ROCHA, Cristina
Zen in Brazil. The Quest for Cosmopolitan Modernity, Honolulu: Hawai’i Press, 2006, 256 p. ISBN: 8-8248-2976-X

por Frank Usarski

Cristina Rocha é uma das mais engajadas e qualificadas pesquisadoras do Budismo no Brasil e seu livro a respeito do Zen em seu país natal, baseado em sua tese de doutorado concluída em 2003 pela University of Western Sydney, Austrália, é um sumário dos resultados de seus vigorosos estudos de campo sobre o tema.

De acordo com a introdução, o corpo principal da publicação é composto de cinco capítulos que representam “fundamentalmente um estudo sobre quanto o discurso da modernidade influenciou historicamente um segmento da sociedade brasileira (...) a adotar o Zen como um símbolo do ‘moderno’” (p.3). Os dois primeiros capítulos estabelecem os aspectos constitutivos da emergência e difusão do Budismo japonês no Brasil. Os capítulos três e quatro dissertam sobre as manifestações, as circunstâncias sócio-históricas e religiosas nacionais, assim como o contexto global do Budismo em geral e, em particular, do Zen no Brasil. Observando que “a adoção do Budismo em países católicos (...) deve ser diferenciada de sua adoção nas nações protestantes” (p.7), a autora, no último capítulo, coloca a questão central da obra, qual seja: como o Brasil foi “crioulizado” e como as conseqüências disso refletem as condições específicas do assim chamado “maior país católico do mundo”

O primeiro capítulo traz um cenário dos pré-requisitos formais e políticos para o processo de imigração japonesa para o Brasil (assim como dessa imigração em si), incluindo as circunstâncias sócio-culturais para o estabelecimento de instituições religiosas nipônicas especialmente após a Segunda Guerra Mundial - momento de reação à decisão da maioria das famílias de não retornar a seu país de origem. Focalizando ainda o “emissor” como um elemento-chave para a transplantação e adoção do Zen no Brasil, a autora também relembra seus leitores da importância da Escola de Quioto para a compreensão recente e predominante do Zen como uma prática religiosa culturalmente “independente” e universalmente aplicável, um conceito que não é imediatamente compatível com as “escolhas históricas” feitas pela Escola Soto-Zen e que, conseqüentemente, se tornou um tema potencialmente polêmico nos debates entre a hierarquia “conservadora” do templo Busshinji de São Paulo e os ministros “modernistas” enviados ao Brasil pela Escola Soto para o Brasil desde os anos 50.

Como o título “Brasileiros não-japoneses e a configuração orientalista do Zen” indica, o segundo capítulo focaliza o tema sob o prisma do “receptor” pela análise da dinâmica e das fontes que contribuíram para uma imagem positiva do Japão no Brasil e como levaram os membros de estratos privilegiados da sociedade a desenvolver uma receptividade para com a cultura daquele país. Ao mesmo tempo em que essa apreciação erudita da cultura japonesa estabeleceu uma oposição à imagem “popular” bastante negativa dos japoneses imigrantes, ela estava em acordo não apenas com um orientalismo romântico que ecoou nos trabalhos de alguns poetas e literatos brasileiros do séc. XIX, mas com o tom simpático adotado por escritores europeus e com a japonaiserie que na primeira metade do século XX foi importada da França para o Brasil, cujas tendências e atitudes foram tomadas como modelo exemplar para a época.

Entre outros resultados, esta última influência implicou em um aumento da popularidade da poesia haiku (os haicais), inicialmente adotada em traduções francesas e, mais tarde, em inglês, mas que já nos anos de 1930 inspirava autores brasileiros a produzirem seus próprios haicais em português.

O interesse por religiões asiáticas, incluindo o Budismo em geral e o Zen em particular, também foi desperto por meio de livros de autores europeus e norte-americanos como Hermann Hesse, Eugen Herrigel e Alan Watts. Em certos casos, mas de forma significante para a adoção do Budismo no Brasil, o esoterismo ocidental – em especial a Teosofia – desempenhou um papel de mediação. Os respectivos parágrafos indicam que o número de brasileiros não-japoneses que se tornaram praticantes regulares ou mesmo se engajaram na transmissão do Budismo para uma “segunda geração” foi consideravelmente reduzido, configuração que, segundo a autora, foi parcialmente compensada pela reputação dos protagonistas como intelectuais que “garantiam um constante, ainda que reduzido, fluxo de interesse no Zen pelos brasileiros não-japoneses”. (p. 90)

O capítulo três trata das condições para a aceitação do Zen em um país normalmente estereotipado como a maior nação católica do planeta e, ao mesmo tempo, conhecido por suas origens multi-étnicas e pela predisposição ao sincretismo. Tomando por base o resultado do censo de 2000, a autora conclui que, ao se levar “esse complexo, plural e permeável universo” em consideração, “não é surpreendente que o Zen Budismo tenha encontrado seu lugar no país”. (p.95) Para Cristina Rocha, um importante fator nesse processo é o constante declínio do Catolicismo oficial nas últimas décadas.

