Neste estudo pretende-se olhar as reflexões de dois autores especificamente: Hans Küng,[2]e Andrés Torres Queiruga.[3] Devido às limitações deste espaço, o que se encontrará destes autores a seguir são algumas pontuações de textos específicos,[4] a partir das quais este articulista percebe com clareza[5] um paralelo aproximativo com a Pós-Modernidade.
Na obra ora analisada,[7] Küng menciona explicitamente a Pós-Modernidade.[8] Este estudo quer, a partir do âmago destas suas reflexões, perceber seus pontos de proximidade com as possibilidades pós-modernas. Para isso, faz-se necessária a explicitação dos fundamentos de sua reflexão na obra em pauta.
O autor clareia logo de início o tema central dessas suas reflexões (2001, p. 7, ênfase do autor): “não haverá sobrevivência sem uma ética mundial. Não haverá paz no mundo sem paz entre as religiões. E sem paz entre as religiões não haverá diálogo entre as religiões”.[9] Como justificativa, ele diz tratar-se “de uma tentativa provisória de uma análise do tempo das transformações atuais, da nova constelação geral que está se esboçando e vai marcar época, do novo macroparadigma - para mim um termo chave de envergadura histórico-universal”.
Esse mundo, na visão de Küng (2000, p. 8), não necessita de uma “religião unitária” nem de uma “ideologia única”, mas sim de uma “ética básica para toda a humanidade”. Afinal, pergunta Küng (2000, p. 9), “a questão das religiões não foi sempre a de motivar pessoas em todo o globo para normas, valores, ideais e objetivos?”[10] A credibilidade futura de “todas as religiões”, grandes e pequenas, acredita o autor, “vai depender em que medida acentuam mais aquilo que as une e menos aquilo que as divide”.
Küng (2001, p. 15) é claro ao afirmar os tempos atuais como os da “Pós-Modernidade”,[11] “uma nova época mundial após a Modernidade”.[12] Várias são as coordenadas e características desse novo mundo que se esboça - denominado por Küng (2001, p. 7, minha ênfase) de “novo macroparadigma”[13] e que se caracteriza por uma “nova constelação geral”[14] - que está a exigir novas condutas das religiões.
No que tange à cultura de uma maneira geral, incluída aí a religião, Küng (2001, p. 53, ênfase do autor) lança a questão, para ele fundamental: “que princípios fundamentais as forças dirigentes da política, da economia, da ciência e das religiões devem seguir? E sob que pressupostos também a pessoa individual pode chegar a ter uma existência feliz e realizada?” O autor responde, não deixando margem à dúvida: “a pessoa humana deve vir a ser mais do que é, ou seja, a pessoa humana deve ser mais humana”.
Para que isso possa ocorrer, na visão de Küng (2001, p. 58), “a humanidade pós-moderna necessita de valores, objetivos, ideais e visões comuns”. Daí será possível uma ética geral que garanta a sobrevivência da humanidade.[15] Inevitável, nesse processo, será a participação da(s) religião(ões). Os parênteses se justificam, uma vez que o autor (2001, p. 58) se questiona acerca de um assunto bastante discutido: “tudo isso [a necessidade de uma ética geral] não pressupõe uma única fé religiosa?”
Nos milênios anteriores, “não se pode negar” (KÜNG, 2001, p. 59), as religiões constituíram sistemas orientadores que engendraram o fundamento para uma determinada moral, sendo que estes podiam ser legitimados, motivados e sancionados, não poucas vezes mediante castigos. Os tempos, no entanto, mudaram; a secularização da sociedade, processo engendrado na Modernidade, colocou em questão aquela ampla plausibilidade institucional religiosa e da própria religião.[16]
Nesses novos tempos, antes, então, da pergunta acerca da (im)possibilidade de uma única fé religiosa, há que se perguntar sobre a própria necessidade de uma religião (KÜNG, 2001, p. 61). Não faltam justificativas a tal questionamento: biográfico-psicológicas (a religião foi reduzida ao obscurantismo, à superstição, à ilusão e ao ópio), empíricas (pessoas não-religiosas e pessoas não-crentes, porém religiosas, imbuíram-se de valores éticos e morais fundamentais no sentido da dignidade humana), antropológicas (pessoas não-religiosas desenvolveram e possuem objetivos e prioridades, valores e normas, ideais e modelos, além de critérios fundamentais para aquilo que é certo e errado) e filosóficas (mesmo sem ter uma fé em Deus, a autonomia racional humana permite uma fé fundamental na realidade no sentido de uma responsabilidade no mundo).
Se existe a liberdade religiosa, ou seja, se cada indivíduo pode praticar a religião que lhe aprouver, isso significa também que se pode escolher não ter religião, algo que “muitos crentes fanáticos muitas vezes gostam de suprimir” (KÜNG, 2001, p. 61-62). As questões mundiais, então, referem-se a crentes e não-crentes (teístas, ateístas e agnósticos), urgindo uma necessária coalizão[17] em prol de uma ética mundial.
Essa necessidade de união traz, por outro lado, problemas imanentes, dentre eles, “donde tomaremos [...] padrões[18] que nos orient[...][e]m e, se necessário, nos apont[...][e]m os nossos limites?” As diferentes áreas do conhecimento e da cultura podem fazer-se essa pergunta.[19] No que toca ao aspecto religioso, afirma Küng (2001, p. 69), o questionamento se desdobra: junto com “qual a possível contribuição da religião?”, apresenta-se de outra forma o questionamento: “na época pós-moderna [...] qual é o futuro da religião?”
Sem titubear, Küng (2001, p. 69) responde afirmando que “uma análise de conjuntura que exclui a dimensão religiosa é deficiente”. Assim como a arte e o direito, ela é um “fenômeno universal”, a “realização dos desejos mais antigos, mais fortes e mais necessários da humanidade”.[20] Longe de se ter demonstrado seu possível caráter ilusório, o conteúdo central da religião é “coisa de uma confiança racional”. No entender de Küng (2001, p. 70-71), qualquer análise que exclua, por negligência, ignorância ou ressentimento, esse fenômeno geral da humanidade, é apressada.[21] O niilismo profetizado por Nietzsche, seja do tipo “fundamental ou prático-vulgar”, não se observa de forma generalizada, manifestando-se somente ali onde a fé em Deus desapareceu, algo que também não se generalizou, na “medida[22] em que para muitas pessoas a fé em Deus não está morta”.[23]
O que ocorre, na verdade, e que muitos estudiosos não se deram conta ainda,[24] na visão de Küng (2001, p. 73), é que a religião se transforma paulatinamente na medida em que adentra nos novos tempos pós-modernos. Nesse contexto, “de uma forma libertadora, a religião está psíquica e socialmente viva [...] [, algo que se constitui como] uma característica fundamental da Pós-Modernidade [...]”.[25] “Toda a sua [da religião] riqueza metafórica”[26] (Küng, 2001, p. 73) pode servir como “expressão da superação de limites ou como esperança de redenção”.[27]
Ao final do século XX,[28] as pessoas religiosas não podem deixar de olhar para algumas dificuldades (KÜNG, 2001, p. 74-75) típicas dos novos ventos que sopram. Uma primeira diz respeito ao fato de que as pessoas acreditam cada vez menos em soluções morais e/ou religiosas derivadas de forma fixa “do céu, do taoísmo [...][,] da Bíblia ou de algum livro sagrado”.[29] Historicamente, “as normas, os valores, as observações e termos-chave eticamente concretos das grandes religiões tiveram origem num processo sócio-dinâmico muito complexo”. Experimentados, preservados e acolhidos durante gerações, tais elementos eram finalmente reconhecidos, na forma de prioridades, convenções, leis, mandamentos, indicações e costumes, determinadas normas éticas, em resumo. É por isso que muito daquilo que na Bíblia, por exemplo, é proclamado como mandamento de Deus, “já consta no Código de Hamurabi, da Babilônia do século 17/18 antes de Cristo”. No entanto, afirma Küng (2001, p. 74), “às vezes, devido a mudanças históricas muito rápidas, tais normas podem também ser esvaziadas ou extintas”. “Será”, questiona-se o autor, “que nós vivemos num tempo assim?”
Uma segunda dificuldade (KÜNG, 2001, p. 75) que deve hoje ser olhada de perto pelas pessoas religiosas refere-se ao fato de que se deve “procurar e forjar soluções diferenciadas, 'na terra'” para todos os problemas e conflitos. Não importa de onde elas venham, se dos judeus, cristãos, muçulmanos, adeptos de uma religião índica, chinesa ou japonesa, mas sim que as pessoas são responsáveis pela organização concreta de sua moral, partindo de suas experiências, da diversidade de sua vida para se orientar acerca de determinados fatos. Muitas dessas pessoas religiosas que, de fato, “muitas vezes andam com a cabeça nas nuvens, precisam reconhecer hoje que não podem apelar a uma autoridade, por mais alta que esta seja, para tirar das pessoas a sua autonomia no mundo”.[30]
A terceira dificuldade está ligada ao fato de que numa sociedade altamente tecnologizada, com uma realidade diversificada, mutável, complexa e, por vezes, pouco transparente, “as religiões não podem deixar de empregar métodos científicos para o mais objetivamente possível analisar a realidade quanto às suas leis internas e quanto às suas possibilidades de futuro” (KÜNG, 2001, p. 75).
