Este ensaio examina duas tentativas de caracterizar as diferenças entre os diferentes perfis do criacionismo cristão. Baseado em uma avaliação dos pontos fortes e fracos destas duas tipologias, ele propõe uma tipologia mais ampla. Esta tipologia pode servir para orientar pesquisas sobre tipos de criacionismo cristão e também para facilitar a comparação entre criacionismos cristãos e não-cristãos.
Palavras-chave: criacionismo, criação, evolução, evolucionismo, método tipológico.
This paper examines two attempts to characterize the differences among the variety of Christian creationisms. Based on an evaluation of the strengths and weaknesses of these two typologies, it proposes a broader one. This typology can help orient studies of Christian creationisms and facilitate the comparison of Christian and non-Christian creationisms.
Key words: creationism, creation, evolution, evolutionism, typological method
Existe uma literatura enorme sobre as tensões entre o criacionismo e o evolucionismo, primariamente nos Estados Unidos.[1] O conceito vigente de “criacionismo” em toda essa discussão é a crença cristã segundo a qual Deus criou o mundo e todos os seres vivos conforme é descrito no livro bíblico do Gênese. Porém, existe uma variedade enorme de tipos de criacionismo cristão dentro deste quadro geral, mesmo que a maioria seja, de modo geral, tipos de criacionismo bíblico. Este ensaio examina duas tentativas de caracterizar as diferenças que distinguem a enorme variedade de tipos de criacionismo cristão. Baseado em uma crítica dessas tipologias, propomos uma nova tipologia, mais ampla, de criacionismos cristãos.
De fato, as duas tipologias a serem criticadas são adequadas para os seus contextos originais, servindo funções hermenêuticas e pedagógicas. O objetivo deste ensaio é outro: elaborar uma tipologia mais adequada para orientar pesquisas sobre criacionismos cristãos e para facilitar a comparação entre aqueles cristãos e os não-cristãos (por ex., os criacionismos islâmicos e o criacionismo védico). Em geral, a descrição mais exata de um fenômeno é a base preferível para pesquisas futuras. Por exemplo, na elaboração de um questionário destinado a distinguir os tipos de crenças criacionistas em uma amostra de cristãos, seria importante resolver as ambigüidades presentes nas três tipologias analisadas abaixo. A nova tipologia proposta neste ensaio é destinada tanto para fins de pesquisa quanto para fins hermenêuticos e pedagógicos.
O termo “criacionismo” geralmente aparece sem ser definido nos livros e artigos que tratam de sua relação com a teoria da evolução, seja em termos históricos e filosóficos ou com referência ao ensino nas escolas públicas. Mas em qualquer texto de disciplinas acadêmicas é problemático adotar a postura de que um conceito seja tão bem entendido que nem precise ser esclarecido. A falta de uma definição explícita aponta a possível presença de sentidos distintos do termo ou de pressuposições limitadas que podem distorcer a discussão. Um breve olhar sobre algumas das definições pouco freqüentes publicadas do “criacionismo” indica que esse é o deste termo.
Em geral, as poucas definições existentes estão distribuídas em um espectro que vai de um conceito geral a uma visão explicitamente bíblica e cristã. Este último extremo do espectro é enfatizado devido à situação atual nos EUA:
O criacionismo, em um sentido geral, refere-se à teoria de que Deus fez o mundo sozinho, por meios miraculosos, do nada. Mais especificamente, na América atual, o criacionismo é a teoria de que a Bíblia, em particular os primeiros capítulos do Gênese, é um guia literalmente verdadeiro da história do universo e da história da vida aqui na Terra, inclusive de nós seres humanos. (RUSE, 2005: 489)
Muitas das definições publicadas apresentam o “criacionismo” em termos explicitamente monoteístas:
Muitas outras definições são mais explicitas ainda ao tratar do Cristianismo ou da Bíblia:
Raramente as definições de “criacionismo” oferecem uma concepção mais ampla dos agentes sobrenaturais:
De fato, a maior parte destes textos tem a sua origem no contexto americano, onde vários tipos de criacionismo cristão entram em conflito com a teoria da evolução. Tais definições limitadas ao Cristianismo são apropriadas para este contexto limitado (como é indicado pelas citações acima de Freire-Maia e Martins, esse tipo de definição limitada é também predominante no Brasil, apesar do conflito entre os criacionismos cristãos e o evolucionismo ser menor). Como afirma Arthur McCalla em seu importante estudo Recente, “a polêmica entre o criacionismo e a teoria da evolução é fundamentalmente um conflito sobre o status da Bíblia no mundo moderno” (McCALLA, 2006: xiv; veja BARKER, 1987).
Porém, o uso desta abordagem, tão limitada ao contexto cristão e mais especificamente ao americano, traz problemas para qualquer discussão mais ampla, tanto para a análise do “criacionismo” de uma maneira mais geral quanto para o entendimento do surgimento de criacionismos não-cristãos nas últimas décadas. O problema não é que essas definições são inadequadas para as metas limitadas dos textos em que aparecem. É que a ênfase no contexto cristão oferece esparsos recursos para o cientista da religião com metas mais abrangentes. Uma visão mais ampla é necessária para o cientista da religião que quer comparar os criacionismos cristãos atuais com outras formas possíveis desse fenômeno religioso (porque que foram precisamente estes tipos que se tornaram predominantes?) ou que quer comparar os criacionismos cristãos com os não-cristãos (quais são as semelhanças e diferenças entre, por exemplo, os criacionismos supostamente “científicos” nos EUA, na Índia, e na Turquia?). A necessidade de esclarecer os nossos conceitos fica óbvia quando vemos noções como “criacionismo hindu”, “criacionismo de Krishna”, “criacionismo védico”, “criacionismo islâmico”, “criacionistas turcos”, “criacionistas sul-africanos” e “anti-evolucionistas judeus” colocados em oposição a outros como “criacionismo cristão”, “criacionismo adventista” e “criacionistas americanos” (CREMO e THOMPSON, 1998; KOENIG, 2001; BROWN, 2002; HENEGHAN, 2006; EDIS, 2007; NANDA, 2006; NUMBERS, 2006: 420-421, 428).
