Para além de um fato historicamente constatável e verificável, a relação entre Teologia e Política pertence à estrutura mesma da revelação, da fé e da teologia cristãs. É um elemento constitutivo do dinamismo cristão. Neste artigo procuraremos explicitar o caráter estrutural real e práxico dessa relação no dinamismo cristão e esboçar um “modelo” práxico-teórico que respeite e potencie tanto a unidade entre Teologia e Política, quanto a autonomia de uma em relação à outra.
Palavras-chave: revelação, teologia, teologia da libertação, Ignacio Ellacuria.
Beyond a historically contestable and verifiable fact, the relationship between Theology and Politics belongs to the structure of Christian revelation, faith, and theology. It is a constitutive element of Christian dynamism. In this article we will seek to make clear the real and praxic structural character of this relationship in Christian dynamism and to outline a praxic-theoretical “model” which respects and strengthens both the unity between Theology and Politics and the autonomy of one from the other.
Keywords: revelation, theology, liberation theology, Ignacio Ellacuria.
A infinidade de situações, acontecimentos, realidades e assuntos que o tema Teologia e Política suscita e abriga, além da diversidade de perspectivas (ciências) e de abordagens (escolas teóricas) no interior de cada perspectiva em que ele é tratado são suficientes para mostrar a amplidão e complexidade da questão que aqui nos ocupa. E exige, de antemão, uma clara delimitação de perspectiva e de abordagem.
No primeiro caso, poderíamos tratar, por exemplo, das relações históricas dos crentes e suas igrejas/religiões com os diversos grupos sociais e forças políticas da sociedade; da função ideológica (alienante ou libertadora) da religião; da especificidade e eficácia da linguagem religiosa tanto na configuração das relações sociais, quanto na legitimação do poder político; da postura das igrejas/religiões nos processos de transformação social e de reestruturação do poder político ou das formas de governo; etc. Importa, aqui, analisar, descrever e explicitar a função, o papel e a importância dos crentes e de suas igrejas/religiões na configuração dos processos históricos, mais concretamente, das relações sociais e das forças políticas.
No segundo caso, poderíamos tratar de todos esses assuntos, mas na perspectiva da fé de uma comunidade religiosa concreta. Seja no sentido de justificar determinadas posturas ou ações como exigência da fé ou como conseqüência necessária ou inevitável da fé em determinadas circunstâncias. Seja no sentido de criticar, condenar ou rever criticamente determinadas posturas ou ações como contrárias à fé e, portanto, como injustificáveis do ponto de vista da fé. O que caracteriza o discurso teológico é que sua abordagem dos processos históricos, da configuração das relações sociais, da constituição das forças políticas, da produção e eficácia dos discursos ideológicos e da participação dos crentes e de suas igrejas /religiões nesses processos dá-se a partir da fé da comunidade religiosa em que ele está enraizado e é produzido e em função dela.
Enquanto as ciências sociais e políticas procuram analisar a função, o papel e a importância da religião na constituição e configuração dos processos históricos, das relações sociais e das forças políticas, a teologia procura analisar todos esses processos e a participação dos crentes e de suas igrejas/religiões nesses mesmos processos a partir da fé - no sentido de ver se estão mais ou menos de acordo com as exigências fundamentais da fé e de discernir, entre as diversas possibilidades históricas, caminhos, posturas e ações para os crentes e suas comunidades religiosas em vista da eficácia da fé. Não existe, necessariamente, contradição entre ambas as perspectivas. Tratam-se, antes, de acessos diferenciados à mesma realidade (relação teologia e política). E acessos que podem permitir, promover e potenciar o conhecimento de dimensões ou aspectos diversos da mesma realidade. Indo mais longe, ousaríamos afirmar, inclusive, que se trata de abordagens que de uma forma ou de outra se implicam mutuamente. Afinal, se as ciências sociais e políticas querem compreender realmente a função, o papel e a importância da religião nos processos sociais e políticos, não podem, sem mais, desconsiderar a perspectiva própria e específica (cosmovisão, as tradições, os interesses...) dos crentes e de suas igrejas/religiões. Por outro lado, se à teologia interessa, antes de tudo, a eficácia da fé, ela não pode ficar indiferente aos resultados reais e concretos da práxis dos crentes e de suas igrejas/religiões nos processos históricos. Tem que levá-los a sério, sob pena de se reduzir a especulações teóricas sem eficácia histórica ou, o que é mais provável, ser transformada (por comissão ou por omissão) em instrumento de legitimação ideológica de determinadas práticas contrárias à fé.
2. Além do mais, os conceitos Política e Teologia são usados para expressar uma infinidade de práticas e de teorias que os tornam profundamente ambíguos e equívocos.
Por Política pode-se entender tanto a dimensão social do ser humano, quanto o poder de governo na sociedade. No primeiro caso, temos um sentido muito amplo e largo da política. Diz respeito a aquilo que nos faz ser-com-os-outros, ao nexo ou vínculo social radical que constitui e caracteriza nosso modo de vida - seja entendido numa perspectiva metafísico-idealista, seja entendido numa perspectiva físico-biológica e práxica. E neste sentido, política diz respeito a todos os seres humanos. O ser humano é, na linguagem de Aristóteles, um “animal político”. Ou como se costuma afirmar na igreja dos pobres da América Latina: “Tudo é política, embora a política não seja tudo”. No segundo caso, temos um sentido bem mais restrito e específico da política. Diz respeito aos processos e mecanismos de organização e controle da vida social, particularmente o estado nacional e os organismos internacionais com o conjunto de instituições e meios que dispõem para o exercício do poder de governo, bem como às formas de acesso e controle desse poder. Embora, de uma forma ou outra, mais ou menos, a política, como poder de governo, interfira na vida de todos os seres humanos (sobretudo com o processo de complexificação da sociedade), nem todos os seres humanos ou grupos sociais atuam própria e ativamente na política governamental. Não se deve esquecer, ademais, que ambos os sentidos da política - dimensão social do ser humano e poder de governo na sociedade - são compreendidos e conceituados de formas muito diversas tanto na filosofia, quanto nas ciências sociais e políticas. Há uma infinidade de teorias políticas tanto numa, quanto na outra.
Por Teologia, pode-se, também, entender realidades muito diversas e, às vezes, até contraditórias. Primeiro porque à diversidade de religiões corresponde uma diversidade de teologias. Entre judaísmo, cristianismo e islamismo, por exemplo, existem diferenças significativas - não obstante tudo o que têm em comum, enquanto religiões abraâmicas. A diferença pode aumentar, consideravelmente, em relação a outras religiões. E tanto no que diz respeito à revelação de Deus ou à experiência religiosa quanto no que diz respeito à práxis decorrente da revelação ou experiência religiosa (fé). Segundo, porque nenhuma religião é homogênea nem uniforme. No interior de cada religião existe uma diversidade enorme de práticas e teorias. No caso concreto do cristianismo, isso é um dado evidentíssimo. E não apenas no que diz respeito às três grandes tradições cristãs: igreja ortodoxa, igrejas protestantes e igreja de tradição romana. No interior da igreja de tradição romana, por exemplo, existem muitas formas de viver e entender a fé e, conseqüentemente, muitas teologias. Há diferenças significativas entre a “teologia católica européia” e a “teologia católica latino- americana”. Mesmo aí existem tradições e escolas teológicas muito diferenciadas. Não se pode juntar, sem mais, por exemplo, a teologia de um Karl Rahner e a teologia de um Hans Urs von Balthasar (Alemanha); nem mesmo a teologia de um Clodovis Boff (Brasil) com a teologia de um Ignacio Ellacuría (El Salvador).
