Religiões entre Brasileiros no Japão: Conversão ao Pentecostalismo e Redefinição Étnica

Rafael Shoji[*] []

Resumo

Após uma contextualização dos fluxos imigratórios e movimentos religiosos entre brasileiros no Japão, este ensaio apresenta dados que indicam o crescimento do movimento pentecostal brasileiro e das novas religiões japonesas entre os nikkei no Japão, ocupando o espaço aberto pela relativamente baixa penetração da Igreja Católica e do Espiritismo. Seguindo uma perspectiva teórica dada pela economia das religiões e por redes sociais, o artigo propõe explicações sociológicas para essa evolução, no qual se destacam os seguintes pontos: 1. ao contrário do Catolicismo, que tem dificuldades para se apresentar como um espaço étnico brasileiro, os grupos pentecostais se disseminam eficientemente através de redes sociais a partir da abertura de templos para atendimento otimizado da demanda e em regiões com alta concentração de brasileiros, com decasségui que se tornam pastores; 2. o Pentecostalismo, através de redes de assistência e pelo oferecimento da conversão evangélica como forma de lidar com as situações de crise que o imigrante brasileiro sofre no Japão, tem suprido um papel social insuficientemente desempenhado por outras estruturas sociais transplantadas do Brasil ou grupos de apoio oferecidos no Japão; 3. os movimentos neopentecostais apresentam um baixo nível de tensão étnica e incorporam expectativas de resultados que a maior parte dos adeptos tem buscado na religião, incluindo versões da teologia da prosperidade e curas, mas ainda apresentam uma baixa plausibilidade no contexto japonês e atraem especialmente os que querem retornar ao Brasil; 4. enquanto o Cristianismo atrai especialmente brasileiros sem descendência ou com pouca identificação com o Japão, os nikkei integram-se mais rapidamente ao Japão através das novas religiões japonesas e de uma reinterpretação de um vínculo com seus antepassados. Ao final são apontadas algumas tendências referentes ao futuro das religiões entre os imigrantes brasileiros no Japão, tendo-se em vista o rápido declínio do Catolicismo e a ascensão do Pentecostalismo.

Palavras-chave: Decasségui, imigração brasileira, Pentecostalismo, etnicidade, economia das religiões, redes sociais.

Abstract

Following a contextualization of immigration patterns and religious movements among Brazilians in Japan, this essay presents data indicating the growth of the Brazilian Pentecostal movement and increasing participation in new Japanese religions by nikkei, filling the void left by the relatively weak influence of Catholic Church and Spiritism. Following an analytical perspective oriented by the theory of religious economy, as well as social networks, this article proposes a sociological explanation of the religious behavior of Brazilians in Japan. The main points are: 1. As opposed to Catholicism, which has difficulties in presenting itself as a Brazilian ethnic space, Pentecostal groups are spread efficiently through social networks, founding churches in order to capitalize on the existing demand in areas with a high concentration of Brazilians, with the dekasegi themselves serving as pastors; 2. Pentecostalism, through networks of social assistance and the offer of evangelical conversion as a way to deal with the crises that Brazilian immigrants suffer in Japan, has fulfilled a need that has not been adequately addressed by other social structures transplanted from Brazil or by support groups in Japan; 3. The neopentecostal movements have a low level of ethnic tension and incorporate expectations of results that most of their supporters have been seeking, including versions of Prosperity Theology and cures, but they still have a relatively low plausibility within the Japanese context and tend to attract those who still wish to return to Brazil; 4. While Christianity particularly attracts Brazilians without Japanese heritage or who have little identification with Japan, many Nikkei are able to integrate more quickly into Japanese society through the new Japanese religions which offer a reinterpretation of their connections with their ancestors. Finally, several tendencies regarding the future of religious belief among Brazilian immigrants in Japan will be considered, in light of the rapid decline of Catholicism and the rise of Pentecostalism.

Keywords: Dekasegi, Brazilian immigration, Pentecostalism, ethnicity, the economy of religions, social networks.

1. Introdução: Religiões entre Brasileiros no Japão

O fluxo migratório de brasileiros para o Japão, um fenômeno chamado de decasségui (do japonês dekasegi, literalmente “sair para ganhar dinheiro”, indicando uma residência temporária com o objetivo de se trabalhar), pode ser visto como a mais nova fase de imigração no eixo Japão-Brasil, conforme o gráfico abaixo. As três principais ondas migratórias abaixo (do Japão para o Brasil antes e depois da Segunda Guerra Mundial, do Brasil para o Japão a partir dos anos 90) estão ligadas não só pelo fato de representarem um fluxo quase contínuo de deslocamento, mas também porque a imigração ao Japão só foi permitida para descendentes de japoneses (até a terceira geração) e seus cônjuges[1] com a flexibilização das leis de imigração japonesa em 1990. Em termos quantitativos, pode-se observar que o número de japoneses que inicialmente imigraram para o Brasil já é menor do que o número de nikkeis e brasileiros que trabalharam e moram no Japão. O número de brasileiros no Japão só teve uma redução em meados da década de 90, devido à recessão japonesa.

Gráfico 1: Número de migrantes entre o Japão e Brasil, dados do Consulado Japonês e do Ministério da Justiça Japonês

Estudos antropológicos realizados na década de 90 reforçam o dado de que a tendência dos decasségui no Japão estava em uma ênfase na identidade brasileira do grupo, em detrimento da valorização da herança étnica japonesa observada com mais intensidade entre os nikkei no Brasil (TSUDA 1999; LINGER 2001; ROTH 2002). Antes, no entanto, a imigração era vista como temporária pela maioria, mas atualmente essa percepção tem se alterado devido aos laços e famílias no Japão e a fatores da economia japonesa e brasileira. Tendo crescido na década de 1990[2], o movimento decasségui já conta com quase 20 anos e vem sendo lentamente substituído por um processo de imigração mais definitivo ou pelo retorno ao Brasil. A tendência mais significativa parece ser o estabelecimento definitivo no Japão, com a compra de residências financiada a longo prazo, a diminuição das remessas ao Brasil, a educação de crianças e adolescentes na escola japonesa e o estabelecimento de estruturas comunitárias mais definitivas, organizada por brasileiros. Cerca de 80 mil brasileiros já têm visto permanente no Japão, ainda que esse status não signifique a decisão de um estabelecimento definitivo. Essa possibilidade de imigração, ao invés da perspectiva do trabalho temporário (decasségui), é possibilitada especialmente pelo fato de a imigração brasileira ser legalizada e atender a uma crescente demanda de mão-de-obra nas fábricas japonesas, não preenchida pelos japoneses[3].

Um dos principais fenômenos que acompanham o processo de imigração, de especial interesse para a Ciência da Religião, diz respeito à transplantação das religiões e mudança do comportamento religioso do grupo no novo contexto. No Brasil, os nikkei (descendentes de japoneses) têm, em sua maioria, um pertencimento caracterizado pelo chamado Catolicismo nominal ou não-praticante[4]. Em termos estatísticos, a presença do Catolicismo tende a ser proporcionalmente menor entre os nikkei do que entre brasileiros, segundo os dados do IBGE para os dados de religião entre os que se autodeclaram pertencentes a cor “amarela”[5] (ver gráfico 2). A presença de grupos evangélicos entre os de cor amarela, adicionalmente, não é tão significativa quanto entre os brasileiros. Por outro lado, quase como que complementando a diminuição proporcional de cristãos, tem-se o Budismo e as novas religiões japonesas bem mais presentes na comunidade nikkei, o que é natural considerando uma religiosidade étnica e o papel da comunidade nikkei no estabelecimento das novas religiões japonesas no Brasil.

Gráfico 2: Comparativo em termos proporcionais da religião entre brasileiros e cor “amarela”, dados do Censo 2000 do IBGE

O objetivo principal desse artigo é estudar as mudanças de comportamento religioso dos nikkei e brasileiros no Japão, inicialmente mostrando dados que revelam uma tendência de fortalecimento das igrejas evangélicas pentecostais e das novas religiões entre os nikkei. Em paralelo à descrição das principais correntes religiosas entre brasileiros no Japão, será oferecida uma análise das principais razões sociológicas da mudança de filiação religiosa. Em termos proporcionais, as igrejas pentecostais têm muito mais sucesso no Japão devido a uma oferta otimizada e relativamente grande para o atendimento de demanda de uma religiosidade étnica, na ausência de instituições sociais brasileiras e redes de assistência. Nesse sentido, elas atraem especialmente os mestiços ou brasileiros sem descendência japonesa, atuando muitas vezes como uma família estendida, oferecendo uma forma de resolução de problemas a partir da conversão.

Nesse processo, vários decasségui têm se tornado pastores depois de sua conversão no Japão e já existem várias igrejas locais independentes, o que já faz com que o movimento se reproduza sem a necessidade de missionários vindos do Brasil. A maioria das igrejas se estabeleceu a partir da iniciativa local de um decasségui que começou a atuar como pastor e que só posteriormente optou por ter uma rede independente ou por se associar a alguma congregação brasileira. No Japão, as igrejas evangélicas têm se enraizado especialmente nas regiões periféricas, onde a maior parte dos brasileiros mora (especialmente os conjuntos residenciais ou danchi), ocupando um espaço comunitário com atividades que buscam preservar uma identidade brasileira no Japão, ao mesmo tempo atuando em problemas que não têm sido suficientemente cobertos por outras organizações, como por exemplo na prevenção de conflitos e intermediação com japoneses, além da recuperação de dependentes químicos e brasileiros presos em reformatórios e presídios japoneses. Devido à expansão desse movimento e ao caráter migratório dos adeptos, o Japão já tem sido usado como base para uma missão reversa para cidades no Brasil e para outros países da Ásia.

Os resultados neste artigo refletem um trabalho de campo preliminar realizado entre fevereiro e abril de 2004 e um acompanhamento mais extenso e detalhado entre janeiro de 2007 e fevereiro de 2008. A principal região de pesquisa foi a província de Aichi-ken, com o acompanhamento de cultos e entrevistas realizadas nas cidades de Nagóia, Toyota, Kariya, Komaki, Anjo e Toyohashi. Ainda que a maior parte das atividades de campo tenha sido realizada em Aichi-ken (especialmente em Nagóia e Toyota), também foram realizadas observações em Hamamatsu (Shizuoka-ken), Toki (Gifu-ken) e Kanazawa (Ishikawa-ken).