Para elaborar um tipo de visão mais adequada à disciplina das Ciências da Religião será útil começar com o esclarecimento dos criacionismos cristãos. Existe uma variedade enorme de tipos de criacionismo cristão, e seria muito útil dar melhor conta dos vários fatores cuja variação resulta nesse espectro de crenças. O objetivo deste ensaio é de elaborar uma tipologia que poderia orientar a tentativa de descrever a variedade de crenças criacionistas entre os cristãos.
Existem vários tipos de criacionismo cristão e também várias maneiras de enquadrar as diferenças entre eles. Em geral, qualquer tentativa de delimitar os tipos de criacionismo cristão usará uma combinação de dois métodos: o descritivo, que aponta uma seleção dos tipos, por ex. os mais importantes nos EUA hoje, e o tipológico, que propõe critérios que servem para distinguir e relacionar os criacionismos dentro de um quadro conceitual mais amplo. Este último resulta em uma tipologia: um conjunto dos tipos do fenômeno sendo estudado, organizados de uma maneira que aponta as características que distinguem os tipos. Tal tipologia poderá ser representada em forma tabular ou gráfica (veja as Tabelas ao longo do texto).
Os dois métodos são complementares: não é muito útil descrever um fenômeno de uma maneira que não aponte algumas características que servem para distinguir os casos; e não se pode criar uma tipologia sem fazer o trabalho inicial de estudar a variedade de coisas que vão caber nela. Os dois métodos podem ser vistos como extremos de um único espectro.
Esta seção do ensaio examinará várias tentativas de descrever os criacionismos cristãos, notando os pontos fortes e apreendendo dos pontos fracos das mesmas. Já vimos que existe uma tensão entre duas metas que os cientistas da religião enfrentam: a de elaborar uma definição ampla e abrangente do fenômeno global e a de descrever as características específicas do fenômeno que têm tido maior impacto. O objetivo deste ensaio é o de atingir esta primeira meta. Porém, antes de entrar nos detalhes, talvez seja útil começar com a descrição de um exemplo central.
O criacionismo científico é o tipo de criacionismo cristão que, em anos Recentes, tem entrado em conflito dramático com a teoria da evolução nas escolas e nos tribunais dos EUA.[2] Para caracterizá-lo, seguirei o modelo do influente criacionista Henry M. Morris, que é estabelecido pelas seguintes oito afirmações (MORRIS, 1981; veja HAM, 1987; HEWLETT, 2005: 2910-2911; NUMBERS, 2006: 217-238):
Esse tipo de criacionismo se chama “ciência” pelo fato de se posicionar como uma teoria empírica e falsificável. As hipóteses centrais da teoria vêm da “geologia da inundação”, isto é, elas elaboram os impactos geológicos do grande Dilúvio bíblico. É importante notar que muitas das oito crenças acima são afirmações contra a teoria da evolução e não afirmações puramente religiosas. O criacionismo científico cristão nega a teoria da evolução, mas não nega a ciência. Ao contrário, afirma que a sua teoria é científica e que a teoria da evolução é religiosa (por ex., HAM, 1987: 31-50). A importância social e política desse tipo de criacionismo nos EUA é a principal razão pela qual as definições de “criacionismo” na literatura das Ciências da Religião tendem a tê-lo como referência em vez de oferecer uma visão mais abrangente.
Existem problemas potenciais com ambos os métodos, o descritivo e o tipológico. O ponto fraco do método descritivo (além do risco de simplesmente deixar tipos importantes fora da lista) é que ele descreve tipos sem explicar diferenças. O método tipológico é forte precisamente por explicar as diferenças usando critérios conceituais para distinguir os tipos (por ex., os que lêem a Bíblia literalmente e os que a lêem figurativamente). Seu ponto fraco é que tudo depende da escolha adequada dos critérios. Um exame de quatro exemplos que representam várias posições no espectro entre descritivo e tipológico nos ajudará com as tarefas de elaborar uma tipologia adequada dos criacionismos globais e de criar uma definição mais ampla do criacionismo.
Howard J. VAN TILL (2003a) nos fornece um bom exemplo de uma lista descritiva. Ele traça uma distinção básica entre o criacionismo teológico (a crença básica que a Terra foi criada) e o criacionismo episódico: “a crença de que o Deus-criador da Bíblia (1) criou o material básico ’dos céus como da Terra’ do nada no início do tempo, e (2) deu formas específicas para aquele material básico no decorrer do tempo por episódios ocasionais da intervenção divina” (VAN TILL, 2003a: 188). Dentro dessa última categoria, ele nota que existem “muitas idéias bem diferentes sobre a maneira e o momento específicos das intervenções ... do criador” (idem), salientando o criacionismo episódico da Terra Recente. Em seguida, aponta três outros tipos de criacionismo: criacionismo episódico da Terra Antiga,[3] criacionismo progressivo, e a teoria do plano inteligente (esta última perspectiva argumenta que a complexidade dos seres vivos evidencia sinais de um arquiteto ou criador. O argumento é antigo, mas o posicionamento desse criacionismo como estritamente científico é uma inovação muito Recente [BEHE 1996; DEMBSKI, 2000; 2005; VAN TILL, 2003a; AYALA, 2006].)
O ponto forte do tratamento de Van Till é que ele nos aponta os quatro mais importantes tipos atuais do criacionismo, notando que são mais específicos do que ele chama de criacionismo teológico. Mas tem pontos fracos: deixa de lado tipos historicamente importantes (por ex., dia-era e intervalo) que têm proponentes ainda hoje; ele nota a presença de “muitas idéias bem diferentes”, mas esclarece somente uma; e não aponta os critérios que servem para distinguir os tipos e, portanto, para construir uma tipologia mais geral. O método descritivo de definir o criacionismo arrisca ser limitado e específico demais.
O método descritivo serve melhor como fase inicial de uma tentativa de elaborar uma tipologia. No restante deste ensaio, discutirei os pontos fortes e fracos de três tipologias de criacionismo cristão, terminando com a proposta de uma tipologia mais abrangente.