O tema Teologia e Política será abordado, aqui, na perspectiva da teologia cristã. Mais concretamente, na perspectiva da Teologia da Libertação Latino-americana, sobretudo na formulação que recebeu em El Salvador com Ignacio Ellacuría.
Embora possa parecer óbvio e evidente, nunca é demais insistir no fato de que a relação Teologia e Política é uma questão real e práxica, antes que abstrata e teórica. Não está em jogo uma questão meramente abstrata e teórica, nascida de uma curiosidade intelectual. Não se trata de teorizar por teorizar, especular por especular. Teoriza-se e especula-se algo que é real, histórico e, ademais, vital para o cristianismo. E tanto do ponto de vista da pura constatação factual, quanto do ponto de vista da estrutura da revelação, da fé e da teologia cristãs.
1. Trata-se, em primeiro lugar, de um fato histórico, facilmente constatável e verificável em nossa sociedade. Os cristãos e as igrejas cristãs (1.1) são realidades sociais (política no sentido amplo do termo) e, enquanto tais, (1.2) incidem ou atuam (in) diretamente no poder de governo da sociedade (política no sentido mais restrito do termo) ou, em todo caso, são por ele afetados.
1.1. Poder-se-ia objetar que, pelo menos do ponto de vista da discussão teórica, o caráter social constitutivo dos cristãos não seria tão incontestável assim. E para isso se poderia apelar, por exemplo, para o filósofo inglês John Locke (1632-1704), para quem, a sociedade, antes de ser algo constitutivo da vida humana, seria resultado de um pacto entre indivíduos, cujo fim máximo e principal seria a defesa e proteção dos direitos naturais dos indivíduos (vida, liberdade, propriedade privada). (Cf. LOCKE, 1978) O ser humano seria, por “natureza”, um ser individual. A sociedade seria uma espécie de agrupamento de indivíduos, fruto de um pacto ou contrato entre eles. Prescindindo do fato de que os indivíduos que realmente existem (para além do imaginado/idealizado indivíduo no estado de natureza, anterior à sociedade) são indivíduos socialmente integrados, que interagem (para o bem ou para o mal) com outros indivíduos; prescindido de toda discussão acerca da unidade estrutural físico-biológica da espécie humana, sempre mais explicitada e acentuada pelo conhecimento progressivo do código genético humano; e prescindindo, ainda, do discutível caráter ideológico da concepção liberal-burguesa da teoria lockeana da sociedade; valeria a pena se confrontar com a questão de se um tal indivíduo, essencialmente/naturalmente a-social, seria capaz de um pacto social ou se um pacto social não pressupõe, de alguma forma, uma estrutura minimamente social entre contratantes. Em todo caso, dificilmente se poderia objetar o caráter social da igreja enquanto instituição que interage com outras instituições.
Não se pode negar que a instituição eclesial é uma força social. Prescindindo, agora, de toda consideração de fé, é uma instituição formada por milhões de homens enlaçados entre si numa ordem hierárquica, que tem uma doutrina própria e vários canais de ação frente a outras forças sociais. (ELLACURÍA 1999:328)
Deixando entre parêntese (mas pressupondo!) a discussão filosófica sobre a natureza ou o caráter social/político da vida humana e sobre a origem da sociedade (Cf. GONZÁLEZ 2005; ELLACURÍA 1999), partimos da constatação de que os cristãos realmente existentes, existem socialmente, interagem socialmente entre si e com os demais membros da sociedade. São, portanto, seres sociais, políticos - no sentido amplo da palavra. Mas não apenas os cristãos tomados individualmente, também suas igrejas enquanto instituições são realidades sociais. Existem como forças sociais em interação com outras forças sociais na sociedade.
A experiência e vida religiosa nunca é um fenômeno exclusivamente individual e subjetivo, mas, ao contrário, está sempre ligada a instituições e organizações sociais. Toda religião tem, em maior ou menor medida, uma organização institucional própria e está, ademais, conectada sistematicamente com o resto das instituições de uma determinada sociedade”. (GONZÁLEZ 2005: 364)
Convém insistir na distinção entre cristãos e igrejas para não perder de vista a especificidade e densidade formais de cada um, enquanto realidades sociais diversas. Afinal, embora não exista uma igreja institucional pairando por cima dos cristãos de carne e osso, a igreja não é, sem mais, a soma ou o conjunto dos cristãos. Enquanto instituição e força social tem um dinamismo próprio, diferente do dinamismo dos cristãos, individualmente considerados.
1.2. Mas além de serem realidades sociais, e precisamente enquanto realidades sociais, os cristãos e as igrejas cristãs estão, de uma forma ou de outra, ativa ou passivamente, vinculados ao poder de governo da sociedade. Seja na medida em que são favorecidos por ele, lutam por ele, tomam parte nele, legitimam-no, aliam-se aos grupos que o sustentam politicamente, desqualificam ou perseguem os que a ele se opõem...; seja na medida em que são por ele desfavorecidos ou perseguidos, lutam contra ele, tentam construir uma alternativa de poder, legitimam, apoiam e favorecem outras forças políticas... Isso vale tanto para os cristãos, individualmente considerados, quanto para as igrejas cristãs, institucionalmente consideradas. Respeitando, é claro, a formalidade e o dinamismo próprio de cada um.
Por um lado, uma grande parte das pessoas que assumem o poder de governo ou que participam de grupos políticos nas sociedades latino-americanas, concretamente no Brasil, reconhece-se a si mesma como cristã. Alguns chegam, inclusive, a articularem-se como grupos cristãos, como, por exemplo, a bancada evangélica no parlamento brasileiro. E mesmo os cristãos que não tomam parte diretamente no poder de governo ou que não pertencem a grupos políticos voltados para o poder de governo, não são indiferentes a ele. As disputas eleitorais são um sinal claro disso. Normalmente, ninguém fica indiferente. Não existe neutralidade. Sempre se toma partido. Chega-se ao ponto, às vezes, sobretudo em cidades pequenas, dos trabalhos de igreja se tornarem inviáveis no período eleitoral. A disputa eleitoral se torna o fator decisivo de unidade ou divisão entre os cristãos. E por uma razão muito simples. O poder de governo da sociedade interfere, de uma forma ou de outra, na vida de todos os membros da sociedade. Seja favorecendo ou concedendo privilégios, seja desfavorecendo ou prejudicando e, mesmo, perseguindo. Por isso não se pode ficar indiferente a ele e se toma partido pelas forças políticas que estão (ou parecem estar) mais em sintonia com os próprios interesses (deixando aberta, aqui, a discussão acerca dos interesses próprios, sobretudo na perspectiva cristã). É claro que isso não é específico dos cristãos. Vale para todos os cidadãos. Importa, aqui, em todo caso, insistir no fato de que a política, entendida como poder de governo da sociedade e como instrumento de acesso e controle desse poder de governo, não é indiferente aos cristãos.
