado a relação entre as duas disciplinas. Pois pressuposições sem verificação, ou utilização delas de modo inadequado, são freqüentemente a origem das divergências entre cientistas e teólogos. Por exemplo, como foi discutido acima, a defesa do Plano Inteligente tenta desacreditar as premissas ou compromissos metafísicos, a exemplo do naturalismo, utilizando evidências empíricas.
Outra vantagem é evitar a indiferença distanciada entre cientistas e teólogos. O perigo de tal indiferença é uma visão de mundo truncada que é somente material ou espiritual, sem possibilidade de intersecção. Por exemplo, Stephen Gould argumenta que ciência e religião são, no máximo, duas disciplinas que não se sobrepõem por causa de suas abordagens divergentes ao investigar o mundo. Pois a ciência busca “entender o caráter factual da natureza”, enquanto a religião procura “dar sentido à nossa vida e uma base moral para nossas ações” (GOULD, 1999: 75). Entretanto, Gould finaliza fundamentando a moralidade não em uma revelação sobrenatural – uma base religiosa mais tradicional – mas nas pessoas, e termina defendendo uma visão de mundo estritamente materialista.
Uma vantagem importante de organizar a interação entre ciência e teologia em termos de suas fronteiras racionais é a aversão ao diálogo banal entre cientistas e teólogos. Em suas conversas, cientistas e teólogos freqüentemente falham em apreciar o nível de sofisticação e a intensidade dos detalhes alcançados pelo outro. Por exemplo, o cosmólogo Brian Swimme e o teólogo Thomas Berry passam por cima de fatos importantes e difíceis de suas respectivas disciplinas para formular uma narrativa compreensiva do universo (SWIMME; BERRY, 1994). Entretanto, o teólogo Vicent Brümmer argumenta – utilizando a noção de Wittgenstein da linguagem dos jogos – que um diálogo forte entre cientistas e teólogos requer sensibilidade para as preposições “tácitas” nas quais as alegações científicas e teológicas estão fundamentadas (BRÜMMER, 1991: 1-17).
A vantagem final é a resistência a consensos triviais entre cientistas e teólogos, que geralmente são resultado da integração das alegações epistêmicas em uma única estrutura. Tais consensos são freqüentemente alcançados pelo comprometimento da integridade tanto da ciência como da teologia. Por exemplo, o criacionismo compromete a integridade da ciência ao defender a doutrina cristã da criação.[40] A integração é particularmente atraente, porque leva a uma certeza ou unidade de conhecimento quando o melhor que pode ser alcançado é um conhecimento passível de correção ou fragmentário.[41] Em vez de forçar uma integração acadêmica das alegações epistêmicas às custas da integridade de uma ou das duas disciplinas, essas alegações devem ser combinadas para formar um quadro do mundo que capture mais completamente a ordem e a elegância de ambas, e assim podem ser apresentadas sólidas decisões e sábios julgamentos para as questões e escolhas difíceis.[42]
Um dos significados mais importantes de manter a integridade da ciência e da teologia quando se explora o mundo é o princípio da caridade. Para isso, cientistas e teólogos devem respeitar as metas, métodos e metafísica uns dos outros e comportar-se de forma caridosa ao examinar as reivindicações epistemológicas uns dos outros.[43] Por que deveria a integridade da ciência e da teologia ser mantida? Porque nós nos consideramos sábios e inclusive nos designamos como tais (Homo sapiens). As ciências naturais e a teologia cristã representam duas maneiras pelas quais investigamos nossa experiência da realidade. Ambas nos dão importantes insights sobre nossa experiência e nos permitem dar sentido às nossas vidas. De forma essencial e importante, as duas genuinamente se complementam: “Ciência e teologia podem ser vistas como aspectos descritivos da mesma realidade total, mas com diferentes pontos de vista e no interior de diferentes estruturas de referência” (WATTS, 1997: 164).
