Esta coletânea de artigos é a primeira a enfocar o Yoga num mundo transnacional. Traz interessantes estudos acadêmicos sobre a teoria e a prática do Yoga, em tempos modernos, pós-modernos e o seu uso como performance coletiva. Após contextualizar o Hatha-Yoga, como fenômeno medieval e prática sincrética, são analisadas as relações entre as técnicas corporais e os contextos de sua prática, que proporcionam um empoderamento individual e social ao praticante, além dos conceitos de numinosidade e libertação das aflições.
O livro foi organizado por Mark Singleton e Jean Byrne e tem 224 páginas divididas em três partes: Mapping the Terrain of Modern Yoga Studies, contém os capítulos de 1 a 3; Posturing for Authenticity, capítulos 4 e 5; e Spirituality, Sexuality, and Authenticity: Understanding the Experience of Contemporary Yoga Practice, capítulos de 6 a 9.
No capítulo primeiro, Modern Yoga: History and Forms, a autora Elizabeth de Michelis explica que o Yoga Moderno nasceu de uma relação simbiótica entre o nacionalismo hindu, o ocultismo ocidental, a filosofia neovedanta e de sistemas da moderna cultura física. Desde o sincretismo, a autora identificou cinco tipos de Yoga, quais sejam: 1) o Yoga moderno psicossomático de Vivekananda, derivado o seu Raja-Yog, de 1896; 2) o estilo neo-hinduísta do Yoga Moderno, que recebeu influências das artes marciais e da ginástica, tanto ocidentais quanto orientais; 3) o Yoga Postural que, como diz o nome, coloca ênfase na prática postural e começou a se desenvolver a partir de 1920; 4) O Yoga Meditativo, também iniciado a partir de 1920 e ensinado por escolas mais reservadas e lideradas por figuras carismáticas, que acabavam desenvolvendo formas idiossincráticas de fé; 5) Formas Denominacionais de Yoga de grupos que promovem suas próprias linhas de Yoga (geralmente meditativa), mas com vistas a promover e divulgar suas formas de crença e visões de mundo.
No capítulo segundo, Yoga Shivir: Performativity and the Study of Modern Yoga, o antropólogo Joseph Alter rastreia o início das práticas coletivas de Yoga ou os Yoga camps (shivir, em sânscrito) que datam do início do século XX. Shivir se refere a aulas abertas e coletivas de Yoga, que podem durar vários dias e visam à promoção do Yoga, sendo uma representação deste, e servindo apenas para espelhar a verdade yóguica, um reflexo da esperança de que o Yoga possa levar a uma saúde melhor, menos estresse e um bem-estar generalizado.
Adapt, Adjust, Accommodate: The Production of Yoga in a Transnational World, no capítulo terceiro, é uma análise de Sarah Strauss sobre a Divine Life Society (DLS), fundada pelo médico treinado na ciência ocidental e líder religioso Swami Shivananda. O objetivo da DLS era “restaurar a paz à personalidade necessitada, conflituosa e psicologicamente traumatizada, do homem moderno”.
No capítulo quarto, The Classical Reveries of Modern Yoga: Patanjali and Constructive Orientalism, Mark Singleton analisa a forma em que os Yoga Sutras (YS) de Patanjali, evocados como texto de referência para o Yoga Clássico, foram reinterpretados no Yoga Moderno. O autor argumenta que não há evidências, como querem assumir os praticantes ocidentais, de que os YS sempre tenham sido a autoridade na prática do Yoga e que o Yoga Clássico chegou a constituir, de fato, uma linhagem própria.
Kenneth Liberman, no capítulo quinto, The Reflexivity of the Authenticity of Hatha Yoga, desconstrói a ideia de que houve um Yoga puro e original com uma linhagem de adeptos, que se estendeu até a era moderna. Para ele, o Hatha Yoga é um fenômeno desenvolvido nos séculos X ou XII com práticas de posturas, não para meditação ou para a obtenção de uma saúde melhor, mas para desenvolver os siddhis (poderes). Aquilo que os hindus defendem hoje como Yoga é uma prática espiritual que absorveu algumas ideias ocidentais derivadas do Islã, do Cristianismo colonial, da ciência moderna e, também, de noções da chamada New Age.