Por outro lado, também as igrejas cristãs, enquanto instituições sociais, não são indiferentes ao poder de governo da sociedade. Basta ver a história política do ocidente. Aí se poderá facilmente constatar como as igrejas cristãs, de uma forma ou de outra (e prescindindo, aqui, de qualquer julgamento ético-teológico), sempre estiveram e continuam vinculadas ao poder de governo da sociedade: Seja participando ou exercendo diretamente o poder de governo ou apoiando-o, legitimando-o, promovendo-o; seja opondo-se a ele, favorecendo e legitimando as forças políticas de oposição. Seja desfrutando de privilégios; seja sendo perseguida. Seja em harmonia, seja em conflito. E tanto no passado, quanto no presente. (Cf. CONCÍLIO 1982). Na verdade, dificilmente se poderia compreender o tamanho, a infra-estrutura e o poder da igreja católica no Brasil e no conjunto da América Latina, por exemplo, caso se prescindisse de sua estreita ralação com as forças políticas (que quase sempre coincidem com as forças econômicas) imperiais e locais/nacionais. Mas também dificilmente se poderia compreender as lutas e os processos de transformação social e político na América Latina, concretamente no Brasil, nas últimas décadas, sem a participação dos cristãos e de suas igrejas, institucionalmente consideradas. De modo que não se pode, sem mais, pelo menos na América Latina, falar da instituição eclesial e de sua atuação na sociedade como instrumento ideológico das elites econômicas e das forças políticas conservadoras ou como defesa e busca de privilégios institucionais. Em muitas situações tem atuado em função e a serviço das classes populares e por isso tem sido, não raras vezes, perseguida. Muitas de suas lideranças, inclusive bispos (Oscar Romero - El Salvador, Enrique Angelelli - Argentina, José Gerardi - Guatemala), têm sido martirizadas.[1]
No que diz respeito à relação da Igreja enquanto instituição ou força social com as forças políticas de governo há que se considerar o papel fundamental e decisivo dos que exercem a função de governo na igreja, do clero. Enquanto dirigentes e representantes oficiais da igreja, não agem, simplesmente, como membros da igreja, como cristãos. Agem como representantes da instituição, em nome da instituição, como instituição. A relação estreita e peculiar entre instituição e seus dirigentes (não obstante todos os esforços mais ou menos bem sucedidos de distinção) adquire na instituição eclesial um caráter todo especial, na medida em que é articulada e expressa em categorias teológicas, muito mais facilmente manipuláveis e ideologisáveis: Os que presidem a igreja, o fazem in persona christi e são, ainda hoje - 40 anos depois do Concílio Vaticano II, identificados como a igreja, sem mais. Normalmente quando se fala da igreja, do pensamento da igreja, da postura da igreja..., pensa-se imediatamente nos bispos (especialmente no papa), nos padres e não no Povo de Deus, no conjunto da comunidade eclesial. É verdade que demos passos importantes no processo de democratização institucional na igreja latino americana. De modo que, por exemplo, as pastorais e os organismos sociais da Igreja Católica no Brasil agem e falam publica e oficialmente como igreja (não em nome da CNBB, o que é bem diferente). Não se trata, no caso, simplesmente, de ações e pronunciamentos individuais ou de grupos de indivíduos, mas eclesiais, institucionais: A Pastoral da Terra, a Pastoral do Menor, a Pastoral Carcerária, a Caritas etc. Em todo caso, temos, ainda, um dinamismo institucional profundamente clerical.
2. Mas além de ser um fato histórico facilmente constatável e verificável em nossa sociedade, o caráter práxico da relação Teologia e Política tem a ver com a estrutura mesma da revelação e da fé cristãs. Diz respeito tanto ao (2.1) caráter histórico-salvífico da revelação de Deus, quanto ao (2.2.) caráter práxico da fé, enquanto resposta à revelação de Deus.
2.1. A experiência e o discurso cristãos de Deus estão original e definitivamente marcados e condicionados pelo fato histórico da libertação e constituição de Israel e, particularmente, pela práxis histórica de Jesus de Nazaré. De modo que não se pode falar de Deus, na perspectiva cristã, sem falar da práxis histórica de libertação (Israel - Jesus de Nazaré) em que ele se dá a conhecer e/ou que ele desencadea.
Ignacio Ellacuría destaca o acerto e a importância da reformulação do “mistério de Deus em termos de história da salvação”, por parte da teologia européia, embora ela não tenha tirado “todas as conseqüências desse acerto nem no que diz respeito à salvação nem no que diz respeito à história” e insiste na intrínseca e constitutiva relação da “história da salvação com a salvação na e da história”. A salvação histórica, isto é, a progressiva realização do reino de Deus na história, diz ele, “é o sinal constitutivo - e não apenas manifestativo - da presença deificante e salvífica do Deus encarnado na humanidade. É sinal porque não é sem mais Deus mesmo; mas é sinal constitutivo porque é o corpo histórico da salvação, seu lugar próprio de realização e verificação”. (ELLACURÍA 1999: 304)
A História da Salvação diz respeito não apenas ao (A) fato de que Deus tenha se revelado na história de Israel - especialmente na vida de Jesus de Nazaré - e tenha revelado o sentido da história, mas também ao (B) fato de que tenha se revelado numa práxis de libertação. De modo que a auto-revelação de Deus é inseparável de sua ação salvífica.
Por isso mesmo não se pode reduzir a História da Salvação à revelação de umas verdades sobre Deus ou do sentido da história, como se sua finalidade fosse, simplesmente ou mesmo primordialmente, dar-nos a conhecer algo que não conhecíamos, tornar-nos mais sábios, mais eruditos. Antes de ser revelação de verdades ou de sentido, é ação salvífica. E é enquanto tal que é reveladora da verdade de Deus e do sentido da história. É na ação mesma de salvar que Deus se revela e si mesmo. Sua auto-revelação é, portanto, fundamentalmente salvífica. Daí que não se possa afirmar, como faz Pannenberg, que o objetivo da ação salvífica de Deus seja primo et per si sua auto-revelação (PANNENBERG 1988: 421s) - que o sentido do Êxodo e da missão do Filho esteja na revelação de Deus (PANNENBERG 1998: 268 e 336); como se a ação salvífica de Deus não passasse de um cenário ou de um instrumento para o que é realmente importante: a revelação da verdade de Deus e do sentido da história, ou como se Deus precisasse ou quisesse ser reconhecido, louvado. Na verdade, como bem diz González,
Deus não se manifestou primordialmente nem como a verdade do mundo nem como o fundamento de toda verdade e de todo conhecimento [...]. Deus se manifestou como um Deus salvador, como fundamento da salvação e da liberdade do homem ou, dito de um modo mais preciso, Deus se manifestou não apenas como salvador, mas primordialmente enquanto salvador, no ato mesmo de salvar. (GONZÁLEZ. 1994: 59)
Daí o duplo caráter social e político da revelação cristã de Deus.
Primeiro porque acontece numa história social e política concreta. Num lugar e num tempo determinados. Num contexto social e político específico. Sem dúvida nenhuma, na história em que Deus se revela e no processo mesmo de sua auto-revelação as relações biográficas e pessoais, os encontros pessoais de alguns homens e algumas mulheres com Deus têm um significado e uma importância muito especiais. Mas, mesmo nestes casos, insiste Ellacuría, tratam-se de “vidas pessoais e relações pessoais com Deus em um contexto histórico, social e político, cujo peso é indubitável na própria configuração pessoal da revelação de Deus ao homem e do encontro do homem com Deus”. (ELLACURÍA 2002: 318s) E isso não é diferente no caso concreto de Jesus de Nazaré - a revelação histórica de Deus por antonomásia para os cristãos. O reconhecimento e a afirmação teológica fundamental da encarnação de Deus em Jesus de Nazaré, longe de espiritualizar a revelação, como alguns querem ou tendem a pensar, radicaliza seu processo de historicização.
