"Eu e todos os seres da Grande Terra simultaneamente nos tornamos o Caminho."[1] Essa é a frase original da experiência iluminada de Sidharta Gautama, vivida há 2.571 anos. Ele passou a ser chamado, então, de Buda (Buddha), "aquele que despertou". Desperta junto com todos os seres e simultaneamente percebe o Caminho em todas as formas de vida, sem distinção de gênero ou espécie. Penetra na Lei Verdadeira (Dharma, Dhamma, Darma) onde tudo e todos estão incluídos.
Se essa foi sua percepção consciente no momento da Iluminação e esse era seu ensinamento principal - de que todos os seres podem atingir a mesma compreensão de Buda - por que inicialmente recusa e, quando finalmente consente que mulheres participem da comunidade monástica, as obriga a aceitar regras especiais que restringem sua equidade na comunidade religiosa?
Os atuais estudos budistas vêem Xaquiamuni Buda (Shakyamuni Buddha) como um ser humano iluminado, desperto e também limitado pela cultura, tradições, linguagem e discriminações de uma época.
A Iluminação, o Despertar, não é suficiente para eliminar preconceitos culturais, mas facilita sua percepção e transformação.
A insistência de Mahaprajapati, sua tia e mãe adotiva, que se tornaria a primeira monja histórica, somada ao interceder de Ananda, seu primo e assessor principal, foi essencial para que o Sábio Iluminado aceitasse mulheres na comunidade monástica - a Sanga (Sangha) Budista que estava em formação.
Quando Xaquiamuni Buda se torna O Iluminado e exclama "Eu e todos os seres", precisamos compreender que o "Eu" já se refere a "todos os seres". Não há mais dualidade. É a percepção do Uno. "Eu" é o mesmo que todos os seres. O "e" da frase é um indicador de igualdade.
"Todos os seres" não se refere apenas aos humanos, mas abrange toda a grande natureza em sua diversidade. Abrange pedras e rios, flores e montanhas, animais e peixes, o céu e o magma. Por que, então, o Buda Histórico, ao permitir a entrada de mulheres na vida monástica, faz a exigência de que se submetam às "Oito Regras Principais" para superar obstáculos? E por que Mahaprajapati as aceita tão docilmente, dizendo que eram "como um colar de flores"?
Uma monja, mesmo de cem anos, deve respeitosamente cumprimentar, levantar-se na presença, fazer reverência e todos os outros deveres para um monge mesmo que ordenado a um só dia (na presença dos monges, Ananda, é esperado que as mulheres requeiram ordenação para se tornarem monjas. Anuncio isso como a primeira regra importante para as mulheres superarem os obstáculos de forma que os ensinamentos possam ser mantidos durante toda a vida).[2]
A ordem dessas duas versões das Oito Regras é diferente, mas o conteúdo é o mesmo, revelando as discriminações que sofriam as mulheres naquela época - discriminações perpetuadas pelas próprias regras de Buda.
Além dessas Oito Regras Especiais, as monjas se comprometiam a manter um total de 311 regras, enquanto os monges seguiam 227 regras.
Em muitas delas, os monges incorriam em penalidades menores do que as monjas. Exigia-se muito mais das monjas em termos de disciplina e conduta.
Eram regras de treinamento criadas por Gautama Buda e por seus discípulos para facilitar a vida em harmonia comunitária e alcançar a meta principal de Nirvana. Geralmente eram feitas para atender demandas, em resposta a alguma ofensa que houvesse sido cometida. Não significava que os monges se sentaram e pensaram em regras e codificações, mas sim que responderam às necessidades que iam surgindo no decurso da prática comunitária, dos erros e acertos dos praticantes e dos comentários e expectativas dos leigos.
Qual a situação das mulheres na Índia antiga? Não eram elas tratadas nos textos sagrados como impuras, tentadoras, sedutoras, ciumentas, sexualmente insaciáveis e incontroláveis? Não dependiam as mulheres de seus maridos, pais, filhos, consortes para ter qualquer qualificação social? Se a dignidade das mulheres dependia dos homens aos quais estavam ligadas, o que acontecia a elas quando seus maridos ou outros parentes homens as abandonavam para entrar na vida religiosa?
