O tema do presente artigo[1] é significativo para a compreensão de importantes mudanças que se dão no campo religioso latino-americano e brasileiro. A perspectiva adotada é a que emerge do novo diálogo inter-religioso e do macroecumenismo.
São três os objetivos principais do artigo. Um se refere à contextualização do papel que cabe hoje às Igrejas cristãs, em especial da Católica, no redirecionamento das relações entre as Igrejas e as religiões autóctones e/ou de extração diretamente popular. O outro, mais abrangente, é o de detectar e analisar as grandes tendências que se manifestam na América Latina na compreensão do que sejam a religião e o religioso. Em terceiro lugar, se pretende contextuar rapidamente a atual tomada de consciência dos povos afro-indígenas da América Latina. Esses povos, postos durante séculos em uma posição de flagrante inferioridade, viram-se coagidos a tomar o Cristianismo, em sua versão católico-ibérica, como referência obrigatória para a construção da nova identidade que precisavam elaborar para sobreviver[2]. Advirto, de antemão, que privilegiarei nesta exposição a Igreja Católica, cuja realidade conheço mais de perto.
Neste contexto maior, minhas preocupações girarão em torno de três perguntas principais: como se situa hoje o diálogo, respectivamente, a tensão entre as religiões indígenas e afro-brasileiras e a Igreja Católica? Que novas perspectivas e possibilidades emergem no diálogo-conflito entre estes dois segmentos histórico-culturais, devido a evoluções que se processam em ambas as frentes em confronto? Uma terceira preocupação será a de discutir um dilema que se encontra no centro das preocupações pastorais hoje: o Catolicismo pode contribuir para a construção da identidade destes povos e culturas (que não pode ser pensada fora do religioso) ou - volens nolens – leva, quase que por necessidade, à desagregação da mesma?
1.1. Nesta introdução, vale bem recordar uma afirmação de Paulo Suess[3]. Já em 1981, o conhecido missiólogo tinha consciência dos limites de certas concepções missiológicas então veiculadas pela Teologia da Libertação[4] e que, segundo ele, corriam o risco nada irreal de considerar a pastoral dos povos indígenas no Brasil como sendo "uma questão insignificante, um caso perdido e até romântico".
Com sua autoridade de Secretário do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), ele dizia que a atuação da Igreja Católica e também das outras Igrejas, neste campo, estava estrangulada entre a política indigenista do governo -- da "integração o quanto antes" -- e o desejo de isolar a-historicamente as tribos indígenas em ilhas culturais bem protegidas do contato com as depravações do mundo civilizado. Referindo-se à Igreja Católica ele ajuntava que essa vacilava entre uma "catequese integracionista", "desenvolvimentista" e "assistencialista" e outra orientada idealmente para uma "evangelização libertadora", mas sem condições para traduzir-se em uma pastoral inculturada capaz de tornar os povos indígenas enfim sujeitos históricos de seu próprio destino. Sintomaticamente o resultado, na prática, acabava sendo o atropelamento autoritário destes povos e grupos tribais, enquadrados em uma posição de facto de total dependência econômica, política e cultural-religiosa.
Para Suess[5], a teologia e a ação missionária das igrejas cristãs e, muito particularmente, da Igreja Católica, não haviam ainda percebido em toda sua magnitude a importância da questão étnico-cultural na perspectiva de uma evangelização libertadora e de uma transformação político-social capaz de respeitar e valorizar a contribuição indispensável destes povos ao processo latino-americano e brasileiro. Ele escreve:
"… é estranho que … tão pouco se reflita sobre a condição pré-colombiana e indígena da libertação (pois) a questão indígena … é (uma) teologia fundamental que obriga a redimensionar toda a atuação da Igreja".
1.2. A situação destes povos e/ou sub-grupos étnico-culturais tornou-se mais difícil nos últimos anos, o neoliberalismo os relegou definitivamente a uma posição de exclusão e marginalidade reais. Deram-se, no entanto, na sociedade e nas Igrejas[6], passos significativos em seu processo de conscientização e de organização. Até em termos demográficos, no caso do Brasil, cresceu o número de indígenas[7], invertendo uma tendência dramática que apontava para seu desaparecimento até biológico. Eles se tornaram mais visíveis no mundo brasileiro e seus direitos passaram a ter uma sustentação legal mais definida. Também do ponto de vista da posse das terras houve um inegável progresso, apesar de muitos problemas e injustiças ainda remanescentes[8].
Provocada por essa presença crítica e ativa, também dos afro-descendentes, a teologia e a missiologia latino-americanas passaram de uma atitude de sim-patia para outra, de inserção e em-patia históricas com relação a esses povos. As novas condições do diálogo permitiram um amadurecimento dos dois lados. Os indígenas passaram a falar em primeira pessoa, desde seus interesses e sua visão da realidade e de seus direito de definir os rumos de seu próprio destino. Trouxeram com isto algo inédito e ao mesmo tempo perturbador para uma missiologia até pouco largamente ditada desde fora do universo cultural e político destes povos, culturas e religiões.
Eis dois pequenos exemplos. A primeira fala vem de um indígena:
"Propomos que o missionário cristão, ao chegar a uma cultura indígena, passe pelo processo de inserção; que compreenda e assimile os valores, a cosmovisão e as expressões religiosas para, assim, descobrir nas culturas a manifestação de Deus. Porque inculturação é diálogo entre os Evangelhos e as espiritualidades indígenas"[9]
A outra fala é de uma missionária inserida no mundo tapirapé[10] há mais de 40 anos:
"Nossa meta é viver o evangelho no meio deles. Não impusemos nada, só pedimos que nos aceitassem e eles nos aceitaram. Eles viram a gente vivendo e nós vimos eles vivendo, foi uma troca. Procuramos entender tudo o que eles faziam na medida do possível. Entender o que é o conteúdo da vida deles. Só fizemos isso todos esses anos e ainda não sabemos a fundo".