Segundo porque é uma revelação salvífica - com incidência nos processos de estruturação social e político da sociedade. Não se pode esquecer que “... a constituição do povo de Israel é inseparável historicamente da constituição da revelação veterotestamentária” (ELLACURÍA 2002: 319) nem que a revelação de Deus em Jesus de Nazaré é inseparável de sua práxis do reino e que esta tinha implicações e repercutia na estruturação das relações sociais (pense-se, por exemplo, no contato com os “impuros” [leprosos, samaritanos...]; nas curas em dia sábado; na comensalidade com “pecadores”; na equiparação e mesmo subordinação do amor a Deus ao amor ao próximo...) e políticas (pense-se, por exemplo, nos conflitos que tinha com as forças políticas da região e sobretudo em sua crucificação) de seu tempo. De modo que a revelação histórica de Deus, enquanto revelação salvífica, não apenas se dá numa história social e política, mas tem, em si mesma, densidade e implicações sociais (política no sentido amplo do termo) e políticas (configuração do poder de governo).
2.2. Se o caráter práxico da relação Teologia e Política diz respeito à estrutura mesma da revelação histórico-salvífica de Deus na história de Israel, particularmente na vida de Jesus de Nazaré, diz respeito muito mais à estrutura da fé cristã, enquanto resposta à revelação de Deus. Assim como a revelação não é primo et per si (nem pode ser reduzida a) comunicação da verdade de Deus ou do sentido da história, mas é, antes, ação histórico-salvífica e enquanto tal tem uma dimensão social e política; também a fé não pode ser reduzida à aceitação e profissão de verdades sobre Deus e sobre a história ou à pratica de ritos religiosos - mesmo que os implique como elementos constitutivos de seu dinamismo - nem a um ato meramente subjetivo. Enquanto entrega ao Deus que se revela salvando, a fé é, primo et per si, participação nessa mesma ação salvífica e, portanto, práxis salvífica. E, enquanto práxis, tem sempre uma dimensão social e política. Aqui, especialmente, a salvação da história como sinal constitutivo da História da Salvação ganha uma importância toda particular.
Nesta perspectiva, a fé, além de ser “enormemente desintelectualisada”, revela-se muito mais claramente em “sua relação constitutiva e não meramente consecutiva com o amor” (GONZÁLEZ 1994: 68) - critério e medida, inclusive, do conhecimento de Deus:
Sabemos que o conhecemos se cumprimos seus mandamentos. Quem diz que o conhece e não cumpre seus preceitos, mente e não é sincero. Mas quem cumpre sua palavra tem de fato o amor de Deus plenamente. Nisso conhecemos que estamos com ele. Quem diz que permanece com ele deve agir como ele agiu (1Jo 2, 3-6).
O amor não é apenas uma conseqüência da fé, como se a fé fosse, sem mais, algo anterior e formalmente distinto do amor, mas, antes, aspecto, dimensão, elemento formalmente constitutivo do ato de crer. Embora a fé não seja simplesmente amor, é, também e sempre, de alguma forma, amor. E este tem sempre um caráter práxico: “Não amemos de palavra e com a boca, mas com obras e de verdade” (1Jo 3,18)!
A insistência no caráter práxico da fé não põe necessariamente em risco o primado da Graça nem, consequentemente, cai na tentação da auto-suficiência e auto-salvação humanas, como se a salvação fosse fruto de nossa ação (individual ou, na melhor das hipóteses, coletiva), antes que dom gratuito de Deus. Não se deve esquecer que se nós amamos, “amamos porque Ele nos amou primeiro” (1 Jo 4, 19) e que “o amor vem de Deus” (1 Jo 4,7). Não existe necessariamente contradição entre a ação histórica de Deus e a ação humana. A afirmação de uma não implica a negação da outra. Pelo contrário, ambas se implicam e se remetem mutuamente. Cremos, com Jon Sobrino, que “tem sido um erro freqüente situar a experiência da gratuidade no que recebemos, como se a ação fosse meramente ‘obra’ do homem”. Antes, cremos que “o dom se experimenta como dom na própria doação” (SOBRINO 1977: 193) ou, na formulação mais precisa de González, que “a ação humana não é, sem mais, ‘obra’ do homem, mas que ‘o dom se experimenta como dom na própria doação’, enquanto fundamento da mesma. Deste modo, a fé é atividade humana enquanto entrega a Deus como fundamento da própria vida”. (GONZÁLEZ 1994: 68s)
Enquanto participação na ação salvífica de Deus na história - salvação da história, a fé é, constitutivamente, práxis social e política. Evidentemente, não é apenas isso. Mas é também e necessariamente isso! E por uma dupla razão. Primeiro porque, enquanto práxis humana, é necessariamente social (política no sentido amplo do termo) e política (no sentido mais restrito do termo). “A dimensão política, constitutiva do homem, representa um aspecto relevante da convivência humana” (Puebla 513). Por isso “a fé cristã não despreza a atividade política; pelo contrário, a valoriza e a tem em alta estima” (Puebla 514). Segundo porque “o cristianismo deve evangelizar a totalidade da existência humana, inclusive a dimensão política. [...] A necessidade da presença da igreja no âmbito político provém do mais íntimo da fé cristã: o domínio de Cristo que se estende a toda a vida” (Puebla 515). Como bem diz Ellacuría, não se trata simplesmente do fato do cristão ser também um cidadão - um ser histórico social e político. Trata-se, também e mais profundamente, do fato da história social e política mesma ser “lugar da revelação - ou do ocultamento - de Deus e da plenificação do homem - ou de sua alienação”. (ELLACURÍA 2002: 306) Ou seja, a dimensão social e política da vida humana, em seu dinamismo próprio, tem densidade antropológica e teologal. Pertence à estrutura mais profunda da práxis humana e da práxis salvífica de Deus. Não é apenas lugar de plenificação ou de alienação da vida humana, mas também e simultaneamente, lugar de realização ou de negação da salvação - de sua revelação ou de seu ocultamento.
De modo que tanto do ponto de vista da revelação de Deus, enquanto revelação salvífica, quanto do ponto de vista da fé, enquanto resposta à revelação salvífica de Deus, o dinamismo e as estruturas sociais e políticas da sociedade pertencem ao núcleo mesmo do cristianismo. Não é apenas um dado fatual. É também elemento constitutivo da vida cristã. E a tal ponto que sem ele não se pode falar propriamente de vida cristã – nem de fato nem de direito.
3. Na medida em que a revelação e a fé cristãs têm, de facto et de iure, um dinamismo práxico - não podendo ser reduzidas à uma questão de conhecimento ou de consciência, de verdade ou de sentido; na medida em que toda práxis é, de alguma forma, inter-ação, portanto, práxis social e política; e na medida em que a teologia cristã sempre se entendeu como intelecção da revelação e da fé cristãs, a teologia cristã pode ser definida como esforço e busca de intelecção da práxis salvífica de Deus na história e da participação dos crentes (e mesmo dos não crentes!) nessa mesma práxis salvífica. Ou, se se quer, como intelecção da história da salvação e da salvação da história, em sua intrínseca e constitutiva relação. Como intelecção da salvação histórica. Fala de Deus a partir e em vista salvação da história (Êxodo, práxis de Jesus de Nazaré) e fala da história a partir e em vista da história da salvação (Deus do Êxodo, Deus de Jesus). Fala, portanto, de Deus e da história - mas sempre em sua real e constitutiva relação e sempre a partir e em vista da salvação.