No período pré-budista há algumas referências históricas a mulheres sábias. São casos raros, como meteoros que surgissem do nada e desaparecessem sem deixar traço. Sem dúvida há uma tradição de mulheres mestras e professoras sábias, mas seus nomes e detalhes da tradição são obscuros ou se perderam.
As incursões arianas na Índia, por volta de 1.500 antes de Cristo, acabaram impondo uma ordem patriarcal e predominantemente masculina, que substituiu a sociedade matriarcal dos vales Hindus.
Anteriormente à dominação ariana as mulheres contribuíam economicamente, participavam do trabalho agrícola, faziam roupas, cestas, flechas.
As meninas, assim como os meninos, eram iniciados nos sagrados textos dos Vedas. As mulheres podiam participar com seus maridos dos rituais religiosos e, mesmo as que não tinham companheiros, podiam fazer ofertas nesses rituais. Entretanto, isso se aplicava apenas às mulheres das castas superiores.
Sudras (escravas ou servas) não tinham nenhum direito ou privilégio dentro da religião. Há contribuições importantes de mulheres poetas, estudiosas e professoras dentro das tradições védicas. Entretanto, entre os séculos X e V a.C., a expansão ariana foi completa, abrangendo a região do rio Ganges e os vales hindus. Grande parte da população se tornou sudra (escravos ou servos). O trabalho feminino perdeu seu valor. As mulheres deixaram de participar na agricultura - a principal fonte de economia nacional - e se limitaram a trabalhar em suas casas ou pequenas manufaturas locais. O casamento com arianos rebaixava a pessoa no sistema de castas. Os textos sagrados se tornaram esotéricos, aumentaram os rituais de sacrifício e a complexidade dos ensinamentos não permitiu mais a participação feminina nem a iniciação das meninas.
Nesse burburinho surge o Budismo. Reaparecem mulheres mestras e sábias. Embora a transmissão dos ensinamentos estivesse nas mãos dos monges, a regra permitia que as monjas instruíssem outras pessoas.
Era uma sociedade patriarcal, onde as mulheres passavam das mãos de um homem a outro, do pai ao marido. Acredita-se que maioria não tivesse acesso aos estudos, não soubessem ler ou escrever, nem ter sua opinião ouvida nas decisões particulares ou coletivas, com raríssimas exceções.
Na verdade, pouco se sabe sobre a posição das mulheres em todo processo histórico. E, mesmo dentre os textos sagrados budistas, são necessárias muita paciência e persistência para pesquisar sobre as mulheres. Raras são as referências, as frases, os ensinamentos ligados a mulheres. Quantas teriam sido esquecidas nos textos escritos pelos homens?
"Como Judaísmo e Cristianismo, Budismo é uma instituição criada pelo masculino e dominada pela poderosa estrutura patriarcal. Como conseqüência dessa dominação masculina, o feminino é freqüentemente associado com o secular, sem poder, profano ou imperfeito. Os homens budistas, como outros líderes religiosos em outras culturas, estabelecem normas de comportamento para mulheres criando certos ideais de feminilidade. Ao mesmo tempo, as oportunidades para interação com mulheres eram minimizadas pelas restrições das práticas devotas. Nas comunidades monásticas do budismo primitivo, a interação entre os monásticos e as mulheres leigas era apenas para a manutenção econômica. Qualquer outro relacionamento devia ser evitado."[4]
Pela ótica dualista há o masculino e o feminino, categorias distintas. No plano do Absoluto, através da ótica integrativa, masculino e feminino são aspectos do Uno, se manifestando em forma de compaixão e sabedoria. Esses dois aspectos estão presentes, se alternando e se completando na visão do Budismo Mahayana, do qual o Zen é uma das vertentes.