Uma última dificuldade estaria relacionada à forma de convivência das religiões entre elas mesmas no sentido de uma ética comum[31] ao bem-estar da humanidade. Küng (2001, p. 80) parte do pressuposto de que não se pode contar mais, “principalmente após a exaltação que Nietzsche fez da época 'além do bem e do mal'”, com um “'imperativo categórico', congênito a todas as pessoas, de tomar o bem de todas as pessoas como critério do próprio agir”. Esse categórico, acredita Küng, somente pode ser fundamentado a partir de um incondicional, a partir de um absoluto que abarque e permeie tanto a pessoa humana individual quanto toda a sociedade humana.[32] Seria a realidade última[33] e mais elevada, impossível de ser demonstrada racionalmente, mas possível de se aceitar numa fé sensata.[34] Isso independentemente de como seja denominada, entendida e interpretada nas diferentes religiões.
Uma religião assim concebida e vivenciada tem, na Pós-Modernidade, “uma nova chance - nem mais nem menos” (KÜNG, 2001, p. 82). O grande feito da Pós-Modernidade, qual seja, a desmitologização, desendeusamento e relativização do panteão da Modernidade (“deusa razão”, “deus progresso”, além de todos os seus “sub-deuses”, ciência, tecnologia, indústria etc.), não pode ser perdido com a substituição por um novo ídolo, o “mercado mundial”, por exemplo, ao qual todos os valores estariam subordinados. Uma ética mundial, com valores diferentes e que promova fundamentalmente a vida humana, somente será possível com uma “grande coalizão entre crentes e não crentes” e com o “engajamento especial das diferentes religiões” (KÜNG, 2001, p. 91).
No caso cristão, essa “nova chance” passa por uma auto-avaliação - de maneira diferente, objetivando não simplesmente uma auto-justificação,[35] mas, primeiramente, uma autocrítica - e por um sincero olhar às atuais exigências pós-modernas.
Um verdadeiro Cristianismo (e outras religiões também) que queira estar em linha com os novos tempos, no sentido de se fazer compreensível aos seus ouvintes, não se pode contentar com uma auto-justificação, que até pode passar por uma confissão de culpa, porém não leva, necessariamente, à conseqüência mais exigente, qual seja, “uma transformação radical” (KÜNG, 2001, p. 97).[36] Uma transformação que chegue às raízes (ou seja, radical) exige um passo a mais, a autocrítica sincera. Assim, sendo exemplo, o Cristianismo pode propiciar aos seus seguidores uma transformação “a partir de seu centro”, uma “'meta-noia'” (profunda mudança no jeito de pensar), uma “conversão [...] da pessoa, da humanidade para o absoluto, para Deus”.
Além de uma autocrítica sincera, a “nova chance” passa também por um abrir-se às novas exigências pós-modernas (KÜNG, 2001, p. 99-102):[37] a), não somente liberdade, mas, ao mesmo tempo, justiça, objetivando uma nova ordem social no mundo (uma sociedade na qual as pessoas têm os mesmos direitos e convivem em solidariedade); b) não somente igualdade mas, ao mesmo tempo, pluralidade, objetivando uma ordem mundial pluralista (um caminho para a diversidade de culturas); c) não somente fraternidade mas também irmandade, objetivando uma ordem mundial companheira (um caminho para uma sociedade renovada de homens e mulheres, na igreja e na sociedade); d) não somente coexistência mas paz, objetivando uma ordem mundial promotora da paz (um caminho para uma sociedade apoiada incondicionalmente no estabelecimento da paz e na solução pacífica dos conflitos); e) não somente produtividade mas também solidariedade com o meio ambiente, objetivando uma ordem mundial amiga da natureza (um caminho para uma comunhão das pessoas humanas com todas as criaturas); f) não somente tolerância[38] mas ecumenismo, objetivando uma ordem mundial ecumênica (um caminho para uma comunhão que está consciente de que necessita do constante perdão e da constante renovação).
A “nova chance - nem mais nem menos” (KÜNG, 2001, p. 82), da qual as religiões dispõem, tendo em vista aquela necessidade de autocrítica e essas exigências pós-modernas, leva à tese fundamental de Küng (2001, p. 108-109), para a qual ele tem “encontrado em todo o mundo cada vez maior apoio: Não haverá paz entre as nações sem uma paz entre as religiões. Em resumo: sem paz entre as religiões não haverá paz no mundo”.
Küng (2001, p. 110) não desconhece as dificuldades que têm impedido uma maior proximidade entre as religiões mundiais, sendo a maior delas “a pergunta pela verdade”.[39] Ele está consciente de que “não poderá haver paz entre as religiões sem esclarecer a pergunta pela verdade”. As estratégias utilizadas até então em nada contribuíram, segundo Küng (2001, p. 111-115), “para solução politicamente relevante da questão da paz”:
Se essas três estratégias, na visão de Küng (2001, p. 111), levam a “nenhuma solução”, haveria “um caminho teologicamente lícito que permit[...][iria] a cristãos como adeptos de outros credos aceitar a verdade das respectivas outras religiões sem renunciar à verdade da própria religião e com isso à própria identidade?”
Küng (2001, p. 121) considera a possibilidade de uma “quarta estratégia” religiosa no sentido de se chegar a critérios éticos comuns para o bem-estar da humanidade sem esbarrar nas, ou melhor, ultrapassando as, ou melhor ainda, discernindo[40] as diferenças relacionadas à pergunta pela verdade: “o humano como critério ecumênico fundamental”, “o verdadeiramente humano como critério universal” (KÜNG, 2001, p. 126-127). Enunciando esse critério, Küng (2001, p. 127) expressa: “a pessoa humana não deve ser desumana, não somente instintiva, 'bestial', mas humanamente sensata, verdadeiramente humana, enfim, viver humanamente”.
No que toca às religiões, se estariam sendo contextos de bondade ou de maldade, de verdade ou de falsidade, o critério poderia ser expresso na “forma positiva, ou talvez de uma forma mais incisiva, negativamente” (KÜNG, 2001, p. 128):
Alguns problemas se apresentam frente “[a]o humano como critério ecumênico fundamental” (KÜNG, 2001, p. 126) e Küng não se escusa em lhes dar respostas:
1º) O humano, constituído dessa forma, não seria uma espécie de “superestrutura”, acima das religiões, mas que poderia avaliá-las e até condená-las? Não seria esse um critério tipicamente ocidental - resultado do humanismo europeu influenciado pelo Cristianismo - que não se aplicaria às religiões orientais? Não seria esse um critério vago demais para poder interligar todas as religiões?
Resposta: “De modo algum! Há, isso sim, um relacionamento dialético” (KÜNG, 2001, p. 129) que pode ser descrito da seguinte maneira: verdadeira humanidade é o pressuposto para a verdadeira religião (esse é o critério mínimo a cada religião, ou seja, se não houver pelo menos humanidade não se realiza uma verdadeira religiosidade) e verdadeira religião é a realização da verdadeira humanidade (esse é o critério máximo; onde se busca realizar a humanidade, deve haver religião).
2º) Será que na disposição ao diálogo com as demais religiões, numa tal busca e formação de consenso, não se perde a identidade das religiões individuais? Disposição ao diálogo estaria substituindo falta de posição própria? Em outros termos, de tanta pluralidade, a verdade não é relativizada?
Resposta: Não existe contradição entre disposição ao diálogo e firmeza de posição (KÜNG, 2001, p. 132). Semanticamente, “firmeza de posição” (Standfestigkeit) pode ser reconhecida como uma antiga e clássica virtude - comparável à disposição ao diálogo -, fazendo parte primeiramente da virtude cardinal da valentia.[41] Mais próxima de uma concepção moderna de “firmeza de posição” estaria a constância (constantia), a virtude clássica dos antigos romanos. No Segundo Testamento, ela aparece somente uma vez, nos Atos dos Apóstolos 4, 13 como parresia, a coragem de Pedro e João. “Consta-re” significa manter-se firme, preservar uma postura firme, manter-se firme, fiel e conseqüente. “Constantia” significa uma posição e uma direção firmes, firmeza de posição, e também perseverança, conseqüência, resistência, intrepidez, coragem. Não há, então, que se abrir mão dos pontos cruciais a cada realidade religiosa.
3º) A questão anterior permanece sem uma consideração completa. Mantendo-se os pontos cruciais de cada tradição religiosa, não se está, justamente por isso, impossibilitando o diálogo com as demais convicções de fé? Em outros termos, pode uma posição de fé bloquear o diálogo?
Resposta: Contra a disposição ao diálogo inter-religioso as palavras de ordem que aparecem são “indiferentismo”, “relativismo” e “sincretismo”. “Também eu rejeito quaisquer [dessas] formas [...] que obscurecem qualquer posição mais transparente. Porém, pura negação ainda não é uma posição crítica. Nesse ponto há que diferenciar melhor” (KÜNG, 2001, p. 134). Uma posição ecumênica que interligue firmeza de posição com disposição ao diálogo pode ser descrita da seguinte forma: “há que se buscar” (KÜNG, 2001, p. 135),
Em vista disso, Küng (2001, p. 136-137) arrisca a proposição de uma criteriologia inter-religiosa que seria “válida para todas as religiões”, no sentido de “uma distinção entre a verdadeira (boa) e a falsa (ruim) religião”:
Em vista deste critério específico, há que se olhar para a situação das “grandes religiões [...] no terceiro milênio. O que deve ser preservado? O que deve ser jogado fora? O que é substância de fé duradoura? E o que é que faz parte de um paradigma em mudança?” (KÜNG, 2001, p. 148).