Ronald NUMBERS aponta, em seu ensaio clássico “The Creationists” (1986),
a grande diversidade de opinião entre os que professam ser criacionistas. Arriscando simplificação excessiva, podemos dividir os criacionistas em dois campos principais: ”criacionistas estritos”, que interpretam os ”dias” do Gênese literalmente, e ”criacionistas progressivos”, que interpretam os dias mosaicos como sendo períodos de tempo imensos. Mas até dentro desses campos existem diferenças substanciais. Entre criacionistas estritos, por exemplo, alguns acreditam que Deus criou todos os seres vivos na Terra - os do passado e os atuais - não mais do que dez mil anos atrás, enquanto outros postulam uma ou várias criações antes dos sete dias do Gênese. Semelhantemente, alguns criacionistas progressivos acreditam em numerosos atos criativos, enquanto outros limitam a intervenção de Deus à criação da vida e, possivelmente, da alma humana. Este último tipo do criacionismo é praticamente indistinguível do evolucionismo teísta. (NUMBERS, 1986: 391-392)
Vemos aqui seis criacionismos cristãos:
É importante salientar as diferenças entre três perspectivas que às vezes são confundidas. O criacionismo especial acredita que as espécies foram criadas diretamente por uma série de atos divinos. O criacionismo antropocêntrico acredita que as espécies foram criadas diretamente pelos processos descritos na teoria darwiniana da evolução, mas difere desta teoria científica ao insistir em duas qualificações: esses processos progridem segundo a vontade e a gerência de Deus (Deus é a causa e a evolução o mecanismo que ele usa); e a alma humana foi criada por um ato distinto da criação divina. O evolucionismo teísta equivale ao criacionismo antropocêntrico, só que retira essa segunda qualificação e mantém a primeira. A teoria darwiniana da evolução retira (ou, segunda certas interpretações, simplesmente ignora) ambas as qualificações.
O esquema de Numbers introduz uma variedade de criacionismos e propõe uma distinção importante entre criacionismos “estritos” e “progressivos”. Tal distinção é um artifício acadêmico, mais tipológico do que descritivo. Ela não reflete a terminologia dos criacionistas, como fazem os termos descritivos, por ex., “criacionismo da Terra Recente” e “criacionismo especial”. Ela oferece uma tipologia baseada em dois critérios que distinguem os criacionismos cristãos: leitura da Bíblia (estrita e literal ou não) e mudanças históricas (progressão de mudanças geológicas e/ou biológicas ou não) (ver Tabela 1).
Sem mudanças progressivas | Com mudanças progressivas | |
Leitura literal da Bíblia | -Terra Recente -intervalo |
|
Leitura figurativa da Bíblia | -dia-era -especial -antropocêntrico -evolucionismo teísta |
Tabela 1. Tipologia de criacionismos de Numbers (1986)
Existem dois problemas com essa tipologia. Primeiro, ela combina os dois critérios de uma maneira exclusivista: os criacionistas estritos respondem “sim” ao primeiro critério (leitura literal) e “não” ao segundo (mudanças progressivas); os progressivos respondem exatamente ao contrário. Assim, nega-se implicitamente a possibilidade de que um dos quadros vazios na Tabela 1 seja ocupado por um criacionismo. Isto resulta na exclusão de tipos importantes. Por exemplo, o criacionismo da Terra Recente aparece na tipologia, mais fica excluído o criacionismo da Terra Antiga (old-earth creationism) (veja por ex., PENNOCK, 2003: 145). Alguns dentre os criacionistas dessa categoria vaga lêem a Bíblia de uma maneira figurativa quanto às gerações de Adão e, portanto, não vêem problema em acreditar que a Terra é antiga. Porém, acreditam que Deus criou tudo “lá no começo” e que não houve mudanças progressivas desde então. Na Tabela 1, esses criacionistas caberiam no quadro vazio no lado esquerdo, indicando que a tipologia de Numbers é estreita demais. Portanto, aprendemos que os critérios de uma tipologia de criacionismos devem ser aplicados independentemente cada um dos outros.
O segundo problema da tipologia de Numbers é o seu conceito ambíguo de “progressão”: ele ajunta coisas diferentes. A crença na “progressão”, no esquema de Numbers, é sinônimo da crença de que houve mudanças nos quadros biológicos e geológicos da Terra depois da criação inicial. Ficam identificados, assim, a teoria darwiniana da evolução (que acredita em uma progressão continua e naturalista) e o criacionismo especial (que acredita em intervenções discretas e sobrenaturais). Assim, esse conceito de progressão oculta uma tensão básica que existe entre muitos criacionismos e a teoria científica da evolução. Em geral, a Geologia e a teoria da evolução (inclusive da especiação) afirmam que as mudanças acontecem como resultado da aplicação uniforme de certas forças físicas durante longos períodos seguindo as leis naturais (“uniformitarianismo”).
Em geral, o evolucionismo teísta concorda com a criação e com a teoria da evolução, acreditando que a origem das espécies ocorreu lenta e constantemente - uniformemente - durante milhões de anos: Deus cria dentro do quadro uniforme. Ao contrário, vários criacionismos afirmam que os atos criativos de Deus são exceções ao uniformitarianismo, intervenções sobrenaturais dentro da história cosmológica, geológica e biológica. Essa perspectiva se chama “catastrofismo”.[7] O criacionismo especial acredita que a origem das espécies ocorreu súbita e discretamente - catastroficamente - por atos divinos em momentos repentinos distribuídos ao longo de milhões de anos. A categoria “criacionismo progressivo”, de Numbers, não distingue essas duas doutrinas. Além disso, é preciso distinguir também dois tipos de catastrofismo, que chamarei catastrofismo de origem (os atos criativos não uniformes de Deus aconteceram todos logo depois da criação da Terra) e catastrofismo distribuído (os atos criativos não uniformes de Deus aconteceram em momentos discretos durante o período entre a criação da Terra e hoje).[8] Essa adição à tipologia de Numbers resgata distinções importantes entre criacionismos (ver Tabela 2).