Para Ellacuría e para muitos outros teólogos da libertação, o conceito que condensa e expressa melhor a totalidade da realidade que deve ser inteligida pela teologia cristã é o conceito bíblico reino de Deus. A teologia cristã não é intelecção de Deus, sem mais, mas intelecção do reinado de Deus na história. Tem haver com Deus e com a realização de seu reinado na história: “inclui formalmente a Deus” e “inclui formalmente seu reinado na história”, mas “os inclui em uma unidade intrínseca” (ELLACURÍA 2002: 176) que tem na vida de Jesus de Nazaré - confessado como Cristo, pelos cristãos - seu critério e medida permanentes. Embora não possamos desenvolver, aqui, uma reflexão mais aprofundada e detalhada sobre a realidade e o conceito reino de Deus na vida de Jesus, segundo as escrituras cristãs; indicaremos com Ellacuría, (2002: 307-316) numa perspectiva mais sistemática e sem maiores desenvolvimentos, algumas de suas principais características:
1. O reino de Deus não se identifica com a Igreja nem mesmo com Jesus ou com Deus, tomados em si mesmos, à margem da salvação real da humanidade e do mundo; 2. O reino de Deus não é um conceito espacial nem estático, mas uma realidade dinâmica: “não é um reino, mas um reinado, uma ação permanente sobre a realidade histórica”; 3. Tem haver simultaneamente com Deus (reinado de Deus) e com a história (reinado de Deus), superando toda forma de dualismo (imanência X transcendência, horizontalismo X verticalismo, profano X sagrado): é “a presença ativa de Deus na história e a presença da história em Deus” – “Deus conosco” em nossa história de santidade ou de pecado; 4. É, em primeiro lugar, um reino dos pobres, dos oprimidos, dos perseguidos, “dos que sofrem realmente os efeitos do pecado do mundo, a negação do amor de Deus na negação do amor ao homem;” 5. Abrange tanto a dimensão pessoal quanto a dimensão estrutural da vida. Não é “pura questão de fé e de obediência, mas é também questão de umas obras que com a fé estabelecem a presença objetiva de Deus entre os homens, que não apenas deve ser crido, mas que também há de ser praticado”. Além do mais não se pode esquecer o caráter dialético-conflitivo do reino de Deus em relação ao reino do mal ou ao anti-reino ou, numa linguagem mais teológica, seu caráter redentor, libertador. É um reinado em luta contra as forças do mal que oprimem e matam!
Caso as aspas sejam destaque no trecho acima, colocar em itálico, caso citação, trazer a fonte.
Importa, aqui, acentuar a intrínseca relação entre a salvação história ou a práxis do reinado de Deus e a teoria teológica. (ELLACURIA 2002: 235-245) Evidentemente a teoria teológica, enquanto atividade teórica, tem um dinamismo próprio que “exige hábitos, métodos, capacidades e conhecimentos bastante específicos e desenvolvidos”. (ELLACURIA 2002: 241) Mas enquanto teoria do reinado de Deus é, de alguma forma, por ele conformada, promovida, potenciada, condicionada e limitada. Práxis e teoria, embora tenham dinamismos próprios e, neste sentido, tenham uma relativa autonomia, remetem-se, promovem-se e condicionam-se mutuamente. A práxis oferece à teoria a realidade que deve ser inteligida e, ademais, constitui-se em lugar de sua verificação histórica. Afinal, enquanto práxis histórica, deve ser, de alguma forma, historicamente verificável. A teoria, por sua vez, remete-se duplamente à práxis: seja na medida em que recebe dela a realidade que deve ser inteligida, seja na medida em que tem ou procura ter incidência sobre ela.
De uma forma ou de outra - seja enquanto intelecção da práxis histórica do reinado de Deus, seja enquanto uma atividade específica entre outras, a teologia cristã é, constitutivamente, uma teologia social e política. O caráter práxico da relação Teologia e Política pertence, portanto, à estrutura mesma do discurso teológico. E num duplo sentido.
Primeiro, devido ao caráter social e político da práxis do reinado de Deus que ela procura inteligir. Por um lado, ele acontece em uma realidade social e política. Por outro, ele tem incidência e repercussão nos processos sociais e políticos, conforme vimos nos itens anteriores - mesmo se não usamos explicitamente a expressão “reino de Deus”.
Segundo, devido ao caráter social e, mesmo, político da teologia enquanto atividade teórica. O caráter social da teoria teológica (política no sentido amplo do termo) é facilmente perceptível e verificável: (A) é um momento da práxis social/eclesial, uma atividade em interação com outras atividades; (B) está inserida numa tradição práxico-teórica de 2000 anos; (C) é condicionada e possibilitada por uma práxis, uma língua, uns problemas e umas soluções prático-teóricos que têm sempre, mais ou menos, uma dimensão social; (D) tem como objetivo fundamental o fortalecimento e a eficácia da práxis do reino na sociedade; (E) legitima ou deslegitima uns interesses e umas práticas na sociedade e na igreja - mais ou menos conscientes, entre outros. Já o caráter propriamente político da teoria teológica (no sentido restrito do termo) não é tão facilmente perceptível, o que não significa que não seja real. Basta considerar as reações contra ou a favor que uma determinada teologia produz nas principais forças política da sociedade. A modo de exemplo podemos tomar a reação dos governos dos EUA e de Cuba frente à Teologia da Libertação na América Latina nos anos 80. O documento Uma nova política interamericana para os anos 80, elaborado por um grupo de assessores de Ronald Reagan para o Conselho Interamericano de Segurança dos Estados Unidos diz expressamente: “A política exterior dos EUA deve começar a enfrentar (e não simplesmente reagir posteriormente) a Teologia da Libertação, tal como é utilizada na América Latina pelo clero da ‘teologia da libertação’”. (COMITÊ DE SANTA FÉ 1981: 755) Por sua vez, o presidente Fidel Castro afirmou expressamente a Dom Pedro Casaldáliga, bispo profeta da igreja dos pobres no Mato Grosso, por ocasião de sua visita à Nicarágua, Cuba e El Salvador em 1985: “A teologia de vocês ajuda a transformação da América Latina mais que milhões de livros sobre marxismo”. (CASALDÁLIGA 1986: 172) E isso vale, em geral, mais ou menos, para as diversas teologias - no passado e no presente. Pelo menos na medida em que abordam - legitimando ou deslegitimando - as questões sociais. Mas mesmo quando tratam de questões aparentemente pouco políticas, não são completamente desprovidas de densidade política - como indicam, por exemplo, as discussões acerca das implicações do monoteísmo religioso na estruturação dos regimes políticos absolutistas ou, em todo caso, da utilidade política de determinadas imagens de Deus (rei, onipotente, etc).
De modo que o caráter real e práxico da relação teologia e política além de ser um fato historicamente constatável e verificável, pertence ao dinamismo mesmo da revelação, da fé e da teologia cristãs. Não se trata, portanto, de um acidente de percurso, de um desvio a ser corrigido. Trata-se de um elemento constitutivo do cristianismo - sem o qual sua realização histórica fica gravemente comprometida, quando não impossibilitada. Isso não significa que se possa reduzir a revelação, a fé e a teologia ao que elas têm de social e político nem mesmo supervalorizar o social e político em detrimento de outros aspectos ou dimensões. Menos ainda significa que a práxis e a teoria sociais e políticas dos cristãos e das igrejas cristãs sejam, sem mais, legitimas, éticas e cristãs. Significa, simplesmente, reconhecê-los e reafirmá-los como aspectos ou elementos constitutivos de seu dinamismo e, portanto, como imprescindíveis em sua realização histórica.