Para um levantamento estatístico básico foi criado um repositório de dados com as instituições religiosas que atendem brasileiros no Japão e realizam alguma atividade exclusivamente religiosa, reunindo 313 locais no total. A quantidade de locais ou endereços de templos foi fornecida pelas próprias instituições em entrevistas, em suas publicações impressas ou no vasto material disponível nos seus sítios na Internet. Como material adicional, foram usados anúncios em jornais e revistas para brasileiros, especialmente no Jornal International Press e nos anúncios da revista evangélica Mensageiro da Paz.

O levantamento com base em número de locais, conforme será apresentado nos gráficos abaixo, será considerado uma aproximação no que diz respeito ao tamanho da oferta de cada denominação. Apesar das formas bastante diferentes de organização dos grupos e do diferente tamanho de cada local de culto, esses números indicam a penetração das denominações na comunidade brasileira no Japão, especialmente no que diz respeito aos adeptos praticantes (a partir dos dados sobre número de adeptos nos grupos e pelas observações de campo, o autor estima que no máximo 30% dos brasileiros no Japão estão engajados em alguma atividade religiosa regular, mas esse valor vem crescendo nos últimos anos). Levantamentos estatísticos precisos sobre pertencimento religioso no Japão praticamente inexistem, principalmente devido a fatores metodológicos e da ausência desses dados nos estudos populacionais oficiais. Essa dificuldade na obtenção de dados sobre o pertencimento religioso é ainda maior no caso de uma população flutuante de estrangeiros como os decasségui brasileiros. Nos casos em que foi possível obter dados sobre número de participantes a partir de entrevistas com os líderes, eles em geral refletem proporcionalmente os dados levantados, mas especialmente no caso da Igreja Católica o número de religiosos praticantes é muito inferior ao de católicos nominais. Como no Brasil, mas com uma velocidade maior, são exatamente esses católicos não-praticantes que se convertem no Japão a novas religiões japonesas ou aos grupos pentecostais.

Em termos qualitativos, além do convívio a partir de uma perspectiva nativa com a comunidade nikkei e brasileira no Japão, a fonte principal foram entrevistas e o acompanhamento de missas e cultos em igrejas, casas e apartamentos. No contexto desse artigo, foram acompanhadas atividades nas seguintes instituições: Igreja Católica, Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), Igreja Internacional da Graça, Missão Apoio, Igreja Presbiteriana Renovada e Núcleo Espírita Cristão do Japão (NEC-J), além de reuniões mais gerais como o encontro carismático de jovens em Nagóia ou assembléias da Associação dos Ministros Evangélicos no Japão (AMEJ). Adicionalmente, este estudo se beneficiou do acompanhamento da mídia em português no Japão e do amplo material etnográfico oferecido na forma de vídeos evangélicos, realizados e comercializados localmente, além do amplo material em multimídia disponível nos sítios na Internet. Praticamente todas as igrejas pentecostais e neopentecostais no Japão já oferecem alguma programação ou disponibilizam cultos gravados ou depoimentos de conversão, o que diminuiu a necessidade, em alguns casos, de uma investigação etnográfica presencial.

2. Religiões entre Brasileiros no Japão

2.1. Panorama Geral

Um levantamento quantitativo das igrejas e templos com serviços em português, representado no gráfico 3, revela uma significativa oferta das novas religiões japonesas e dos grupos evangélicos entre os brasileiros no Japão[6].

Gráfico 3: Comparativo em termos proporcionais dos números de locais de cultos em português para brasileiros. Fonte: dados fornecidos pelas instituições em publicações impressas ou sítios na Internet, complementados por jornais e revistas para brasileiros

No levantamento acima foram considerados somente locais não-residenciais para os serviços religiosos. Em alguns casos, especialmente nos grupos evangélicos pentecostais e em algumas novas religiões japonesas, como Perfect Liberty e Seicho-no-ie, são comuns reuniões e cultos nas casas dos adeptos. No caso das igrejas evangélicas, uma organização em forma de células é um dos fatores responsáveis pela expansão dessa corrente religiosa, já que o culto nas casas diminui a necessidade de espaço físico próprio e estimula a formação de pastores locais, que nem por isso deixam de trabalhar como decasségui. Locais residenciais não foram considerados no levantamento acima, e também não foram incluídos eventuais centros culturais que pertencem a instituições religiosas, mas que não realizam atividades religiosas regularmente.

Os números acima, claros do ponto de vista de oferta mais geral, são ainda mais perceptíveis do ponto de vista etnográfico. Isso ocorre tanto pela maior presença de grupos evangélicos em cidades onde mais existem brasileiros quanto pela maior penetração deles nas comunidades periféricas onde os brasileiros residem, como os danchi, que em geral contém vários grupos ou células evangélicas, mas raramente uma Igreja Católica com missas em português.

Adicionalmente, em termos de uso da mídia, como no Brasil, os pentecostais têm uma atuação bem mais marcante. Além de revistas e informativos evangélicos, já existem inclusive programas de televisão e uma intensa comercialização de CDs e DVDs. Praticamente todas as igrejas neopentecostais também têm oferecido algum serviço de vídeo via Internet, muitas vezes feitos pelos próprios convertidos. A mídia católica para brasileiros, algo no Brasil em grande parte controlado pela Renovação Carismática, é ainda pouco expressiva e inserida dentro do contexto da Pastoral dos imigrantes e refugiados da Igreja Católica japonesa.

Essa maior oferta pentecostal do ponto de vista quantitativo, geográfico e de mídia, através de igrejas, pastores decasségui em regiões remotas e da disseminação de material evangélico em diversos formatos, já justifica a afirmação de que a religiosidade dos decasségui já apresenta um padrão bem diferente do que é encontrado entre os nikkei no Brasil. Conforme será desenvolvido nos itens a seguir, uma maior demanda religiosa, causada pelos desajustes e crises decorrentes da imigração, não pôde ser facilmente suprido pela Igreja Católica, o que foi contrabalançado por uma maior oferta de grupos pentecostais e pela redefinição étnica a partir das novas religiões japonesas.

Em termos mais teóricos, esse processo será entendido com o instrumental analítico da economia das religiões e da influências das redes sociais na conversão, especialmente no caso do Cristianismo (STARK; BAINBRIDGE 1987; STARK 1987; STARK 2006; IANACONNE, 1997). Esses conceitos têm evoluído de teorias de escolha racional para um paradigma dentro da Sociologia da Religião, e serão adaptados neste artigo para o caso da imigração e a recriação do mercado das religiões no novo contexto. Com a imigração ocorre a desestruturação de redes sociais pré-existentes e, em certos casos, um aumento na demanda religiosa, com um simultâneo processo de reajuste da oferta, principalmente a partir de conversão e fatores étnicos. A reorganização desse mercado é caracterizada por uma nova escolha dos imigrantes que define fatores como recriação de comunidades, oferecimento de assistência social, integração na sociedade destino e plausibilidade no novo contexto. As religiões majoritárias no contexto de origem são aquelas que têm a maior chance nessa redefinição do mercado religioso, mas podem se enfraquecer se a maior parte dos imigrantes for de religiosos nominais, se a oferta for reduzida ou não atender a demanda, ou se existirem novos grupos que apresentem um maior grau de continuidade cultural com as religiões de origem. Os vencedores nesse mercado religioso tendem a ser aqueles que oferecem um produto mais direcionado ao ajuste da demanda flutuante e que apresentam uma otimização da oferta em termos de penetração e disseminação nas redes sociais, que são recriadas ou reinterpretadas no novo contexto.

2.2. Nikkei e Brasileiros em um Catolicismo Japonês

Com a imigração dos decasségui, a Igreja Católica japonesa viu o número de católicos em território japonês crescer abruptamente e, atualmente, a Comissão Católica para Imigrantes, Refugiados e Itinerantes afirma que existam mais de um milhão de católicos no Japão, e que existem mais católicos estrangeiros do que católicos japoneses. Esses números podem ser questionados no caso dos brasileiros considerados, dado que a maioria dos nikkei no Brasil é católica não-praticante. Começando desde a década de 1920, mas se acelerando abruptamente logo após a Segunda Guerra Mundial, a conversão dos japoneses e nikkei no Brasil pode ser entendida como o abandono de um religião baseada em etnicidade (o Xintoísmo nacionalista) para um Catolicismo que favorecia a integração cultural. Como um monopólio até poucas décadas atrás, o Catolicismo brasileiro sempre teve como característica marcante um grande número de católicos não-praticantes. A maior parte dos nikkei, como também os brasileiros, têm no Catolicismo em muitos casos uma prática somente nominal.

Adicionalmente, não se pode transpor o padrão existente no Brasil para o Japão. Considerando os dados levantados, no Japão o número de pentecostais praticantes, na verdade, já parece muito superior ao número de católicos brasileiros. Isso é conseqüência da dificuldade do Catolicismo em atender a demanda dos brasileiros, traduzida na sua baixa capacidade de oferta de serviços religiosos em português. Apesar desse grande influxo de católicos, a Igreja Católica entre os brasileiros no Japão tem se beneficiado muito pouco de sua vocação esperada de representar uma religiosidade brasileira e de oferecer um espaço étnico de convivência para os decasségui. Apesar do papel do Catolicismo na identidade nacional brasileira, construído a partir de uma presença majoritária durante toda a história brasileira e só recentemente posta em questão devido ao fenômeno pentecostal, no Japão os católicos brasileiros são uma comunidade imigrante dentro do Catolicismo japonês, freqüentando igrejas japonesas. Tendo optado por uma Igreja multicultural, ainda que mais de forma burocrática do que como uma real integração na hierarquia eclesiástica ou da vida comunitária, o Catolicismo no Japão tem dificultado a preservação de um capital simbólico que ela desempenhava entre os brasileiros.

Existe uma oferta bastante menor de serviços religiosos católicos em português, quando se lhe compara com o Pentecostalismo, principalmente devido ao número bastante menor de padres se comparado com o de pastores. Na prática, os poucos padres que falam português têm de atender diversas comunidades e as igrejas que atendem os brasileiros só conseguem realizar por mês uma ou duas missas em português. Japoneses, brasileiros, filipinos e peruanos formam grupos de adeptos que compartilham o mesmo espaço físico e algumas lideranças religiosas, mas apresentam pouca interação ou intersecção, constituindo-se mais como congregações paralelas do que uma unidade na diversidade, existindo até conflitos em algumas paróquias.