O processo religioso é o de reverter o apego ao mundo dos desejos. A questão levantada em muitos textos sagrados se referia a questão da sexualidade: as mulheres teriam capacidade de reverter ou pelo menos controlar sua sexualidade e seus desejos mundanos? Os textos foram escritos por monges. Muitos deles dependiam das mulheres para sua sobrevivência, pois eram geralmente elas que davam esmolas, alimentos, roupas aos mendicantes andarilhos seguidores de Buda.
Diana Y. Paul escreve: "a interpretação da mulher como tentadora e sedutora representava um tendencioso ressentimento masculino entre os monges budistas. A projeção do ressentimento com as mulheres é evidenciada desde a primeira Sangha.
Enquanto o objetivo pragmático da ordem monástica era de manter a organização, o objetivo religioso era alcançar crescimento espiritual. Simbolicamente, a mulher representava o profano, sansara. As mulheres também eram obstáculos potenciais na procura atual do crescimento espiritual. O jovem noviço abandonara sua mulher e família pela ordem e certamente, de tempos em tempos, desejava retornar à companhia e à segurança de sua família. Na verdade, a mulher como esposa era uma ameaça à observância do celibato individual.
Do ponto de vista religioso, a esposa ou amante eram um competidor poderoso para a lealdade ao e suporte do grupo.
Enquanto a Sangha poderia oferecer abrigo espiritual e salvação através da disciplina pessoal, a mulher poderia oferecer conforto sensual e suporte emocional, aliviando a solidão e as austeridades.
Quando Buda está se aproximando da iluminação, Mara, soberano do reino dos desejos que amarram as pessoas à condição humana, tenta, desesperadamente, dissuadir Sidharta enviando suas três filhas: Luxúria (Raga), Aversão (Arati) e Apego (Trsna). A sedução (em forma de mulheres) é repelida pelo futuro Buda.
Os monges deveriam meditar sobre mulheres como velhas, corpos em decomposição, decadentes, morrendo, em putrefação. Essas visualizações eram feitas quando mulheres bonitas estavam presentes, para evitar que sucumbissem ao charme feminino.
As mulheres representavam uma ameaça à estabilidade da comunidade monástica. Regras disciplinadoras surgem enfatizando a necessidade de evitar todo e qualquer contato com mulheres; isso se torna a base da castidade.
Diálogo entre Buda e seu discípulo Ananda:
Ananda: "Como nos devemos conduzir, Senhor, em relação às mulheres?"
Buda: "Como se não as visse, Ananda."
Ananda: "Mas se as virmos, o que devemos fazer?"
Buda: "Não falar, Ananda."
Ananda: "Mas se elas falarem conosco, Senhor, o que devemos fazer?"
Buda: "Mantenha-se bem desperto, Ananda."
Outro fator que complicava o relacionamento com as mulheres era que os monges esmolavam de porta em porta como sua rotina diária. Geralmente a dona da casa, a mulher, era a principal doadora. Os monges dependiam delas e ao mesmo tempo tinham medo delas - receio de que com elas não se comportassem devidamente.
Essa identificação negativa do feminino nunca foi completamente removida dos textos sagrados. Foi ignorada, pois, a natureza espiritual da mulher.
As religiões patriarcais reconhecem a mulher como um ser religioso através da maternidade, que é sagrada. Idealmente a maternidade nutre, cria, está sempre conectada com o filho, a filha.
O Hinduismo santificava mulheres, pois poderiam procriar varões.
No Budismo, a mãe está fora da ordem e não é sagrada. Mães eram sofredoras e estavam sempre oferecendo em dor suas vidas, como se fosse natural para as mulheres o sofrer.
No Budismo Mahayana, as imagens vão além do maternal. Podem representar a perfeição da sabedoria, a benção, a compaixão, a instrutora e a amiga que revela o mundo da verdade.
O ideal feminino não é o da "sagrada mãe". A maternidade é um obstáculo para maior envolvimento religioso: as mães ficam muito ocupadas com os filhos e não podem renunciar à família em nome da religião.