Interligando, no caso do Cristianismo, “a perspectiva da narrativa da história do desenvolvimento e a perspectiva tópico-temática”, Küng (2001, p. 166-167) propõe, com base na teoria dos paradigmas de Thomas S. Kuhn (1976), “um esquema fortemente simplificado da mudança de paradigma no Cristianismo”.
É bastante perceptível, segundo Küng (2001, p. 171), no caso religioso, a “concorrência de paradigmas religiosos antigos nos dias de hoje”, que se constitui, em grande parte, “uma das principais causas dos conflitos dentro das religiões e entre as religiões”. Servir à paz, então, requer uma atenção especial à análise de paradigma.[42]
Torres Queiruga menciona explicitamente, na obra ora analisada,[44] a Pós-Modernidade. Este estudo quer, a partir do âmago dessas suas reflexões, perceber seus pontos de proximidade com as possibilidades pós-modernas. Para isso, faz-se necessária a explicitação dos fundamentos de sua reflexão na obra em pauta.
Apesar de não pretender tanto para este seu livro, Torres Queiruga (2003) afirma que seu título bem poderia ser “A religião perante o terceiro milênio”, “Desafios para a teologia no século XXI” ou “A mudança rumo a um novo paradigma”. De maneira geral, suas reflexões se constituem em uma proposta de aproximar o atual labor teológico cristão aos desafios representados, já há bastante tempo, pela Modernidade e, nos dias de hoje, pela Pós-Modernidade.[45] Em vista dos objetivos deste estudo, e desta parte mais especificamente, os esforços de compreensão serão concentrados nas reflexões do autor acerca do que ele denomina de “marco geral”, “a mudança radical que determina a situação do nosso momento” e que se configura “na dialética entre Modernidade e Pós-Modernidade” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 109).
Torres Queiruga (2003, p. 9-10) inicia suas reflexões lançando um olhar ao atual “labor teológico”: “um dos eixos decisivos sobre os quais se deve articular a atual preocupação teológica” é a tentativa de que “a fé se torne intelectualmente significativa e possa ser vivida e praticada culturalmente”.[46]
Uma olhadela no mundo religioso real basta para mostrar que, tanto na vivência comum e concreta quanto no modo de fazer teologia, “tudo procede como se nós, os humanos, fôssemos os ativos e os preocupados, os que têm de conquistar a salvação” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 17). Percebe-se “um desajuste profundo entre a intenção e a realização, entre o sentido genuíno da experiência fundante e os modos vivenciais, práxicos e conceituais em que a expressamos”.[47]
Era tolerável esse desajuste há alguns séculos, pois não se verificava um destoar dessas formas na cultura ambiental. No entanto, com o início da Modernidade, a tensão foi-se tornando insuportável, até que, “às portas do século XXI,[48] compreendemos que o desajuste pode ser mortal” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 18). A crise que originou a Modernidade consistiu “em pôr em questão, desde seus mais profundos alicerces, todo o marco em que a experiência cristã tinha sido modelada e configurada”. Um mundo cultural tinha vindo abaixo e havia a necessidade de reconstruí-lo a partir de novas coordenadas. Torres Queiruga acredita que “a teologia necessita pensar muito a sério [...] [esse] fato”. Afinal, o Cristianismo entrou em crise no mundo moderno “precisamente por não se ter adequado a forma da fé à nova situação”.[49] Ele insiste na necessidade “deveras premente de que a teologia enfrente com decisão a necessária mudança de paradigma[50], empreendendo a reconstituição de suas coordenadas gerais e repensando todos e cada um de seus grandes problemas à luz da nova situação”.[51]
Consciente de “quão ousada e parcial é sua tentativa”, Torres Queiruga (2003, p. 15) não ignora que suas reflexões oferecem tão-somente “uma perspectiva” entre outras, “lícita unicamente à medida que permanece aberta a integrar-se no diálogo e na colaboração com as demais”.
Torres Queiruga (2003, p. 16, minha ênfase) percebe que a teologia cristã atual necessita dar uma “guinada completa”[52], colocar de “ponta-cabeça o sentido de muitos e decisivos [de seus] conceitos teológicos”.[53] Faz-se necessária uma inversão no modo de conceber e vivenciar a relação de Deus com o homem: “levar a sério a absoluta primazia de Deus que nos criou e continua nos criando por amor; única e exclusivamente por amor”.[54] Não é verdade, afirma Torres Queiruga, que “'Deus esteja no céu e tu na terra'”.[55] Deus está sempre aqui “entre nós: no homem e na mulher, na terra e na história”.
O movimento fundamental e infalível é o que vai de Deus ao ser humano, enquanto que o outro, que vai do ser humano a Deus, falha, e, por isso mesmo, Deus está sempre a “suscitá-lo, solicitá-lo e sustentá-lo”.
Esta é a proposição de Torres Queiruga (2003): um novo paradigma na teologia cristã, para que se tornem possíveis as respostas aos desafios dos novos tempos modernos e pós-modernos.
Nesse novo paradigma, no que toca à revelação de Deus, aparece uma “nova compreensão da relação imanência-transcendência” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 48). Como “já está sempre dentro,[56] sustentando, promovendo e iluminando a própria subjetividade”, Deus “não necessita romper, de forma milagrosa ou intervencionista,[57] a justa autonomia do sujeito, para poder se anunciar em sua imanência”.[58]
A correta compreensão desse novo paradigma conta também com um segundo dado: “o de uma razão ampliada”, que seria capaz de superar toda estreiteza iluminista, racionalista e instrumental, “remetendo-a ao processo mais profundo da razão na Modernidade” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 49).[59]
Num tempo em que não é mais possível falar em uma fuga culturae,[60] “a verdadeira tarefa da teologia é manter viva e atuante a experiência da revelação” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 62). Sem dúvida, uma tarefa por demais difícil, dada a enorme e revolucionária mudança produzida na cultura; no entanto, é o radicalismo da mudança que abre a autêntica possibilidade da solução. A crise não nasce justamente porque os moldes culturais se romperam, tornando-se opacos à experiência originária? Nesse momento, ou se repensa a experiência originária, ou se continua sem perceber seus reflexos naquela cultura determinada. Já não basta o “prolongamento horizontal” da tradição,[61] sendo necessária uma “verificação vertical”, ou seja, “buscar o contato com a experiência fundante, para configurá-la nos moldes culturais de nosso tempo,[62] da mesma forma que nossos antepassados fizeram no seu”.[63]
Essas reflexões de Torres Queiruga, culminando na proposição de um novo paradigma para a teologia cristã, fundamentam-se na atual realidade cultural-religiosa do mundo. A vertente religiosa dessa nova realidade cultural, à primeira vista, “oferece um espetáculo paradoxal” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 107): de um lado, crise da religião, desencantamento do mundo, secularismo generalizado, ateísmo rampante; de outro, New Age, mundo de novo povoado de deuses, religiosidade redescoberta, florescimento renovado da religiosidade popular etc.[64]
Frente a essa “proliferação de novas formas de religião, com suas correspondentes espiritualidades”[65] (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 108, ênfase do autor), há que se perguntar pela participação do Cristianismo nesse processo. Acredita-se, de forma “quase unânime”, que “o fenômeno responde a uma insatisfação generalizada, que procura preencher o vazio provocado pelo abandono da religião herdada, em alguns casos, ou pelo descontentamento com suas formas estabelecidas, em outros”. Aparece, com isso, na expressão de Torres Queiruga, o “terreno abandonado”, lugar onde o anseio de transcendência é sentido e não encontrou uma resposta satisfatória. Esse terreno poderá, então, ser ocupado[66] “por uma das múltiplas formas que hoje oferece o mercado religioso ou parareligioso”.
Torres Queiruga (2003, p. 108) quer, frente a essa nova situação religioso-cultural, não apenas constatá-la historicamente, tampouco assumir uma atitude beligerante com relação a ela, mas estudá-la atenta e de forma compreensiva, analisando as causas dessa insatisfação em sua referência específica ao Cristianismo. Tal atitude pode possibilitar a consecução de “dois objetivos fundamentais”, segundo o autor:
Para que se consiga isso, faz-se necessário, segundo Torres Queiruga (2003, p. 109), um enquadramento do fenômeno descrito: ele se encontra dentro do processo da cultura ocidental; é aí que ele se faz sentir com toda a sua força. De forma mais concreta ainda, “é preciso situá-lo no marco preciso da crise aberta pela entrada da Modernidade. Foi nela, com efeito, que teve origem a mudança radical que determina a situação de nosso momento”. Como o processo é por demais complexo, continua o autor, faz-se “indispensável esquematizar” ainda mais, ao máximo, para que se consigam “linhas de força fundamentais”. “E também aqui existe, de início, um consenso quase unânime: o marco geral se configura na dialética entre Modernidade e Pós-Modernidade”.[67]
O confronto entre a Modernidade e o Cristianismo pode ser explicado, segundo Torres Queiruga (2003), pela “estreiteza dogmática” que se apoderou de ambos. A realidade histórica presente oferece a oportunidade para uma visão de conjunto que propicie um diálogo realista, uma atitude mais compreensiva e dialogal. Afinal, um Cristianismo que pretenda ser crível não se pode encerrar em uma simples “reação apologética”.