Seria possível dar mais precisão ao esquema de Numbers com a distinção de três (ao invés de dois) métodos de ler a Bíblia. Os criacionistas dia-era e os evolucionistas teístas não interpretam o Gênese da maneira estritamente literal dos criacionistas da Terra Recente. Mas o interpretam de maneiras bem diferentes uns dos outros. Os primeiros aceitam a idéia de que Deus criou o mundo e os seres vivos em seis períodos, mesmo que estes não fossem literalmente “dias” de vinte e quatro horas cada. Chamarei esse tipo de leitura de “leitura figurativa do Gênese”. Os evolucionistas teístas, sendo cristãos, põem grande ênfase no valor do texto bíblico, mais o interpretam menos como uma descrição das atividades criativas de Deus e mais como mito no sentido positivo e abrangente deste termo: uma história que conta verdades importantes usando uma linguagem simbólica que, muitas vezes, escapa a qualquer leitura literal ou estritamente figurativa. Chamarei esse tipo de leitura a “leitura mitológica do Gênese”. Assim modificada, a tipologia de Numbers fica bem mais capaz de descrever os criacionismos cristãos (ver Tabela 2).
Catastrofismo de origem | Catastrofismo distribuído | Uniformitarianismo | |
Leitura literal do Gênese | -Terra Recente -científico -intervalo |
||
Leitura figurativa do Gênese | -Terra Antiga | -dia-era -especial |
|
Leitura mitológica do Gênese | -plano inteligente | -antropocêntrico* -evolucionismo teísta |
Tabela 2. Tipologia de criacionismos de Numbers adaptada
(*) O criacionismo antropocêntrico afirma que um único ato criativo não uniforme de Deus aconteceu depois da criação da Terra, a criação da alma humana
Aprendemos três lições desta discussão do esquema de Numbers. Primeiro, ele aumenta a lista descritiva de criacionismos cristãos. Segundo, aponta (quando esclarecido) três critérios centrais para a elaboração de uma tipologia destes criacionismos: leitura bíblica (literal ou figurativa); modo de atividade divina (uniforme ou pontuado); e período de atividade divina (inicial ou distribuído). Terceiro, em termos mais gerais, aprendemos a importância de não usar os critérios de uma tipologia de maneira exclusiva.
Uma segunda tentativa tipológica de colocar ordem na variedade de criacionismos cristãos é o “espectro criação/evolução” (Creation/Evolution Continuum), de Eugenie C. SCOTT (1997a: 267-272; 1999).[9] Como limites do espectro criação/evolução, Scott lançou mão das categorias de “criação especial” e “evolução”. Todos os criacionismos se alinhariam entre esses dois pontos extremos. Alguns deles aceitam a Terra Recente e outros a Terra Antiga. Seu esquema é representado na Tabela 3.
CRIAÇÃO ESPECIAL | |
-crença na Terra plana -geocentrismo -criacionismo da Terra Recente |
TERRA RECENTE |
-criacionismo do intervalo -teoria do dia-era -criacionismo progressivo -teoria do plano inteligente -evolucionismo teísta -evolucionismo materialista |
TERRA ANTIGA |
EVOLUÇÃO |
Tabela 3. Tipologia de criacionismos de SCOTT (1997a; 1999)
Tal esquema tem certo valor pedagógico, mas também traz problemas. Primeiro, a inclusão da crença na Terra plana e do geocentrismo se presta mais a um papel polêmico do que explicativo (Scott é diretora executiva do National Center for Science Education, uma organização explicitamente pró-evolucionista e anti-criacionista). A semelhança entre essas duas crenças e o criacionismo consiste no fato de as três terem sido apoiadas historicamente em interpretações bíblicas. Do ponto de vista de um anti-criacionista, as três crenças também são iguais por serem todas falsas. Mas, do ponto de vista de quase todos os criacionistas, as primeiras duas também são falsas e a terceira verdadeira (em algumas das suas versões). Portanto, a inclusão das primeiras duas crenças em uma tipologia de criacionismos foge da objetividade padrão das Humanidades e das Ciências Sociais. De passagem, o “evolucionismo materialista” também não cabe dentro de uma tipologia de criacionismos. A sua inclusão também serve uma agenda polêmica, minimizando a distinção entre crenças religiosas e esta interpretação de uma teoria científica.[10]
Segundo, uma vez retiradas essas duas crenças, o uso da distinção entre “Terra Recente” e “Terra Antiga” para dividir o esquema em duas partes fica inefetiva, especialmente ao notarmos que outros critérios (por ex. a leitura literal ou figurativa da Bíblia) poderiam servir até melhor para isso.
Terceiro, e mais fundamental, esse esquema aponta somente um critério para distinguir os criacionismos, o grau de crença na criação especial. Já vimos a utilidade de outros critérios para traçar distinções que ficam escondidas nessa tipologia. Notamos que seu esquema é linear, enquanto o de Numbers cabe somente dentro de uma matriz.
Quarto, o uso de “criação especial” como critério básico e limite do esquema oculta o fato de este termo ser mais bem usado como representante de um elemento dentro do esquema, isto é, um tipo de criacionismo progressivo. Esse problema poderia ser consertado pela utilização de outros conceitos para caracterizar os limites, mais obviamente “catastrofismo” e “uniformitarianismo”.
Apesar desses problemas, a tipologia de Scott oferece uma vantagem sobre a de Numbers. Ela introduz a distinção metodológica entre variáveis discretas e variáveis contínuas. Na tipologia de Numbers, cada criacionismo possui ou não cada um dos critérios: por ex., “leitura bíblica literal, sim ou não?” Na tipologia de Scott, certos criacionismos estão situados mais ao extremo da “criação especial”, enquanto outros mais ao extremo da”evolução”. Esse é outro tipo de critério: por ex., segundo Scott, “evolução, em maior ou menor grau?”
De fato, a escolha dos conceitos de criação especial e evolução para sugerir uma escala ordinal é outra indicação da agenda polêmica de Scott. Simplesmente não é o caso de todos os criacionismos acreditarem até certo ponto mais ou menos na evolução: uns aceitam, mesmo de forma limitada, e outros rejeitam. Portanto, esse critério é uma variável discreta e não contínua, como afirme Scott (veja Tabela 4). Para ser mais exato, o critério de “aceitação da evolução” é discreto (vários criacionismos rejeitam-na absolutamente). Porém, é também contínuo dentro de um quadro menor (o criacionismo antropocêntrico aceita menos a evolução do que o evolucionismo teísta, e os dois menos do que a teoria propriamente científica da evolução).