Os caminhos que levam a salvação estavam abertos as mulheres que se tornassem monjas. Um ideal assexuado que significava, tanto para o homem quanto para a mulher, a conquista e o controle da sexualidade como caminho para a espiritualidade.
No entanto, o próprio Buda disse que sair de casa e viver sob as regras do Darma não era apropriado para mulheres, e que não deveria haver ordenação feminina e nem monjas. Por quê?
Se as mulheres saírem da vida familiar a regra do Darma não se manterá por muito tempo. Assim como, Ó Ananda, se houvesse uma família com muitas mulheres e poucos homens, estaria sujeita a ataques e exploração de ladrões e assaltantes; da mesma forma, se as mulheres entrarem sobre a regra do Darma, esta regra do Darma não durará muito.
Buda é quem desperta para a realidade da vida, para a teia de inter-relacionamentos transitórios e palpitantes, universo de causas, condições e efeitos simultâneos, que se intercruzam e tecem a tapeçaria da existência. Quando Xaquiamuni Buda é questionado por Ananda sobre se todos os seres são capazes de obter a mesma Iluminação, o mesmo Despertar, Buda responde que sim. Então Ananda pergunta por que não ordenar as mulheres, por que não ordenar Mahaprajapati e suas quinhentas seguidoras?
Ananda leva o Grande Ser Iluminado a uma reflexão e Buda acaba permitindo às mulheres a entrada na ordem monástica desde que obedecessem às Oito Regras Especiais, que as deixavam subalternas aos monges.
O Buda Histórico, Xaquiamuni (Shakyamuni), fez várias predições de futuros Budas tanto para monges como para monjas, homens e mulheres. Os tradicionais textos Mahayana, porém, não reconhecem ou mencionam nenhuma Buda Mulher.
A condição para que se tornem Budas é a de que ocorra uma transformação sexual. Deixando de ser mulher, se tornam Budas.
Poderíamos compreender esses textos no sentido de que abandonando todas as dualidades se atinge o Uno, a Sabedoria Suprema, sem diferenciação de masculino e feminino. No entanto, esse não parece ser o sentido dos textos antigos, visto que não há referências a homens deixando de ser homens para se tornarem Budas.
Há alguns sutras que mencionam mulheres de grande sabedoria, tanta quanto a de Buda, e mesmo meninas sábias, mas nenhuma delas é chamada diretamente Buda. Algumas, para provar sua compreensão superior, se transformam em homens e depois retornam à sua condição feminina. Em um dos textos a mulher sábia não se transforma em homem, e é capaz de conduzir seus ouvintes à Sabedoria Superior.
A tradição diz que todo ser que atinge a iluminação se torna o próprio Xaquiamuni Buda e que há tantos Budas quanto grãos de areia no rio Ganges. Se cada grão de areia do Ganges fosse um outro rio Ganges e se cada grão de areia desses outros Ganges fossem outros rios, a quantidade de grãos de areia de todos esses rios seria a quantidade de Budas no mundo.
Definitivamente, essa assertiva não se refere apenas a homens Budas.
Interessante, também, é notar que, ao tratar da Transmissão do Dharma, Mestre Eihei Dogen (1200-1254), fundador da tradição Soto Zen do Budismo Japonês, escreve que apenas um Buda transmite a outro Buda. Apenas quando a mente penetra no estado iluminado recebe a confirmação da iluminação que já atingiu.
No Budismo Chinês e Japonês há menções a monjas famosas por sua sabedoria e compreensão profunda do Dharma. Mas nenhuma delas faz parte da linhagem de sucessores da transmissão. Seus nomes são mencionados, bem como algumas de suas experiências ou ensinamentos específicos, mas pouco se sabe sobre suas vidas.
Da linhagem feminina iniciada por Mahaprajapati na Índia há grandes lacunas históricas. Os grupos dos mais antigos, tradicionalistas, não admitem mulheres monjas pois, segundo eles, a continuidade histórica uma vez interrompida só poderia ser restaurada pelo próprio Buda Xaquiamuni.