Alguns desses conflitos mostram que a Igreja Católica do Japão está ainda na fase inicial de sua abordagem multicultural em termos de estratégia pastoral e de aproximação com os problemas do decasségui. Como uma amostra desse contato potencialmente conflituoso entre brasileiros e japoneses católicos, vale a pena descrever um costume que foi bastante debatido na Igreja Católica de Toyohashi, em Aichi-ken, uma das maiores cidades em número de brasileiros no Japão. Nessa igreja (como em várias outras, e também nas casas, templos budistas e xintoístas de uma forma geral), os japoneses tiram seus sapatos e calçam sandálias ou pantufas para entrar, mas isso era algo que os brasileiros, que não fazem isso no Brasil, não queriam fazer também no Japão. A igreja como espaço religioso, como a “casa de Deus”, tem uma imagem derivada de nossa própria concepção de lar. Para os japoneses, entrar com sapatos significa trazer sujeira para dentro desse espaço; para os brasileiros, o desconforto está exatamente em ter de sempre tirar os sapatos. Como tirar os sapatos só faz sentido em termos de limpeza se todos o fizerem, uma mentalidade coletiva que permeia os japoneses, mas que vai contra a liberdade individual que os brasileiros buscam preservar, a situação ficou ainda mais confusa dado que, devido à polêmica, uma parte dos brasileiros tirava os sapatos e outra parte permanecia com eles. Nas missas de brasileiros que eu acompanhei, a solução encontrada foi a de que os brasileiros deveriam fazer como quisessem, mas deveriam realizar uma faxina após cada missa, mas isso só foi consolidado depois de um relativo desgaste no relacionamento entre japoneses e brasileiros, um prenúncio de que temas semelhantes podem ressurgir a qualquer momento. Em geral, brasileiros e japoneses têm diferentes concepções do Catolicismo e de sua organização, submetidos à hierarquia dada pela Igreja Católica japonesa.

No início do fenômeno decasségui, os brasileiros eram tratados como visitantes nas paróquias e tinham um vínculo muito fraco com as igrejas locais, não constando em um registro das famílias da igreja (uma peculiaridade de quase todos os grupos religiosos japoneses, mas que não é comum no Brasil). Comunidades eclesiais de base e grupos católicos nikkei (especialmente a partir da PANIB, a Pastoral Nipo-Brasileira, vinculada à CNBB) têm uma atuação praticamente inexistente no Japão. A demanda de atividade religiosa trazida pelos brasileiros, no Japão, encontra um Catolicismo pouco adequado a esse novo mercado. De fato, o Catolicismo entre brasileiros no Japão apresenta um grau bastante limitado de continuidade com a Igreja brasileira, especialmente do ponto de vista pastoral e hierárquico. Se no caso do Brasil o Movimento Carismático é, atualmente, o grande atrator de um Catolicismo praticante entre os brasileiros, no caso do Japão o histórico é o de um grupo relativamente fechado e pouco missionário, de padres ocidentais que estão se aposentando, contribuindo para a dificuldade de repor o quadro de sacerdotes para os próprios japoneses.

A Renovação Carismática tem no Japão uma popularidade significativa especialmente entre os jovens, mas tem um suporte institucional pequeno entre os padres brasileiros, sendo praticamente desconhecidos ou rejeitados pelos padres japoneses, que no geral têm pouca afinidade pessoal com essa corrente mais recente do Catolicismo latino-americano. A presença da mídia e as celebrações, se são fatores determinantes da Renovação Carismática no Brasil e se hoje representam uma grande parte dos católicos praticantes brasileiros, não tem uma estrutura de bispos ou mesmo de padres que a apóiem no Japão. Visitas de líderes carismáticos famosos vindos do Brasil e as poucas lideranças leigas do movimento no Japão não têm conseguido reverter essa situação, ainda que (como no Brasil), suas celebrações atraíam muito mais brasileiros, especialmente os mais jovens. A hierarquia eclesiástica japonesa e padres estrangeiros no Japão parecem muito pouco propensos a concessões a um Catolicismo pentecostal, baseado no uso intensivo da mídia e em combinações de missas e show. Na prática, a Igreja Católica japonesa parece apostar muito mais nas novas gerações, socializadas no Japão e falando japonês, podendo então ser integradas nas congregações japonesas e quiçá servindo de elo para os pais.

Por ora, a Igreja Católica oferece, inspirando-se no seu papel cultural no Brasil, atividades que propiciam identificação para os brasileiros, mas em geral essas festas são esvaziadas de um conteúdo religioso mais profundo. Ao contrário dos brasileiros, os nikkei têm uma relação cultural mais distante com o Catolicismo, ainda que exista um Cristianismo nikkei que facilitou a aceitação da entre os japoneses. Isso ajuda a explicar o fato de que uma maior proporção de brasileiros sem descendência japonesa são vistos nas celebrações católicas e cristãs em geral, em comparação com a proporção menor deles entre os decasségui. Católicos nominais ou os brasileiros em geral participam da Festa Junina, mas essa é uma tradição que os freqüentadores vinculam muito pouco com o Catolicismo, apesar dela ser organizada pela Igreja Católica. Em algumas cerimônias existem referências especiais a símbolos nacionais, entre eles Nossa Senhora Aparecida, a Padroeira do Brasil, especialmente no seu dia (12 de Outubro) e no dia da Independência do Brasil (7 de Setembro). Alguns líderes católicos, como o padre Higa da paróquia de Hamamatsu (Shizuoka), têm uma atuação significativa em campanhas para melhorar a imagem dos brasileiros no Japão, especialmente a partir de palestras para a comunidade e da assistência social.

Um aspecto relevante a ser abordado, e que explicita bastante bem a situação dos brasileiros dentro Catolicismo japonês, é o caso das devoções. As tradições do Catolicismo popular no Brasil em geral são pouco praticadas, especialmente porque elas entram em choque com o Catolicismo japonês. No Brasil, Nossa Senhora Aparecida é a principal devoção popular, sendo entendida como padroeira e mãe dos brasileiros. Ela tem um papel importante mesmo para os nipo-brasileiros, aparecendo em comemorações da Pastoral Nipo-brasileira ou mesmo em alguns templos budistas e xintoístas. No Japão, no entanto, até o momento não existe (até onde o autor saiba), nenhuma devoção brasileira em um altar de igreja no Japão, mesmo com quase vinte anos de movimento decasségui e um contingente de mais de 300 mil brasileiros no Japão. Como os brasileiros estão em congregações paralelas em igrejas japonesas, em geral ainda compartilhadas com outras nacionalidades, quase não existe a possibilidade de se cultivar as mesmas devoções populares existentes no Brasil. No caso de Nossa Senhora Aparecida, por exemplo, as tentativas esbarram na oposição dos japoneses; eles argumentam que já existe uma devoção mariana na Igreja japonesa e a Nossa Senhora Aparecida fica na sacristia, sendo trocada quando for o horário de outras congregações. Em alguns casos, os brasileiros acabam deslocando seu interesse devocional. Na Igreja Católica de Toyohashi, por exemplo, uma imagem de Nossa Senhora de Lourdes, construída em uma pequena gruta no lado externo da igreja há quase 50 anos, recebe velas, flores e orações de uma maioria de católicos brasileiros.

Com isso, como resultado dessa inserção dos brasileiros dentro do Catolicismo japonês, ainda parece haver uma baixa identificação dos decasségui com o Catolicismo. Nas entrevistas realizadas, muitos convertidos a igrejas evangélicas e mesmo alguns católicos ressaltam a falta de “calor humano” da Igreja Católica no Japão (ver LINGER 2001: 290, para uma abordagem antropológica do “calor humano” como valorização da brasilidade no Japão). De forma geral, os padres dificilmente conseguem se envolver com a vida da comunidade local e as demandas dos brasileiros (como dos católicos nominais no Brasil) acabam se restringindo à realização de sacramentos como batismo, casamento (muitas vezes realizados coletivamente) e missa no caso de falecimento (o enterro é algo raro entre os japoneses e os brasileiros ainda preferem levar as cinzas para sua comunidade de origem no Brasil). Realizar um trabalho pastoral, nessas condições, é algo bastante difícil para os poucos padres brasileiros - na ilustração de um deles, esse desafio é semelhante a “dançar samba de quimono”.

Não que seja impossível dançar de quimono – como mostrou o carnaval de 2008 em São Paulo e Rio de Janeiro, onde escolas de samba escolheram como o tema a imigração japonesa. Na Igreja Católica, iniciativas pioneiras têm sido buscadas nesse sentido, como grupos de teatro e renovação litúrgica através da música brasileira; há, também, uma busca de paralelos com a imigração japonesa ao Brasil, especialmente através da divulgação da obra do missionário Monsenhor Nakamura, primeiro missionário japonês a atuar no exterior e falecido em 1940 no Brasil. Um melhor conhecimento sobre a filiação dos japoneses e descendentes ao Catolicismo no Brasil certamente ajuda a unir nikkei, brasileiros e japoneses católicos no Japão. O estabelecimento de mais padres vindos do Brasil, que falam o português, também ajuda a atenuar a percepção de distanciamento dos problemas do decasségui para alguns brasileiros, mas, como o número de padres ainda é bastante insuficiente e essa tendência parece de difícil reversão, cresce o número de conversões a igrejas pentecostais.

2.3. A Conversão ao Pentecostalismo Decasségui

A principal tendência no mercado religioso entre os decasségui, especialmente entre os mestiços e brasileiros no Japão sem ascendência japonesa, é a conversão ao movimento pentecostal e o surgimento de pastores decasségui. O Pentecostalismo decasségui é um fenômeno recente, mas já pode ser considerado a principal corrente entre os brasileiros que praticam alguma religião no Japão. Quando se compara com o panorama das religiões entre os nikkei no Brasil, o Pentecostalismo entre os decasségui é um fenômeno que representa uma transição da religiosidade de um grupo devido a uma mudança geográfica, ainda que essa tendência dependa de confirmação conforme (e se) a participação religiosa aumente entre os brasileiros residentes no Japão.