Muito colaborou para essa nova atitude o próprio processo cultural, ao desmascarar os excessos, quebrar as ilusões absolutizantes, obrigar a um maior comedimento nas expectativas e a uma maior cautela nas críticas. Em meio à crise do Ocidente, floresce uma nova consciência, que segue os sinais emitidos por Adorno e Horkheimer[68] e “onde se enraíza o significado fundamental da Pós-Modernidade” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 111). Advêm daí suas duas “valências fundamentais”: a negativa, pois, como reação polar diante do otimismo anterior, assumiu uma postura de renúncia de toda utopia e de toda esperança de renovação do mundo e da sociedade; a positiva, que se constitui no seu núcleo “mais verdadeiro” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 112), pois propiciou a percepção de novos valores. Além disso, no âmbito do individual, “suscitou, ou ao menos avivou, a revalorização do pequeno, a tolerância para com o diferente, a desabsolutização do estabelecido, o novo apreço do corpo, a revitalização da experiência etc.”. Na expressão de Torres Queiruga, algo mais ainda, no plano coletivo, abrindo o sentido para a captação e vivência de uma nova universalidade, “que busca sua expressão através de uma espiritualidade centrada na harmonia com a natureza, em um 'nova aliança' com o cosmos e em uma fraternidade de escala humana, sem credos exclusivistas e sem imperialismos culturais”.[69]
Torres Queiruga (2003, p. 115-116) percebe que são dois os pólos que estruturam o campo de forças e organizam a “riquíssima polifonia” desse ainda por demais complexo e confuso, mas “autêntico universo religioso-cultural”: a) a busca da fraternidade, universal e concreta, num impulso “'holístico'” de abertura à totalidade; b) a busca intensa de experiência do Absoluto e de comunhão mística com ele (ou isso[70]), de sorte que todas essas relações se vivam como sua manifestação mais ou menos transparente.[71]
Uma síntese da síntese poderia ser arriscada, no dizer de Torres Queiruga (2003, p. 116), no sentido de se concretizar o que foi expresso:
Frente a essas possibilidades religioso-culturais, o Cristianismo, numa encruzilhada, pode escolher entre dois caminhos: o da reação apologética ou o da criatividade histórica. O primeiro, seja nas formas duras dos fundamentalismos, seja nas mais brandas do endurecimento institucional, buscando “cerrar fileiras” em torno do “pequeno rebanho”, seria, na opinião de Torres Queiruga (2003, p 117), um caminho por demais equivocado. Ele colocaria o Cristianismo a salvo dos desafios do mundo, no entanto, sob o preço de ocultar sob a mesa a luz que deveria brilhar para todos no cume da montanha da nova cultura.
Uma reação, para ser crível, necessariamente, terá que tomar o segundo caminho, o da criatividade histórica, deixando-se honestamente questionar, renovando o contato com suas raízes, mostrando-se disposto à mudança e à renovação: “à 'conversão'” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 117). Adentrando esse caminho, o Cristianismo precisará dar respostas diferenciadas às duas etapas do desafio global: a Modernidade e a Pós-Modernidade.
A primeira resposta, à Modernidade, pôde ser mais elaborada, dado que “um longo e duro caminho” foi trilhado, além do que essa oferece uma figura relativamente clara de sua configuração (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 18-19). Dessa maneira, uma nova situação foi criada. No plano teórico, mesmo sendo impossível a unanimidade, dado o enorme pluralismo que caracteriza a cultura atual, abandonou-se o terrível fechamento da fortaleza escolástica, o que propiciou a abertura à crítica histórica e o reconhecimento da legitimidade das novas filosofias - desde as transcendentais até as hermenêuticas. Com isso, foi possível abrir caminho rumo à Transcendência e para atualizar a inteligibilidade da fé.[72] No plano prático, chegou-se às visões integrais que oferecem as diversas teologias políticas e da libertação, aí incluída a feminista, não antes de passar por teologias parciais como a do trabalho ou das realidades terrestres, além de ter sofrido marcação cerrada da secularidade. Os dois planos, teórico e prático, foram acompanhados da gestação de uma nova espiritualidade,[73] inerente ao compromisso libertador da fé.
A segunda resposta (s), à Pós-Modernidade, uma situação ainda em “plena ebulição atual” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 119-120), não permite tanta nitidez quanto a anterior. No entanto, as respostas estão acontecendo, “de um modo mais intenso e plural do que é possível suspeitar, pois o próprio fato de o Cristianismo estar sendo vivido nesta situação significa que, de algum modo, estão sendo dadas respostas reais”. Torres Queiruga (2003, p. 120) acredita que “ter fé hoje é, no final das contas, ser, em alguma medida, 'cristão pós-moderno'”. Levam essa marca, “sem sombra de dúvida”, mesmo que não sejam reflexo imediato, os “movimentos carismáticos de diferentes matizes”, “certos aspectos das próprias comunidades de base” e a “acentuação do fenômeno dos 'cristãos sem Igreja'”.[74]
Mesmo recente, uma reflexão explícita foi surgindo nesse novo contexto, descobrindo profundas afinidades entre o Cristianismo e aspectos importantes do novo clima. De um lado, através do “enlace com a tradicional 'teologia negativa'”[75] e, de outro, detectando aqueles “pontos nos quais as novas inquietudes ressoam na consciência cristã”[76] (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 120).
Mardones[77] sintetiza bem a forma desse ressoar na consciência cristã:
Sede de experiência de Deus, necessidade de mistério, busca do contato com 'homens espirituais', de expressar de maneira nova a presença do Espírito, desejo de novos sinais e sacramentos, superação do moralismo tradicional e zelote, vivência comunitária, festa como comunhão, religião para o ser humano, valorização das demais religiões.
Segundo Torres Queiruga (2003, p. 121), a resposta da teologia à Modernidade, apesar de não ser pouco o que se conseguiu, faz-se insuficiente com relação à Pós-Modernidade. No primeiro caso, foram dadas respostas imediatas, mais na base de acomodações e acréscimos (remendo de pano novo sobre o pano velho), dado o tamanho do calibre dos desafios modernos. A Pós-Modernidade[78] “permite e exige um passo a mais” da consciência teológica, visto que já foram elaboradas respostas “no fio de desafio fático”. Há que “empreender um repensamento mais claramente de princípio”, “um repensar verdadeiramente sistemático”.
Torres Queiruga (2003, p. 121) afirma que “já passou o tempo da acomodação ou do simples ajuste” (remendo de pano novo sobre o pano velho), pois a nova etapa evidencia a “necessidade da mudança”, uma “resposta de conjunto” (odres novos para o vinho de um tempo novo), enfim, numa terminologia mais atual, 'se impõe uma mudança de paradigma”. O autor (2003, p. 122) a expressa como uma “hipótese de trabalho”: “a intuição básica capaz de contribuir hoje para a articulação de um novo paradigma da espiritualidade humana é a do Deus que cria por amor”.