O critério que Scott indicou como contínuo não funciona, mas existe outro que pode servir: a leitura literal da Bíblia.[11] Por exemplo, podemos dizer que o criacionismo da Terra Recente é mais literalista do que o criacionismo do dia-era, e estes dois mais literalistas do que o criacionismo antropocêntrico, etc. (veja Tabela 4).
LEITURA LITERAL DA BÍBLIA | |
-Terra Recente -científico -Terra Antiga -intervalo -dia-era -especial -plano inteligente |
NEGA A EVOLUÇÃO |
-antropocêntrico -evolucionismo teísta |
ACEITA A EVOLUÇÃO |
LEITURA FIGURATIVA DA BÍBLIA |
Tabela 4. Tipologia de criacionismos de Scott adaptada
Aprendemos duas lições dessa discussão de Scott. Primeiro, a dimensão polêmica do seu esquema nos lembra que a perspectiva acadêmica deve buscar o ponto de vista o mais objetivo possível, sem se posicionar em favor ou contra as crenças estudadas. Segundo, uma tipologia de criacionismos deve usar mais do que um critério. Seria importante, assim, elaborar uma tipologia de modo a que ela indica a presença de variáveis contínuas.
As discussões de van Till, Numbers, e Scott implicam em várias recomendações:
1. Uma tipologia de criacionismos cristãos deve começar com um levantamento dos tipos, usando uma variedade de fontes.
2. Ela deveria distinguir bem entre uma amostra razoável de criacionismos, por exemplo (em ordem alfabética): antropocêntrico, científico, dia-era, especial, evolucionismo teísta, intervalo, plano inteligente, Terra Antiga, Terra Recente.
3. Ela deveria utilizar uma pluralidade de critérios para distinguir os criacionismos: por ex., leitura bíblica (literal ou figurativa); modo de atividade divina (pontuado ou constante, catastrofismo ou uniformitarianismo); período de atividade divina (inicial ou distribuído); grau de aceitação da evolução (intra-espécies, animais, humanos); criação (conjunta ou distinta) de vários objetos (o universo, a Terra, as espécies de animais, os humanos, e a alma humana); e a idade da Terra (Jovem ou antiga).
4. Esses critérios devem ser aplicados independentemente de cada um dos demais critérios.
5. Será mais útil a tipologia conseguir indicar o fato de certos critérios serem variáveis discretas e de outros serem variáveis contínuas (os criacionismos podem possuir ou não ter este primeiro tipo e podem possuir, em maior ou menor grau, o último). Os candidatos a tal função são os critérios da leitura bíblica e do modo de atividade divina.
6. Todos os criacionismos cristãos o são no sentido de compartilhar uma visão fundamentalmente bíblica da criação, mesmo que interpretem essa perspectiva dentro do quadro supostamente científico.
7. Portanto, o critério da leitura bíblica (literal ou figurativa) deveria ter um papel central em qualquer tipologia, podendo até servir como uma variável contínua, marcando o eixo mais importante que distingue os vários criacionismos.
Na base destas sugestões oriundas da análise das duas tipologias acima é possível elaborar uma tipologia mais ampla e abrangente dos criacionismos cristãos (veja Tabela 5). Essa tipologia distingue nove tipos de criacionismo usando cinco critérios: (i) leitura bíblica (literal, figurativa, ou mitológica); (ii) período da atividade criativa divina (em um único período curto no início, em um único período curto depois do início ainda na Antigüidade, distribuída durante um período na Antigüidade ou distribuída durante todo o período desde o início); (iii) modo de atividade divina; (iv) criação conjunta (o universo, a Terra, os animais, os humanos, a alma humana); (v) a idade da Terra (Jovem ou antiga). A categoria de “criação conjunta com a alma humana” salienta aquilo que é considerado co-criado com a alma humana: por ex., os humanos, em corpo e alma, foram criados dentro do mesmo prazo curto junto com a Terra?
TR | CI | TA | IN | DE | ES | PI | AN | ET(*) | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Leitura bíblica | Gên. literal | X | X | X | X | |||||
Gên. figura. | X | X | ||||||||
Gên. Mito. | X | X | X | |||||||
Atividade divina (período) |
único- inicial | X | X | X | ||||||
único-Antiga | X | |||||||||
dist.-Antiga | X | |||||||||
distribuída | X | X | X | X | ||||||
Atividade divina (modo) |
catastrófico | X | X | X | X | X | X | |||
part.-unif. | X | X | ||||||||
uniforme | X | |||||||||
Criação conjunta com a alma humana |
universo | X | X | |||||||
Terra | X | X | ||||||||
animais | X | X | X | X | ||||||
humanos | X | X | X | X | X | X | X | |||
alma | X | X | X | X | X | X | X | X | ||
Idade da Terra | Jovem | X | X | |||||||
Antiga | X | X | X | X | X | X | X | |||
Aceita a evolução | não | X | X | X | X | X | X | X | ||
sim | X | X | ||||||||
<<< literal (Leitura bíblica) figurativa >>> | ||||||||||
<<< catastrofismo (Modo de atividade divina) uniformitarianismo >>> |
Tabela 5. Tipologia proposta de criacionismos cristãos
(*) Abreviaturas: TR (Terra Recente); CI (científico); TA (Terra Antiga); IN (intervalo); DE (dia-era); ES (especial); PI (plano inteligente); AN (antropocêntrico); ET (evolucionismo teísta). “Gên. literal” (leitura literal do Gênese) “Gên. figura.” (leitura figurativa do Gênese) “Gên. mito.” (leitura mitológico do Gênese) “dist.-Antiga” (distribuída na Antigüidade) “part.-unif.” (parcialmente uniforme).