No contexto latino-americano e principalmente no Brasil já existem várias teses relativas à conversão ao Pentecostalismo. A mais antiga delas, de fundo durkheiminiano, coloca a anomia social como o principal fator e foi defendida nos anos 60 por sociólogos como Lalive D’Epinay e Emilio Willems, tendo sido retomada pelo sociólogo David Martin mais recentemente (CHESNUT 1997: 4-5). Outros pesquisadores têm destacado que o Pentecostalismo é buscado como uma forma de lidar com a pobreza (MARIZ 1994; BURDICK 1993) ou de buscar a cura de doenças (CHESNUT 1997). Especificamente no contexto das grandes cidades brasileiras, tem sido identificada uma correlação importante entre a migração de zonas rurais e a conversão ao Pentecostalismo, especialmente no caso dos nordestinos no Sudeste, e também têm sido identificados diferentes padrões de presença geográfica e proselitismo em grupos pentecostais e neopentecostais (ALMEIDA 2004).

Os dados levantados neste artigo permitem levantar hipóteses semelhantes no caso da imigração de nipo-brasileiros e brasileiros ao Japão. No contexto dos brasileiros no Japão, porém, a questão da pobreza não se mostrou um fator relevante. A maioria dos nikkei no Brasil vem ao Japão como católicos nominais, fruto de processo anterior e do monopólio do Catolicismo no Brasil. Os convertidos ao Pentecostalismo freqüentemente relatam uma crise no Japão, que resulta em uma fase de pré-conversão que inicia um processo gradativo e de fases bem determinadas. Envolvendo busca de sentido para a experiência imigrante, problemas de saúde ou relacionamento familiar, a conversão se inicia com um primeiro contato com uma comunidade pentecostal, a dúvida inicial e uma experiência mística ou de cura através do batismo no Espírito Santo, a partir do qual o convertido passa a basear na comunidade sua principal referência em termos de laços sociais. Isso em geral é descrito com fases bem delimitadas, que se encaixam bastante bem no modelo oferecido por Stark e Lofland (STARK; LOFLAND 1965).

Do caso individual ao mercado religioso, no Japão já pode ser observada uma maior oferta e especialização dos produtos pentecostais voltados a esse processo característico da conversão dos decasségui. A imigração adiciona ao processo descrito por Stark-Lofland um potente catalisador através da necessária recriação de redes sociais e o papel dos grupos religiosos como centros comunitários em português na recuperação do desvio social e na confrontação com a anomia social, algo ainda pouco oferecido no Japão.

Em concordância com a hipótese acima, dados quantitativos levantados por evangélicos até o momento sugerem que o crescimento dos grupos pentecostais é algo quase exponencial. Segundo levantamento da Igreja Metodista Livre (IMel), realizado pelo trabalho missionário do Concílio Nikkei da IMel no Japão, o número de grupos evangélicos em 1997 já era estimado em cerca de 75. Em 2002, uma lista também da IMel já continha 200 grupos. Em 2007, a revista Mensageiro da Paz, uma das principais publicações evangélicas para brasileiros no Japão, registrava 441 trabalhos evangélicos, sem considerar movimentos neopentecostais como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça.

O número de pastores e cultos evangélicos publicados na Revista Mensageiro da Paz pode ser considerado máximo. Segundo os próprios editores da revista, a lista é incremental e como a lista não é periodicamente verificada, existem muitos casos de pastores que voltaram ao Brasil ou grupos que podem ter se fundido ou terem sido extintos. Em meu repositório de dados, foram identificados cerca de 147 locais de culto (incluindo não só os evangélicos, mas também os neopentecostais). Esse número, que foi usado para o gráfico 3 (referente à oferta), deve ser considerado uma estimativa a partir do que foi possível coletar segundo as fontes descritas na introdução, mas supõe-se que existam várias pequenas igrejas com pouco ou nenhum anúncio fora do espaço de atuação das redes sociais dos próprios adeptos. Em conversas com os líderes e em reuniões conjuntas como as realizadas pela Associação de Ministros Evangélicos do Japão (AMEJ), estimam-se em 350 o número de pastores evangélicos em atividade no Japão.

As igrejas evangélicas brasileiras estão representadas no Japão em diversas correntes, a maioria delas de origem no Pentecostalismo brasileiro. Em contraposição à Igreja Católica, que tem dificuldades para conseguir sacerdotes que falem português para atuar no Japão, o contrário ocorre no caso pentecostal: missionários e pastores evangélicos de diversas correntes fundaram igrejas no Japão e vêem nos decasségui a possibilidade para uma expansão na Ásia, usando o Japão como base de atuação missionária e formando decasségui como pastores. Igrejas pentecostais expressivas no Brasil, como as diversas congregações da Assembléia de Deus e igrejas neopentecostais como a IURD, já têm no Japão um proselitismo ativo. A maioria dos pastores é de brasileiros sem descendência japonesa ou, então, mestiços. Do total, poucos vieram como missionários do Brasil, ainda que uma exceção importante sejam as igrejas ligadas ao Protestantismo nikkei, como a Igreja Metodista Livre e a Holiness, levadas anteriormente ao Brasil por japoneses e que se expandiram na colônia. Apesar de serem minoritárias, elas se encontram representadas em uma missão agora destinada aos brasileiros no Japão.

No levantamento das principais organizações evangélicas, chegou-se ao seguinte gráfico:

Gráfico 4: Comparativo em termos proporcionais dos números da distribuição de igrejas evangélicas para brasileiros no Japão

As Assembléias de Deus, apesar de serem a maioria proporcional dos locais de culto no gráfico anterior, na verdade estão divididas em diversas congregações que em muitos casos têm muito pouco trabalho conjunto. No gráfico a seguir, constam as principais congregações registradas.

Gráfico 5: Congregações da Assembléia de Deus e presença proporcional com número de instituições para brasileiros no Japão

Uma das principais tendências do Pentecostalismo no Japão é um significativo crescimento das igrejas pentecostais fundadas pelos decasségui no próprio Japão, algumas delas já atuando em países como Filipinas e Honduras. Três delas, a Missão Apoio, o Avivamento da Fé e a Igreja Missionária do Deus Vivo já têm, inclusive, uma atuação significativa no Brasil, tendo sido introduzidas por decasséguis que retornaram ao Brasil.

Esse Pentecostalismo foi acompanhado da formação dos pastores decasséguis, uma minoria deles pentecostais quando vieram do Brasil. Enquanto alguns dos pastores decasségui optaram por laços com grupos no Brasil, outros se mantiveram como novas denominações. Devido a essa história da maior parte das igrejas, mais um acordo de apoio mútuo do que uma relação de subordinação e manutenção financeira de uma missão, a atividade evangélica no Japão tem se mantido pouco dependente da ajuda do Brasil. Pelo seu caráter recente e por ser ainda um campo em formação, ainda existem comunidades que não tem uma identificação institucional clara, e por isso estão suscetíveis a divisões[7].

A expansão missionária, simultaneamente realizada como assistência social e como preservação de um espaço étnico, é facilitada (ou, em algumas casos, até uma conseqüência) da organização de muitas igrejas em forma de células. As células, uma unidade estrutural responsável pelo sucessos de instituições evangélicas descentralizadas em diversos países, ou sua variação menos institucionalizada, as “igrejas nas casas”, são usadas como unidade básica de organização em muitas das comunidades evangélicas brasileiras no Japão. As células são pequenos grupos (em geral de 10 a 15 pessoas), que se reúnem em uma residência para a realização de um culto e para a troca de experiências na fé. Os líderes das células, potenciais pastores em formação, também pertencem a uma célula em um nível hierárquico superior, recebendo a instrução de pastores mais experientes e em um nível mais elevado na hierarquia da instituição.

A célula tende a crescer naturalmente com a busca de novos adeptos e a conversão, e muitas usam variações do sistema G 12, uma referência ao grupo de 12 discípulos que acompanhou Jesus na descrição dos Evangelhos. A entrada na célula é baseada principalmente em relacionamento (redes sociais de convertidos), mas também possui uma associação com um determinado local e um determinado público, dado por faixa etária e etnicidade (como por exemplo células de jovens ou casais, brasileiros, filipinos ou japoneses).

Um dos principais exemplos da expansão do Pentecostalismo decasségui através de células é a Missão de Apoio, apesar de as igrejas locais serem autônomas na adesão ou não a esse modelo. A Missão Apoio foi fundada em 1992 e conta com aproximadamente duas mil pessoas, com 17 igrejas, estando previstas a abertura de novas igrejas em 2008. A maior parte dos templos está em Aichi-ken, estando a sede em Kariya-shi e a maior comunidade em Toyota-shi, com cerca de 600 afiliados. O nome busca indicar que a missão da igreja é ser um o apoio aos seus adeptos, tendo sido iniciada no Japão para prestar assistência aos decasségui. A Missão Apoio buscou inicialmente oferecer uma resposta pentecostal para a crise que, segundo os líderes, acomete os decasségui de uma forma geral. Ela foi fundada pelo Pastor Machado, um pastor pentecostal inicialmente ligado à Assembléia de Deus, mas que desligou-se dessa congregação quando imigrou para o Japão como decasségui. No Japão, trabalhando como decasségui, ele que viu no trabalho missionário pentecostal o sentido de sua vida e da sua passagem no Japão.

Segundo o Pastor Machado, a fase inicial tinha como conseqüência a depressão e a saudade do Brasil, muitas vezes longe da família, sofrendo com privações e o choque cultural. Hoje, com as comunidades melhor estabelecidas e com as novas gerações, esse problema tem caminhado mais no sentido de busca de integração, assistência social a partir da recuperação das drogas, com prevenção da criminalidade e de conflitos em casa. Em paralelo a essa assistência, a Missão Apoio tem ao mesmo tempo servido de espaço de cultivo da identidade étnica e da família brasileira. Como em vários outros grupos pentecostais no Japão, seus anúncios se referem ao seu objetivo de ser “uma família pertinho de você”, “uma grande família”. No plano simbólico, Deus é pai e os companheiros da células, os irmãos[8].

No Homi Danchi em Toyota-shi, como exemplo da penetração das células nas redes sociais de base, existem cerca de 20 células da Missão de Apoio. De uma forma geral, as células se reúnem em torno de uma vez por semana (sexta-feira é, freqüentemente, o dia escolhido, depois do trabalho e antes das reuniões mais gerais de final de semana, nas sedes das igrejas) e já existem células inclusive nas fábricas onde os brasileiros trabalham. O líder da célula é em geral também o anfitrião da reunião, e também é um missionário iniciante, podendo evoluir para o trabalho de um pastor que continua como decasségui, sem um preparo teológico formal, mas formado pela experiência no próprio campo de expansão.