Essas duas falas mostram que, da parte da Igreja Católica[11] existe hoje mais que uma sensibilidade e adesão às lutas e objetivos dos povos indígenas e, na mesma linha, dos negros. Já se constata uma postura nova. Embora não majoritária, ela é portadora de grande força renovadora. Com a Assembléia Episcopal de Santo Domingo (1992) tornou-se uma referência obrigatória para a ação missionaria da Igreja Católica. Não pode mais ser dissociada da visão que essa tem de sua presença solidária em meio às culturas afro-indígenas e populares. O significado e implicações do "ser distinto" destes povos e culturas tornou-se, com isto, um must para a missiologia latino-americana, embora as práticas deixem ainda a desejar.
Não se trata apenas de uma atitude de maior solidariedade e compreensão. O fato novo reside nisto que os povos e culturas da América Latina são hoje propositivos, isto é, adquiriram consciência explícita de seu "ser diferente" e passaram a ser sujeitos de suas próprias aspirações, defendendo-as nos mais variados fóruns políticos e sociais. Estão aprendendo a expressar autonomamente seus interesses, necessidades, crenças e, muito especialmente, os modos de ser de suas próprias culturas.
Trata-se de uma mudança ainda inicial e desigual, mas já claramente notada pelos que acompanham de perto a evolução da questão indigenista e/ou afro na América Latina. É um desenvolvimento que vai bem além das fronteiras da(s) Igreja(s). Aqui me restringirei ao âmbito mais eclesiástico-religioso, cujos desenvolvimentos apresentam características dotadas de originalidade e fecundidade próprias. Próprios igualmente são também os problemas e obstáculos. Mesmo que ainda não inteiramente definidos, os efeitos deste desenvolvimento já são visíveis na vida da Igreja (ou, ao menos, de seus segmentos mais lúcidos e mais engajados), cada vez mais dispostos a estabelecer uma verdadeira comunidade e parceria de destinos com estes povos e etnias. Como tudo o que é novo e questionador, são situações carregadas de ambigüidades e unilateralidades ainda não devidamente esclarecidas.
O quadro acima esboçado revela contextos e ângulos novos. Dele se pode depreender que, finalmente, as Igrejas começam a compreender a natureza mais afro-ameríndia do que latina de seus fiéis. A explicação do retorno desta consciência originária reside na longa história de resistência e de defesa da própria identidade que caracteriza a formação histórica desses povos e culturas. Nos últimos decênios essa resistência encontrou um adversário mais complexo e insinuante. São os movimentos e formas religiosas, quase sempre de fonte norte-americana, que penetram rapidamente na América Latina, chegando a regiões remotas, trazidos pelas fortes pressões da globalização. É importante mencioná-los aqui, porque constituem um fator decisivo nas mudanças que se dão atualmente no campo religioso brasileiro.
1.3. A presente exposição se fará desde ao ótica do macro-ecumenismo um conceito – ou, melhor, um movimento que tem como duas fontes de origem: de um lado, o despertar das culturas e religiões dos povos latino-americanos e, de outro, o clima de diálogo inter-religioso que está se instalando no continente.
Vejo esses dois enfoques como complementares e indissociáveis. São fundamentais para uma discussão sociológica e teológica atualizada dos câmbios que se processam na Igreja Católica e nas que se reúnem, seja no Conselho Mundial das Igrejas (CMI), seja no Conselho Ecumênico das Igrejas cristãs do Brasil (CONIC). A Igreja Católica o vem percebendo ao menos desde o II Concílio Vaticano (1962-1965) e da Assembléia de Medellin (1968). A chamada Teologia da Libertação decorre dessa nova visão da ação da Igreja, que só se tornou viável como movimento coletivo porque viu a Igreja como povo de Deus em meio à caminhada de todos os povos, recuperando, ao mesmo tempo, a visão do povo como sujeito e como um povo que se constitui historicamente desde os pobres[12]. A Teologia da Libertação, malgrado seus limites, expressou essa consciência em linguagens e práticas novas, abrindo espaço para uma reflexão nascida da periferia da Igreja e não de seu centro tradicionalmente definidor. Daí em avante essa perspectiva tornou-se indispensável para uma adequada compreensão missiológica do que se dá no campo religioso latino-americano hoje, repito, afetado em cheio pelo processo da assim chamada globalização[13].
Já deixei claro, de saída, que a noção teológica de Libertação está passando por uma salutar e indispensável revisão crítica[14]. Quero, porém, ao mesmo tempo, deixar clara minha convicção de que ela continua sendo relevante na definição da presença e ação da(s) Igrejas(s) cristãs na América Latina. Hoje talvez mais ainda que nos agitados anos de 70 e 80, uma vez que o peso da responsabilidade histórica das Igreja(s) cristãs na América Latina tornou-se ainda maior após o desmoronamento do sonho socialista em suas várias versões. A realidade da involução econômica e da exclusão estrutural da maioria de nossas populações se acentuou. Mais que nunca a Igreja mundial e a latino-americana precisam ver a Missão na ótica de uma "opção preferencial pelos pobres", revista e atualizada segundo a realidade de hoje. E o diálogo inter-religioso macroecumênico, neste contexto, tornou-se uma chave de leitura e um critério de discernimento teológico e sócio-histórico.
O vocábulo "macroecumenismo" não me parece muito feliz. Tem sido questionado desde sua primeira origem, mas continua sendo usado na pastoral e na teologia. A teologia elaborada a partir da cultura e da religiosidade afro-indígena o preserva e usa com desembaraço. Não é minha intenção discutir aqui a propriedade do nome e sim seu conteúdo e sentido. Tampouco é minha intenção defendê-lo.