No sexto capítulo, Empowerment and Using the Body in Modern Postural Yoga, Klas Nervin examina, de forma brilhante, a maneira como o corpo é usado e vivenciado no Yoga Postural Moderno e como a prática intensifica a experiência de própriocepção, em geral, e da cinestesia, em particular. Aprofunda esse último aspecto mostrando como ocorre a agudização da experiência sensória e como o uso de velas, símbolos, suaves cânticos em sânscrito, etc. evocam sentimentos e emoções, induzindo um senso de solenidade que encoraja a conduta a ser compreendida como yóguica. Conclui o autor que o Yoga é uma prática que proporciona um empoderamento existencial e social ao indivíduo, embora enfatize demasiadamente a experiência sensorial, em detrimento das estruturas de poder e condições de vida.
No sétimo capítulo, With Heat Even Iron Will Bend: Discipline and Authority in Ashtanga Yoga, Benjamin Richard Smith analisa a prática de tapas (do sânscrito tap, emanar calor, aquecer, estar quente), o esforço aquecedor no Ashtanga Yoga, e o seu significado principal: o calor sagrado ou mágico que o esforço ascético produz, o qual teria uma forma e localização, na junção dos sira, delgados tubos nervosos que canalizam as mensagens da mente até a caixa de mensagens, ou o centro cardíaco.
Stuart Ray Sarbacker, no oitavo capítulo, intitulado The Numinous and Cessative in Modern Yoga, sugere que a prática de tapas e Yoga levariam à conquista do poder numinoso e à cessação da ignorância e do desapego, pois tais técnicas compõem um método de controle das capacidades físicas e mentais, com o fim de alcançar um estado espiritual exaltado. Para o autor, numa visão fenomenológica, o Yoga seria uma prática de eliminação de aflições, sejam elas de natureza mundana ou metafísica, e, numa perspectiva sociológica, seria um processo de exorcismo xamânico.
No nono e último capítulo, Mikel Burley, trata de Yoga e sexualidade em From Fusion to Confusion: a consideration of Sex and Sexuality in Traditional and Contemporary Yoga, destacando que no Yoga contemporâneo há atitudes confusas e que confundem, pois são: permeadas de idealizações sobre castidade e ascetismo, travestidas de uma terminologia neopuritana, erotizantes do corpo e relacionadas ao poder de estimular o desempenho sexual.
O livro é muito importante tanto para temas do campo da Saúde quanto da Religião porque oferece um olhar crítico do Yoga que, a princípio, pode desencantar analistas românticos. Fica claro após a leitura que, apesar do inegável bem-estar que a prática do Yoga proporciona ao praticante, tem se tornado um regime de fitness, uma espécie de filosofia incorporada, que exibe certo grau de ansiedade e ambivalência sobre a unidade inerente da mente, do corpo e do espírito.
Concernente à história do Yoga, algumas passagens de diferentes capítulos deixam ver o seu peso na globalização da cultura hindu. Assim, o papel que exerceu a Divine Life Society (DLS), de Swami Shivananda, na época do pós-guerra, com a mensagem de unidade universal e fraternidade repercutiu tanto na Índia como em todo o ocidente. Esse projeto de internacionalização da cultura hindu, também se deu pela pena de: Max Weber, cuja sociologia da religião possibilitou a relação desta com os campos sociais da economia e da ética; Mircea Eliade, historiador das religiões e o primeiro ocidental a defender uma tese acadêmica sobre Yoga com o título de Yoga, Imortalidade e Liberdade; e vários mestres de Yoga, como Sri Yogendra e Swami Kuvalayananda, que fundaram institutos de Yoga para promover a causa nacionalista com a perspectiva de corpos fortes para uma nação hindu forte.
Possivelmente, esse é o livro recente sobre Yoga mais importante da atualidade, dada a relevância de cada um dos autores para o tema, dos quais muitos já contam décadas de trabalho, acumulam larga experiência de pesquisa, possuem outras obras publicadas e ocupam postos de ensino em importantes universidades norteamericanas, australianas, inglesas e suecas. Por isso, arriscamos afirmar, por um lado, que dificilmente essa obra será traduzida para o português, dado o limitado interesse nesse tema de pesquisa no universo lusofônico; e, por outro, que o livro é fundamental tanto para o pesquisador iniciante como para o experiente, pois permite compreender a prática do Yoga no passado e no presente, no oriente e no ocidente, no âmbito individual e coletivo.
[*] Laboratório de Pesquisa Qualitativa em Saúde (LPQS), Depto. de Medicina Preventiva e Social/ FCM/Unicamp.