De forma geral, os grupos pentecostais decasségui podem ser entendidos como derivação e especialização da religiosidade pentecostal brasileira. Estando bastante próximos das redes sociais e das próprias necessidades pastorais do decasségui, pôde ser criado um produto na medida para a situação do imigrante brasileiro no Japão. A partir da reconstrução de redes sociais a partir da cultura brasileira, baseadas na “família” e no “calor humano”, potenciais dificuldades iniciadas com a carência e distância da terra natal se transmutam em um processo que culmina em uma conversão. Entender esses problemas a partir da própria experiência é um dos trunfos de se ter os pastores decasségui. Muitos deles, como líderes emergentes entre os brasileiros, têm defendido em suas comunidades um definitivo estabelecimento nos locais onde elas estão, até como uma forma de evitar a evasão e dissolução do grupo devido a um retorno ao Brasil ou mesmo mudanças constantes de endereço no Japão. Nesse sentido, o Pentecostalismo decasségui pode vir a ter um impacto significativo na decisão de permanência dos brasileiros que estão nessas comunidades - alguns de seus líderes já comecem a se manifestar por uma permanência definitiva no Japão.

Mesmo que a estabilização das comunidades seja uma prioridade, especialmente para os líderes locais, para a organização como um todo a migração é uma oportunidade de expansão. Considerando o Japão como uma base, atualmente esses movimentos que tiveram origem entre os brasileiros no Japão estão já iniciando uma missão reversa no Brasil, o que demonstra o crescimento e o caráter transnacional desses movimentos. A Missão de Apoio, por exemplo, já conta com 18 locais de culto no Brasil. Segundo os líderes, essa expansão foi possibilitada porque os decasségui não se identificavam com as igrejas no Brasil e levaram as células para suas próprias redes sociais de contato. A emotividade pentecostal das celebrações em espaços comunitários mais intensos e próximos de apoio, criados no Japão com a experiência imigrante, estão sendo reproduzidos como um modelo de igreja no Brasil. Ainda que o sucesso dessa teologia decasségui seja uma incógnita para o futuro, essa missão reversa já mostra a transnacionalização dessas redes sociais no eixo entre o Brasil e o Japão.

Para aqueles que querem se fixar no solo japonês, como de forma geral na relação entre imigração e religião, com o passar das gerações o que hoje é a vantagem da ausência de conflitos étnicos torna-se um dilema. Uma das grandes desafios do Pentecostalismo brasileiro no Japão é manter o grau de atratividade para as novas gerações e crescer atraindo adeptos da sociedade majoritária. Os pastores parecem ter uma preocupação especial em relação a esse ponto e buscam criar atividades, festas e excursões familiares que têm como efeito preservar a comunidade étnica, ao mesmo tempo em que as crianças vão crescendo e estudando em escolas japonesas. Espera-se que eles sejam uma ponte entre os imigrantes e a sociedade japonesa[9].

O objetivo dos pastores brasileiros de atrair japoneses aparece já como prioridade, inspirando-se em casos como o da expansão das Assembléias de Deus e da Congregação Cristã no Brasil e buscando evitar uma estagnação no crescimento do grupo. Já existe um relacionamento com os pentecostais japoneses nesse sentido e, periodicamente, existem convenções de pentecostais japoneses, dos quais vários grupos pentecostais brasileiros já participam (neopentecostais como a IURD e a Igreja Internacional da Graça, como no Brasil, não participam dessas iniciativas). Na última convenção, das cerca de cinco mil pessoas presentes, estima-se que haviam dois mil brasileiros. Antes eram principalmente os americanos que trabalhavam como missionários nas missões evangélicas no Japão, mas, hoje, considera-se que o maior número de missionários pentecostais se encontra entre os latino-americanos, o que não é uma surpresa se considerarmos o fato do Brasil ter o maior número de pentecostais do mundo e a significativa presença de brasileiros no Japão (FRESTON 1999). Caso uma interação maior ocorra e os japoneses se interessem pelo Pentecostalismo, o Cristianismo no Japão poderá sofrer um impacto significativo, especialmente entre os mais pobres, a partir das fábricas, cidades periféricas e danchi. Os brasileiros têm também uma taxa de fertilidade maior do que a da população japonesa, o que pode ser um fator demográfico relevante se essa diferença se manter.

Atualmente ainda existe uma barreira étnica e lingüística bastante clara, com poucos japoneses nos grupos, mas ela parece ir se rompendo com as novas gerações (células jovens) e no caso de casamentos mistos. Em anúncios, a igreja evangélica Comunidade da Graça exibe com orgulho que o Pastor Koji Muto, casado com uma brasileira, é “japonês, nascido e criado na cidade de Anjo” (grifo nosso). A igreja Dunamis, uma igreja pentecostal que atrai especialmente os jovens através da música e da dança, tem sua nova sede em um lugar onde antes era uma casa de jogos japonesa (pachinko), inaugurando no contexto japonês a experiência de converter um lugar, algo pioneiro na conversão de cinemas em templos evangélicos no Brasil.

2.4. Teologia da Prosperidade e Exorcismo: Plausibilidade no Japão

No Brasil, a forte tendência de urbanização e modernização ocorrida a partir dos Anos 60 gerou uma mudança de ambiente que propiciou uma reorganização do mercado religioso. Diversos novos grupos religiosos se estabeleceram nesse processo de migração e rápida transformação social, freqüentemente ocupando um espaço religioso que era típico do Catolicismo rural[10], mas com uma resignificação de seus conceitos.

Depois de um período de perseguição, a Umbanda e o Candomblé se tornaram presentes e visíveis nessa crescente diversificação do campo religioso brasileiro. As igrejas neopentecostais (entre as mais conhecidas estão a Igreja Universal do Reino de Deus, a Deus é Amor e a Igreja Internacional da Graça) foram outra corrente beneficiada nesse processo, com um uso sistemático e intenso da mídia, freqüentemente apresentando um proselitismo ativo baseado na obtenção de resultados materiais ou curas, e em alguns casos propagando uma demonização das religiões afro-brasileiras (principalmente, no caso da Igreja Universal do Reino de Deus). Oferecendo uma espaço de “prestação de serviços religiosos”, esses movimentos neopentecostais parecem preencher uma necessidade de expressão individual para as camadas mais pobres da sociedade brasileira, ainda que com uma repressão da esfera pública e política fora dos interesses do grupo (PIERUCCI PRANDI 1996: 23-34).

O objetivo deste item é descrever, através da experiência de campo, a atuação dessas igrejas no Japão, com destaque para a teologia da prosperidade e para o exorcismo como diferenciais, e para a plausibilidade desses elementos neopentecostais no contexto japonês. Como no Brasil, a teologia da prosperidade e o exorcismo são as principais características que distinguem a atuação dessas igrejas de outros grupos pentecostais (ORO 2003). Através de uma polêmica relação com o dinheiro, no qual dízimos de elevado valor são esperados em troca de recompensa material, a partir de curas e da busca de milagres, não raro acompanhados da expulsão de demônios ou entidades afro-brasileiras, essas igrejas buscaram reproduzir no Japão uma atuação semelhante ao encontrado no Brasil.

As igrejas neopentecostais brasileiras têm investido bastante na atuação entre os decasségui no Japão. Como outras denominações pentecostais, mas com uma estrutura globalizada e com referência clara a uma sede no Brasil, vê-se uma porta de atuação e expansão na Ásia a partir da atuação entre os brasileiros no Japão. A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a Igreja Internacional da Graça têm, respectivamente, catorze e sete locais de culto no Japão, além de já terem jornais e programas dedicados exclusivamente aos brasileiros naquele país. Líderes como Edir Macedo e R. R. Soares fazem visitas freqüentes ao Japão e reúnem milhares de pessoas.

No entanto, como em outros contextos internacionais em que ocorrem mudanças em termos de público-alvo e mesmo de doutrina, também no Japão o Neopentecostalismo tem a necessidade de uma customização de sua atuação de mercado[11]. Conforme será desenvolvido, os produtos neopentecostais, a partir da teologia da prosperidade, de solucionar problemas com base em graças e no exorcismo, têm no contexto japonês um plausibilidade maior para aqueles que pretendem retornar ao Brasil. Essa tendência representa uma contradição no próprio sentido da atuação dessas igrejas no Japão. Reformular esses produtos para o mercado decasségui é um dos principais desafios das igrejas neopentecostais no contexto japonês.

A Teologia da prosperidade tem, à primeira vista, um apelo bastante racional para os decasségui, no contexto de uma escolha no mercado religioso. Afinal, os decasségui foram inicialmente ao Japão com o objetivo de guardar o máximo possível de dinheiro para aplicá-lo em propriedades ou negócios próprios. No entanto, a expectativa de enriquecimento prometida pela Teologia da prosperidade vem ao encontro dos brasileiros no Japão somente no objetivo, mas entra em conflito com o decasségui em termos de método e possibilidade de atuação empresarial no ambiente japonês.

De fato, o objetivo do decasségui é saldar dívidas e/ou acumular capital para enriquecer com um negócio no Brasil. Aqueles que pretendem ficar no Japão têm a expectativa de continuarem como empregados no Japão, adquirindo estabilidade, e muito raramente têm sonhos empresariais ou de negócios por conta própria no Japão. Na verdade é bastante difícil, no Japão, enriquecer nos mesmos moldes das pregações e testemunhos da Universal no Brasil. Mesmo com negócios dentro da comunidade étnica, os negócios de brasileiros têm um mercado consumidor relativamente limitado e uma concorrência bastante acirrada dos próprios japoneses, eles mesmos muitas vezes por trás das próprias lojas étnicas para brasileiros. Adicionando isso ao fato de a comunidade brasileira estar passando por uma fase de estabelecimento mais definitivo, na qual “dinheiro não é tudo”, a teologia da prosperidade centrada no enriquecimento no Japão se apresenta bastante frágil em termos de plausibilidade.