A impropriedade do termo, para mim, se deve a duas razões. Ele surgiu em um clima de protesto contra o perigo de se transformar o evento dos 500 anos da evangelização da América em um comemoração "festiva", circunscrita aos donos do poder e correndo sério risco de esquecer todas as atrocidades que as sucessivas dominações – desde a "conquista" -- trouxeram consigo para milhões e milhões de pessoas. Organizou-se, por essa razão, em Quito, paralelamente à Assembléia de Santo Domingo, uma Assembléia popular com representantes de várias religiões e etnias. O encontro foi chamado desafiadoramente de "Assembléia do Povo de Deus". Tinha a finalidade de fazer contraponto ao estilo possivelmente alienado de outras comemorações. Foi nesta ocasião que surgiu ou se legitimou o vocábulo "macroecumenismo".
É de se perguntar porque se resolveu acoplar este esforço de intercâmbio entre religiões não-cristãs e Igrejas cristãs à palavra ecumenismo. Desta forma ele se associou a um conceito que carrega um enorme peso histórico e teológico, o conceito de "ecumenismo", só compreensível à luz da teologia e da eclesiologia cristãs. Torna-se, por isto, problemática e polêmica sua adoção, contestada por setores conservadores das igrejas cristãs.
Em seu sentido mais tradicional o termo ecumenismo é entendido "em seu sentido eclesiástico mais usual …. como referente à unidade das igrejas confessionais cristãs que se dividiram, ou então, aos esforços em prol da construção desta unidade"[15]. Embora seja difícil passar por cima deste seu significado, não se pode olvidar que em seu sentido etimológico mais original a palavra "Oikumene" vem de oikeo ("morar") e oikia ("casa"), respectivamente. Ou seja, refere-se à habitação coletiva de toda a humanidade. Assim sendo, a palavra sempre esteve potencialmente aberta a interpretações mais amplas do que a de um discurso ou diálogo estabelecido apenas dentro das e entre as Igrejas que confessam a fé em Jesus Cristo. O termo em si mesmo parece pedir uma acepção mais ampla, apontando para uma "atitude comum ou suposição de princípios consensuais partilhados pelos 'habitantes’ de 'toda" a terra’." (ibd).
É nessa última direção que vai o sentido hoje dado na América Latina à palavra "macroecumenismo". A expressão vai muito além, portanto, do que se entende usualmente por "ecumenismo" e mesmo por "diálogo inter-religioso". Sabemos que, em especial na segunda metade do século XX, as religiões cristãs, apesar da constante ameaça dos fundamentalismos, perceberam a necessidade de um diálogo de novo tipo entre elas e as grandes religiões do mundo. Até Igrejas bastante reservadas, como a Católica, passaram a dar uma atenção inusitada ao intercâmbio com os não-cristãos em geral e com os sem religião. Pastoral e estruturalmente, também a América Latina percebeu a mesma necessidade, mas caminhou em uma direção distinta daquela, mais formal e teológica, observada nos países de velha tradição cristã. Foi desde as bases populares e não desde as cátedras e contatos oficiais que o diálogo inter-religioso floresceu e se fez presente no cenário religioso latino-americano. São circunstâncias em si alvissareiras, mas na prática têm provocado suspeição por parte de autoridades eclesiásticas cristãs. No caso da Igreja Católica é visível a existência de uma certa tensão. João Paulo II surpreendeu em mais de uma ocasião por sua abertura neste campo, mas há setores na Igreja Católica temerosos do que poderia resultar desta aproximação. No lado indígena e afro-americano, igualmente, há vozes que tendem a um confronto mais radical. Nos anos 90 o perigo dos extremismos amainou, mas está longe de ter desaparecido.
O macroecumenismo latino-americano tem uma história. Decorre de um longo processo tanto teológico quanto sócio-religioso. Até o surgimento da Teologia da Libertação sua história se processava na penumbra, mas existiu sempre. Em ambientes populares, deram-se sempre intensos processos de troca. As respostas coletivas eram influenciadas, à primeira vista, quase exclusivamente por correntes de procedência européia e "civilizada". Um pouco como acontece neste início de século. Pode-se pensar que as populações da América Latina funcionem como uma esponja que suga sem critérios próprios tudo o que lhes vem de fora. Certos eclesiásticos e mesmo antropólogos e sociólogos tiveram -- e talvez tenham até hoje – dificuldade em perceber sua capacidade de resistência e de crítica. O macroecumenismo acredita que, por baixo, existiu sempre um silencioso processo de preservação da própria identidade. Nos dois últimos decênios a vitalidade destas reservas se revelou no vigoroso diálogo inter-religioso que indígenas e negros latino-americanos entabularam com as religiões cristãs. É um diálogo que, além de corresponder às reais condições e necessidades destes grupos marginalizados, lhes permite expressar-- e não só reproduzir -- sua própria originalidade e criatividade religiosa e cultural.
Não se deve pensar que o macroecumenismo seja fruto de uma geração espontânea. Ele resulta de um longo e silencioso processo de retenções e rejeições econômicas, sócio-culturais, religiosas e políticas verificadas em toda a América Latina desde largo tempo. Coincide, ademais, com a tomada de consciência e a melhor organização[16] dos povos indígenas e das populações afro-descendentes[17]. Só à luz destes câmbios se podem discernir com clareza os limites e as reais possibilidades do macroecumenismo latino-americano. Na verdade, ele deve muito à evolução que se deu no seio das próprias igrejas cristãs. Não se pode pensá-lo sem as comunidades de base, sem as pastorais libertadoras, sem a abertura de nossas Igrejas às culturas autóctones, sem as teologias da libertação, sem a visão crítica da realidade, sem o despertar para a questão de gênero e sem as práticas inovadoras decorrentes da inserção nos meios populares. A temática da inculturação pode ser vista como um ponto culminante de toda essa evolução. Na impossibilidade de esclarecer todos estes aspectos detenho-me, a seguir, apenas na análise da inculturação, por sua importância na gestação do macroecumenismo.