Esse novo paradigma se desdobra em “três eixos” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 122-127):
a) O eixo da criação: esse eixo se “aviva”[79] diante do grande desafio da “primeira Modernidade”, ao insistir em que “a criação se realiza única e exclusivamente por amor às criaturas, permite ver a Deus como afirmação infinita do ser humano e de seu mundo”. Assim, junto com a Modernidade, cujas grandes inspirações são a realização humana e a transformação do mundo, o Deus Criador promove a criatura, alegra-se com cada avanço autêntico dela, longe de substituir sua ação, “cria criadores”;[80]
b) o eixo da salvação: nesse eixo, apresenta-se uma dupla resposta. De um lado, à primeira Modernidade, com sua afirmação positiva e otimista, e, de outro, à sua segunda etapa, a Pós-Modernidade, com sua crise provocada pelo duro choque com os limites e as contradições do progresso, que deixa um rastro terrível de “'vítimas'” que a história jamais poderá redimir. Para dar essas respostas, o Cristianismo se assumiria, de um lado, como a “religião da cruz” (a inevitabilidade humana do mal que, no entanto, não tem a última palavra) e, de outro, como a “religião da ressurreição” (Deus acolhendo a “finitude infinita” e transformando em “infinita”, resgatando todas as vítimas).[81] Há que se repensar, no entanto, a versão “vitimista” da cruz, que “empana a ressurreição e deforma a visão dos dois grandes mistérios que encontram sua luz definitiva no destino de Cristo: o mal da criatura e sua salvação por Deus”. Pela salvação, simbolizada na cruz e ressurreição,[82] o Cristianismo, de um lado, “pode recolher o mais autêntico da Modernidade, evitando as conseqüências terríveis que foram o preço de suas ilusões”, e, de outro, “imped[...][ir] que se caia na pura decepção de uma Pós-Modernidade desmobilizadora”;
c) O eixo da revelação: a continuidade entre criação (primeiro eixo) e a salvação (segundo eixo) prolonga-se na revelação (terceiro eixo). O criador não é um “'fazer'” que desprende de si o produto, mas sim uma “creatio continua”, que o suscita e apóia, sempre e em cada instante. Por isso, “Deus é presença sempre atual que sustenta, promove e habita a sua criatura”.[83]
Uma revelação assim repensada permite atualmente a assimilação de alguns dos valores fundamentais da sensibilidade pós-moderna, ora apoiando-a - naquilo que ela tem de mais positivo -, ora questionando-a - para não sucumbir aos demônios que ameaçam deitar fora suas conquistas. A situação poderia ser assim colocada:
a) Primeiro aspecto: o que tem sido caracterizado com o qualificativo débil.[84] É a renúncia das grandes idéias, das grandes narrativas e dos grandes sujeitos, com a correspondente valorização do humilde. Não há como negar, afirma Torres Queiruga (2003, p. 128), que está “irremediavelmente rompida a ilusão totalitária”. A consciência cristã, contudo, “nos diz que nem por isso temos de nos tornar prisioneiros da pura finitude”. Isso se torna possível, “uma vez que Deus habita tudo, que é 'o Todo no fragmento'”.[85]
b) Segundo aspecto: a revelação bíblica parece capaz de mostrar sua genuína entranha experiencial. Nesse aspecto, confluem os resultados da crítica ocidental da Bíblia com o apelo oriental à experiência do Absoluto. De um lado, ao romper com o “fundamentalismo da letra” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 129), a crítica ocidental da Bíblia faz perceber que a revelação não é um “'ditado literal'”, caído do céu como um aerólito já perfeitamente acabado, senão que se realiza em e através do lento, duro e sinuoso trabalho da subjetividade humana (maiêutica histórica). De outro, o apelo do Oriente ajuda a reconhecer que a vivência da revelação - apesar de difícil, profunda e nunca perfeitamente objetivável - é experiência real e verdadeira. Nesse sentido, o contato com a religiosidade oriental se faz “necessário”.[86]
c) Terceiro aspecto: a reação pós-moderna, em sua insatisfação com as respostas institucionalizadas, gerou essa espiritualidade que, ao menos, através do Oriente, explicita algum tipo de referência religiosa. Mas algo além disso. Uma outra Pós-Modernidade, mais difusa, “'fora das fronteiras'” de todo credo e de toda igreja, possibilita, também, uma vivência simplesmente não religiosa. Mesmo aí também não é difícil descobrir uma presença real do espírito, nesse caso, “acolhido sem nome nos lábios”, mas com eficácia na realização das obras. Pode-se encontrar aí uma busca de novos caminhos mais compreensíveis e, até mesmo, mais justos para com as aspirações íntimas de “um tempo tão duramente escarmentado de dogmatismos cerrados e exclusivismos intolerantes”[87] (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 134).
A situação descrita aparece em seu dinamismo fundamental, segundo expressão de Torres Queiruga (2003, p. 135), como um “processo de trânsito”,[88] momento em que o velho já não serve mais e o novo ainda carece de figura. As proposições, essas e outras, devem, então, ser recebidas como “buscas, às apalpadelas, de novos caminhos, uma vez enfraquecidas ou esgotadas a eficácia e a ilusão dos antigos”.
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[1] Professor das Faculdades Integradas Vianna Junior de Juiz de Fora. Coordenador do Grupo de Pesquisa O Mundo Religioso e a Pós-Modernidade da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR)
[2] Teólogo ecumênico suíço. Nasceu em 19 de março de 1928, em Surcee (proximidades de Lucerna). A retirada da "missio canonica" (perda da licença para ensinar como teólogo católico, ou seja, a perda da autorização eclesiástica de ensino) de Hans Küng ocorreu em dezembro de 1979, o que o impediu de lecionar em faculdades católicas. Com isso, ele foi obrigado a retirar-se do ensino na faculdade teológica católica de Tubingen em 1980.
[3] Doutor em Filosofia e Teologia, atualmente ensina Filosofia da Religião na Universidade de Santiago de Compostela (Espanha).
[4] KÜNG, Hans. Projeto de ética mundial: uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. 3ª ed. São Paulo: Paulinas, 2001 (original alemão de 1990). / TORRES QUEIRUGA, Andrés. Fim do Cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003 (original espanhol de 2000).
[5] Nos seus respectivos textos em pauta, Küng (2001) e Torres Queiruga (2003), como se verá a seguir no detalhamento de suas reflexões, mencionam explicitamente suas tentativas de diálogo com a Pós-Modernidade. Küng é mais explícito ainda, ao considerar a Pós-Modernidade como um novo paradigma cultural, asserção não corroborada por Torres Queiruga, que vê a Pós-Modernidade como uma segunda etapa da Modernidade.
[6] Este estudo, que traz à luz uma obra específica de Küng (2001), quer, sem fugir às regras metodológicas científicas, evitar repetições redundantes e desnecessárias. Logo, onde não houver menção expressa a um autor diferente ou não se configurar expressão pessoal do autor deste estudo, a autoria é de Küng.
[7] KÜNG, Hans. Projeto de ética mundial: uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. 3ª ed. São Paulo: Paulinas, 2001 (original de 1990). Possíveis referências e/ou citações de outras obras do autor estarão sempre em notas de rodapé.
[8] Küng (1989, p. 17, minha tradução) expressa que “pessoalmente gostaria de denominar esta época, na qual estamos adentrando, de 'ecumênica' (no sentido de um novo acordo global entre as diversas religiões, confissões e regiões), no entanto, este termo tem uma conotação religioso-teológica excessivamente clara e, por outro lado, esta Oikumene, esta 'terra habitada', chegou a um grau demasiadamente alto de inabitabilidade, possivelmente numa relação essencial com o desenvolvimento 'moderno'”.
[9] Küng (2001) não se refere somente às religiões mundiais. O propósito dessas suas reflexões (2001, p. 7) é “considerar a religião como tal, as discussões com a moderna crítica da religião, a ética secularizada, a situação política e sócio-cultural”.
[10] Küng (2000, p. 9) afirma que “isto é inegável, apesar de toda a duplicidade facial das religiões, das quais experimentei o suficiente”. Essa referência específica à sua pessoa se deve à retirada de sua "missio canonica" (perda da licença para ensinar como teólogo católico, ou seja, a perda da autorização eclesiástica de ensino), em dezembro de 1979, o que o impediu de lecionar em faculdades católicas. Com isso, ele foi obrigado a retirar-se do ensino na faculdade teológica católica de Tubingen em 1980.
[11] Küng (2001, p. 15) diz reconhecer que o termo envolve problemas, ainda não solucionados, devendo ser melhor determinado. Mesmo assim, apesar de expressar mais a indecisão que a determinação, essa nova época mundial, pós-moderna, à falta de um nome próprio, ao final do século XX, torna-se cada vez mais consciente. Em seu modo de ver, “Pós-Modernidade não é nem uma palavra mágica que tudo abarca nem um termo-chave polêmico que tudo expressa. Trata-se antes de um termo heurístico inevitável, mas que pode ser mal entendido”. Explicando a relação de pós-moderno com heurístico, Küng (1989, p. 16, minha tradução) afirma que é no sentido de “busca”, termo “característico de uma época que - apesar de todas as reações tanto das direitas quanto das esquerdas - está abrindo caminho há décadas, se bem que é agora que se manifesta na consciência geral das massas”.
[12] Küng (2001, p. 15-44) discorre acerca das origens e desenvolvimento da Pós-Modernidade e o faz, basicamente, a partir de elementos conceituais e históricos. Duas observações se fazem necessárias: 1) Küng (2001, p. 38-39) afirma que o “pós” do termo em questão se refere, além de outras realidades (“pós-eurocentrista”, “pós-colonialista e pós-imperialista”, “pós-capitalista e pós-socialista”, “pós-industrial”, “pós-patriarcal”, “pós-ideológica”), ao mundo religioso (“pós-confessional e inter-religioso”); 2) a Pós-Modernidade, no entender de Küng (2001, p. 30, ênfase do autor), está para além não somente do comunismo mas também do capitalismo: “os dois sistemas sociais antagônicos típicos, comunismo (socialismo) e capitalismo, devem ser entendidos como sistemas desesperançadamente comprometidos e superados”.
[13] Na visão de Küng (2001, p. 42-43), trata-se de novo paradigma, não de “antiModernidade” ou “ultraModernidade”.
[14] Nessa nova constelação, afirma Küng (2001, p. 39), observa-se, não necessariamente uma decadência de valores, mas uma “fundamental transformação de valores”. O autor se mostra bastante otimista nesse sentido, vislumbrando “a passagem de uma ciência sem ética para uma ciência eticamente responsável, a passagem de uma tecnocracia que domina as pessoas, para uma tecnologia que serve à humanidade das pessoas, a passagem de uma indústria, que destrói o meio ambiente para uma indústria, que promove os verdadeiros interesses e necessidades das pessoas em harmonia com a natureza, a passagem de uma democracia formalmente de direito para uma democracia vivida, na qual liberdade e justiça estão reconciliadas”.