Já no Budismo Mahayana, do "Grande Veículo", homens e mulheres podem igualmente praticar e há grandes mosteiros femininos na Coréia, China e Japão.
Nos Estados Unidos da América do Norte há muitas monjas e mestras Zen liderando grandes comunidades, transmitindo ensinamentos e ordenando tanto homens como mulheres, sem distinção de gênero.
Outro fato curioso é que no Japão, as duas primeiras pessoas que entraram para a vida monástica, com a introdução do Budismo por volta do século VI, foram duas mulheres.[5]
Atualmente, o número de monges supera o de monjas. Na tradição Soto Shu, a que pertenço, há cerca de três mil monjas, para trinta mil monges.
No Japão, essa tradição ainda não tem mil anos. Foi iniciada no século XIII pelo Mestre Eihei Dogen. Ele ordenou também mulheres, e menciona em seus escritos a questão da igualdade de homens e mulheres para atingir a Iluminação.
As monjas da tradição Soto Shu (Zen Budista) até um século atrás não tinham local próprio de treinamento. Eram quase todas ordenadas por monges e praticavam em templos ou mosteiros masculinos, servindo como cozinheiras, lavadeiras, servindo chá, limpando, recebendo hóspedes. As tarefas de ensino e liturgia eram apenas masculinas. A maioria das monjas não tinha acesso à educação superior.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a monja Kojima deixou o seu calmo templo e passou a visitar os grandes líderes budistas à procura de apoio para a igualdade das monjas nas liturgias, nas transmissões, nos estudos. Foram anos de muito trabalho que resultaram nas seguintes mudanças:
Entretanto, a posição das mulheres na sociedade japonesa ainda era desigual. Como o casamento é permitido aos religiosos budistas, quando uma monja se casava - assim como qualquer mulher que seguiam carreira profissional - geralmente abandonava o hábito (ou a profissão) para se tornar mãe e dona-de-casa. Quem tinha uma monja como discípula temia enviá-la às universidades, pois poderia se casar e abandonar o hábito monástico. Assim, o estudo superior ficou limitado a poucas mulheres.
Dentro da hierarquia nunca se cogitou na possibilidade de uma monja ser líder de um mosteiro masculino ou da parte administrativa. Na verdade, poucas monjas participam da administração. Existe uma Associação de Monjas fundada para proteger os interesses das mulheres ordenadas. Na última reunião de que pude participar no Mosteiro de Aichi, na cidade de Nagóia, Japão, durante a celebração de cem anos de sua fundação, fiquei surpresa ao notar que o questionamento principal era o de como cobrar as taxas associativas de monjas que moram em locais isolados e que, estando adoentadas e idosas, não podiam chegar até os postos de correio para enviar suas contribuições.
Os assuntos relacionados às discriminações, às limitações que ainda sofrem as monjas, não foram tocados nessa reunião.
Se hoje há grandes mestras, como Shundo Aoyama Roshi, abadessa do Mosteiro de Treinamento para Monjas Especiais em Nagoya, no Japão, isso só foi possível graças às monjas que conseguiram atravessar as grandes discriminações e se mantiveram firmes no propósito de seguir a vida religiosa, exigindo a igualdade de direitos.
Shundo Aoyama Roshi é a primeira monja a assumir historicamente a função de Conselheira no Mosteiro Sede de Sojiji.[6] É um cargo que corresponderia, na hierarquia católica, ao de cardeal, pois é uma instância superior que, quando necessário, escolhe o novo Abade Superior (em casos de morte, impedimento ou renúncia).