A chamada inculturação está entre os temas teológicos de maior interesse na presente situação pastoral e missionária da América Latina. Na Assembléia de Santo Domingo (1992) ela foi assumida como a exigência mais fundamental da nova evangelização proposta pelo Papa. O termo, aplicado à realidade da América Latina, deu nova vida à uma fecunda analogia teológica que considera a encarnação como paradigma e meta da presença da Igreja no mundo (cf Gaudium et Spes, no. 32). É um neologismo que soa como se fora próprio de antropólogos, mas foi inicialmente cunhado por missiólogos da Universidade Gregoriana. Bem cedo o Papa João Paulo II o adotou na "Catechesi Tradendae", de 1979[18]. Com esse impulso vindo do magistério a palavra começou a circular rapidamente pela América Latina. Nos meios populares e entre as minorias étnicas encontrou o melhor acolhimento, pois vinha ao encontro de algo que eles almejavam, trazendo importante complementação ao que a opção preferencial pelos pobres havia propiciado como renovação da pastoral missionária em geral. Os Bispos viram na "inculturação do Evangelho…. um imperativo do seguimento de Jesus… (um caminho) necessário para restaurar o rosto desfigurado do mundo "(SD 13). Um destaque especial foi dado à inculturação nas culturas plurais existentes nas Américas, algumas delas milenares. Para os Bispos é necessária "uma evangelização inculturada que se encarne nas culturas indígenas e afro-americanas"(SD 302). Essa é a via para resgatar uma dívida histórica (SD 176s e 251) e viabilizar um projeto histórico no qual o índio e o negro tenham lugar como sujeitos de seu próprio destino. Isto porque "uma meta da evangelização inculturada será sempre a salvação e a libertação integral de determinado povo ou grupo humano…"(SD 243). Donde a conclusão e diretriz: "toda evangelização há de ser, portanto, inculturação do Evangelho".
O conceito -- e, mais ainda, a prática da inculturação -- colaborou muito para que a(s) Igreja(s) vissem com maior lucidez teológica a realidade pluricultural e pluriétnica do continente. A aceitação da pluriculturalidade, por sua vez, levou a Igreja a descobrir que são muitas as religiões existentes na América Latina. Ao entrar em diálogo com este pluriforme mundo religioso ela teve que reconhecer que
"o diálogo com as religiões indígenas, semelhante ao diálogo ecumênico e inter-religioso, tem estatuto próprio e não representa a primeira fase de uma "conversão" ou incorporação inevitável. O diálogo com as religiões indígenas é estabelecido a partir da gratuidade do Evangelho, portanto, há de ser sem limites e sem cálculos"[19].
A conclusão que daí decorre é clara: o macroecumenismo, na prática, pressupõe uma evangelização que seja inculturada, isto é, apta a dialogar com "o outro diferente". Neste diálogo se cria um espaço religioso no qual os povos indígenas e afro-americanos podem ser protagonistas reais de "sua própria promoção e evangelização", como disse o Papa João Paulo II em sua "Mensagem aos povos indígenas" de 12 de outubro de 1992 (No. 6). Aos povos indígenas não-cristãos a inculturação pede que falem de Deus em sua própria língua. Aos povos que já se tornaram cristãos, alguns desde séculos, solicita que testemunhem sua fé segundo o gênio e as formas culturais da grande comunidade a que pertencem seus irmãos de sangue e cultura. São ao menos quatro as linhas de força deste diálogo: diálogo interno com os que professam a fé cristã, mas permanecem fiéis à sua cultura e raça; diálogo com as culturas enquanto em todas as suas formas de expressão e afirmação; diálogo com os que o processo histórico colocou à margem da sociedade constituída exatamente pelo fato de serem afro-descendentes ou indígenas; e diálogo com as raízes e buscas propriamente religiosas destes povos, desde suas matrizes.
Onde está o novo em tudo isto? Está[20] no fato de o papel de sujeito reverter de modo drástico "todas as perspectivas coloniais ainda persistentes nas igrejas. Na lógica do protagonismo dos povos indígenas, que é a conquista de sua cidadania eclesial, está o reconhecimento salvífico de sua história e o nascimento de uma 'igreja indígena’, indígena nas suas estruturas ministeriais, nas suas celebrações e na formulação de sua teologia". O missiólogo latino-americano Diego Irarrazával julga –imprescindível que a palavra "inculturação" -- para evitar uma interpretação que ignore a realidade de miséria e alienação dos povos latino-americanos -- deve ser estreitamente associada ao conceito teológico de "libertação". Ou seja, na América Latina a meta da ação missionária da Igreja deveria ser sempre designada como uma "inculturação libertadora", levada a cabo pelos próprios povos com participação plena dos que confessam a fé em Jesus Cristo. Com essa designação os missiólogos latino-americanos querem dar valor e dialogar com todas as tradições de busca de Deus presentes na vida dos povos da América Latina. Eles esperam daí uma dinamização dos vários aspectos da missão da Igreja em intercâmbio vivo com essas culturas: no modo de anunciar, testemunhar e celebrar, na espiritualidade, na ação social, no compromisso pelos direitos, na reconstrução da identidade como povo e como cultura, etc. A inculturação libertadora ofereceria, portanto, pistas e metodologias para a(s) Igreja(s) irem ao encontro das sociedades tribais e das culturas silenciadas. O macroecumenismo em si, portanto, não se contrapõe ao anúncio explícito como se fora uma alternativa ao mesmo. O que ele impede é a imposição da fé e o desrespeito ao outro em sua busca de Deus.