Ao lado das vantagens acima, dois problemas importantes podem resultar da exploração das fronteiras racionais entre ciência e teologia e, claro, devem ser evitados.[44] O primeiro problema é uma possível incomensurabilidade entre as declarações epistemológicas da ciência e da teologia, porque as hipóteses e comprometimentos metafísicos são compartilhados de modo insuficiente entre as duas. Relacionado a esse primeiro problema, há uma dicotomia aparentemente forte entre naturalismo e supernaturalismo. Ambos os problemas podem ser suavizados quando se tem em mente que cientistas e teólogos investigam um único mundo. Como Brümmer argumenta:
As alegações da ciência e da religião podem se complementar uma à outra, ou mesmo entrar conflito uma com a outra, não porque elas fornecem respostas complementares ou rivais para as mesmas classes de questões, mas porque lidam com (diferentes tipos de) questões a respeito do mesmo mundo (BRÜMMER, 1991: 2).[45]
Deste modo, a possível incomensurabilidade é freqüentemente artificial por causa de uma inabilidade ou recusa dos cientistas e teólogos em entender ou aprender a linguagem uns dos outros, e a dicotomia naturalismo-supernaturalismo é freqüentemente falsa, porque a verdade pode ser encontrada em ambas as declarações, científica e teológica.
Em uma discussão sobre a visão de mundo científica e teológica, Thomas Torrance observou que a teologia cristã:
está limitada a tratar o conteúdo material de qualquer abordagem genuinamente científica do universo como uma cosmologia parcial, provisória e passível de revisão, que nunca pode ser completada ou, por essa razão, explicada meramente em termos de suas próprias relações constituintes. Mas que, em seu nível empírico-teórico, pode ser altamente significativa para a teologia quando coordenada com um nível maior de ordem racional em Deus como sua razão criativa e suficiente (TORRANCE, 1998, p. 70).
O propósito de explorar as fronteiras racionais da ciência e da teologia é aumentar nosso conhecimento da complexidade e riqueza da natureza ou realidade, pois as visões de mundo científica e teológica, sozinhas, são quadros empobrecidos do mundo. A teologia cristã sem a contribuição das ciências naturais pode se tornar imaginária, enquanto as ciências naturais sem a contribuição da teologia cristã podem se tornar desprovidas de sentido.[46]
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Recebido: 05/12/2006
Aceite final: 26/02/2007
[1] Agradeço a Ernan McMullin pelas discussões referentes à concepção inicial deste artigo e a Ron Anderson, Robert Baird, Michael Beaty, Stanley W. Campbell, William Cooper, Bruce Gordon, Douglas Henry, Robert Kruschwitz, Scott Moore, Robert Roberts e Stuart Rosenbaum por seus comentários esclarecedores sobre os primeiros esboços. Uma versão deste artigo foi apresentada na conferência “Conhecimento cristão... para quê?”, que teve lugar no Calvin College, Grand Rapids, MI, de 27 a 29 de setembro de 2001. A Baylor University apoiou minha pesquisa durante um período sabático de verão. Artigo originalmente publicado por MARCUM, J. 2003 "Exploring the Rational Boundaries between the Natural Sciences and Christian Theology." Theology and Science, Vol. 1, N° 2. Direitos para a língua portuguesa gentilmente cedidos pelo autor e pelo editor do periódico. Tradução de Michelle Marinho Veronese e Karen A. Arriagada Valdivia. Revisão de Eduardo R. Cruz e Steven Engler.
[*] James A. Marcum é professor associado no departamento de filosofia na Baylor University no Texas. Suas atividades acadêmicas incluem estudos em ciência e teologia, temas da história e filosofia das ciências naturais e a análise filosófica do conhecimento e prática médica.
[2] Por exemplo, enquanto discute o efeito do construtivismo social em percepções correntes da ciência, Michael Ruse (2000: 608) alega: “a ciência agora parece ser um fenômeno social com toda a subjetividade que se encontra na religião, ou na política, ou até na filosofia”.
[3] Wentzel van Huyssteen também explora as similaridades e diferenças entre a racionalidade científica e teológica e antecipa uma racionalidade pós-fundacionista que, segundo ele, evita os problemas da objetividade fundamental e do relativismo não-fundacional. De acordo com Huyssteen (1997: 228), a racionalidade pós-fundacionista é “uma epistemologia falibilista, que abraça honestamente o papel da experiência tradicional, do comprometimento pessoal, da interpretação e da natureza provisória de todas as nossas reivindicações de conhecimento”.