[15] Küng tem uma visão otimista com relação ao desenvolvimento da história e seus protagonistas. Isso o leva a utilizar termos que os próprios teóricos da Pós-Modernidade rejeitam ou criticam abertamente, como é o caso de “humanidade”, abarcando sob uma mesma identidade todos os seres humanos. O descentramento do sujeito moderno trouxe consigo, entre outras coisas, o questionamento da noção de que homens e mulheres eram partes integrantes de uma mesma identidade, a “Humanidade”, trazendo para o seu lugar a questão da diferença sexual. Deve-se considerar o fato de que Küng escreve em 1990, momento ainda de ebulição devido aos recentes fatos ligados à queda do muro de Berlim, em 1989. Pesa também a seu favor o fato de ter sido o primeiro teólogo a falar abertamente das possibilidades religiosas pós-modernas.
[16] Algo exacerbado na Pós-Modernidade, notadamente no aspecto institucional-religioso.
[17] Em torno de pontos comuns: direito fundamental de todas as pessoas a uma vida humana digna, diminuição da barreira entre ricos e pobres, nações ricas e pobres, diminuição das favelas nos cinturões de pobreza do Quarto Mundo, união contra as catástrofes ecológicas e movimentos migratórios internacionais que arrasam o nível de bem-estar social, esforço por uma sociedade sem guerra.
[18] Küng (2001) tenta propor soluções para algo bastante debatido na Pós-Modernidade: como conceber padrões e critérios gerais num mundo que, por mais globalizado que esteja, aponta fortemente para o diferente, para a alteridade, para o totalmente outro, para a diversidade?
[19] Acerca da filosofia, Küng (2001, p. 66-67) afirma: “podemos nos alegrar que, em especial desde os anos 80 também a filosofia alemã tem-se preocupado novamente mais com a prática e com isso também com a fundamentação racional de uma ética válida para todos. Essa preocupação com a prática se percebe, por exemplo, na filosofia lingüística (Karl-Otto Apel), ou na teoria crítica da escola de Frankfurt (Jürgen Habermas), ou na teoria da história (Rüdiger Bubner)”. Prosseguindo, Küng toca numa questão que ainda mobiliza os debates na Pós-Modernidade, qual seja, a relação entre universal e particular: “logicamente, a filosofia tem muitas dificuldades com a fundamentação de uma ética para grandes camadas da população, uma ética que seja praticável e sobretudo necessária e comum a todos. Por isso, não são poucos os filósofos (desde Alasdair MacIntyre e Richard Rorty até Michel Foucault e Rüdiger Bubner) que preferem desistir de normas universais e se restringir às realidades dos diferentes mundos e formas de vida”. Questionando esses autores, Küng expressa seu posicionamento, que norteia, inclusive, sua proposição de um Projeto de Ética Mundial (título deste seu livro, ora analisado): “Mas será que as racionalidades e possibilidades, prescrições e leis regionais não tendem a ter um horizonte estreito? Será que, no interesse do todo, as fixações em interesses regionais ou nacionais não devem ser constantemente abertas?”
[20] Küng (2001, p. 69) faz referência a Freud (Die Zukunft einer Illusion).
[21] Küng (2001, p. 200, nota 70) considera deveras interessante que a seguinte afirmação parta justamente de um filósofo cético como Macintyre: “o que a esta altura dos acontecimentos interessa é a construção de formas de comunidades locais, dentro das quais a civilização, a intelectualidade e a moral podem ser mantidas durante a era cinzenta [comparável como os tempos após o desmantelamento do império romano] que paira sobre nós. E se a tradição das virtudes foi capaz de sobreviver aos horrores da última era cinzenta, não estamos totalmente sem motivos para esperança. Neste tempo, porém, os bárbaros não estão esperando além das fronteiras; eles já estão nos governando desde algum tempo. E é justamente a nossa falta de memória sobre isso que constitui parte de nossa lamentável situação. Nós não estamos esperando por Godô, mas por outro alguém - sem dúvida alguém bem diferente - por São Benedito”.
[22] No parecer deste estudo, na “medida [cada vez mais crescente] em que para muitas pessoas a fé em Deus não está morta”.
[23] Küng (2001) chama a atenção no sentido de não se confundir crise institucional religiosa, esta sim, crescente, com crise religiosa pura e simplesmente.
[24] Küng (2001, p. 73) faz referência, aqui, a Jürgen Habermas, que afirma: “eu não acredito que nós europeus podemos entender corretamente conceitos como moralidade e ética, pessoa e individualidade, liberdade e emancipação [...] sem assumir a substância do pensamento histórico-salvífico de procedência judaico-cristã”. Küng lança o seguinte questionamento a esse filósofo que afirma um “pensamento pós-metafísico” para uma “época pós-metafísica”, objetivando uma ética racionalmente fundada: “porque eu deveria assumir a 'substância' da tradição judaico-cristã de forma 'pós-metafísica', ou seja, de forma racional-ateísta?” Segundo Küng, até então (momento em que terminava seu livro, 1990), Habermas não respondera tal questão. Cf. HABERMAS, J. Nachmetaphysisches Denken. Philosophische Aufsätze: Frankfurt, 1988.
[25] Na verdade, toda a discussão atual se move nesse sentido, lugar em que pretende estar também este presente estudo: qual é o novo papel da religião e, mais especificamente, da teologia católica, em tempos de Pós-Modernidade; quais as mudanças internas necessárias para que elas continuem a dar respostas, como sempre fizeram, umas mais, outras menos, às novas demandas de seus seguidores; quais os ajustes que se fazem prementes para que elas sejam a “consciência possível” nestes novos tempos pós-modernos. As proposições de Küng (2001) (mais relacionadas às religiões de maneira geral), Torres Queiruga (2003) (a presença plena do Deus plenamente amor no mundo), Hick (2000) (Jesus, o Deus encarnado, como metáfora) são tentativas, em tempos e de maneiras diferentes, mais e menos ousadas, mais explícitas e mais implícitas, de dar respostas aos novos ventos que estão a exigir novas posturas e respostas.
[26] A metáfora, como figura de linguagem a ser utilizada na atual compreensão do(s) dogma(s) cristão(s), é a proposta de Hick, no sentido de tornar compreensíveis antigas proposições que nada têm a ver com o momento cultural-religioso que se vive hoje. Mais à frente serão detalhados esses aspectos da reflexão de Hick.
[27] “Por que”, pergunta Küng (2001, p. 73) a Habermas, essa nova forma da religião poderia vir à tona “somente na medida em que a filosofia pós-metafísica não oferecer algo mais adequado? Por que não posso dar também uma dimensão filosófica ao insaciável 'desejo pelo outro'? (Infelizmente Jürgen Habermas nunca assumiu esta idéia fundamental do seu mestre Max Horkheimer)”.
[28] Momento em que Küng publicava esse seu livro: 1990. Sua afirmação, contudo, segue tendo firme validade no início do século XXI.
[29] Por isso, hoje, no mundo pós-moderno, a teologia “somente poderá alcançar uma nova credibilidade e relevância social apresentando a fé cristã com uma responsabilidade científica fiel a seu tempo e ao evangelho (KÜNG, 1989, p. 15, minha tradução).
[30] Küng (2001, p. 75) lembra que Kant já afirmava: “na consciência existe uma auto-legislação ética e auto-responsabilização para a nossa auto-realização e para a organização de nosso mundo”.
[31] Küng (2001, p. 84-90) pergunta-se por que os adeptos da diferentes religiões sabem tanto daquilo que as separam (doutrinas, ritos, escritos, e questões práticas como uso de bebida alcoólica, carne de porco, corte de barba e cabelo, matar animais, ter mais de uma esposa etc.) e tão pouco do que as une. Essa deveria ser a tarefa “importante e significativa” para os estudiosos das diversas religiões: a percepção dos pontos comuns a partir de um trabalho com base nas fontes. No que se relaciona à ética e suas possibilidades, Küng chama a atenção para seis pontos de vista decisivos que deveriam ser melhor olhados: “o bem-estar das pessoas” (todas as grandes religiões oferecem uma orientação religiosa fundamental nesse sentido), “as máximas elementares da humanidade” (cinco grandes mandamentos da humanidade têm validade em todas as grandes religiões: não matar, não mentir, não roubar, não praticar imoralidade, respeitar pai e mãe e amar filhos e filhas), “o sensato caminho do meio” (entre o libertinismo e o legalismo), “a regra áurea” (todas as grandes religiões promovem algo como uma lei áurea, isto é, uma norma incondicional, categórica e apodíctica), “motivações éticas” (até hoje continuam motivadores aqueles modelos de vida que se orientam na vida e na doutrina dos grandes líderes das religiões mundiais), “horizonte de sentido e determinação de objetivos” (todas as religiões, em termos concretos, respondem a pergunta pelo sentido do todo, da vida, da história com vistas à realidade última já aqui experimentada).
[32] Torres Queiruga (2003) propõe algo parecido, ao falar da presença plena do Deus plenamente amor no mundo, como um novo paradigma cristão.
[33] Hick (2000) utiliza a expressão “Realidade Última”, no sentido de um absoluto que se manifesta de diferentes maneiras aos povos do mundo.
[34] Neste ponto concordam os três autores aqui arrolados (Küng, Torres Queiruga e Hick): os dados da fé têm de ser compreensíveis, apesar de não demonstrados racionalmente, às pessoas em suas atuais condições culturais e religiosas.
[35] Segundo Küng (2001, p. 96), como se observa “em muitos documentos do Vaticano e do Conselho Mundial de Igrejas”.