A teologia cristã é, como vimos, constitutivamente, uma teologia social e política. Seja porque os cristãos e suas igrejas são, de fato, realidades sociais e políticas; seja porque a experiência e o discurso dos cristãos sobre Deus estão radical e definitivamente condicionados e configurados pelo acontecimento histórico da libertação de Israel e pela práxis histórica de Jesus de Nazaré; seja porque a fé cristã, enquanto entrega ao Deus do Êxodo, ao Deus de Jesus de Nazaré, é participação na mesma práxis salvífica na qual e através da qual Deus se deu a conhecer; seja, enfim, porque a teologia, enquanto intelecção da práxis do reino e enquanto atividade teórica específica, é uma atividade social e política.
Mas o fato de ser social e política não significa que seja só isso nem mesmo, em todas as circunstâncias, primordialmente isso. Além do mais, nem todas as formas práticas e teóricas de efetivar e entender o caráter social e político da teologia faz jus ao dinamismo e à totalidade da realidade da fé cristã. Daí que seja necessário discernir nos diversos contextos e nas diversas situações qual a forma mais adequada e mais eficiente de praticar e entender o dinamismo social e político da fé.
Num texto em que analisa a Teologia da Libertação frente à mudança sócio-histórica na América Latina, Ignacio Ellacuría (ELLACURÍA, 2000) faz um (1) esboço tipológico de algumas atitudes ou posições e disposições dos cristãos e das igrejas cristãs acerca da efetivação e compreensão do caráter social e político da fé para, a partir daí, esboçar (2) alguns modelos prático-teóricos de relação da teologia com os movimentos sociais e políticos.
3.1. Ele fala de quatro tipos de posição e disposição adotados pelos cristãos e suas igrejas para tornar efetiva a libertação social e política que a fé exige.
O primeiro tipo é o moralismo ingênuo. Não nega as implicações sociais e políticas da fé, mas se recusa “sujar as mãos” com as práticas sociais políticas concretas por não corresponderem plenamente à perfeição almejada pela fé. Limita-se, por isso, a exigências e declarações abstratas, gerais, universais. No extremo, tende a “reduzir a função da libertação estritamente cristã à conversão dos corações e à proclamação de ideais abstratos” (ELLACURÍA 2000:318). Acentua a diferença entre o dinamismo da fé e o dinamismo social e político, mas acaba negando sua constitutiva e necessária interação. “Tratam-se de duas coisas distintas, duas coisas que têm relação, mas esta relação se estabelece mais em termos de paralelismo que de mútua determinação e, em alguns casos, de interação” (ELLACURÍA 2000:318).
O segundo tipo é o fanatismo fundamentalista e o simplismo messiânico. Pensa que a fé é suficiente para entender e transformar a realidade e que, por isso, não necessita de outras mediações teóricas e práticas. Supõe, ademais, que “existe uma solução especificamente cristã para os problemas políticos, econômicos e sociais” (ELLACURÍA 2000:318). Basta a fidelidade ao evangelho. Existe, aqui, “uma fé cega na bondade da própria atitude e posição e uma segurança messiânica do triunfo. O importante é que não se apague o fogo, que não se extinga a esperança nem a paixão” (ELLACURÍA 2000:319). Acentua-se, certamente, o caráter social e político da fé, sua eficácia histórica, mas perde de vista a complexidade da realidade e de seu processo de transformação, supervaloriza a fé e prescinde (!?) dos demais elementos e forças sociais;
O terceiro tipo é o reducionismo. A fé acaba sendo reduzida à sua dimensão social e política. Seja na medida em que toda atenção se volta para os aspectos da fé que têm implicações sociais e políticas mais diretas; seja na medida em que a fé é tratada como uma espécie de “propedêutica da ação política” ou, quando muito, “como motor acessório do compromisso” (ELLACURÍA 2000: 319). O que importa mesmo é a libertação social e política, quando não, a ação de uma organização social ou política concreta. A fé deve estar subordinada a ela. Se ajuda, ótimo. Se, de alguma forma, critica ou atrapalha, deixa-se. Há, aqui, um reducionismo da fé à sua dimensão social e política e uma subordinação da fé à efetividade das lutas sociais políticas - como se ela não pudesse exercer, aí, de alguma forma, uma função crítica;
O quarto tipo é o realismo. Por um lado reconhece e respeita a especificidade tanto da fé quanto das atividades propriamente políticas. Procura identificar a contribuição e os limites da fé na ação propriamente política, assim como a contribuição e os limites da ação política na realização do reino de Deus. Afirma que “a mensagem evangélica é indispensável para que aja uma libertação total dos homens, dos povos e das estruturas” (ELLACURÍA 2000: 320s). Mas afirma também que “não basta a mensagem evangélica, porque esta não tem armas próprias nem para discernir as causas da opressão e as propostas de libertação nem, menos ainda, para leva-las a cabo” (ELLACURÍA 2000:321). Por outro lado, e conseqüentemente, insiste no fato de que “nenhuma forma política se acomoda perfeitamente às exigências do reino, mas nem por isso iguala todas as formas políticas ou prescinde de todas elas em razão de um purismo que não tem sentido em um mundo histórico” (ELLACURÍA 2000: 321). Por isso mesmo procura “potencializar ao máximo a força libertadora da fé”, superar as “atitudes ingênuas”, discernir permanentemente os “sinais dos tempos” e criar “formas de colaboração nos processos de libertação, as quais podem ser diversas para a igreja como instituição e para os crentes, especialmente os leigos, que desejam se comprometer diretamente com determinadas linhas políticas ou mesmo com determinados partidos e organizações concretas” (ELLACURÍA 2000:321). Para Ellacuría essa é a forma mais adequada e apropriada para “ir encontrando o modo concreto mais efetivo de conciliar a autonomia da fé com a exigência irrecusável de que essa fé promova eficazmente a justiça e a libertação” (ELLACURÍA 2000:322).
3.2. Dependendo da atitude adotada ou do predomínio de uma ou outra atitude na efetivação da dimensão social e política da fé, acaba-se assumindo um determinado modelo prático-teórico de relação com os movimentos sociais e políticos. Ellacuría identifica três modelos-tipos, em torno dos quais se pode esquematizar uma série de comportamentos: Modelo de substituição ou anulação, modelo de prestação de serviço e de apoio e modelo de colaboração social.
A. No modelo de substituição ou de anulação, o fundamental e decisivo é a libertação social, política e econômica. Tudo mais é relativisado e a ela subordinado. A fé vale e deve ser cultivada na medida e na proporção que serve à luta social e política. “Quando se trata da sobrevivência, as demais coisas, inclusive as coisas da fé, podem esperar” (ELLACURÍA 2000:323). Ademais, não se pode esquecer que o mandamento maior e mais fundamental é o amor ao próximo. (Jo 15, 13) e que se pode servir a Deus servindo aos pobres, mesmo que não se tenha consciência (Mt 25, 31-45). Nesta perspectiva, pode chegar o momento em que se faça necessário “romper com a igreja institucional” e até mesmo “abandonar o cultivo da fé, na medida em que esse cultivo possa impedir ou frear a luta revolucionária” (ELLACURÍA 2000: 324). Se existir algum conflito ou incompatibilidade entre as estratégias de luta de uma determinada organização social ou política e as exigências e o dinamismo da fé, são estes que devem ser sacrificados. A luta social e política é o mais fundamental, o mais urgente e o mais decisivo. A fé deve está a serviço da luta, ajudar a despertar e formar bons quadros para a luta social e política. Isso supõe “uma plena subordinação da organização eclesial [...] à organização política e a subordinação da fidelidade a instituição eclesial à fidelidade ao movimento revolucionário e pode chegar a supor a substituição da vivência e dos valores cristãos pela vivência e pelos valores políticos” (ELLACURÍA 2000:324). A fé e a comunidade eclesial podem acabar sendo reduzidas a um instrumento, mais ou menos útil ou oportuno, da luta social e política, a um estágio de transição (despertar da consciência) para a luta ou a uma escola de formação de quadros para a luta social e política.