Como as faixas em baixo da Tabela 5 indicam, os criacionismos variam seguindo duas variáveis mais ou menos contínuas: a leitura bíblica é mais literal para a esquerda e mais figurativa, até mitológica, para a direita; a crença no catastrofismo domina para a esquerda e no uniformitarianismo para a direita. De fato, existem valores discretos, como indicado dentro da Tabela. Duas das categorias sob o critério de “atividade divina (período)” — as de “único-Antiga” (único evento de criação na Antigüidade, não no início) e “dist.-Antiga” (distribuída durante um período na Antigüidade) — são, de certa maneira, incluídas ad hoc para abranger os criacionismos de intervalo e dia-era. Porém, esse artifício se presta a uma função importante: indica uma dimensão da continuidade de posições entre o catastrofismo e o uniformitarianismo.
Um fato interessante é que essa tipologia não distingue entre dois criacionismos: da Terra Recente e “científico”. As diferenças entre ambos consistem não na lista de crenças substantivas, mas no posicionamento desse sistema de crenças em relação a outro. Como notado acima, afirmações contra a teoria da evolução formam uma parte importante da literatura do criacionismo científico cristão.[12]
Podemos notar outro fato interessante, salientado pelo critério “criação conjunta”. Nos dois extremos da Tabela (lendo da esquerda para a direita), existe uma convergência entre as crenças sobre as origens geológicas e biológicas: os criacionistas que aceitam a visão religiosa ou a científica em termos mais ou menos plenos aceitam o mesmo tipo de explicação para as origens da Terra e dos seres vivos, seja catastrófica ou uniforme. Para os criacionismos do meio da Tabela existe uma tendência de aceitar as transformações geológicas e negar as transformações biológicas, o que resulta em crenças que poderíamos chamar de híbridas. A tipologia de Scott já apontava esse aspecto, mas de modo confuso, por causa da sua agenda polêmica. A tipologia aqui proposta é bem mais clara.
É possível criticar algumas das caracterizações dos criacionismos discutidos acima. Ao elaborar essa tipologia, trabalhei com uma seleção de descrições publicadas de criacionismos. De fato, existem variações nas crenças dos criacionistas, mesmo dentro dos tipos tratados aqui. Tais variações poderiam servir como base de críticas hipotéticas, por ex. a de que certo tipo caberia melhor dentro de outro quadro de uma das Tabelas adaptadas acima (veja Tabelas 2, 4, 6); ou que as características de algum tipo seriam diferentes do representado na Tabela 5. Afinal de contas, os criacionistas científicos cristãos concordam uns com os outros, sobretudo na idéia de que a teoria da evolução é errada e perigosa; todavia, existem aqueles que acreditam na Terra Antiga, mesmo que a maior parte acredite na Terra Jovem. Contudo, é importante notar que uma crítica hipotética da base descritiva desse projeto tipológico não serve em si como crítica da tipologia proposta. Serviria, no máximo, para mexer com os detalhes dentro das Tabelas. Os criacionismos que servem como base de dados da análise existem, mesmo que possamos debater a terminologia apropriada a cada um deles ou adicionar outros tipos.
Esta tipologia enquadra todo um espectro de variações entre crenças criacionistas, incluindo tipos não discutidos aqui. Assim, pode servir três funções. Primeiro, ela nos ajude a entender as relações entre os criacionismos cristãos, os atuais e os históricos. Segundo, facilita perguntas sobre o fato de certas crenças serem enfatizadas e não outras. Terceiro, fornece uma boa base para comparar os criacionismos cristãos com os não-cristãos, como discutirei em outro ensaio.
ANTOLIN, M. F.; HERBERS, J. M. 2001 “Evolution’s Struggle for Existence in America’s Public Schools”, Evolution, vol. 55, nº 12: 2379-2388.
ARNHART, L. 2005 “Evolution–Creationism Debate”, in MITCHAM, C. (org.), Encyclopedia of Science, Technology, and Ethics, 4 vols. Detroit, Macmillan Reference, vol. 2, pp. 720-723.
AZEVEDO, R. C. 1999 A Origem Superior das Espécies, São Paulo, Editora Universitária Adventista (EDUNA).
AYALA, F. J. 2006 Darwin and Intelligent Design, Minneapolis, Augsburg Fortress Press.
BARKER, E. 1987 “Does It Matter How We Got Here? Dangers Perceived in Literalism and Evolutionism”, Zygon: Journal of Religion and Science, vol. 22, nº 2: 213–25.
BEHE, M. J. 1996 Darwin’s Black Box: The Biochemical Challenge to Evolution. New York.
BRANCO, S. M. 1995 Evolução das espécies: o pensamento científico, religioso e filosófico. São Paulo, Editora Moderna.
BROWN, C. M. 2002 “Hindu and Christian Creationism: ‘Transposed Passages’ in the Geological Book of Life”, Zygon: Journal of Religion & Science, vol. 37, nº 1: 95-114.
CREMO, M. A.; THOMPSON, R. L. 1998 Forbidden Archeology: The Full Unabridged Edition, 2a ed., Badger, CA, Torchlight Publishing.
CRUZ, E. R. 2004 “Criacionismo, lá e aqui”, ComCiência vol. 56. http://www.comciencia.br/200407/reportagens/16.shtml
DEMBSKI, W. A. 2000 “The Design Argument”, in FERNGREN, G. B. (org.), The History of Science and Religion in the Western Tradition: An Encyclopedia, Nova Iorque, Garland Publishing Co., pp. 65-67.
_____________ 2005 “Intelligent Design”, in Jones, L. (org.), Encyclopedia of Religion, 15 vols., 2a ed., Detroit: Macmillan Reference, vol. 7, pp. 4515-4518.
EDIS, T. 2007 An Illusion of Harmony: Science and Religion in Islam, Amherst, Prometheus Books.
ELDREDGE, N.; GOULD, S. J. 1972. “Punctuated Equilibria: An Alternative to Phyletic Gradualism”, in SCHOPF, T.J.M. (org.), Models in Paleobiology, San Francisco, Freeman Cooper, pp. 82-115.
FEFFER, L. B. 2003 “Creationism”, in KUTLER, S. I. (org.), Dictionary of American History, 10 vols., 3ª ed., New York, Charles Scribner’s Sons, vol. 2, pp. 446-447.
FRAME, R. L. 1996 “The Pope Says Evolution ‘More than a Hypothesis’”, Christianity Today, vol. 40, 9 de dez: 72-73.