[4] Por ciências naturais, refiro-me às tradicionais ciências naturais, como a física, a química e a biologia. Como cada disciplina investiga somente uma faceta limitada do mundo natural, utilizo o plural. Em teologia cristã, incluo as tradições ortodoxa, católica romana e protestante. Tendo em vista que, em sua maioria, elas estão enraizadas na natureza trinitária de Deus e geralmente variam na expressão de sua experiência da Trindade, utilizo o singular.
[5] William Newton-Smith também propôs um modelo de racionalidade científica alguns anos antes do modelo de Laudan. De acordo com Newton-Smith (1981), a racionalidade científica é composta por dois componentes: os objetivos dos cientistas e os “princípios de comparação” que eles usam para escolher entre teorias competitivas.
[6] Ver também Van Huyssteen (1999: 15), que explora a inter-relação entre ciência e teologia usando “uma noção mais rica da racionalidade humana”.
[7] De acordo com Popper (1979: 193), os cientistas não estão em busca de essências, no que diz respeito a suas teorias corresponderem a um ideal platônico, mas estão atrás de uma essência em termos de “teorias de conteúdo ainda mais rico, de degraus mais altos de universalidade e de degraus mais altos de precisão”.
[8] Para uma análise mais profunda da concepção semântica, ver SUPPE (1999).
[9] Por exemplo, Paul Thompson (1989) reconstruiu a teoria da evolução darwiniana na base do modelo semântico em The Structure of Biological Theories.
[10] O conhecimento sobre a natureza de Deus não significa o conhecimento de Deus como outro objeto físico, mas como pessoa. Conseqüentemente, o conhecimento da natureza de Deus é um conhecimento relacional.
[11] De acordo com Alistair McGrath (1990: 9 e 11), “...‘dogma’ designa especificamente o que é declarado pela Igreja como sendo a verdade revelada e também parte do ensinamento universal” enquanto “doutrina é essencialmente a expressão que prevalece da fé da comunidade cristã em relação ao conteúdo da revelação”.
[12] A teologia da morte de Deus continua hoje como teologia negativa, que não só rejeita a tradicional visão de Deus, mas também sua substituição pela defesa inicial de sua própria teologia – a razão humana. (BULHOF; KATE, 2000).
[13] Lindbeck também nota brevemente um quarto tipo de doutrina teológica, que resulta da combinação das expressões cognitiva e expressiva.
[14] Avery Dulles também menciona a natureza da doutrina, chamando-a de teologia pós-crítica, cujo objetivo é “articular a verdade implícita na fé cristã”, em oposição à teologia crítica, cuja principal motivação não é a fé, mas a dúvida. Além disso, ele substitui o terceiro tipo de doutrina de Lindbeck por uma declaração doutrinária eclesial-transformativa que articula “a auto-comunicação salvadora de Deus através das palavras e eventos simbólicos das Escrituras, especialmente em Jesus Cristo” (DULLES, 1995: 8 e 19).
[15] Para uma crítica da posição de Lindbeck, ver McGrath (1990: 29-32).
[16] Karl Rahner argumenta que Deus não é uma explicação para o mundo e, por essa razão, não pode ser explicado por esse; mais propriamente, Deus é um “mistério inefável”. O objetivo da teologia então “não é o desmascaramento de um segredo, permitindo que ele se torne auto-evidente, mas uma olhada rápida por entre a brilhante obscuridade dos mistérios divinos” (RAHNER, 1967: 385-400, esp. 395).
[17] Para uma revisão das diferentes posições históricas sobre o método científico, ver Gower (1997).
[18] O propósito de Kuhn era reunir os contextos da descoberta e da justificativa que tem dividido parte do século XX. Ver Kuhn (1962).
[19] O que Feyerabend entendia por anarquismo é a liberdade criativa que está freqüentemente sufocada pelo racionalismo autoritário.
[20] Ver, por exemplo, Buchwald (1995).