Além disso, não se deve esquecer a já mencionada propagação do karma e da reencarnação no Kardecismo e na Umbanda, tampouco a presença de entidades asiáticas – incluindo uma figura conhecida como “O Buda” – no universo simbólico da Umbanda, que contribuíram consideravelmente para a aceitação do Budismo no Brasil, visto que este “encontrou um solo no qual podia germinar e se desenvolver”. (p. 96).

Afora os elementos relativos ao lado da “oferta religiosa”, existiu também uma mudança nos termos de uma crescente individualização e autonomia por parte do “consumidor” responsável por “sua própria combinação resultante da seleção, escolha, mescla, hibridização e crioulização de elementos de diferentes tradições de acordo com as necessidades na sua ‘jornada espiritual’” (p.120).

Baseado em argumentos de teóricos como Le Goff, Bourdieu e Featherstone, o quarto capítulo focaliza a imagem pública do Budismo criada por filmes, manchetes de revistas e jornais e seus efeitos ambíguos sobre o público brasileiro. Incontestavelmente, a freqüência com que o Budismo foi mencionado na imprensa ampliou o conhecimento comum sobre a religião que é geralmente associada “a valores como a não-violência, paz interior, compaixão, igualdade, justiça, amor, felicidade e harmonia” e considerada um “antídoto para o stress e a violência dos centros urbanos brasileiros”. (p.152) Ao mesmo tempo, porém, a difusão do Zen Budismo no Brasil pode ser vista como se fizesse parte de cultura de um “clube de faculdade” (p.150) cujos membros não necessariamente saúdam a crescente acessibilidade do Budismo na razão em que o Zen é, primariamente, a expressão de um estilo de vida e uma moda relacionada à elite. Uma prática que poderia servir como marca simbólica distintiva de um status privilegiado na sociedade brasileira.

Relativizando reflexões anteriores a respeito das tensões entre a hierarquia étnica japonesa do templo Busshinji e os missionários estrangeiros enviados a São Paulo, o quinto capítulo começa questionando a máxima de que “a difundida suposição de que o Budismo no Ocidente é tipicamente fracionado entre práticas ‘étnicas’ e ‘de conversão’”, uma vez que no Brasil “há um ambiente propício a interações, hibridizações e crioulizações que tornam os limites entre as duas congregações muito permeáveis”. (p.153) Conseqüentemente, a autora não considera a supramencionada dicotomia, nem a tríplice distinção entre o Budismo “da elite”, “missionário” e “imigrante” ou, tampouco, a discriminação entre budistas “modernistas” e “tradicionalistas” como compatível com a real situação do Budismo brasileiro. Em lugar disso, Cristina Rocha chama a atenção para o espectro religioso estabelecido tanto por nipo-brasileiros quanto por não nipo-brasileiros simpatizantes ou praticantes do Zen.

Trazendo exemplos apropriados da disposição religiosa dos filhos e netos já “abrasileirados” dos imigrantes japoneses, a autora apresenta uma rotina caracterizada por referências “paralelas” ao Catolicismo e às religiões japonesas, incluindo o Budismo. Essa “dualidade”, enraizada na tradicional atitude multirreligiosa nipônica e estimulada pela tolerância e flexibilidade típicas da cultura brasileira, é conformada de acordo com situações específicas e problemas atuais na vida do praticante. Tanto quanto permitem as instituições budistas, a “crioulização” entre Budismo e Cristianismo se manifesta em ocasiões como funerais, casamentos e rituais de batismo capazes de satisfazer as expectativas da comunidade não-nipônica próxima do praticante.

Antes de fazer umas poucas críticas a respeito da obra de Cristina Rocha, seria necessário enfatizar que o livro traz importantes esclarecimentos sobre um fenômeno que no passado foi consideravelmente negligenciado pela grande maioria dos pesquisadores brasileiros de religião. Ao mesmo tempo, “Zen in Brazil” é muito bem organizado e foi escrito em um estilo de fácil leitura.

Um aspecto crítico secundário diz respeito à ambigüidade do título. As informações apresentadas ao longo do livro pela autora, incluindo muitos exemplos, transcendem o foco explicitamente indicado, uma vez que se referem ao Budismo brasileiro em geral ou a outros segmentos do Budismo japonês, especialmente o Budismo Shin (conforme, por exemplo, p. 164 e p. 176). Essa inconsistência pode confundir um público particularmente interessado no Zen-Budismo; pode, porém, se tornar uma vantagem para leitores envolvidos no estudo do Budismo no Ocidente em todas as suas facetas.