FREIRE-MAIA, N. 1986 Criação e evolução: Deus, o acaso e a necessidade, Petrópolis, Vozes.
GEORGE, M. 2001 “And Then God Created Kansas? The Evolution/Creationism Debate in America’s Public Schools”, University of Pennsylvania Law Review, vol. 149, nº 3: 843-872.
HAM, K. 1987 The Lie: Evolution, Green Forest, AR, Master Books.
HENEGHAN, T. 2006 “Muslim Creationism Makes Inroads in Turkey”, MSNBC / Reuters, http://www.msnbc.msn.com/id/15857761/.
HEWLETT, M. 2005 “Evolution: The Controversy with Creationism”, in Jones, L. (org.), Encyclopedia of Religion, 15 v., 2a ed., Detroit: Macmillan Reference, Vol. 5, pp. 2907-2913.
KOENIG, R. 2001 “Creationism Takes Root Where Europe, Asia Meet”, Science, vol. 292, nº 5520: 1286-1287.
LONGLEY, E. 2000 “Creationism”, in PENDERGAST, S.; PENDERGAST, T. (orgs.), St. James Encyclopedia of Popular Culture, 5 vols., Detroit, St. James Press, vol. 1, pp. 627-628.
MARTINS, M. V. 2004 “O criacionismo chega às escolas do Rio de Janeiro: uma abordagem sociológica”, ComCiência vol. 56. http://www.comciencia.br/200407/reportagens/10.shtml
McCALLA, A. 2006 The Creationist Debate: The Encounter between the Bible and the Historical Mind. Londres e Nova Iorque, T&T Clark.
MORRIS, H. M. 1965 A Bíblia e a Ciência Moderna, São Paulo, Imprensa Batista Regular.
_____________ 1981 Scientific Creationism. San Diego, CLP Publications.
NANDA, M. 2006 “Vedic creationism in America”, Frontline, vol. 23, nº 01. http://www.frontlineonnet.com/fl2301/stories/20060127003309700.htm
NEFF, D. 1997 “Pope, the Press, and Evolution”, Christianity Today, vol. 41, 6 de jan: 18-19.
NUMBERS, R. L. 1986 “The Creationists”, in LINDBERG, D. C.; NUMBERS, R. L. (orgs.), God and Nature: Historical Essays on the Encounter between Christianity and Science, Berkeley, University of California Press, pp. 391-423. Republicado: Zygon: Journal of Religion & Science, vol. 22, nº 2 (1987): 133-164.
______________ (org.) 1995 Creationism in Twentieth Century America: A Ten-Volume Anthology of Documents, 1903–1961. 10 vol. Nova Iorque e Londres, Garland Publishing Co.
______________ 2006 [1992] The Creationists: From Scientific Creationism to Intelligent Design, 2ª ed., Cambridge, MS, Harvard University Press.
OLDROYD, D. R. 2000 “Theories of the Earth and its Age before Darwin”, in
FERNGREN, G. B. (org.), The History of Science and Religion in the Western Tradition: An Encyclopedia, Nova Iorque, Garland Publishing Co., pp. 391-396.
PENNOCK, R. T. 2003 “Creationism and Intelligent Design”, Annual Review of Genomics and Human Genetics, vol. 4: 143-163.
RUPKE, N. A. 2000 “Geology and Paleontology from 1700 to 1900”, in FERNGREN, G. B. (org.), The History of Science and Religion in the Western Tradition: An Encyclopedia, Nova Iorque, Garland Publishing Co., pp. 401-408.
RUSE, M. 2005 “Creationism”, in HOROWITZ, M. (org.), New Dictionary of the History of Ideas, 6 vols., Detroit, Charles Scribner’s Sons, vol. 2, pp. 489-493.
SALADIN, K. S. 2002 “Creationism”, in ROBINSON, R. (org.), Biology, 4 vols., New York, Macmillan Reference, vol. 1, pp. 185-187.
SCOTT, E. C. 1997a “Antievolution and Creationism in the United States”, Annual Review of Anthropology, vol. 26: 263-289.
___________ 1997b “Creationists and the Pope’s Statement”, The Quarterly Review of Biology, vol. 72, nº 4, 401-406.
___________ 1999 “The Creation/Evolution Continuum”, Reports of the National Center for Science Education, vol. 19:16–17, 21–23. http://www.ncseweb.org/resources/articles/9213_the_creationevolution_continu_12_7_2000.asp
STENSON, J. B. 1984 “Evolution: A Catholic Perspective”, Catholic Position Papers, série A, nº 116, Ashiya-Shi, Japão, Seido Foundation for the Advancement of Education. http://www.ewtn.com/library/humanity/evolutn.txt
VAN TILL, H.J. 2003a “Creationism”, in VAN HUYSSTEEN, J. W.V. (org.), Encyclopedia of Science and Religion, 2 vol., Nova Iorque, Macmillan Reference, vol. 1, pp. 187-190.
____________ 2003b “Creation Science”, in VAN HUYSSTEEN, J. W. V. (org.), Encyclopedia of Science and Religion, 2 vol., Nova Iorque, Macmillan Reference, vol. 1, p. 190.
WILSON, L. G. 2000 “Uniformitarianism and Actualism”, in FERNGREN, G. B. (org.), The History of Science and Religion in the Western Tradition: An Encyclopedia, Nova Iorque, Garland Publishing Co., pp. 409-413.
Recebido: 17/04/2007
Aceite final: 23/06/2007
[*] Steven Engler é PhD e professor de Ciências da Religião no Mount Royal College, Calgary, Alberta, Canadá; é pesquisador adjunto do Centro “Cardeal Arns” de Estudos Interdisciplinares (CECREI) e professor visitante do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião da PUC-SP; é também bolsista da CAPES/Brasil. O autor agradece ao parecista anônimo por seus comentários cuidadosos, assim como ao Prof. Dr. Eduardo Rodrigues da Cruz (PUC-SP) pela generosidade de repartir o seu conhecimento e insights em várias discussões sobre o criacionismo.