Shundo Aoyama Roshi foi uma das poucas monjas que fizeram mestrado e doutorado em Estudos Budistas na Universidade de Komazawa,[7] optando pela vocação e não pelo casamento (como expliquei anteriormente, para as mulheres é exclusivo e, para os homens, inclusivo). Foi uma das Abadessas mais jovens a assumir esse cargo, é uma escritora budista reconhecida no Japão e no mundo, sendo constantemente convidada a dar palestras por todo Japão e algumas partes dos Estados Unidos e Europa. Mas é a única, no momento, a desfrutar de uma posição de tão alto destaque dentro da hierarquia monástica Soto Shu.[8] Apesar disso, nas grandes cerimônias, muitas vezes, os monges esperavam que ela tomasse o último lugar na fila de entrada da sala de Buda. Apesar do respeito que lhe devotam todos os monges e monjas, nunca a ouvi falar ou discutir sobre igualdade de gêneros. Aceitando as posições nas liturgias de seguir atrás dos monges, mesmo os mais novos, hoje é convidada a ser Mestra dos Preceitos em cerimônias oficiais, em que até recentemente apenas monges eram convidados.
Ainda há muito a ser conquistado em termos de igualdade entre monges e monjas na tradição Soto Shu do Zen Budismo japonês.
Quando estive há poucos anos no Japão, conversando com nosso Abade Superior do Mosteiro de Eiheiji[9] (hoje com mais de cem anos de idade), ele fez questão de se sentar numa almofada ao meu lado (e não na cadeira que haviam colocado na sala para ele) e me confidenciou: "Cabe agora às monjas continuar e transmitir os ensinamentos de Mestre Eihei Dogen[10], de Xaquiamuni Buda".
Women in Buddhism -Images of the Feminine in the Mahayana Tradition by Diana Y. Paul with contributions by Frances Wilson, Asian Humanities Press, Berkeley, California, 1979
Buda - autora Karen Armstrong, Editora Objetiva Ltda, 2001
Denkoroku - Anais da Transmissão da Luz de Mestre Keizan Jokin (século XIV)
Shobogenzo - Olho Tesouro do Verdadeiro Darma de Mestre Eihei Dogen (século XIII)
The First Buddhist Women - Translations and Commentary on the Therigatha (poemas das Antigas) por Susan MurcottParallax Press, Berkeley, California, 1991
[*] Monja Coen é missionária oficial para o Brasil da religião Soto Zen Budista, que tem sede principal no Japão. Iniciou seus estudos budistas em Los Angeles, praticou no Mosteiro Feminino de Nagóia por oito anos e fez outros cursos especiais para formação de professores da Ordem Soto Shu. Participa de encontros inter religiosos desde seu retorno ao Brasil, em 1995.
[1] Denkoroku "Anais da Transmissão da Luz", de Mestre Keizan Jokin, século XIV, Japão.
[2] Coloco em parênteses, para comparação, uma segunda tradução do Bhiksunikarmavacana, do Livro de Disciplina (Vinaya Pitaka) texto original em sânscrito, esta tradução ao Inglês de Frances Wilson - do folio 4b, linha 2).
[3] Uposadha - arrependimento.
[4] Women in Buddhism, Dianna Y. Paul.
[5] Paula Araia, trabalho de pós-graduação sobre Monjas Zen Budistas.
[6] Mosteiro de Sojiji, na província de Yokohama, Japão, é um dos mosteiros sede da tradição Soto Shu e foi fundado no século XIV pelo Mestre Zen Keizan Jokin.
[7] Universidade de Komazawa, em Tóquio, é um dos grandes centros atuais de estudos e pesquisas budistas. É a universidade da tradição Soto Shu..
[8] Soto Shu é a tradição Zen Budista fundada no Japão por Mestre Eihei Dogen, no século XIII, caracterizada pela ênfase na meditação sentada - Zazen.
[9] Mosteiro de Eiheiji - na província de Fukui, no Japão, mosteiro sede da tradição Soto Shu fundada por Mestre Eiehei Dogen no século XIII. Eiheiji significa Templo da Paz Eterna.
[10] Eihei Dogen - 1200-1254, fundador da tradição Soto Shu no Japão, autor do Shobogenzo (Olho Tesouro do Verdadeiro Darma).