O tema da conversão é um dos mais clássicos nas Ciências da Religião. Alguns dos pioneiros destas Ciências trataram até longamente deste assunto fascinante. Basta lembrar os nomes de J.H. Leuba, William James e E.D. Starbuck para dar uma idéia do calibre dos que se dedicaram a aprofundar o estudo da conversão, sem dúvida porque este estudo se fazia necessário em uma sociedade que começava a acelerar seu ritmo de mudanças.
Com a mobilidade religiosa gerada pela globalização das relações, o trânsito religioso tornou-se algo quase que corriqueiro. As conversões são hoje um fenômeno de massa. Milhões de pessoas em todo o mundo "mudam de religião" sem maiores rupturas aparentes em sua identidade biográfica. O pluralismo e o relativismo reinantes favorecem estas passagens e experimentações camaleônicas. Mas existem também conversões que nascem de um longo e complexo trabalho de câmbio e reconstrução no nível das atitudes, afetando toda a personalidade, reorientando os valores e sentidos de vida da pessoa e alterando sua inserção na sociedade.
Por esta razão a Revista Eletrônica de Ciências da Religião REVER quis dedicar o seu número 2/2002 a este tema. A Comissão Editorial selecionou alguns artigos, de brasileiros e de pesquisadores estrangeiros, com o intuito de dar aos seus leitores uma idéia geral do que se faz hoje neste campo de trabalho.
Três dos artigos escolhidos tratam da conversão a religiões orientais, com destaque para o Budismo. Nenhum deles aborda o estudo das conversões no âmbito das próprias religiões cristãs. Não se veja nisto uma intenção preconcebida. É que a bibliografia sobre este último fenômeno é mais acessível ao leitor brasileiro interessado.
Geraldo José de Paiva, da USP, comenta alguns aspectos selecionados da adesão a duas neo-religiões japonesas bastante difundidas no Brasil urbano: a Seicho-no-iê e a Instituição Religiosas Perfeita Liberdade. O objetivo do autor é o de verificar a existência de uma mudança do paradigma da crença na conversão de brasileiros a estas duas religiões. A base teórica de Paiva é de fundo lacaniano com ênfase nos conhecidos conceitos de imaginário e simbólico.
O trabalho de Rafael Shoji, da PUC-SP, atualmente estudando na Universidade de Hanôver, na Alemanha é mais analítico. Busca chegar a uma descrição mais diferenciada dos convertidos ao Budismo japonês no Brasil. Ele postula alguns conceitos novos como o de um "Budismo de resultados", donde o surgimento de um Budismo mais popular e mais brasileiro, em contraste a um Budismo de tipo mais intelectualizado das gerações anteriores de convertidos.
Completando esta tríade, o artigo assinado por Edênio Valle, da PUC-SP, aborda uma questão metodológica nada fácil, em especial para quem pesquisa a conversão de brasileiros a religiões orientais. Ele se refere de modo mais direto ao Budismo de corte tibetano. Apoiando-se no exemplo de uma pesquisa já em fase final de uma sua orientanda, Valle mostra a dificuldade e a importância de o pesquisador saber passar de teorias elaboradas a partir de outras realidades e tempos para conceitos operacionais que possam chegar mais perto do que se dá efetivamente no campo religioso brasileiro.
Um artigo de Hulda Stadler traz uma dupla complementação aos demais artigos publicados neste número de REVER. Primeiro por falar de um fenômeno tipicamente brasileiro e de grande atualidade: o da conversão ao pentecostalismo, talvez o mais notável fato hoje em curso no campo religioso do Brasil. Depois, por ser escrito desde uma perspectiva antropológica, o que enriquece em muito a abordagem da conversão religiosa em uma sociedade urbana em desenvolvimento. A autora resume no artigo os pontos principais de sua bem elaborada tese de doutorado na Federal do Pernambuco. Seu ponto principal é o da formação da identidade religiosa (a individual e a social), encarada desde a ótica dos sistemas cognitivos novos que o convertido passa a adotar na reavaliação de seu "estar-no-mundo".
Dois outros artigos completam o nutrido índice deste número 6 de REVER. São de autoria de duas famosas especialistas, Melissa Harrigton, do Kings College, de Londres e da alemã Monika Wohlrab-Sahr. Harrington dedica sua atenção a uma forma de "religião natural" (conhecida pela abreviatura WICCA) que se encontra em expansão nos países anglo-saxões. Trata-se de uma "Goddess Spirituality", um produto da onda feminista. A autora liga o estudo da conversão de mulheres e também de homens à WICCA a discussões relativas aos fenômenos da secularização e das novas religiões. Monika Wohlrab-Sahr dedica sua atenção à conversão de alemães e norte-americanos ao Islamismo. Constrói um interessante conjunto teórico para situar o seu tema. Entre outros entram neste quadro o mercado, com sua racionalidade, a pluralização e a secularização, assim como a propôs P.L. Berger. Estes elementos são conectados ao que a autora chama de análise biográfica em uma perspectiva funcional. Ela se pergunta, à luz destes pressupostos e inspirando-se em Alfred Schütz, que função de complementação biográfica exerce a conversão de um alemão ou norte-americano ao Islã. Discute, além disto, se estamos ou não ante um novo paradigma, capaz de tomar o lugar antes ocupado pelas teorias da secularização. A base da argumentação de Wohlrab-Sahr vem de 42 entrevistas com convertidos muçulmanos. É por esta via empírica que ela chega a distinguir três tipos básicos de conversão .e apresenta uma série de considerações críticas e de sugestões muito provocativas que despertarão seguramente o interesse do leitor brasileiro.
Ainda sobre o Islamismo, assunto de máximo interesse no presente momento, dada a crise palestina e as tensões nos países do médio oriente, o leitor encontrará neste número de REVER uma sugestiva entrevista com Samir El-Hayek, autor da primeira tradução do Alcorão para o português. Vale a pena conferir.