[21] Arthur Peacocke (1971: 23) defende a similaridade entre a experiência científica e a experiência cristã: “Para os cristãos, a experiência é um tipo de teste empírico de validade na vida das formulações públicas que resume os eventos e experiências cristãs do passado”.
[22] Ver, por exemplo, Pannenberg (1976) e Murphy (1990).
[23] Seu ensaio (COLLINGWOOD, 1998) é uma defesa da metafísica contra o ataque dos positivistas lógicos ou dos anti-metafísicos, particularmente A.J. Ayer.
[24] Torrance (1996: xi) professa uma pauta similar: “enquanto tentamos penetrar na racionalidade de algo, nossa pesquisa também deve se voltar para dentro de nós mesmos e de nossas pressuposições, e elas devem ser trazidas à tona se realmente queremos entender nosso objeto de interesse, esteja ele deslocado ou em concordância com sua própria natureza”.
[25] Por exemplo, Collingwood alega que Newton e seus seguidores pressupunham, de modo absoluto, que alguns eventos causam outros. Para as pressuposições relativas, entretanto, o uso de uma fita métrica pressupõe que um valor discreto pode ser obtido com ela (responder a uma questão) e que a medição seja de confiança (premissa de fundo para fazer uma questão).
[26] Carlos Sonnenschein e Ana Soto propõem que o câncer não é uma doença de genes defeituosos, mas de tecidos defeituosos (SONNENSCHEIN; SOTO, 1999). Além disso, Robert Weinberg, que clonou o primeiro oncogene e o gene supressor de tumor, agora defende uma biologia heterotípica em contraste com sua posição reducionista inicial (HANAHAN; WEINBERG, 2000: 57-70).
[27] Embora a ciência tenha sido bem-sucedida durante os últimos três séculos, seu sucesso não serve de base para justificar essas pressuposições. Contudo, Collingwood nota que este sucesso prático é um fator importante para avaliar pressuposições, embora isso não seja o mesmo que avaliá-las empiricamente.
[28] Embora hoje a teoria que características novas dos seres vivos aparecem com novos níveis de complexidade (emergentismo) tenha substituído o reducionismo de Crick em algumas partes da neurofisiologia, o naturalismo metafísico ainda é uma pressuposição digna de crédito.
[29] Nem todos os teólogos cristãos apóiam o sobrenaturalismo; certamente há vários teólogos cristãos que apóiam algum tipo de teologia naturalista.
[30] O que se entende aqui por intervenção de Deus não é a intermitente intrusão de Deus na ordem criada, mas antes um envolvimento prolongado de Deus que também inclui milagres. Por exemplo, depois de curar uma pessoa no sábado, Jesus diz a seus críticos que está trabalhando exatamente como seu Pai (João, 5:17).
[31]
Neste ensaio, Platinga argumenta que o naturalismo metodológico
é insuficiente para fundamentar uma ciência
augustiniana – uma ciência na qual o divino é
operativo – e critica a ciência Duhemiana [de Pierre
Duhem — NT] por “fingir que o universo criado está
lá, se recusando a reconhecer que ele é de fato
criado.” Conseqüentemente, ele quer que os
cientistas abandonem o naturalismo metodológico. Esse é
um propósito apressado e incauto. Não há
necessidade de postular Deus como a causa direta de um fenômeno
natural para salvar a ciência. Por exemplo, Platinga alega que
os cientistas podem legitimamente cogitar a questão: ”Teria
Deus criado a vida especialmente?” Ele argumenta que, como
Deus criou, seja diretamente como indiretamente, e como a causa
material para a origem da vida ainda não foi descoberta,
então, ”provavelmente (Deus) a criou diretamente“.
Essa linha de raciocínio enfrenta dois problemas. Primeiro, a
ciência das origens da vida é prematura e seria
desaconselhável abandonar o naturalismo metodológico
neste momento. Segundo, mesmo as ciências maduras se esforçam
em justificar explicações naturalísticas para
os fenômenos naturais. Conseqüentemente, que possível
critério há para, diante de um fenômeno natural
como a origem biológica da vida, apresentar uma explanação
sobrenatural como Deus? Se o naturalismo metodológico ”tem
pouco a dizer sobre isto”, então, o que pode ser dito
sobre um Deus que é invocado somente quando o naturalismo
metodológico falha em dar uma resposta mecânica?