[36] Alguns recentes pedidos de perdão por parte dos dirigentes católico-romanos dão um pouco essa impressão, pois não se percebem ações concretas que os acompanhem.
[37] Küng (2001, p. 98) acredita que as convicções modernas (liberdade, igualdade, fraternidade) “necessitam justamente de uma complementação dialética”, algo que pode ser conseguido na Pós-Modernidade, objetivando-se uma ética global, que conclame a todos a uma responsabilidade global pelo futuro da humanidade.
[38] Tolerar não é dialogar nem conviver, apesar de poder se constituir em um primeiro passo para que tal diálogo aconteça, desembocando finalmente na convivência mútua inter-religiosa. Na concepção de Libera (2002, p. 3), filósofo e historiador, o conceito iluminista de tolerância não dá conta das questões relacionadas ao diálogo inter-religioso no mundo atual. Isso porque, diz o autor, “para falar em tolerância é preciso pressupor a idéia de que não vale a pena, por uma série de razões, discutir os argumentos teológicos do outro”. E o diálogo, ainda segundo esse autor, deveria, sob pena de não se realizar, ser aberto justamente “nesse lugar em que religião e pensamento se encontram”, o “terreno [...] teológico e filosófico”. Libera considera ignorância tentar conversar com indivíduos religiosos somente a partir de pressupostos sócio-econômicos, psicológicos ou políticos, sem conhecimento sólido de religião e teologia.Dessa forma, não basta tolerar o outro religioso. Para Libera (2002, p. 3), é isso o que o pensamento filosófico medieval pode ensinar ao mundo pós-medieval. “A pergunta filosófica medieval é: o que autoriza intelectualmente você, a partir do seu livro religioso de referência, a afirmar o que afirma?” O que se percebe aí é a busca de um “consenso argumentativo”, implicando necessariamente na “idéia de que as partes entendem que é importante compreender logicamente e avaliar as formas religiosas de vida e de pensamento do outro”. É sob este ângulo, e não do anacrônico termo “tolerância”, que o autor vê o paraíso andaluz de convivência religiosa entre cristãos, muçulmanos e judeus.
[39] Nenhuma outra pergunta na história das igrejas e das religiões “já derramou tanto sangue e lágrimas como justamente a pergunta pela verdade” (KÜNG, 2001, p. 111). De um lado, o “fanatismo pela verdade” e, de outro, o “esquecimento da verdade”.
[40] Esse discernimento passa, segundo Küng (2001, p. 119), pela autocrítica que cada religião pode realizar de duas maneiras diferentes: “não somente através da percepção e da expressão da crítica aos outros, mas também através da orientação na sua própria origem”. Para isso, muito contribuiriam os “Escritos e figuras normativas” de cada uma delas, “a necessidade e a limitação de critérios próprios e específicos para o discernimento da verdade” e, finalmente, os “critérios éticos comuns”.
[41] Segundo Küng (2001, p. 205, nota 107), “já entre os gregos e latinos a palavra valentia abrange todo um campo semântico: desde uma forma mais ou menos passiva de agüentar, da resistência e da perseverança até formas mais ativas do ataque e do conflito”. Termos correspondentes no Cristianismo são esperança (elpis), perseverança (hypomoné), paciência (makrothymia), fundamentados na fé confiante (pistis).
[42] Segundo Küng (2001, p. 171), no Cristianismo “ainda hoje há católicos que espiritualmente vivem no século 13”, “há certos representantes da ortodoxia oriental que espiritualmente permanecem no 4º ou 5º séculos”, “para muitos protestantes, a constelação pré-copernicana do século 16 ainda é normativa”.
[43] Este estudo, que traz à luz uma obra específica de Torres Queiruga (2003), quer, sem fugir às regras metodológicas científicas, evitar repetições redundantes e desnecessárias. Logo, onde não houver menção expressa a um autor diferente ou não se configurar expressão pessoal do autor deste estudo, a autoria é de Torres Queiruga.
[44] TORRES QUEIRUGA, Andrés. Fim do Cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003 (original de 2000). Possíveis referências e/ou citações de outras obras do autor estarão sempre em notas de rodapé.
[45] “Quando se produz uma mudança de tal calibre”, afirma Torres Queiruga (2003, p. 23-24), “a vertigem ameaça apoderar-se do espírito, e tendem a se produzir reações polares”. Essas acontecem sobretudo na parte institucionalmente mais influente do mundo religioso, que não vê “melhor maneira de defender a experiência da fé, senão mantendo-a prisioneira de modelos do passado, encerrando-se em uma atitude apologética”.
[46] Essa também é a preocupação de Küng e de Hick: de que forma a teologia pode e deve fazer-se compreendida em tempos que fazem essa exigência e também rejeitam qualquer tentativa de proposição impositiva. De maneiras diferentes, e em espectros modelares diferentes na Teologia das Religiões, esses pensadores parecem objetivar o mesmo “horizonte”. Há que se ter cuidado com as palavras, muitas vezes carregadas de um sentido que não é o que se quer dar em um determinado momento ou texto; horizonte, aqui, refere-se a objetivo específico, concreto, que se quer atingir.
[47] Esse desajuste é claramente perceptível quando se observa alguém ou um grupo orando para que Deus extirpe o mal ou algum mal específico do mundo. Isso, segundo Torres Queiruga (2003, p. 39), equivale a misturar “o antigo com o novo, quer[er] responder às perguntas atuais de uma cultura secularizada sem revisar o pré-(s)suposto herdado da cultura anterior ao Iluminismo - de que é possível um mundo sem mal”.
[48] O autor escrevia no ano de 2000, praticamente virada do milênio.
[49] Torres Queiruga toma de empréstimo uma afirmação do Concílio Vaticano II, na Gaudium et Spes, nº 19, que reconhecia uma “parte não pequena” de culpa dos cristãos no nascimento do ateísmo.
[50] No campo da cultura, Torres Queiruga trata a Modernidade como um novo paradigma, porém não faz o mesmo com a Pós-Modernidade, que, para ele, constitui-se em desafios enormes, mas não de superação da Modernidade. Ele fala (2003, p. 121-122) em “primeira etapa” e “segunda etapa” da Modernidade e em “primeira Modernidade” (podendo-se inferir que o correspondente à “segunda etapa” seria a segunda Modernidade, que se vive hoje e que alguns denominam, não sem conseqüências, Pós-Modernidade). Referenciando Hans Küng, Torres Queiruga (2003, p. 23, nota 8) afirma: “H. Küng prestou muita atenção ao conceito de paradigma e estrutura sobre ele sua visão do Cristianismo (parece dar por pressuposto que a 'Pós-Modernidade' representa um paradigma novo, algo que eu não assumo aqui)”. Tanto é verdade que o título deste seu livro, aqui abordado, é “Fim do Cristianismo pré-moderno” e não “Fim do Cristianismo moderno”. Este estudo percebe que, com atraso, o Cristianismo abre os olhos à Modernidade, já sentindo as cutucadas da Pós-Modernidade!
[51] A “irrenunciável tarefa da retradução do Cristianismo que é postulada por nossa situação cultural” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 91). Essa retradução toma a forma, em Küng, de um ecumenismo abrangente, em Hick (como se verá a seguir), de possibilidades metafóricas, em Haight (como se verá ao final deste capítulo), de possibilidades simbólicas. A forma dessa retradução em Torres Queiruga é o que se está explicitando neste momento.
[52] Seria um decisivo “repensar da Transcendência nas novas coordenadas que emergiram no processo histórico”. No plano religioso, essa “mudança significativa” aparece como uma “nova sacralização do cosmos e da subjetividade humana, que se manifesta de mil modos em movimentos para-religiosos ou nessa religiosidade difusa que caracteriza nosso tempo” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 25).
[53] Torres Queiruga (2003, p. 27) lembra-se de Bultmann que dizia muito bem: “não se pode usar a luz elétrica e o aparelho de rádio ou empregar na enfermidade os modernos meios clínicos e medicinais e, ao mesmo tempo, crer no mundo de espíritos e milagres do Novo Testamento”.
[54] A parte enfatizada constitui-se na “hipótese de trabalho” de Torres Queiruga (2003, p. 122): “a intuição básica capaz de contribuir hoje para a articulação de um novo paradigma da espiritualidade humana é a do Deus que cria por amor”.
[55] Essa foi a proclamação de Karl Barth, não sem se remeter a Kierkegaard, no prólogo à segunda edição de seu comentário à Epístola aos romanos. Cf. BARTH, Karl. Carta a los romanos. Madri, 1998. p. 54.
[56] Daí nasce uma conseqüência decisiva: “a ruptura de todo dualismo natural-sobrenatural, e também sagrado-profano” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 80).
[57] Até a linguagem precisa ser “re-feita”: “cada vez que, por exemplo, falamos de Deus como um ser que interfere na casualidade empírica, cura uma enfermidade ou faz alguém ser aprovado em um exame, por melhor que seja nossa intenção subjetiva, nós o estamos reduzindo à categoria de ser mundano. Toda a linguagem acerca dos milagres [...], grande parte de nossas orações precisa, neste ponto, de uma revisão drástica” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 76). A virada epistemológica nas reflexões de Torres Queiruga parece dar-se a partir de sua pequena obra intitulada “Um Deus para hoje” (1998, original de 1997), onde o autor, instigado por questionamentos anteriores de Manuel Fraijó (1999b, original de 1992), principalmente acerca da idéia de Israel como povo eleito, abandona essa idéia de eleição e propõe uma nova forma de oração para novos tempos religiosos.