B. No modelo de prestação de serviço e de apoio, a fé não é reduzida à sua dimensão social e política nem subordinada a uma determinada organização social ou política. Aqui se mantém a “autonomia da fé” frente aos processos sociais e políticos da sociedade; procura-se dinamizá-la em seus vários aspectos ou dimensões e, como uma de suas tarefas, procura-se colocar a serviço dos movimentos sociais e políticos. A fé não existe, simplesmente, para “promover a luta pela justiça”, mas esta é uma de suas tarefas principais. E sua efetivação só é possível através de “algum dos movimentos políticos, aos quais se ajuda religiosa e politicamente e frente aos quais se limita o que de crítica possa ter a fé” (ELLACURÍA 2000: 325). Não se subordina, necessariamente, a fé a uma organização política, uma vez que a opção política (pessoal, grupal ou institucional) nasce no seio da fé, como uma exigência histórica de sua realização. No entanto, não se valoriza muito “o que a fé e mesmo a instituição eclesial podem fazer autonomamente em favor dos pobres e da revolução. Prefere-se potenciar as forças que realmente podem tomar o poder ou manter-se nele, perdoando aquelas debilidades que a luta política pelo poder leva necessariamente consigo” (ELLACURÍA 2000:325). Não se reduz a fé à luta social e política, mas acaba-se reduzindo a luta social e política à luta das organizações sociais e políticas, como se a fé e a comunidade eclesial não pudessem realizar sua dimensão social e política por outros caminhos, que não os movimentos sociais e políticos. Além do mais, perde, muito facilmente, a capacidade crítica frente a tais organizações ou movimentos. A relação com eles acaba se reduzindo a uma relação “prestação de serviço e de apoio”.
C. Já o modelo de colaboração social, por sua vez, fundamenta-se na especificidade e nos limites da fé e da comunidade eclesial frente aos diversos processos e organizações sociais e, sobretudo, políticos da sociedade. O específico da fé e da instituição eclesial é a realização histórica do reinado de Deus que, por sua vez, tem uma dimensão social e política. Mas não se esgota no social e no político. De modo que a fé e a igreja não podem se esgotar no social e político. Seu específico “não é a promoção daqueles aspectos políticos e técnicos, necessários para a realização do reino de Deus na história, mas que não esgotam a constituição do reino nem são possibilidade imediata para o crente enquanto crente ou para a igreja enquanto igreja” (ELLACURÍA 2000:236). Mas se a fé e igreja têm uma especificidade e uma tarefa próprias e, neste sentido, distinguem-se de outros dinamismos e de outras organizações, não são completamente independentes de outros dinamismos e de outras organizações sociais, nem são auto-suficientes. Têm uma missão que extrapola seus meios e possibilidades próprios. A fé, enquanto fé, a igreja, enquanto igreja, não dispõe dos meios necessários para a realização do reino de Deus na história. Daí que nem possam, sem mais, identificar-se com determinados aspectos ou organizações, nem possam prescindir deles.
Por um lado, têm como meta e missão o reinado de Deus na história. E este diz respeito à história em sua totalidade; abrange todos os seus elementos, processos e estruturas: que Deus seja “tudo em todos” (1Cor 15, 28), que o reinado de Deus, por Jesus proclamado e realizado, seja “tudo para todos” (Col 3, 11), que o céu novo e a terra nova, o universo renovado se tornem realidade (Ap 21) constitui, propriamente, o específico da fé e da igreja. Por isso elas não podem ser reduzidas a um aspecto ou dimensão da vida, por exemplo, a dimensão social e política. Isso não significa descomprometer-se historicamente nem cair em universalismos abstratos. Significa, simplesmente, reconhecer que sua tarefa não se esgota nas questões sociais e políticas. Envolve também aspectos pessoais, culturais, eclesiais, transcendentes, etc. Conseqüentemente, a fé e a igreja têm um dinamismo diferente (não contrário!) dos dinamismos sociais e políticos e das organizações sociais e políticas da sociedade. Os dinamismos e as organizações sociais e políticos dizem respeito à fé e à igreja na medida em que “favorecem ou desfavorecem” a realização do reinado de Deus.
Por outro lado, o reinado de Deus, na medida em que abrange a história em sua totalidade, vai sendo, objetivamente, afirmado ou negado nos diversos processos de estruturação da vida humana. Daí que eles não possam ser irrelevantes para a fé e para a igreja. São o lugar e a mediação objetivos da realização do reinado de Deus - meta e missão da igreja. E assim como a fé e a igreja têm sua especificidade e uma relativa autonomia frente aos demais processos e às demais organizações, também estes têm uma especificidade e uma relativa autonomia frente à fé e à igreja. Autonomia, na medida em que são processos e organizações distintos - com objetivos, dinamismos e instituições próprios. Mas relativa autonomia, na medida em que interagem com outros processos e organizações e, de alguma forma, condicionam-se mutuamente. Importa, aqui, insistir no fato de que a fé, enquanto fé, a igreja, enquanto igreja, não dispõe dos meios necessários para a realização dos aspectos econômicos e políticos - nem mesmo dos aspectos culturais e sociais do reino. Eles têm dinamismos próprios, diversos e autônomos em relação à fé e à igreja.
De modo que a fé e a igreja nem podem abrir mão de sua especificidade e de sua missão própria, sob pena de perderem sua razão de ser, nem podem fechar-se, autosuficientemente, sobre si mesmas, sob pena de tornarem sua especificidade e missão inoperantes e inviáveis.
Na história da salvação se conjugam, para o bem e para o mal, os dinamismos da história e os dinamismos da salvação. Existe uma unidade estrutural entre eles, de modo que se codeterminam mutuamente, a ponto dessa unidade, mais que os elementos que a constituem, ser o reino de Deus, a história da salvação. Mas isso não obsta para que estes elementos sejam distintos e necessitem permanecer distintos para que a unidade tenha a riqueza e a autenticidade que lhe correspondem (ELLACURÍA 2000: 327).
Daí a necessidade da fé e da igreja interagirem e colaborarem - a modo de fermento, sal, luz - com os diversos processos e dinamismos da vida humana, de modo que possam ir sendo configurados na força e no dinamismo do reinado de Deus (1Cor 4, 20). No que diz respeito aos processos e organizações sociais e políticos, as formas de interação e colaboração podem ser diversas. E tanto em relação aos processos sociais e políticos, quanto em relação à atuação dos cristãos e da instituição eclesial.
Em primeiro lugar, não se pode identificar, sem mais, o compromisso social e político da fé e da igreja com a atuação em organizações sociais e políticas, menos ainda, em uma determinada organização.[2] Por mais que as organizações sociais e políticas sejam um lugar privilegiado de realização dos aspectos social e político do reino, não são os únicos. A educação, a pregação, a vivência comunitária, entre outros, podem ser também lugares eficazes de vivência da dimensão social e política da fé. Como insiste Ellacuría, “há ou pode haver uma eficácia autônoma da igreja na configuração do social” (ELLACURÍA 2000: 329) e, indiretamente, do político. A atuação de Dom Oscar Romero em El Salvador, as CEBs e as Pastorais e Organismos Sociais da Igreja Católica do Brasil, entre outros, são sinais dessa possibilidade. Só um reducionismo simplista da complexidade do dinamismo social e político e uma “desconfiança na eficácia histórica da fé” (ELLACURÍA 2000:330) podem levar a uma absolutização das organizações sociais e políticas, como único lugar eficaz de realização dos aspectos sociais e políticos do reino.