(PLATINGA, 1997: 143-154, esp. 153).
[32] Embora Behe apresente a noção de “complexidade irredutível” como uma conclusão extraída de uma experiência empírica, trata-se antes de um compromisso metafísico usado para avaliar a evidência empírica. Por exemplo, sua análise da evolução do mecanismo de coagulação do sangue dos vertebrados é imprecisa e injustificável dadas as atuais evidências experimentais. Sobre essa evolução, há modelos propostos por cientistas que representam uma grande esperança para a revelação do mecanismo material pelo qual a coagulação do sangue vertebrado evolui. Ao contrário da afirmação de Behe, a complexidade irredutível não se apóia nessa evidência, mas é antes utilizada por ele como um compromisso metafísico parra interpretar a evidência. Veja, por exemplo, Doolittle, Spraggon e Everse (1997: 4-23); Gaboriaund et al. (1998: 459-470); e Miller (1999: 152-158).
[33] A posição de Dawkins, de “ateu intelectualmente realizado”, é baseada em uma imprudente interpretação da evidência evolutiva. Embora, às vezes, seja importante para os cientistas estender o limite dos dados, particularmente dos dados anômalos, Dawkins cometeu um erro de categoria lógica. Certamente nenhum biólogo moderno argumentaria que a seleção natural não é parte do mecanismo que explica a evolução dos organismos vivos, mas alegar que a evidência empírica da ciência evolutiva suporta uma alegação ateísta é saltar de uma categoria, ciência, para outra, religião, sem garantia e justificação.
[34] O rótulo de Collingwood para tal atividade é “tolice” ( COLINGWOOD, 1998: 47).
[35] McMullin (1982: 3-28) também discute brevemente duas “interpretações” adicionais de valores: verídicos e éticos; mas repudia sua importância imediata na escolha da teoria. Laudan (1984: xii) também não está preocupado com os valores éticos ou morais, mas somente com “o papel dos valores cognitivos na modelagem da racionalidade”.
[36] Ruse procede argumentando que valores não-epistêmicos podem operar através de metáforas até na mais robusta ciência.
[37] Embora alguns teólogos, como Van Huyssteen, desenvolvam a discussão nestes termos, a maioria deles discute a avaliação ou a expressão de doutrinas em quesitos como a contextualização.
[38] Veja, por exemplo, McIntyre (1992).
[39] Para uma discussão da relação entre virtudes e epistemologia, veja, por exemplo, ZAGZEBSKI (1996).
[40] Outro exemplo de tal compromisso é o esforço de David Griffin (2000: 17-18, 55-58) em harmonizar ciência e religião baseado na noção whiteheadiana de naturalismo, que rejeita tanto o sobrenaturalismo como o materialismo.
[41] Veja, por exemplo, N. Cartwright (1999). Veja, por exemplo, N. Cartwright (1999).
[42] Polkinghorne faz uma observação similar: “A ciência produz oportunidades para a ação, mas ela mesma não nos diz como essas oportunidades devem ser utilizadas. Ela fornece conhecimento, mas não bom senso. A teologia procura fornecer não só o conhecimento da vontade divina, mas também o bom senso para fazer as escolhas certas e viver obedecendo a boa e perfeita vontade de Deus.“ (POLKINGHORNE 1998: 129).
[43] David Hess (1997) faz um argumento comparável sobre caridade nos estudos da ciência contemporânea.
[44] Agradeço ao revisor de Theology and Science por chamar minha atenção para estes problemas.
[45] Veja também, Polkinghorne (1987).
[46] O Papa João Paulo II faz uma afirmação comparativa, salientando que a ciência “pode purificar a religião do erro e da superstição” enquanto a religião “pode purificar a ciência da idolatria e falsos absolutos”. (apud SHELER; SCHROF, 1991). Brümmer (1991: 13) também faz uma alegação similar: “A ciência não fornece as ferramentas para entendermos os fatos que cabe a nós conhecer, nem a religião dá a teoria que nos habilita a explicar, prever ou controlar esses fatos”.