Na prática, o decasségui tem um rendimento mensal baseado em horas de trabalho e depende de uma rígida economia se quer atingir seus objetivos de acumular capital depois de um tempo calculado. Isso vai contra uma oferta de vulto para a igreja, solicitada freqüentemente pelos pastores. Essa me parece a principal explicação para os dízimos me parecerem menores em comparação com os ofertados no Brasil. Em cultos empresariais de que participei, na Igreja Universal do Reino de Deus em Nagóia, os valores solicitados começam com estratosféricos 5 milhões de ienes (cerca de R$ 85 mil reais na cotação de março de 2008!), mas, mesmo com pedidos razoáveis, poucos se manifestam espontaneamente. As pregações, freqüentes incitações a um sacrifício que será recompensado com a riqueza, acompanhados de prática mágicas desenvolvidas no culto empresarial, como o uso de “luvas da habilidade”, encontram poucas doações voluntárias se comparadas com o Brasil, apesar de um número considerável de participantes.

Em resumo, a valorização da teologia da prosperidade encontra maior plausibilidade para os que pretendem retornar ao Brasil, podendo refletir uma escolha racional que coaduna com o objetivo principal do decasségui, em contraposição com os que pretendem permanecer definitivamente no Japão. Mesmo nesses casos, no entanto, a tendência de fazer doações de alto valor é algo que vai contra os objetivos do decasségui, exatamente porque eles buscam economizar o máximo possível. Essa tendência traz desafios para a IURD, porque, em resumo, a teologia da prosperidade atraí brasileiros que não tendem a permanecer na própria base de devotos no Japão e que não vão contribuir financeiramente para ela nesse período. De acordo com os dados de uma pesquisa realizada por um dos sites da IURD internacional, na qual constavam 117 participantes, cerca de 75% pretendiam retornar ao Brasil e somente cerca de 25% pretendiam permanecer definitivamente no Japão[12]. Ainda que tal pesquisa não possa ser conclusiva e não tenha representatividade ou metodologia estatística, ela é um indicador de que aqueles que querem retornar ao Brasil são uma maioria entre os que pertencem a IURD.

Esse não é um limitador determinante nas atividades da IURD no Japão, especialmente porque seu modelo de atuação se dá através de uma prestação de serviço religioso que exige muito pouco vínculo com a clientela religiosa, e, ao contrário do Pentecostalismo decasségui, depende pouco de serviço voluntário, tendo sua organização inspirada mais em um modelo de multinacional do que em células sociais que se auto-organizam. Essa tendência de esvaziamento de sentido da Teologia da prosperidade, no contexto japonês, afeta, no entanto, sua atuação no sentido do marketing religioso de sua mensagem, já que os bem-sucedidos são os principais instrumentos de propaganda e divulgação dos grupos pentecostais.

Nas minhas visitas nos cultos empresarias na IURD em Nagóia, pude observar uma relativa ausência de testemunhos ao vivo nos cultos empresarias que fizeram parte da minha pesquisa de campo, e mesmo a substituição deles por depoimentos gravados não pareceu despertar reações muito entusiasmadas. Em um caso, citou-se longamente o exemplo do fundador da Yamaha, que teve a “idéia maluca de colocar um motor em uma bicicleta”, referindo-se a história da Yamaha Motors logo após a Segunda Guerra Mundial, argumentando-se que os “filhos das trevas tem mais sorte que os filhos da luz”, devido à falta de ousadia desses últimos. Em outros casos, foram escolhidos testemunhos da IURD no Brasil, mostrados através de vídeo, no qual pobreza e problemas familiares desaparecem depois de doações significativas a IURD, resultando em um estrondoso sucesso empresarial pouco tempo depois. Como essas descrições têm muito pouco a ver com brasileiros no Japão, a IURD tem pouco reforço positivo no que diz respeito a testemunhos de enriquecimento no Japão, e o máximo que consegui identificar foram depoimentos de compra de casas, o que não é interpretado como algo extraordinário, principalmente porque muitos já estão comprando casas por meio de adesão a longos financiamentos, ou, então, estão reformando casas antigas.

Talvez por esse motivo a ênfase das igrejas neopentecostais tem naturalmente se deslocado mais para se apresentar como a solução de problemas de saúde, problemas afetivos ou divisões familiares. A vantagem de se ter uma prática de culto e de divulgação baseada em vários depoimentos dos próprios convertidos é que o grupo encontra um caminho que possibilita sua própria expansão, como um grupo que se expande não só no sentido das redes sociais existentes, mas também na similaridade das motivações e processos de conversão, a partir de uma intensa utilização da mídia de divulgação. Mesmo que uma orientação mais geral não deixe de existir, os casos e motivações mais freqüentes são exatamente aqueles mais divulgados e que atraem mais pessoas. Com isso, o grupo cresce no sentido de um público-alvo numericamente relevante, encontrando um ponto de equilíbrio na sua oferta de mercado, privilegiando o que mais atraí e dando menos ênfase ao que não tem apelo de mercado.

Mesmo que uma possibilidade de enriquecimento no Japão seja algo bastante remoto considerando os padrões brasileiros, a pobreza não é algo que afeta os decasségui. Com a formação de famílias no Japão, especialmente entre os que imigraram jovens, tem sido buscado um equilíbrio. A ênfase mais recente é a de que economizar (fase inicial) e consumir (fase posterior) trouxeram vários problemas de desagregação familiar e conseqüente criminalidade, por isso os decasségui têm se dedicado mais a uma reconsideração de suas prioridades, recuperando valores que tinha mantido em segundo plano. Com o temporário se tornando permanente, a constituição de uma família harmônica, a integração no Japão e a educação dos filhos passam a ser as preocupações fundamentais. Atenta a esse movimento, a IURD tem se pautado muito mais na cura e na divulgação de valores familiares, buscando enfatizar temas como o casamento e a felicidade no amor, ao mesmo tempo em que, através da mídia, busca ser um canal de notícias brasileiras para os decasségui. Se a Igreja Universal do Reino de Deus destaca no título do seu jornal no Brasil a sua aspiração mundial (Folha Universal), no seu jornal no Japão (o Jornal do Brasil), que tem uma tiragem de 45 mil exemplares e é distribuído gratuitamente em quase todas as lojas para os brasileiros, são enfatizadas notícias e temas para os decasségui, além de sua propaganda religiosa.

Com relação a curas de problemas de saúde, ainda que o caráter mágico esteja presente na busca da graça, as práticas de exorcismo e as influências de espíritos afro-brasileiros têm um papel bem menor do que no Brasil. A plausibilidade do exorcismo é naturalmente menor se o diabo não está perto, e por enquanto poucos espíritos afro-brasileiros migraram junto com os decasségui – eles não têm ancestrais japoneses que lhes permitam trabalhar no Japão. Conforme será descrito abaixo, a presença da Umbanda entre brasileiros no Japão é muito pequena e está muito distante, em termos comparativos, da presença das religiões afro-brasileiras no Brasil, dando muito pouca plausibilidade para os espíritos malignos combatidos pelos evangélicos neopentecostais no estilo do que ocorre no Brasil. Existem poucos centros de Umbanda no Japão, alguns dividindo seu espaço com o Espiritismo e já apresentando algum grau de sincretismo com religiões japonesas, mas pouco conhecidos de uma forma geral.

Existem indícios de que o Pentecostalismo no Japão possa vir a eleger como inimigos alguns elementos representam mais continuidade com o pensamento oriental. Em depoimentos da IURD, muitas vezes a fonte do mal (problemas de saúde, depressão) estão em espíritos locais que, de alguma forma, perseguem os fiéis. Os depoimentos são ambíguos, mas neles os espíritos que são a fonte do mal estão na zona de intersecção entre o Espiritismo e as assombrações japonesas e nikkei (muitas delas ligadas a antepassados). Essa tendência pode se fortalecer se os depoimentos criarem um padrão que pode se repetir em novos casos, estimulando uma incorporação mais institucional desse inimigo a ser exorcizado. Em uma visita à Igreja Internacional da Graça em Kariya, por exemplo, o pastor neopentecostal faz a sua exortação “contra o olho grande, a inveja, a magia negra, a magia oriental”.

Até o momento, no entanto, não parece haver uma tendência definida nesse sentido, e escolher esse caminho poderia criar uma via de conflito dentro da sociedade japonesa, o que os neopentecostais parecem bastante preocupados em evitar. O exorcismo como prática polêmica parece, por isso, ter pouco impacto em termos de conflitos com a sociedade majoritária, também carecendo de plausibilidade no novo contexto. Por outro lado, não se pode subestimar a potencial polêmica que existe em relação ao Pentecostalismo brasileiro, especialmente ao redor da Igreja Universal do Reino de Deus, a exemplo do que ocorre em outros países, e isso pode vir a afetar todo o Pentecostalismo brasileiro no Japão. Para a sociedade japonesa, que tem cerca de 1% de cristãos, uma diferenciação entre grupos pentecostais é algo relativamente abstrato. A ênfase em dízimos vultuosos e um crescimento de uma igreja polêmica vinda do Brasil não seria algo bem visto, mas até o momento a IURD atraiu muito poucos membros japoneses, tendo por isso recebido pouca atenção no que diz respeito à divulgação de sua forma de atuação.

2.5. Antepassados Japoneses: Possibilidade de Revitalização do Vínculo Étnico

Apesar do crescimento dos movimentos pentecostais ser o dado quantitativo mais marcante, o levantamento realizado mostra um crescimento proporcional das novas religiões japonesas entre os brasileiros no Japão. Esse crescimento pode ser considerado natural, dada a já consolidada presença das novas religiões japonesas no Brasil, sua maior oferta no Japão e uma maior possibilidade, a partir delas, da integração na sociedade japonesa.

As religiões japonesas são mais procuradas pelos nikkei mais próximos da cultura japonesa. A partir delas, muitos nikkei reinterpretam seu vínculo com antepassados e são conduzidos a um grau maior de integração na sociedade japonesa. As novas religiões no Japão, ao contrário da tendência das novas religiões japonesas no Brasil, preservam em um grau muito maior o culto aos antepassados. Os nipo-brasileiros, muitos deles católicos não-praticantes no Brasil, reencontram nessa ênfase um vínculo espiritual a partir de uma recuperação dos antepassados e de sua herança étnica. O número de filiações não é alto, até porque o número de religiosos praticantes ainda é relativamente baixo na comunidade brasileira, mas essa é uma tendência que pode se consolidar com o estabelecimento mais definitivo dos decasségui no Japão, e diz respeito ao relacionamento com as religiões japonesas de uma forma geral.