Quero, finalmente, chamar a atenção para o aspecto político do macroecumenismo. É sabido que são várias as opções políticas[21] existentes quanto ao tratamento das complexas questões indígena e dos negros. Elas experimentam inúmeras variações de acordo com a situação e a história de cada povo, mas em geral são todas restritivas e anti-libertárias. Pode-se elaborar uma tipologia das alternativas políticas efetivamente existentes e praticadas. São ao menos cinco: quatro delas são excludentes e não podem ser nem aceitas, nem toleradas: a "nacionalista", a "populista’’, a "racista", a "classista". À elas se contrapõe uma visão "liberacionista", calcada em alguns princípios e valores aceitos por todos. O grande sonho – do ponto de vista da Igreja Católica mais engajada -- é o de se chegar a uma pastoral indigenista e afro-americana que concretize o que as palavras inculturação e libertação querem significar. A Igreja tem criticado -- ora positiva, ora negativamente – as outras quatro vertentes, mas busca fazê-lo de maneira realista, uma vez que percebe os obstáculos econômicos e sócio-políticos que impedem a concretização de uma política indigenista na linha dos direitos dos povos. Reconhece que, seja em nível mundial, seja no nacional, é diminuto o número de interessados em uma verdadeira afirmação dos povos indígenas ou de uma plena participação dos afro-descendentes na vida social brasileira.
Falar de uma inculturação libertadora no Brasil neo-liberal é falar de uma utopia, ainda distante. Mas, é este o horizonte escatológico que o Espírito aponta claramente à consciência da Igreja, falando através das lutas e anseios de tantos e tão diversos povos.
No atual cenário mundial e continental fala-se muito em diálogo. No entanto, são muitos os indícios da existência de um clima mundial mais de indiferença e exclusão do que de harmonia e entendimento entre os povos e culturas. Em várias partes se sucedem as tentativas de afirmação da supremacia dos mais fortes. São várias as formas de violência nas relações entre os povos, as economias e as culturas. A globalização dos mercados favoreceu este processo. Por mais plural que possa parecer, a realidade é ditada de cima para baixo e de fora para dentro; há sempre alguém buscando impor seus valores e padrões aos demais, segundo interesses nem sempre confessáveis.
As religiões, como as nações, estão ante um dilema: ou se trancam a uma comunicação verdadeira com a fé "dos outros", ou se abrem ativamente aos valores maiores que as outras religiões propõem. As Igrejas cristãs também devem se posicionar ante tal dilema. Na esteira do sugerido pelo Concílio, a "Anúncio e Diálogo" se define pelo diálogo e não pelo isolamento. Ela define o diálogo inter-religioso como sendo "o conjunto de relações inter-religiosas, positivas e construtivas, com pessoas e comunidades de outros credos para um conhecimento mútuo e um recíproco enriquecimento"[22]. Os teólogos latino-americanos vão em geral por essa mesma linha, mas enriquecendo-a com elementos novos. Faustino Teixeira[23], entre outros, propugna como via para a paz entre os povos o compromisso de todas as religiões na defesa da integridade da natureza, na co-responsabilidade pela preservação da Vida no planeta ameaçado e na luta de todos contra a fome, a injustiça e a exclusão. Esse, para ele, como para Paul Knitter e Giulio Girardi, o desafio número um e o ponto de partida mais frutuoso para o diálogo entre as religiões e as pessoas de boa vontade.
Na década de 90 cresceu notavelmente na América Latina a consciência de que o diálogo inter-religioso não era vital apenas para as Igrejas da Ásia que convivem minoritariamente com algumas das tradições religiosas mais antigas e venerandas. Foram missiólogos especializados em questões indígenas os que por primeiro perceberam a centralidade do diálogo inter-religioso para o futuro da América Latina[24]. Vale lembrar autores importantes como Paulo Suess, Diego Irarrazával, Xavier Albó, Bartolomeu Meliá, entre outros, que foram pioneiros "na afirmação da singularidade do índio como outro, da especificidade de sua experiência de Deus e da peculiaridade exigida para o tratamento dessa questão na Teologia da Libertação". A seguinte frase de Xavier Albó merece especial reflexão: "o problema de ajudar os pobres em sua luta para que cheguem a superar a pobreza é algo muito diverso da luta para ajudar o distinto a ser respeitado como distinto. Está havendo hoje um processo de reflexão sobre o que quer dizer este ser distinto". Hoje, a exemplo do que acontece na Ásia e na África[25], são numerosos os teólogos latino-americanos que vêm o diálogo macroecumênico como decisivo para a formulação do Cristianismo do século XXI.
Outro aporte de enorme significado é o nascido da reflexão das teologias elaboradas pelos que dialogam com as religiões afro no Brasil. Pelo seu peso na população brasileira, os afro-descendentes, tanto os cristãos quanto os não-cristãos, têm muito a dizer. Devido à sua condição de escravo, eles foram duplamente esmagados em sua alteridade pelo exclusivismo católico. Cabe-lhes, agora, um papel eminente na configuração histórica de um Cristianismo sem opressões, só viável através de um intenso diálogo inter-religioso. F. Teixeira menciona os nomes de alguns dos pensadores negros cristãos de maior destaque: José Maria Pires, Antônio Aparecido da Silva, José Geraldo da Rocha, Marcos Rodrigues, Sílvia Regina de Lima e Silva, François d’Épinay, Mauro Batista e Heitor Frissotti, esses três últimos já falecidos. Seria longo mencionar o grande número dos que hoje se associam às lutas deste pioneiros.
O que entender por macroecumenismo? Há os que o vêem como uma espécie de extensão do ecumenismo praticado entre as Igrejas cristãs. O elemento acrescentado pelo Macroecumenismo seria o número de cadeiras dispostas em torno à mesa da partilha. Há, ao contrário, os que o conceituam como algo historicamente inédito. Seria algo qualitativamente novo e até a presente data nunca ensaiado, exceto em circunstâncias bastante restritas, como nas tentativas de diálogo de Norberto de Nobili e Matteo Ricci com o Taoísmo e o Hinduísmo, no século XVIII.