[1] Existem poucas discussões acerca do criacionismo em português (fora de obras criacionistas, por ex. MORRIS [1965] e AZEVEDO [1999]). Ver especialmente a edição sobre o assunto da revista on-line ComCiência vol. 56, julho de 2004, disp em http://www.comciencia.br/200407/reportagens/01.shtml, especialmente CRUZ 2004. Veja também FREIRE-MAIA (1986), BRANCO (1995) e o site da Sociedade Criacionista Brasileira (SCB) http://www.scb.org.br/.
[2] O termo “creation science” é, em geral, sinônimo de “scientific creationism” (veja NUMBERS 2006: 7). Traduzo os dois termos por “criacionismo científico”.
[3] É necessário esclarecer o que é o “criacionismo da Terra Antiga”. De fato, todos os tipos de criacionismo, a não ser os da Terra Jovem, estabelecem a crença em um uma Terra Antiga. Mas, neste ensaio, restrinjo o termo à crença de que Deus criou todos os seres vivos em seis dias literais (catastrofismo de origem), mas que tais eventos aconteceram em uma Terra Antiga, como afirma a Geologia.
[4] Nas Ciências da Religião, conjunto de disciplinas que estuda as religiões sem privilegiar qualquer uma delas, se usa geralmente AEC (Antes da Era Comum) em vez de a.C. (antes de Cristo) e EC (Era Comum) em vez de d.C. (depois de Cristo).
[5] Este termo é usado vagamente na literatura sobre criacionismos cristãos. Sugiro que seja restrito à crença de que houve uma série de atos criativos, cada um resultando na criação de outro elemento dos quadros biológicos e geológicos da Terra (a palavra “especial” não se refere às espécies, mas ao caráter excepcional da intervenção divina na historia natural). Portanto, os criacionismos científico e da Terra Recente não seriam tipos de criacionismo especial, posto que (em geral) acreditam na criação das espécies por um só ato e não por uma série de atos distribuídos durante um longo período de tempo.
[6] O termo “criacionismo especial” é usado às vezes também para esse tipo de criacionismo, sendo este um dos motivos para a sugestão deste termo distinto.
[7] Para resumos das tensões históricas entre o uniformitarianismo e o catastrofismo veja RUPKE (2000) e WILSON (2000).
[8] Tal distinção ajudaria também a esclarecer as comparações entre o criacionismo e a teoria da evolução, já que existe uma versão menos uniformitária e mais catastrófica desta última: a teoria do equilíbrio pontuado (ELDREDGE e GOULD, 1972). Essa teoria de grande impacto popular, apesar de não ser muita aceita pelos biólogos, sugere que a evolução se dá não gradualmente e em um ritmo uniforme, mas, em sua maior parte, em períodos curtos nos quais grandes mudanças e grandes pressões seletivas acontecem catastroficamente. Existem outras importantes variações dentro do quadro da “teoria neo-darwiniana da evolução”. Cabe discutir “a teoria da evolução” como se fosse algo monolítico dentro desta discussão dos criacionismos cristãos, sendo que essas visões religiosas a tratam assim, e sendo que o alvo do presente ensaio não é a comparação do criacionismo com o evolucionismo, mas o esclarecimento dos criacionismos cristãos.
[9] Gráfico que ilustra o espectro criação/evolução em http://www.ncseweb.org/graphics/continuum.gif.
[10] Em geral, a presença de metas polêmicas em tais tipologias indica uma falta de valor descritiva. Outro exemplo nítido disso é o livro do cientista brasileiro Newton FREIRE-MAIA, Criação e evolução (1986: 20-23). Ele distingue os criacionistas-fixistas, os criacionistas-semifixistas, e os criacionistas-evolucionistas (e descreve também os evolucionistas-materialistas e os evolucionistas-agnósticos, que não cabem dentro do enfoque presente). Os criacionistas-fixistas acreditam que “Deus criou todos os seres vivos ... e, desde o início, não houve mudanças evolutivas” (1986: 20). Freire-Maia duvida que haja criacionistas fixistas no mundo atual: “Com exceção de pessoas destituídas de qualquer informação científica, é possível que não haja mais ninguém capaz de adotar essa posição tão extrema. Os fundamentalistas são, em geral, criacionistas-semi-fixistas...” (1986, 20). Os criacionistas-semifixistas acreditam que “Deus criou o homem e todas as espécies animais e vegetais ditas selvagens, que se mantiveram fixas até hoje; os animais domésticos e as plantas cultivadas ... desenvolveram-se por evolução (intra-específica)” (1986, 20). Os criacionistas-evolucionistas acreditam que Deus criou o mundo já com certas propriedades evolutivas nele: isto é, acreditam na evolução como um processo criado por e dirigido por Deus. Esse esquema deixa a primeira categoria vazia (já que não há criacionismo que caiba nela). E ele aponta que as outras duas categorias acreditam na evolução; mas a maior parte dos criacionistas discordaria vigorosamente de tal afirmação. O esquema também deixa mal explicada a grande variação entre os criacionistas-semifixistas, categoria na qual cabe a maior parte dos criacionismos já discutidos no presente ensaio: “A posição dos criacionistas-semifixistas admite uma variedade de posições de acordo com o ‘nível’ de organização que se aceita como fixo de dentro do qual a evolução poderia ocorrer” (FREIRE-MAIA, 1986: 20). Freire-Maia tenta forçar uma convergência entre o criacionismo e a teoria da evolução, aplicando uma definição abrangente demais da “evolução”. O resultado é uma tipologia que não captura as características mais importantes dos criacionismos, tanto que a maioria cabe dentro de uma categoria só. Um dos problemas básicos é metodológico: Freire-Maia fez um levantamento de textos teológicos e filosóficos sem investigar a variedade atual de crenças criacionistas. Estão ausentes de sua bibliografia textos que descrevem os criacionismos históricos e atuais (por ex. as obras de Ronald Numbers).
[11] A visão errada da evolução como variável contínua (em vez do critério mais obviamente apropriado, a leitura literal da Bíblia), talvez se deva ao fato de Scott se interessar mais em defender o ponto de vista da ciência do que esclarecer os criacionismos.
[12] Esta dimensão, mais ideológica, do criacionismo científico será esclarecida em outro ensaio, em comparação com os criacionismos não-cristãos.