No caso das novas religiões japonesas, especialmente a Igreja Messiânica, uma interpretação para os problemas encontrados pelo decasségui é oferecida a partir dos antepassados, muitos deles negligenciados devido à imigração dos pais e avós para o Brasil. Esse é fenômeno já observado recentemente por Regina Matsue (MATSUE 2006). Nesses casos, nota-se um renascimento do culto aos antepassados entre os nipo-brasileiros que aderem a essa interpretação no Japão, simultaneamente como forma de superar os problemas do decasségui e de dar sentido a sua experiência imigrante. A partir de cerimônias aos antepassados e, no caso da Igreja Messiânica, a partir da prática do johrei, busca-se a reconexão com um elo raiz que foi danificado com a imigração para o Brasil.

Apesar dessa reinterpretação da herança japonesa ser um fenômeno importante a ser analisado entre os nipo-brasileiros no Japão, a situação do nikkei dentro do culto aos antepassados ainda é incerta, especialmente no Budismo tradicional. Como os nikkei budistas devem ou mesmo podem se relacionar com seus antepassados e cerimônias fúnebres budistas? A questão é especialmente sensível no caso dos mestiços e poucos templos budistas têm definições claras com relação a essa questão, provavelmente devido ao pequeno número de interessados, mas é algo que deve ser recuperado nos próximos anos e que pode envolver o culto aos antepassados nas ie (clãs familiares) recriadas no Brasil. A instituição do culto budista centrado na ie é algo que vem perdendo força rapidamente no Japão, só sobrevivendo atualmente em áreas rurais. Segundo monges budistas entrevistados, diversas ramificações do Budismo tradicional já oferecem um atendimento em português para os brasileiros, mas o trabalho ainda está bastante no início, e, fora algumas cerimônias fúnebres realizadas, o trabalho tem se dirigido mais a assistência social.

No caso do Budismo, na ausência de um exemplo mais concreto e detalhado que viesse da minha pesquisa de campo, gostaria de descrever minha própria experiência pessoal, como insider dentro da comunidade brasileira no Japão. Além de pesquisa uma convivência mais intensa com a família de minha esposa, que é japonesa, motivaram uma estada no Japão. Desde o início de minha estada no Japão fui motivado a redescobrir meus antepassados, através de consulta ao koseki da minha família em arquivos de prefeitura. De fato, a própria família de minha esposa fez muito dessas pesquisas por mim e visitaram alguns de meus parentes distantes em regiões remotas, iniciando um intercâmbio antes mesmo de mim. Quando visitei a vila Kawabe, localizada entre montanhas na periferia de Ehime-ken, na ilha de Shikoku, fui bastante bem recebido e levado para o túmulo dos ancestrais de minha avó. O jazigo próprio da família foi um investimento explicado por uma sincera reverência aos antepassados, cujos restos mortais foram trazidos de túmulos espalhados nas montanhas para esse pequeno cemitério. Novas gerações costumam ter pouco interesse no culto aos antepassados nesse formato mais tradicional, tanto no caso dos nikkei no Brasil quanto no próprio Japão, mas no meu caso não se podia imaginar que eu fizesse uma visita à vila sem visitar os antepassados comuns e conhecer a história deles.

Fui também levado para uma visita ao templo da família, pertencente à linha Soto Zen, e depois de uma pequena cerimônia conheci alguns moradores da vila (a maioria idosos), que lembravam vagamente dos meus avós e bisavós ao rever fotos e cartas antigas que eu tinha levado, alguns lembrando com gratidão a ajuda do Brasil que os imigrantes que tinham partido da vila lhes enviaram depois da Segunda Guerra Mundial. Essa experiência me fez reconhecer o esforço de alguns de meus parentes em manter um butsudan e a reverência aos antepassados no Brasil, mesmo depois de sua conversão ao Cristianismo. Isso era certamente algo que os parentes vivos no Japão entendiam como natural e esperado. Ainda que o culto aos antepassados esteja em declínio no Japão desde o final da Segunda Guerra, essa é uma referência ainda bastante forte na sociedade japonesa, e os nikkei na verdade são estrangeiros que podem trabalhar livremente no Japão devido exatamente a esse vínculo com ancestrais japoneses.

Também com essa experiência pude entender a experiência de vila natal (furusato) de minha avó, que retornou para uma estada temporária nessa sua vila natal nos Anos 70, depois de quase 45 anos no Brasil. Durante minha estada no Japão, esse foi o lugar que mais se aproximou de uma vila natal para mim, devido ao fato de meus ancestrais terem imigrado dali. De fato, os nikkei no Brasil preservam diversas associações ligadas a províncias japonesas e isso pode ser relevante inclusive para seus descendentes, já que, por exemplo, bolsas de estudo são oferecidas somente a descendentes de imigrantes japoneses de uma determinada região. Como minha família nipo-brasileira, acredito que muitos nikkei podem vir a ter uma experiência semelhante de pertencimento comunitário ou desilusão com o Japão, em caso de uma recepção negativa. Isso pode ocorrer a partir dos ancestrais e de seu lugar geográfico de origem, ainda que de forma pouco sistemática e diferente para cada caso (sobre esse ponto, ver ROTH 2002: 3).

2.6. Reinterpretação do Espiritismo e Umbanda

Uma reinterpretação relacionada a antepassados, mas relacionando-a com mais freqüência ao carma e à reencarnação, surge inclusive em religiões mediúnicas brasileiras como o Espiritismo e a Umbanda. Os centros espíritas e as casas de Umbanda estão presentes em número relativamente reduzido no Japão, mas existem centro e encontros para estudo espírita e prática umbandista em cidades como Ishikawa-shi (Chiba-ken), Hamamatsu e Gotenba (Shizuoka-ken), Anjo e Toyota (Aichi-ken) e Toki (Gifu-ken). Os diferentes centros apresentam estratégias particulares de adaptação em cada caso. Aqui, as tendências da transplantação das religiões mediúnicas entre os brasileiros serão analisadas usando observações de campo e entrevistas no Núcleo Espírita Cristão no Japão (NEC-J), filiado ao NEC no Brasil), que também abriga o Núcleo Umbandista Cristão (NUC), um dos principais centros espíritas e umbandistas no Japão e que se encontra em Toki-shi (Gifu-ken, região central do Japão).

Cerca de 250 pessoas estão associadas ao NEC e/ou ao NUC. O Núcleo Espírita Cristão (NEC) é freqüentado por uma maioria de nipo-brasileiros (cerca de 130 participantes aos domingos) e em entrevistas realizadas o abandono de parentes pelos avós e pais que imigraram para o Brasil era interpretado como uma fonte de energia negativa e de espíritos sofredores. Não por acaso o grupo mantém contato, a partir de seus membros, com a Igreja Messiânica, que também oferece uma interpretação da situação atual do decasségui a partir dos antepassados.

Em continuidade com a religiosidade popular japonesa, o Espiritismo acaba expressando uma visão semelhante sobre a influência dos antepassados sobre os descendentes, ainda que a partir de um viés diferente. Também foi identificado, nas entrevistas, que alguns adeptos associam a taxa de suicídios e abortos no Japão com o passado histórico japonês, na qual suicídios rituais em nome da honra (jap. seppuku, harakiri), realizados por samurais e mesmo senhores feudais eram a causa de espíritos ainda “presos nesse mundo”. Ainda não parece existir uma postura definitiva sobre esses temas por parte dos centros espíritas, mas é relevante notar que como se trata também de um centro umbandista, já começa a existir um vínculo espontâneo com espíritos e antepassados locais (isto é, japoneses) no caso dos nipo-brasileiros. A lógica dessa associação é bastante semelhante ao que existe relacionado aos indígenas e escravos africanos no Brasil, que se transmutam em caboclos e pretos-velhos no continuum dado pelas religiões mediúnicas.

A Umbanda é freqüentada por brasileiros sem descendência japonesa e por japoneses interessados nas religiões afro-brasileiras (apesar do pequeno número de participantes da Umbanda, que conta com um número de participantes entre 25 a 40 pessoas, cerca de 40% são japoneses). Ainda que elementos como mantras, mandalas e chakras sejam freqüentemente citados, a maior atração dos participantes diz respeito ao elemento ritualístico e a incorporação de entidades como o Pai Benedito de Aruanda e o Caboclo Cobra Coral[13].

O NEC e o NUC, que compartilham a mesma liderança mas não os mesmos dias de culto, são freqüentados adeptos de outras religiões (inclusive movimentos evangélicos), apresentando um alto grau de combinação com religiões orientais e já contando com a atuação de espíritos locais. Com a forte influência de chakras e do estudo de pontos de energia, os médiuns da casa têm como mentor dos tratamentos ortopédicos o espírito do Dr. Nakamura (médico japonês que teria “desencarnado” em Okinawa durante a Segunda Guerra Mundial). Shinryô Kyûtetsu Daioshô, um patriarca do Budismo Zen, é considerado um dos mentores da casa. Essas entidades (especialmente o Dr. Nakamura) são as entidades espirituais locais que permitem e auxiliam o trabalho do centro no solo espiritual japonês, mesmo que as referências principais sejam ainda a espíritos trazidos do Brasil como o Dr. Romano, um médico alemão (Adolf Friedrick Fritz, anteriormente conhecido como Dr. Fritz nos círculos espíritas no Brasil), que é incorporado nos trabalhos espirituais como a terapia desobsessiva e os tratamentos espirituais, realizados aos domingos, e que foi o responsável pela fundação do “Hospital Fabiano de Cristo” no plano espiritual.

3. Conclusões

A partir do panorama desenvolvido nos itens anteriores, o objetivo dessas reflexões finais será resumir as principais tendências para o futuro das religiões entre os brasileiros no Japão. Tendo crescido no Brasil, a maioria dos decasségui são católicos nominais dentro de um país não-cristão. Entre os que permanecem católicos, após um período de latência tem existido a tendência de uma busca dos sacramentos (especialmente a recuperação de batismo e matrimônio), mas isso parece ocorrer em uma proporção bem menor do que ocorre com os católicos nominais ou mesmo entre os nikkei no Brasil, e são em geral realizados coletivamente.