Nos muitos seminários, congressos e encontros de cristãos negros realizados América Latina a fora, eles/elas próprios reaprenderam que suas culturas são entretecidas de danças, cantos, banhos, perfumes, comidas, abraços e toques. Que eles/elas rezam com o corpo todo. Para eles/elas a força de Deus é feminina e masculina; passa pela natureza, pela água, pelo ar. Alimenta-se do sol, do ritmo, do tempo, da terra, do fogo e da água, é irmã das plantas, das nuvens e montanhas. Guarda em si a memória dos ancestrais e de todo um passado no qual o sagrado esteve sempre intrinsecamente presente. A comunidade negra, apesar dos séculos de opressão, sabe que sua religiosidade está unida à sua cultura e história, aos seus costumes, às leis e à sabedoria de seus anciãos e anciãs. As famílias negras extensas, além de instituições com funções sociais, são comunidades de fé que preservam, alimentam e transmitem a tradição. Garantem a presença viva de Deus e do sagrado, como base da luta contra o medo, a dispersão e a exclusão. Na II Consulta isto é resumido na seguinte frase: "como árvores, (nossas comunidades) guardam a memória de onde viemos e se reúnem à sua sombra".
É por essas características que o macroecumenismo põe as comunidades cristãs e as Igrejas ante uma realidade distinta daquela que propiciou o surgimento do ecumenismo propriamente dito. Do diálogo que ele propicia surge uma visão não preconceituosa do outro. Seus comportamentos e modo de ser não são mais julgados como irremediavelmente pagãos, supersticiosos e primitivos. A convivência macroecumênica está ensinado que há muito a descobrir e a aprender e não só a dar: Deus fala realmente muitas línguas e são muitos os "testamentos" de sua presença e aliança com os povos.
Destaco duas novidades principais. De um lado, o ponto de partida do macroecumenismo não reside nas verdades da revelação cristã tomadas em sua especificidade. A fundamentação bíblica, a referência a Jesus Cristo, a concepção de Deus desde a Trindade, a Igreja enquanto sacramento de salvação, são colocadas entre parênteses, por fundamentais que sejam para nós que temos fé no Deus de Jesus Cristo. O ponto comum para o novo diálogo é a experiência da Vida e do Sagrado -- do Deus da Vida -- assim como esse é vivenciado em cada religião ou cultura. De outro lado, do Macroecumenismo espera-se que o respeito e aceitação mútua propiciem um encontro e um compromisso no terreno comum da defesa dos direitos dos mais pobres, da paz mundial, do combate à fome e à pobreza, da recuperação da terra exaurida, da resistência ao rolo compressos do neo-liberalismo, etc. Estes objetivos são buscados não por razões apenas ideológicas, filantrópicas ou políticas e sim por estarem na raiz mesma da experiência de Deus de todos os seres humanos. O "axé", a força viva de Deus, percorre toda a humanidade e torna irmãos e irmãs todos os homens e mulheres do mundo inteiro. Ele desperta a humanidade para o sentido espiritual profundo do que nos une e não do que nos separa e divide.
Concluo apresentando uma metáfora usada pelas comunidade afro e uma lenda indígena, corrente entre osguaranis.
Em uma consulta[26] entre cristãos afro de quase todos os países da três Américas (São Paulo, 1994) os participantes do encontro fizeram uma expressiva analogia:
"O ecumenismo atual se parece com uma casa (oikos) em que há quartos fechados: alguns ficam na sala e outros ficam sempre na cozinha ou no quintal. Ele se parece com uma 'Casa Grande", com uma "Hacienda" que (como se sabe) sempre supõe ao lado uma "senzala". Será que não é possível pensar uma casa para todos que seja parecida com um "quilombo", um "terreiro" ou uma "maloca" indígena?" [27].
Como se sabe, os espaços tribais e os lugares em que habitavam os africanos que fugiam da escravidão em busca da liberdade (chamados "quilombos" no Brasil) eram comunitários. Neles, como nas aldeias dos índios, nada é só de alguém, tudo é de todos. O grande objetivo e a utopia do Macroecumenismo consistem em confrontar a atual organização social com este mundo de irmãos que buscam juntos "uma terra sem males", não obstante conscientes de que a realidade é carregada de brutais condicionamentos.
Eis, finalmente, a lenda da terra sem males[28], de origem guarani:
"Quando Nhanderuvuçu, nosso grande Pai, mandou acabar com a terra, devido à maldade dos homens, avisou antecipadamente Guiraypoty, o grande pajá (pajé??), e mandou que dançasse. Este obedeceu, passando toda a noite em danças rituais. Depois, seguiu-se um incêndio devastador e Guirapoty, para fugir do perigo, partiu com a família, para o leste, em direção ao mar. Chegados ao litoral, dançaram e cantaram, construindo uma casa na qual pudessem se abrigar quando chegassem as águas. Elas vieram. Apagaram o incêndio mas ameaçavam engolir Guirapoty e os seus. Ele subiu ao telhado e teve muito medo. Entoou, então, o nheengaraí, o solene canto do povo guarani. Quando estavam para serem tragados pelas águas, a casa se moveu, gitou, flutuou, subiu, subiu até chegar à porta do céu, onde eles ficaram morando. O lugar para onde eles foram levados se chama Yvi marã ei (a "terra sem males"). Aí as plantas nascem por si próprias, a mandioca já vem transformada em farinha e a caça chega já abatida aos pés dos caçadores. As pessoas nesse lugar não envelhecem e nem morrem e aí não há sofrimento".