[58] Para Torres Queiruga (2003, p. 49, ênfase do autor), esse novo paradigma teológico “abre uma perspectiva renovadora e fecunda para a compreensão da revelação como realidade presente em todas as religiões e, até mesmo, em todo conhecimento filosófico que, verdadeiramente, descubra a Deus”. Não se compreende essa afirmação a partir do outro paradigma, “com um Deus distante que necessita intervir em cada ocasião”, ao contrário, ela soaria, não mais como uma heresia, mas como um puro e simples “disparate teológico”.
[59] É clara a opção do autor por uma Modernidade “adequadamente” encarada, uma razão questionada, não uma razão abandonada; uma razão “fundada” (Descartes), “histórica e aberta à positividade” (Idealismo), sensível a todas as dimensões do real (fenomenologia), intersubjetiva (personalismo e teoria da ação comunicativa), essencialmente ética (Lévinas).
[60] Schillebeeckx tinha já expressado que “Fora do mundo não há salvação” (1994).
[61] Não se trata de um abandono ou de ignorar a tradição, mas de percebê-la como uma “configuração da experiência fundante no marco de cada tempo, legítima e necessária então, mas ultrapassada para nós” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 63).
[62] Segundo Torres Queiruga (2003, p. 87-88), é a mutação cultural que “nos impede” tomar ao pé da letra um relato bíblico e, ao mesmo tempo, “nos permite” libertar o significado permanente de sua escravidão como respeito ao significante temporal. “O significado jamais existe desnudado, em “estado puro”, mas sempre já traduzido em uma forma concreta”, assim como o corpo que está vestido de tal ou qual forma. Perceber, por exemplo, o relato da Ascensão, não como um subir na atmosfera, já significa necessariamente que ele está sendo lido no marco de outra interpretação. A água e sua figura podem simbolizar melhor essa relação: a água terá sempre a forma do recipiente - vaso, garrafa, jarra ou bacia. É impossível haver a água em “estado puro”.
[63] Torres Queiruga (2003, p. 97) afirma que “a partir do novo paradigma tudo se torna relativamente claro. Mas, enquanto este não é assumido, as dificuldades se multiplicam, porque a nova situação é julgada a partir dos pressupostos da antiga e então, efetivamente, a proposta é tida como inaceitável”. Somem-se a isso as resistências no interior do paradigma anterior em face da proposição e surgimento do novo, como bem lembrou Kuhn (1976).
[64] Torres Queiruga (2003, p. 107) diz sentir necessidade de um mínimo de clareza em meio a essa 'confusão', para que se possa compreender aos demais e para situar ou re-situar corretamente a própria postura.
[65] Fato tão notório, tão influente e tão maciço, que suscitou e continua suscitando numerosos estudos, segundo Torres Queiruga (2003, p. 107-108). O que lhe interessa, teologicamente falando, “é analisar as causas [...] especificamente em relação ao Cristianismo”.
[66] O autor, na verdade, utiliza o termo “acolhido”, e não “ocupado”. Esse foi integrado ao texto no sentido de dar continuidade à simbologia do “terreno abandonado” e, também, porque o que parece acontecer nesse disputado mercado religioso de oferta e procura é mais “ocupação” que “acolhida”.
[67] Torres Queiruga parece relutar um pouco em chegar à afirmação de que o atual momento vivido cultural e religiosamente é denominado Pós-Modernidade; no entanto, corajosamente o faz, sem todavia, afirmar a Pós-Modernidade como um novo paradigma, vendo nessa uma “mudança radical” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 109) percebida dentro da Modernidade.
[68] Os autores dissecam o Iluminismo, pondo a descoberto sua dialética. Cf. ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. La dialéctica de la ilustración. Madri, 1994. É aí o lugar onde se inspiram muitas das reflexões pós-modernas.
[69] As proposições de Küng passam justamente por essas mesmas coordenadas. Esta “fraternidade de escala humana” propalada por Torres Queiruga (2003, p. 112), em Küng (2001), é traduzida por “projeto de ética mundial”.
[70] Torres Queiruga tem o cuidado de não personificar ou pessoalizar esse Absoluto, sabedor das dificuldades daí advindas.
[71] Segundo o autor (2003, p. 116), advém desse segundo pólo o recurso às tradições esotéricas e mesmo àquelas dos grandes místicos mas, sobretudo, o contato com as religiões orientais.
[72] Esse é o objetivo básico e fundamental das reflexões de Hick: falar teologicamente às pessoas de hoje numa maneira inteligível; daí sua proposição de um olhar metafórico.
[73] Claramente visível, segundo Torres Queiruga (2003, p. 119), “nos esforços de renovação querigmática, litúrgica e pastoral, assim como na vivificação da dogmática”.
[74] A expressão foi popularizada por KOLAKOWSKI, L. Cristianos sin iglesia. Madri, 1982. Küng (2001, p. 61) atualiza ainda mais a expressão, indo ao encontro de uma tendência atual, ao falar das “pessoas não-religiosas e pessoas não-crentes, porém religiosas”. Um termo mais atual e bastante utilizado nas Ciências Sociais é “sem religião”.
[75] Principalmente a desabsolutização do estabelecido, a crítica dos ídolos, a valorização do pequeno e marginal.
[76] Um ressoar feito um chamado a reencontrar-se com potências e latências que germinam em seu seio.
[77] MARDONES, J. M. Las nuevas formas de religión. Estella, 1994. p. 177. Cf. também deste autor: Postmodernidad y Cristianismo: el desafio del fragmento. Santander, 1998.
[78] Na compreensão de Torres Queiruga (2003, p. 121, ênfase do autor), vive-se hoje “a perspectiva que se ganhou com o passar do tempo, com o sentimento generalizado de culminação de uma etapa [“primeira Modernidade” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 122)] e inauguração de outra - a isso aludem, sem dúvida, tanto os prefixos pós (Pós-Modernidade, pós-Cristianismo) como os qualificativos de novidade (nova era, novas religiões, nova espiritualidade)”.
[79] “No duplo sentido de ser questionado e, por isso mesmo, de se mostrar capaz de responder” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 122).
[80] Expressão tomada de empréstimo a GESCHÉ, A. L'homme créé créateur. Revue Théologique de Louvain, nº 22, p. 153-184, 1991.
[81] O que tornaria, inclusive, o Cristianismo uma religião singular entre todas as demais. O autor (2003, p. 125) faz a comparação com o Islamismo, em que, pela soberania triunfante de Alá, não há lugar para a cruz e o fracasso da história (no Alcorão, Maomé, como todos os profetas, sai sempre triunfante; mesmo Jesus tem uma morte aparente).
[82] Há que se fazer “uma leitura atualizada e não fundamentalista da cruz e da ressurreição de Jesus” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 248).
[83] Agostinho já o notara: “interior intimo meo et summior summo meo” (“Mais íntimo que nossa maior intimidade e mais elevado que nossa maior altura”). Cf. suas Confissões III, 6, 11 (CSEL 33, 53).
[84] Expressão bastante refletida pelo filósofo italiano Gianni Vattimo. Cf. VATTIMO, Gianni. Acreditar em acreditar. Lisboa: Relógio D'Água, 1998. Em Vattimo, “pensamento débil” refere-se ao pensamento da diferença, em primeiro lugar, pela própria tentativa de experimentar algo diferente da tradição. Em segundo lugar, por sua tentativa de radicalizar a idéia heideggeriana de “diferença ontológica”, ou seja, a idéia de que o ser se subtrai essencialmente de tal modo que qualquer tentativa de busca de um fundamento último contradiz a dinâmica do ser. O pensamento débil é uma certa forma de niilismo. Cf. também VATTIMO, Gianni. Depois da cristandade: por um cristianismo não religioso. Rio de Janeiro: Record, 2004.
[85] No que toca à relação humana, “todo homem ou mulher - incluídos os pobres e os leprosos, os marginalizados pelo progresso, os imigrantes e os indocumentados - adquire a íntima presença do 'próximo'” (TORRES QUEIRUGA, 2003, p. 128).
[86] Torres Queiruga (2003, p. 130) afirma que “seria mesquinho sucumbir a um particularismo provinciano e não ver o enorme potencial de profundidade e amplitude que aqui se nos oferece”. Comprovação disso é a enorme importância que vem adquirindo o diálogo das religiões, que deverá criar novos e inéditos modos para o encontro. “Não é mais cabível pretender impor aos demais a própria verdade”.
[87] Torres Queiruga (2003, p. 134) afirma que reconhecer isso não implica em indiferença ou relativismo. Isso por dois motivos: 1) essas considerações remontam ao próprio Jesus; 2) reconhecer o Espírito em ação para além das barreiras institucionais, longe de equivaler ao relativismo do “'tudo é a mesma coisa'”, “o que faz é 'relativizar' nossas estreitezas a partir do respeito e da abertura ao Mistério que ultrapassa a todos”.
[88] O que Amor Ruibal descrevia como “fase de elaboração”. Cf. dele Los problemas fundamentais de la filosofia y el dogma. Santiago, 1914. 10 v.