Em segundo lugar, é preciso distinguir entre a atuação social política dos cristãos, individualmente considerados, e a atuação social e política de comunidades cristãs específicas e, sobretudo, do conjunto da igreja, institucionalmente considerada. O fato de um cristão ou uma comunidade cristã concreta optar, livremente, por apoiar ou trabalhar diretamente com uma determinada organização social ou política, não significa que toda a comunidade, menos ainda, toda a igreja, tenha que apoiar ou trabalhar diretamente com essa organização. A igreja, em seu conjunto, não pode se identificar com uma organização específica - por mais compatível e eficaz que seja em vista de sua missão. O que não significa que possa ser indiferente aos diversos processos e organizações sociais e políticas. Além do mais, existem circunstâncias ou situações que exigem da igreja, em seu conjunto, uma postura a favor ou contra. Por exemplo, a ditadura militar, a estrutura agrária do país, UDR X MST, o agro negócio, a corrupção política etc. Mas, mesmo aí, a forma de ser contra e a favor pode ser diversa.
Em terceiro lugar, junto à distinção entre a ação social e política dos cristãos e a ação social e política da instituição eclesial, convém destacar o caso particular dos que na igreja exercem o ministério de coordenação ou presidência. Seja através do ministério ordenado (bispo, presbítero, diácono), seja através do ministério reconhecido e legitimado pela comunidade eclesial (coordenadores de comunidades, de pastorais e organismos eclesiais, coordenações e conselhos pastorais). Dada sua estreita e particular relação com o dinamismo institucional, deve cuidar para que sua forma e lugar de atuações sociais e políticos, por mais legitímos que sejam, não se imponham nem sejam identificados, sem mais, como a forma e o lugar de ação da instituição. Além do mais, na medida em que assumem o serviço de coordenação ou presidência eclesial, assumem o compromisso de se dedicarem, de um modo todo especial, ao dinamismo e à eficácia institucional da comunidade eclesial. Daí a tendência de muitos cristãos a pensar que os/as que assumem a tarefa de coordenação ou presidência eclesial não devem, em princípio, assumir a coordenação de outras forças sociais e sobretudo políticas.
Em quarto lugar, vale a pena distinguir entre os processos e organizações mais propriamente sociais (política no sentido amplo) e os processos e organizações mais propriamente políticos (poder de governo). Para Ellacuría, a instituição eclesial tem a mais a ver com o social que com o político. “A instituição eclesial é e deve ser uma força que se move direta e formalmente no âmbito do social e não no âmbito do estatal e que lança mão do poder social e não do poder político para realizar sua missão” (ELLACURÍA 2000: 228s). Isso se justifica tanto pelo “caráter social e não político da instituição eclesial”, quanto pelo “caráter mais real” e “mais participativo” do social, quanto, ainda, pelo fato de representar “uma tentação menor para a igreja” na realização de sua missão. Isso não significa renunciar ao caráter e a eficácia estritamente políticos da fé, mas realizá-los a partir do lugar e do dinamismo mais natural da instituição eclesial - através “da pressão social, através da palavra e do gesto, e não manejo do poder político” (ELLACURÍA 2000:329). “Tudo isso repercutirá ultimamente na esfera do político, sobre a qual se deve pressionar como força social e através das forças sociais” (ELLACURÍA 2000:331).
A relação Teologia e Política pertence, portanto, à estrutura mesma da revelação, da fé e da teologia cristãs. Para além de um dado de fato, facilmente constatável e verificável, é um elemento ou aspecto constitutivo do dinamismo cristão. E a tal ponto, que, sem ele, a realidade e o dinamismo cristãos (a realização histórica do reinado de Deus) ficariam não apenas gravemente comprometidos, mas seriam mesmo impossibilitados. De modo que, do ponto de vista cristão, trata-se de algo vital, imprescindível.
O problema reside nas formas práticas e teóricas de articulação e interação entre teologia e política. Por sua própria natureza, a teologia cristã nem pode ser reduzida à política, nem pode prescindir da política. É uma teologia política, sim; mas não é política, sem mais. Por sua vez, a política tem seus dinamismos e suas instituições próprias. Mas estes nem são “naturais” nem são neutros. São produtos da práxis humana - individual e/ou institucional - e estão a serviço de certos interesses. Interesses que dizem respeito aos cristãos e às igrejas cristãs. E não apenas enquanto membros da sociedade ou enquanto força social, mas também na medida em que objetivam ou negam a objetivação do reino na história.
Daí que não apenas não possam ser indiferentes aos processos e organizações sociais e políticos da sociedade, mas que tenham que agir - dentro de seus limites, de suas possibilidades e de seu dinamismo próprio - de modo a fermentar esses mesmos processos e organizações com o dinamismo e a força do reino (1 Cor 4,20). E isso sem negar a especificidade e a relativa autonomia da fé e da instituição eclesial frente a outros aspectos e forças sociais e políticas, nem a especificidade e a relativa autonomia dos processos e organizações sociais e políticas frente à fé e à instituição eclesial.
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[*] Doutorando em teologia na Westfälischen Wihelms-Universität de Münster; presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte - CE e professor de Teologia no Instituto Teológico Pastoral do Ceará.
[1] Falando sobre a perseguição que Igreja de El Salvador estava sofrendo, dizia Romero em Lovaina, dois meses antes de ser assassinado: “Esta defesa dos pobres em um mundo cheio de conflitos provocou algo novo na história recente de nossa Igreja: perseguição. Vós conheceis os fatos mais importantes. Em menos de três anos, mais de 50 padres foram agredidos, ameaçados, caluniados. Seis deles já são mártires - foram assassinados. Alguns foram torturados e outros expulsos. As religiosas também têm sido perseguidas. A estação de rádio arquidiocesana e as instituições educacionais católicas ou de inspiração cristã foram atacadas, ameaçadas, intimidadas, até bombardeadas. Diversas comunidades paroquiais foram fechadas. Se tudo isso aconteceu com pessoas que são os representantes mais evidentes da Igreja, bem podeis imaginar o que ocorreu com os cristãos comuns, com os camponeses, os catequistas, os ministros leigos e com as comunidades eclesiais de base. Houve centenas e milhares de ameaças, prisões, torturas, assassínios. Como sempre, mesmo na perseguição, entre os cristãos foram os pobres os que mais sofreram. É, pois, um fato indiscutível que, nos últimos três anos, nossa igreja tem sido perseguida. Mas é importante observar por que ela tem sido perseguida. Nem todos os padres foram perseguidos, nem todas as instituições foram atacadas. Foi atacada e perseguida a parte da Igreja que se colocou do lado do povo e que se dispôs a defender o povo”. ROMERO, Oscar. A dimensão política da fé dentro da perspectiva da opção pelos pobres”, in VV.AA. Voz dos sem voz: A palavra profética de dom Oscar Romero. São Paulo: Paulinas, 1987, pp. 261-275, aqui, 267s.
[2] A propósito da participação dos cristãos na política partidária, cf. VV.AA. Cristãos: como fazer política. Petrópolis: Vozes, 1989.