Os Bispos brasileiros, na Campanha da Fraternidade do ano de 2002, convidaram todas as comunidades católicas a refletir sobre essa lenda guarani. A questão que eles puseram à Igreja e que foi assumida também pelas Igrejas cristãs que se unem à católica no CONIC (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs) foi a seguinte: como caminhar juntos para uma terra sem males, partindo da situação de exílio em que vivem os povos indígenas do Brasil e da América Latina?
Meu objetivo nesta palestra foi de mostrar algo dos caminhos que começam a se abrir. São apenas os primeiros passos, mas se tivermos a prontidão de resposta de Guirapaoty chegaremos, como anunciava o profeta Isaías, ao monte no qual
"o Senhor dos Exércitos preparará a todos os povos um banquete de seletos manjares, e neste monte tirará o véu do luto que encobre os povos todos (…) e enxugará as lágrimas de todas as faces e tirará de toda a terra o opróbrio de seu povo (…). Então dir-se-á: 'Eis o nosso Deus de quem esperamos a salvação; este é o senhor no qual esperamos. Exultemos e alegremo-nos pela salvação que nos trouxe"(Is. 25, 7-9).
[1] O artigo adapta ao público brasileiro a palestra que o autor fez em recente Semana de Estudos ("A compreensão da religião e religiões na perspectiva mundial. Tendências atuais nos distintos contextos") realizada em St. Agustin/Bonn, Alemanha, em outubro de 2002, sob os auspícios da Escola de Altos Estudos de Filosofia e Teologia de St. Augustin, juntamente com o Anthropos Intitut e o Missionswissenschaftliches Institut. O texto alemão acha-se em Bettscheider, Heribert (Hrsg.). Das Veständnis von Religion und Religionen wetlweit. Aktuelle Tendenzen in verschiedenen Kontexten, Steyler Verlag, Nettetal, 2003, S. 117 – 134.
[2] Cf VVAA. Vida, clamor e esperança. Reflexões para os 500 anos da evangelização da América Latina, São Paulo, Loyola, 1992; CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos índios do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras-FAPESP, 1992.
[3] SUESS, Paulo. 1981. "Culturas indígenas e Evangelização. Pressupostos para uma pastoral inculturada de libertação". Em: Revista Eclesiástica Brasileira, Vol. 41, fascículo 162, p. 212.
[4] "A Teologia da Libertação, até agora, pouco refletiu sobre a questão étnica dos povos e nações indígenas. Tal questão foi, como um dado superestrutural, ou esquecida ou subordinada ao conflito de classes sociais... mas mesmo assim, é estranho que, num continente onde a questão étnica determina geralmente a posição social, tão pouco se reflita sobre a condição pré-colombiana e indígena da libertação". SUESS, Paulo, lugar citado, p. 212.
[5] Esta crítica foi feita em um grande número de artigos em parte compilados em SUESS, Paulo. Evangelizar a partir dos projetos históricos dos outros. Ensaio de Missiologia. São Paulo, Paulus, 1995. Veja-se também: SUESS, Paulo. "Cuestionamentos y perspectivas a partir de la causa indígena". Em: Iglesia, Pueblos y Culturas, 1987, No. 4. .
[6] No tocante à problemática de nosso interesse veja-se: ANJOS, M.F. dos (Org) Inculturação: desafio de hoje, Petrópolis, Vozes, 1984; MARZAL, Manuel et al. O rosto índio de Deus, Petrópolis, Vozes, 1989. Sobre os afro-americanos cf. FRISSOTTI, H. Passos no diálogo Igreja católica e religiões afro-brasileiras, São Paulo, Paulus, 1996 e FRISSOTTI. Religiones afroamericanas. Aportes, Quito, Ediciones afroamerica, 1994; REGINA, Silvia. "Comunidades em diálogo na causa afro-brasileira". Em: 10º Encontro Intereclesial, CEBs Povo de Deus. 2000 anos de caminhada, Paulo Afonso Editora Fonte Viva, 1999, p. 212-224 Para uma problemática mais universal, além de textos do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso e do Secretariado para os Não-Crentes, cf. DUPUIS, J. Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso, São Paulo, Paulinas, 1999 e KNITTER, Paul , Una terra, molte religioni. Dialogo interreligioso e responsabilità globale, Assisi, Citadella Editrice, 1998.
[7] A "outra" América Latina, a Ameríndia, é constituída por cerca de 45 milhões de descendentes dos habitantes primitivos do continente. Eles convivem com 410 milhões de latino-americanos, em muitos dos quais corre o sangue indígena cultural e biológico. No Brasil os indígenas são aproximadamente 550 mil, uma porção muito diminuta quando comparada com o percentual de indígenas em países como o Peru, a Bolívia, o México ou o Equador. Sua diversidade é grande: eles pertencem a 225 povos, falando cerca de 180 diferentes línguas. 358.310 destes índios vivem em terras próprias; os restantes 200 mil vivem dispersos, muitos em cidades e fazendas, vivendo de maneira miserável e perdendo sua cultura de origem. O número de índios ainda sem contato com os brancos não deve superar os mil. Nos últimos 10 anos há indícios de que o número de indígenas voltou a crescer após anos de ininterrupta queda demográfica. Estes dados são tirados de: CNBB, Por uma terra sem males. Texto-Base CF-2002, São Paulo, Editora Salesiana, 2001, p. 31 s.
[8] A terra é absolutamente fundamental para a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas. Existem leis a respeito da demarcação das mesmas, mas sua aplicação é lenta e conta com a hostilidade de latifundiários, madeireiras, hidroelétricas, políticos, etc. Em algumas regiões os conflitos se dão com garimpeiros. A posição dos missionários/as das várias Igrejas comprometidas com a causa indígena encontra pesadas resistências por parte dos políticos, sejam no âmbito regional, seja em nível nacional. Sobre isto cf. CNBB, Texto-Base CF-2002, São Paulo, Editora Salesiana, 2001, p. 36 –51.