O mais importante para uma avaliação do livro são os seguintes três aspectos:

Inicialmente, a autora reiteradamente confirma que existiu um “Boom Zen” no Brasil. Enquanto é óbvio que o Budismo, nele incluído o Zen, ganhou alto grau de visibilidade junto à sociedade brasileira e goza de uma imagem pública consideravelmente positiva, há uma dramática diferença entre essa (pode-se dizer assim) “popularidade superficial” e a relevância estatística dos brasileiros que se declararam budistas.

Como uma conseqüência tanto de sua preferência metodológica (sessenta entrevistas longas com budistas “explícitos” enriquecidas por uma série de afirmações paradigmáticas de protagonistas do Budismo) quanto da densidade acumulada de material escrito oriundo de cada fonte possível, Cristina Rocha não se mostra muito interessada pelos resultados de estudos quantitativos. A tabela (p. 95) que resume alguns dos principais resultados do Censo Nacional de 2000 (dos quais uma leitura mais aprofundada poderia provar o erro da hipótese do “Boom Zen”) é quase uma exceção. Mais do que isso: o número de 245.871 budistas (ou seja, 0,15% da população brasileira!) apontado por Cristina Rocha aparece originalmente no contexto dos dados preliminares publicados logo após a realização do último censo. Os dados finais não apenas trazem um número ainda menor (214.873), como também mostram, quando comparados com os dados do censo anterior (1991), um considerável declínio estatístico da população budista em apenas nove anos (isso, apesar de uma taxa de crescimento de 15% da população do país no mesmo período!).

Infelizmente o Censo Nacional não informa quantos dentre os budistas enumerados são associados ao Zen. Mas, se considerarmos relevantes os dados relativos às participações em encontros de instituições locais, podemos aceitar a afirmação de Francisco Handa, ministro do templo Busshinji em São Paulo, como representativa da situação geral no Brasil. Segundo Handa, há muitos brasileiros interessados no Zen, mas a grande maioria não está relacionada à prática budista. No caso da instituição Soto-Zen, não mais do que trinta pessoas (!), a maioria brasileiros não-japoneses, participam regularmente dos encontros.[1] Tomando em conta esse tipo de dado, a afirmação de que existe um “Boom Zen” no Brasil não se mostra muito convincente.

Um segundo aspecto crítico guarda relação com o leitmotif do livro, de que a adoção do Zen no Brasil decorre de uma “busca pela modernidade cosmopolita”. Isso faz sentido, mas o que se perde é uma operacionalização do conceito de “modernidade” no contexto dado e a explicação sobre como o Zen, em particular (ou melhor, o Zen “crioulizado” segundo as condições da cultura brasileira), supre essa alegada busca.

Seria a hipótese da autora plenamente compatível com uma religião freqüentemente caracterizada como “anti-intelectual” – e, como tal, valorizada por integrantes da contracultura em oposição aos cânones da sociedade “moderna”? Em que grau a retórica da contracultura foi mantida pelos zen-budistas brasileiros não-afiliados ao pequeno círculo de intelectuais que freqüentavam o templo Busshinji nos final dos anos de 1950 e na década seguinte, e que “consideravam o seu conhecimento do Zen não como uma forma de resistência cultural, mas fundamentalmente como uma ferramenta que lhes permitia demonstrar seu papel na sociedade brasileira como tradutores e intérpretes de movimentos internacionais de vanguarda, assim como sua posição de prestígio como cosmopolitas?”. (p. 73)

Por fim, mas não menos importante, a meta programática de analisar a adoção do Zen em conformidade com a categoria “crioulização” não é satisfatoriamente alcançada. As (não mais do que) cinco páginas da conclusão (pp.193-198), nas quais poderíamos encontrar um resultado final da relevante discussão, são insuficientes para esclarecer o tema. Ao longo de todo o livro, o processo de “crioulização” é aceito como praticamente certo. Como mostram o quinto capítulo e outras partes da obra, há uma considerável quantidade de “criatividade, iniciativa e inovação” (p.19) no movimento Zen-budista brasileiro. Um olhar de mais amplo sobre o cenário religioso internacional, porém, mostra que esse não é um fenômeno exclusivo: mais do que ser algo exclusivamente verdadeiro para o Brasil como país predominantemente católico, muitos dos aspectos discutidos pela autora podem ser vistos não apenas em todos os países ocidentais para os quais o Zen foi “exportado” (conforme, por exemplo, p.172), mas também – e a própria Cristina Rocha confirma isso – no próprio Japão contemporâneo. (p.177) Nesse sentido, o Zen brasileiro poderia ser mais bem descrito como uma expressão local do Zen “internacionalizado” do que em termos de um Zen “abrasileirado”.

Independente das críticas acima, “Zen in Brazil” é uma obra importante, esclarecedora e estimulante sobre um assunto muito pouco conhecido. Sua leitura é recomendada para todos os interessados no Budismo no Ocidente e, em especial, para todo pesquisador brasileiros engajado no estudo da dinâmica religiosa de seu próprio país.

Notas

[1] Cf. http://www.ipcdigital.com/print_news.asp?descrIdioma=br&codNoticia=7538.