Pensando no longo prazo, a Igreja Católica japonesa ter como tendência a ênfase na assimilação dos imigrantes brasileiros dentro das igrejas japonesas existentes, pressupondo que a segunda geração já será fluente no japonês e mais integrada socialmente no Japão. O Japão recebeu poucos imigrantes e a Igreja Católica parece ainda não ter encontrado um caminho entre as expectativas da sociedade japonesa e o aspecto universal do Cristianismo. Se a questão da inculturação tinha como única temática a criação de um Cristianismo japonês a partir do Catolicismo europeu, agora a situação ficou complexa a ponto de ainda ser pouco discutida: como lidar, no contexto da globalização e de comunidades transnacionais, com diferentes tipos de inculturação no mesmo espaço? Qual será o futuro do Catolicismo japonês, dado a significativa presença (em termos proporcionais) de estrangeiros católicos no Japão? Até o momento, padres que conhecem o português e uma continuidade com o Catolicismo brasileiro, com os brasileiros com paróquias próprias, ainda têm sido uma baixa prioridade. Com isso, a Igreja Católica japonesa obriga algum grau de convivência das congregações japonesa e brasileira, mas existem fortes indícios de que essa estratégia direcionada a assimilação e a novas gerações está catalizando uma evasão dos brasileiros para as igrejas pentecostais. Como uma corrente é tão mais forte quanto o mais fraco de seus elos, também a transferência de conhecimento e religião entre gerações não pode ignorar nenhuma delas. Se a primeira geração de imigrantes brasileiros no Japão se converter ao Pentecostalismo dificilmente seus filhos e netos voltarão para a Igreja Católica; eles provavelmente interpretarão o dilema entre o Brasil e o Japão no contexto das religiões como uma contraposição entre o Pentecostalismo (que se identifica mais claramente com a cultura brasileira) e as religiões japonesas (especialmente as novas religiões japonesas, já que o Budismo e o Xintoísmo japonês têm baixo proselitismo e uma tendência etnocêntrica mais marcante). Nesse sentido, transpor etapas na integração dos brasileiros na sociedade japonesa, em nome da unidade, pode ter como efeito exatamente a pouca identificação dos brasileiros com o Catolicismo no Japão.

Em termos de um estudo comparativo da transplantação das religiões, o ajuste de oferta em comparação com o Brasil, que deveria corresponder a um aumento da demanda religiosa e a reconstrução das redes sociais, na verdade se dá em um sentido diferente do que o Catolicismo japonês tem podido prover. Uma insuficiente oferta de serviços religiosos em lugares importantes onde os brasileiros se concentram e uma preocupação maior de inserção dentro do Catolicismo japonês, ao invés de demandas que vão mais diretamente ao encontro das preocupações das comunidades locais de decasségui, têm reforçado uma clara tendência de conversão ao Pentecostalismo.

Em termos de mercado religioso, a ausência do Catolicismo tem sido rapidamente preenchida. Em concordância com as tendências ligadas a (i)migração de brasileiros, também no Japão existe a tendência de engajamento em uma comunidade pentecostal. Isso se inicia com um processo de conversão (busca de resolução dos problemas do decasségui) e caminha em direção a uma forte experiência pentecostal e ao fortalecimento do grupo, com o combate da anomia social e a formação de uma comunidade étnica. Os grupos pentecostais locais têm, desde seu início, realizado uma “missão” dos decasségui para os próprios decasségui, buscando a reconstrução de estruturas de apoio e de família. As igrejas decasségui apresentam uma alta especialização dos produtos pentecostais, devido à descentralização e a uma maior participação de leigos, que rapidamente se transformam em pastores. Produtos pentecostais decasségui são criados e otimizados pelos próprios, na formação de um Pentecostalismo brasileiro japonês. Grupos neopentecostais vindos do Brasil, apesar da teologia de a prosperidade e do exorcismo terem uma plausibilidade menor no contexto japonês, têm investido fortemente na atuação entre brasileiros no Japão, atraindo especialmente aqueles que pretendem retornar ao Brasil. As novas religiões japonesas, por outro lado, têm tido a tendência de atrair especialmente os nikkei, que através delas encontram um vínculo étnico e uma possibilidade de integração mais direta na sociedade japonesa.

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Recebido: 31/03/2008
Aceite final: 18/05/2008

Notas

[*] Rafael Shoji é doutor em Ciência da Religião pela Universidade de Leibniz Hanover (Alemanha) e, atualmente, trabalha como pesquisador pela Fundação Japão no Instituto Nanzan para Religião e Cultura em Nagóia (Japão).

[1] Para os interesses desse artigo vale lembrar, no entanto, que vistos para religiosos de instituições reconhecidas pelo Japão são uma exceção, mas os religiosos não podem trabalhar em empresas e devem ser mantidos pela missão.

[2] O pico ocorreu especialmente nos primeiros anos, com a demanda reprimida por mão-de-obra no Japão e a época de alta inflação e crise econômica no Brasil, antes da recessão econômica que atingiu o Japão e do Plano Real no Brasil.

[3] Apesar disso, conforme relata Higuchi (2006), os brasileiros que migram mais recentemente ainda têm um contrato de trabalho com empreiteiras, que freqüentemente mudam o turno e local de trabalho dos decasségui. Estando de acordo com um sistema de oferta “just-in-time”, destinado a oferecer mão-de-obra em época de flutuação da demanda e escassez de trabalhadores, esse sistema faz com que essa parcela dos decasségui ainda tenha bastante mobilidade geográfica. Mesmo assim, a imigração legal oferece um emprego formal, a possibilidade de financiamentos para aquisição de bens e o estudo em escolas japonesas para as crianças. Nesse sentido não parece estar ocorrendo um fenômeno de retorno, como identificado entre os brasileiros nos EUA, fruto especialmente do caráter ilegal da imigração e das dificuldades econômicas no setor da construção civil. De qualquer forma, apesar das tendências de um estabelecimento definitivo, observada na mídia em português no Japão, na diminuição do valor das remessas ao Brasil e na pesquisa etnográfica, a permanência da maior parte dos brasileiros no Japão ainda é incerta.

[4] Os nikkei não seguem nesse ponto o comportamento mais geral dos brasileiros e dos latino-americanos em geral. Para uma análise dessa característica como conseqüência de um monopólio no mercado religioso, ver CHESNUT 2003: 8ff.

[5] A cor “amarela” inclui imigrantes e descendentes de países do Extremo Oriente (Japão, China, Coréia), mas pelo seu peso numérico expressa especialmente os japoneses e descendentes que se identificam nessa categoria.

[6] O Protestantismo no Brasil é normalmente dividido em três correntes. A primeira é caracterizada pela imigração de alemães e outros imigrantes protestantes, sendo caracterizada como um Protestantismo étnico. Depois da Segunda Guerra Mundial, o crescimento acelerado de movimentos pentecostais se caracterizaram como um protestantismo de conversão, das quais movimentos como Assembléia de Deus e Congregação Cristã são os mais conhecidos. A partir dos anos 80, uma terceira fase surge a partir dos movimentos neopentecostais, na qual a Teologia da Prosperidade e uma maior influência brasileira a partir do exorcismo de entidades afro-brasileiras podem ser destacados. Esse artigo segue uma diferenciação entre Protestantismo tradicional, pentecostais e uma nova onda de expansão pentecostal, tratada nesse artigo sobre o rótulo “neopentecostal” e caracterizada sob diferentes termos segundo ORO 2003: 205. No Japão, os maiores representantes de grupos neopentecostais vindos do Brasil são a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus.

[7] Isso tem a ver com o próprio status legal, no contexto do Japão, de muitas dessas comunidades pentecostais. As doações, o aluguel e compra de locais para os templos, em muitas comunidades, têm sido feitos em nome dos pastores, já que esses grupos não existem do ponto de vista formal. Alguns dos grupos têm uma relação só nominal com algum grupo evangélico japonês, para que uma legitimação frente aos órgãos japoneses ocorra, mas essa ligação é bastante frágil. Abrir uma igreja no Japão não é um processo tão simples, especialmente após a maior desconfiança em relação a novas religiões, com o ataque com o gás sarin no metrô de Tóquio em 1995, perpetrado pelo grupo Aum Shunrikyo. Uma legalização é de qualquer forma particularmente difícil se os líderes forem todos brasileiros, como ocorre na maior parte das comunidades. Os requisitos para a abertura de uma igreja cristã por estrangeiros no Japão são complexos e parece haver pouca tendência de flexibilização nesse sentido, mas aparentemente a questão das igrejas brasileiras é desconhecida tanto pelo governo japonês quanto pouco discutida nos próprios templos e associações de pastores. De qualquer forma, essa questão é de extrema importância para a legitimação dessas igrejas e quiçá com implicações para o futuro do próprio Pentecostalismo japonês, dado o número de pentecostais estrangeiros e o relativo patrimônio e valor financeiro de doações que essas igrejas já movimentam, até em nível transnacional. Como uma discussão sobre essa questão parece prematura, ainda é difícil estimar as conseqüências desse processo.

[8] Para uma comparação no plano simbólico, Nossa Senhora Aparecida como mãe dos brasileiros não está presente nos altares da Igreja Católica no Japão. Assim, perde força algo que não poderia ser apropriado pelos evangélicos e o principal diferencial devocional da Igreja Católica para os brasileiros.

[9] Esse processo tem semelhanças estruturais com o estabelecimento permanente dos japoneses no Brasil, dado que a primeira geração de brasileiros já desenvolve estratégias pensando em um longo prazo e na geração de seus filhos brasileiro-japoneses, mas já começa a se desenvolver uma que se diferencia bastante dos nipo-brasileiros no Brasil. Aqui é importante enfatizar a diferença dos brasileiro-japoneses dos nipo-brasileiros de uma forma geral, ainda que existam semelhanças na estrutura e nas combinações existentes certamente a ordem dos fatores altera o produto. Os jovens brasileiro-japoneses são uma nova subcultura em rápida evolução.

[10] Para uma visão geral desse processo a partir dessa perspectiva sugere-se Sanchis (1997). Através de sua tipologia de uma religiosidade pré-moderna, moderna e pós-moderna constata-se ao mesmo tempo a transformação, combinação e permanência de diferentes fases históricas na religiosidade contemporânea brasileira.

[11] Existem já diversos estudos sobre o PentecostalismoPentecostalismo brasileiros no exterior. Ari Pedro Oro tem se dedicado especialmente a expansão de religiões brasileiras na América Latina, especialmente no Mercosul, enquanto Paul Freston tem escrito especialmente sobre o Pentecostalismo e Igreja Universal do Reino de Deus na Europa e África.

[12] “Arquivo de Enquetes”, http://www.iurddigital.com/, acesso do Japão em 3/2008.

[13] A Casa da Vó Dita, uma casa umbandista em Anjo (Aichi-ken), também atrai um número pequeno mas proporcionalmente significativo de japoneses.