[9] Frase constante das Conclusões do 3o Encontro de Teologia Índia, realizado em Cochabamba, Bolívia, em 1997. Apud CNBB, Por uma terra sem males. Texto-Base CF-2002, São Paulo, Editora Salesiana, 2001, p. 37.
[10] Ibd p. 28. O depoimento é da Ir. Genoveva Helena, das Irmãzinhas de Foulcault que vive com este povo indígena há cerca de 42 anos, sem daí sair. Quando ela chegou os membros daquele povo eram apenas 51. Em 1977 já eram 475. Cf também: O renascer do povo Tapirapé. Diário das Irmãzinhas de Jesus de Charles de Foulcault ( 1952 – 1954), Editora Salesiana, São Paulo, 2002.
[11] No Brasil, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) é seguramente o maior e mais persistente defensor dos direitos indígenas à terra, à saúde, à educação, etc.
[12] Cf COMBLIN, José. O povo de Deus, São Paulo, Paulus, 2002.
[13] Cf GIRARDI, Giulio, "El movimiento macroecumenico indoafrolatinoamericano frente a la globalización neoliberal". Em: http://www.peacelink.it
[14] Cf TEIXEIRA F. ( Org. ), Teologia da Libertação: novos desafios, São Paulo, Paulinas, 1991.
[15] Cf RITSCHL, D. Ökumene. Em: MÜLLER, K. und SUNDERMEIER, Th (Hg.) Lexikon Missionstheologischer Grundbegriffe, Berlin, Dietrich Reimer Verlag, 1987, p.340.
[16] Cf. CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). Os direitos dos índios, São Paulo, EDUSP-Cia das Letras,-FAPESP 1987; PREZIA, Benedito e HOORNAERT, Eduardo. Brasil indígena: 500 anos de resistência, São Paulo, FTD, 2000.ANISTIA INTERNACIONAL. Nós somos a terra: a luta dos povos indígenas no Brasil por seus direitos humanos, São Paulo, Seção Brasileira da A.I. , 1992.
[17] VVAA. Comunidades negras. Desafios atuais e perspectivas. Coleção Teologia e Culturas Afro-americanas, São Paulo, Edições Loyola, 1995. Veja também: Religiões afro-brasileiras. Em: Revista Sem Fronteiras, No. especial, julho, 1994.
[18] Cf A .R. Crollius define a inculturação como sendo a " Integrierung der christlichen Erfahrung einer Ortskirche in die Kultur des jeweiligen Volkes, und zwar so daß diese Erfahrung sich nicht nur in Elementen der eigenen Kultur ausdrückt, sondern eine Kraft wird, die diese Kultur belebt, ihr Richtung gibt und sie erneuert, und auf diese Weise neue Einheit und Gemeinschaft geschaffen wird, nicht nur innerhalb der betreffenden Kultur, sondern als eine Bereicherung der Gesamtkirche". Cf CROLLIUS, R. A . What is so new about Inculturation? A Concept and its Implications. Em: Gregorianum, vol 59, 1978, p. 712 s. No Brasil e na América Latina foi o antropólogo e teólogo jesuíta Marcello Azevedo quem deu consistência teórica ao conceito de inculturação: Cf AZEVEDO, Marcello C., Inculturação. Em: LATOURELLE, R. e FISICHELLA, A . (Org) Dicionário de Teologia Fundamental, Petrópolis, Vozes, 1994, 464-472.
[19] Cf SUESS, Paulo. Evangelizar a partir dos projetos históricos dos outros. Ensaio de missiologia, São Paulo, Paulus, , 1995, p.199.
[20] Cf ibd. p. 200.
[21] Cf SUESS, Paulo. "Culturas indígenas e evangelização. Pressupostos para uma pastoral inculturada de libertação". Em: Revista Eclesiástica Brasileira, lugar citado, p.225-234,
[22] Cf. "Diálogo e Anúncio, no. 9. Há coincidência entre essa posição e a dos Bispos asiáticos reunidos na FABC. No fundo, pode-se dizer que existe aqui um pensar comum, presente também na África e na Europa e EstadosUnidos, mas diferenciando-se devido à diversidade de cada situação. No caso latino-americano a novidade reside no fato de o diálogo se dar com pequenos agrupamentos de pessoas reunidas em povos sem qualquer importância histórica, mas portadores de uma rica experiência de Deus.
[23] Cf TEIXEIRA, Faustino, "O diálogo inter-religioso face ao desafio da responsabilidade global. Em: Numen, ano 2, 1999, No. 1, p. 155-170. O texto de P. Knitter é o mesmo citado em outra nota deste artigo.
[24] TEIXEIRA. "A interpelação do diálogo inter-religioso para a teologia". Disponível em: <http://radaruol.com.br/?macroecumenismo>. A frase de Xavier Albó encontra-se no mesmo texto.
[25] Em fins dos anos 70, a Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo (ASETT), não obstante dificuldades e oposições, veio a constituir-se em um fórum de debates e de mútuo conhecimento e reconhecimento. Outro processo que favoreceu muito e tornou indispensável o diálogo inter-religioso em nível popular foi a emergência das Comunidades Eclesiais de Base.
[26] Trata-se da mesma II Consulta, mencionada anteriormente.
[27] Texto da Oficina 4 (sobre "O Ecumenismo das comunidades de negras" ) da II Consulta de Teologia e Culturas Afro-americanas e Caribenhas, Parte 1, São Paulo, novembro de 1994.
[28] Esta versão da lenda foi tomada de CNBB, Por uma terra sem males. Texto-base CF 2002, São Paulo, Editora Salesiana, 2001, p. 17-18 (com pequenas alterações).