Editorial - REVER junho, ano 10, 2010

Igrejas mutantes: Facetas do Pentecostalismo no Brasil

O Pentecostalismo completa cem anos de presença no Brasil. Chegou aqui timidamente, sem clareza de propósitos ou identidade. Hoje é o segmento mais pujante dos ramos cristãos em atividade no território brasileiro.

Se compararmos as duas pontas temporais desse fenômeno, é surpreendente que ainda consigamos traçar linhas de continuidade entre uma e outra, tantas são as diferenças e distâncias entre o fenômeno original e o cenário que se nos apresenta. Foi um século de revoluções profundas no panorama religioso do Brasil e os pentecostais são, em grande medida, responsáveis por elas.

O Pentecostalismo é mutante em sua natureza, definição e identidade e, por causa desse seu caráter fugidio, nosso entendimento sobre ele será sempre aproximativo. Se, de um lado, podemos traçar a identidade genética do fenômeno até suas origens, por outro é com dificuldade que reconhecemos os sinais de similitude entre o que vemos hoje e o que sabemos dele em seus primeiros anos de Brasil. E isso é apenas o começo.

Há mutações recentes no campo pentecostal que ainda não foram objeto de nenhum estudo mais aprofundado por parte dos pesquisadores. Continuamos abismados diante da velocidade com que esse fenômeno se altera e adquire novos rostos e novas características. A formação de dinastias pentecostais é um exemplo dessas mudanças recentes que ainda não foram objeto de pesquisa. Ministérios ou regiões de uma denominação pentecostal se tornam verdadeiros feudos sob a liderança de um pastor, que concentra o poder e, na hora de transmiti-lo, o eleito é sempre alguém do círculo familiar.

A segmentação do mercado, que cria ministérios com atuação altamente especializada, faz surgirem igrejas voltadas para públicos específicos: atletas, artistas, profissionais liberais, policiais, presidiários, adeptos da cultura hip-hop e tantos outros. Cada especialidade desenvolve uma linguagem própria, um discurso específico de legitimação social e um ethos particular. Isso também está escapando ao olhar da academia.

A forma como as igrejas pentecostais se organizam, se posicionam e atuam nos bairros mais periféricos também escapa a compreensão dos estudiosos e as teorias criadas até agora para entender o Pentecostalismo não dão conta de explicar as diferentes formas de simbiose entre as comunidades pentecostais e, por exemplo, o crime organizado. Tudo isso e mais são exemplos da rica dinâmica do movimento pentecostal e que nos levam ao estranhamento diário diante dele. Um teólogo poderia dizer que é a liberdade do Espírito que, como o vento, sopra como quer. Ninguém sabe de onde vem e nem para onde vai. Nós, os pesquisadores, giramos como birutas - em todos os sentidos.

Este número da REVER não quis dar conta desses cem anos de Pentecostalismo no Brasil. E desconfiamos de quem queira fazê-lo. Apresentamos três textos que podem ser vistos como exemplos da riqueza mencionada acima. Em parte, também é a expressão do desconforto acadêmico diante do fenômeno.

O primeiro texto, “Neopentecostalismo: um conceito-obstáculo na compreensão do subcampo religioso pentecostal brasileiro”, de Gerson Leite de Moraes, traz essa marca da insatisfação.

O texto de Elaine Rezende, “Marketing pentecostal: inovação e inspiração para conquistar o Brasil”, é o olhar de uma profissional da linguagem mercadológica sobre uma das características mais salientes desse Pentecostalismo contemporâneo. O fenômeno da glossolalia, aparentemente em desuso nas igrejas pentecostais, é o objeto de análise de Sueli Aparecida Cardozo Carvalhaes.

Esperamos que esse jeito de ver os pentecostalismos no Brasil possa ser acompanhado por outros pesquisadores e mais pesquisas venham a se somar ao já grande número existente, porém ainda insuficiente.


Edin Sued Abumanssur