As afirmações que consideram a religião e a política temas privilegiados de análise já são por demais recorrentes. Para algumas, o humano é um animal político, que convive com o complicador histórico da religião. Para outras, o humano é, no mesmo ato existencial, um animal político e religioso. Uns pensam a religião como a pervertedora potente da natureza da política. Outros entendem que a mera politicidade não consegue conter toda a existencialidade do humano, animal aberto à efetividade da transcendência. Uma e outra compreensão possuem defensores capazes de construir argumentos lúcidos, capazes de deleitar a inteligência.
Importa que o ambiente acadêmico, que deseje ser fértil campo compreensivo, seja capaz de acolher as múltiplas possibilidades de investigação e análise desses fenômenos / eventos. Ainda, os múltiplos lugares determinantes das diversas proposituras devem ser reputados como legítimos e assumidos por cada um que produz (e re-produz!) essas elaborações.
Os temas dos artigos desta edição situam-se todos nos percursos da modernidade. Ela tornou relevante e necessária a compreensão deste que se tornou apenas um único objeto: religião e política. Nessa relação, identificamos duas realidades distintas. No ambiente moderno, a política elabora-se a partir de seus próprios fundamentos e impõe seus termos e seus fins com recursos domésticos. Entretanto, ela não conseguiu distanciar-se da religião, que lhe confere diversas significações e, por vezes, também diversos destinos.
Neste número da REVER apresentamos cinco artigos de jovens doutores e de doutorandos que estão no percurso acadêmico de análises dessa temática. As áreas do conhecimento que se revelam no conjunto desses trabalhos são: Ciências da Religião, História, Antropologia, Sociologia e Teologia. Espera-se que esse conjunto revele além de seus temas específicos, como cada área lida com essa temática.
Arnaldo Huff oferece elementos analíticos para uma compreensão problematizada da relação entre protestantismo e modernização. Efetivamente, o autor lembra-nos da regular identificação entre o protestantismo e os processos de modernização, compreensão que pode turvar o olhar do observador de manifestações protestantes, sobretudo as ortodoxas e fundamentalistas. Seu artigo analisa um evento que envolve o Sínodo Evangélico Luterano do Brasil e a Coligação Pró-Estado Leigo na questão do ensino religioso nos anos 1930, a partir do qual problematiza as relações entre protestantismo e modernização. Huff afirma que o discurso e a prática luteranos nesse evento, analisados em perspectiva histórica, revelam as diferenças daquilo que se pode compreender como modernização ou processos de individuação. Traz então à baila argumentos que ligam um tipo ortodoxo de protestantismo, não à modernidade, mas a uma segunda edição da mentalidade medieva. Propõe, nesse contexto, a necessidade da investigação fundada na compreensão de que fenômenos plurais requerem, efetivamente, aparelhamentos conceituais que consigam investigá-los em sua complexidade e em seus contextos.
Sandro Amadeu Cerveira situa seu tema no contexto da questão das identidades do protestantismo no percurso da modernidade, no caso, a tipologia brasileira evangélicos. Ele apresenta elementos para a compreensão da condição do ser evangélico no Brasil, a partir de uma revisão da literatura recente sobre o tema. Preocupa-se, também, com a tensão entre os diferentes grupos e instituições deste ambiente religioso responsáveis pela imagem pública. Para tal análise, Cerveira recorta os temas do conversionismo, do denominacionalismo e da condição minoritária protestante, características que servem como diretrizes na elaboração de seu argumento. O artigo busca, também, revelar a fecundidade do olhar político sobre a noção de identidade.
Emerson Sena da Silveira, por seu lado, analisa as relações entre os carismáticos e a política, dentro das disputas no ambiente partidário de representação. O artigo propõe que os rituais, as performances e a cosmologia nativas??? da Renovação Carismática Católica, mas também a utilização de mídias televisivas e virtuais, desvelam a forma como esses católicos se lançam na disputa partidária. Defende também a idéia de que os termos conservadorismo e reacionarismo que lhes são atribuídos carecem de uma leitura mais adequada da visão de mundo que orienta os carismáticos. Em seu argumento central, Silveira aponta o fenômeno de uma gradativa inserção dos carismáticos católicos no universo da representação político-partidária e nos poderes legislativo e executivo.
Por sua vez, Wellington Teodoro da Silva apresenta elementos para a compreensão dos ritos no ambiente político. Segundo ele, as liturgias políticas são sítios hermenêuticos fundamentais para análises que visem compreender a politicidade num arco mais amplo de sentidos. Seu artigo estrutura-se em três momentos: 1) ritos – apontamentos de uma compreensão, onde busca propor uma compreensão acerca do ritual; 2) o político e seus lugares, onde propõe uma análise da politicidade, seus temas e objetivos e 3) o ritual político, nesse momento faz proposituras acerca das possibilidades de compreensões do político através de sua análise ritual.
Por fim, Francisco de Aquino Júnior aborda a(s) relação(ões) possíveis e ou necessárias entre a teologia e a política. Seu artigo situa-se no lugar compreensivo da teologia. Esse dado, para nós que organizamos este número da REVER,é importante porque consideramos salutar trazer para o ambiente dos estudos da religião as elaborações teológicas numa relação horizontal de mútua compreensão. Esperamos negar um determinado hábito muito comum entre historiadores, antropólogos, sociólogos e entre alguns cientistas da(s) religião(ões), de considerar o teólogo como objeto ou nativo?. O caminho inverso também deve ser verdadeiro: a teologia deve receber em seus ambientes as elaborações que as demais áreas do conhecimento produzem sem cair na tentação de reduzi-las à mera condição de instrumentos para as análises “que realmente importam”. Tratar-se-ia, dessa forma, de um diálogo com agenda aberta. Segundo Júnior, a relação entre a teologia e a política é um elemento constitutivo da estrutura da revelação, da fé e da teologia cristãs. Seu artigo busca explicitar o caráter estrutural efetivo e práxico no dinamismo cristão. Ele esboça um modelo que inclui a relação necessária entre a teologia e a política, na autonomia de uma e de outra. O tema é abordado na perspectiva da teologia cristã da libertação latino- americana, na elaboração que ela recebeu do jesuitismo da libertação de Ignácio Ellacuría.
Arnaldo Érico Huff Júnior[*]
Wellington Teodoro da Silva[**]