Fala-se muito de uma suposta Nova Era[i]. Um de seus sintomas ou indícios seria a difusão de um senso impreciso de espiritualidade inexistente nas primeiras décadas da "era" que chega supostamente ao fim. Interessante notar que essa espécie de "conspiração" se faz notar tanto no campo das ciências[1] quanto no seio dos diversos estamentos da população. O "breve século XX" (expressão de Hobsbawn) deixa a história legando à humanidade um horizonte carregado de perplexidades e temores. Há desacertos e buscas. Após as décadas utópicas de 1950 e 1960, estamos assistindo a um "desmoronamento" que atinge não só os países socialistas, coagidos a realizar rupturas drásticas com o seu passado, como também toda a nova ordem mundial emergente no ocidente neo-liberal. É um cenário que abre as portas a inúmeras incertezas, "um olhar para a escuridão" (Hobsbawn, 1994).
Nesse contexto surge uma busca de paradigmas novos, como se o quadro de sustentação 'normal' das ciências, das ideologias e das religiões já não fosse mais capaz de dar conta da interpretação das novas evidências e desafios. Kuhn fala de uma revolução nas ciências. Autores norte-americanos insistem em afirmar a emersão de um novo paradigma que estaria deixando para trás os grandes relatos e quadros conceituais que havíamos herdado dos gregos e, após Descartes e Newton, passaram a presidir o desenvolvimento das ciências no Ocidente. Apesar de possíveis exageros em tais afirmações, há fatos inegáveis que demonstram a inadequação dos modelos do passado e um certo "mal-estar da cultura" daí decorrente. O fenômeno, por ser característicamente capitalista, poderia, à primeira vista, ser tido como típico apenas de grupos de classe média urbana que são os mais diretamente afetados por câmbios sócio-culturais como esse. Mas, a observação mais atenta nos leva a perguntar se algo análogo não se faria sentir também em ambientes brasileiros de extração popular? Que paradigma ou modelo estaria emergindo no campo de cultura de nossa época?
Um dos modelos ou paradigmas mais citados é o da integralidade que tem seu principal ponto de apoio em uma redescoberta arrebatadora do sentido da natureza e do cosmo e em uma reafirmação do que neles é vital e espontâneo. É um movimento que se opõe à unidimensionalidade da cultura instrumental imposta pela ordem capitalista pós-moderna[2].
1.1. Voltemo-nos para o termo "paradigma", copiosamente usado pelos que julgam segura a existência de algo novo pairando no ar. Quando aplicado às ciências e às culturas, pode se entender por paradigma um modelo de interpretação e explicação que possibilita compreender e explicar a realidade em sua totalidade. A partir dessa intuição explicativa ampla, ele permite alcançar uma melhor compreensão dos fenômenos e aspectos parciais do fenômeno em estudo, inclusive em seu sentido prospectivo que aponta para realidades ainda não bem definidas mas já percebidas desde o prisma propiciado pelo próprio paradigma. Em grego essa palavra quer dizer: exemplo, modelo ou tipo. A expressão passou a ser usada em vários campos de conhecimento, nas ciências físicas, primeiramente (na Física, na Biologia, na Matemática, na Cibernética). Entrou, depois, no campo das ciências humanas e da história. Seu significado é, por vezes, impreciso e fluido, por se tratar de um conceito que abrange mudanças ainda em marcha. Mas, mesmo o homem comum é obrigado a constatar que tais paradigmas atuam com impressionante força de persuasão. Escreve Valle (1994):
"Em vários campos de experiência, tanto das elites quanto do povo, é fácil detectar a existência de tais paradigmas. Algumas vezes, eles parecem ser múltiplos e contraditórios. Outras, podem dar a impressão de terem em si algo de "unidimensional" (Marcuse), dado que são fenômenos, percepções e evidências constatáveis em escala macro...de um modo muito sofisticado e com implicações de extraordinária amplitude se sucedem os modelos teóricos paradigmáticos que se referem à origem do universo ou à constituição da matéria. Em um campo muito distinto, está-se afirmando no mundo hoje, afetando a economia, a política e os comportamentos culturais, o paradigma ecológico, destinado, ao que parece, a ser um elemento articulador da nova imagem e compreensão do planeta terra... Assim, um paradigma, além de ser um instrumento de compreensão, contém em si um feixe de significados e valores que motivam e suscitam tanto a inteligência quanto a vontade (e um psicólogo acrescentaria, o desejo)".1.2. De um modo geral os estudos a respeito desse fenômeno ignoram o que se passa no campo popular. Poucos se preocupam em se perguntar sobre sua presença nos meios populares e, menos ainda, em movimentos sociais. Normalmente a pesquisa sociológica tende a considerar e descrever os movimentos sociais apenas na perspectiva das lutas sociais e no contexto de sua influência na política e na economia. O fato, porém, é que, sem perder sua feição de grupos orientados para o político-social, os movimentos populares dão sinais de que começam a sentir a necessidade de confrontar-se com aspectos ligados ao chamado "paradigma da integralidade", que parece ser mais do que um reflexo nos ambientes populares do "misticismo ecológico alternativo" de que fala Soares (1994). Os movimentos de fato existentes na Zona Sul da cidade de São Paulo, sempre mostraram algum tipo de motivação religiosa, talvez devido ao fato cultural destacado por Soares, de que o brasileiro é "religioso por natureza". Além disto existe a forte presença sociológica da Igreja Católica em seu meio. No entanto, o que agora se observa vai em uma direção que revela a presença de outras fontes inspiradoras. Entre elas a de elementos mais ou menos "místicos" que apontam para a integralidade.
Como já descrevi em minha tese de doutorado a presença desse paradigma em movimentos sociais ligados à educação popular, vou me ater aqui mais a descrição do paradigma enquanto tal, remetendo o leitor interessado em conhecer como ele aparece em ambientes populares ao meu outro texto (Gouvêa, 1997), fundado em observações e contatos diretos com grupos e instituições populares que atuam há muitos anos na Zona Sul da cidade de São Paulo.
1.3. Como se sabe, os militantes dos movimentos e grupos não o são a tempo completo. Eles experimentam tudo o que se passa nos "aparelhos de conversa" (Berger) de seus bairros, famílias e grupos de pertença. Sentem a influência enorme que vem da TV e dos meios de comunicação na formação de seu modo de pensar. Através da grande mídia são impregnados, de alguma forma, por essa difusa "conspiração" espiritualista que vai além do espaço clássico das religiões e das igrejas e que usa canais de acesso direto aos sonhos do povo.
Trata-se de algo que não se restringe aos meios populares. Ao contrário até, como demonstrou Magnani em sua pesquisa sobre a presença e disseminação geográfica no neo-esoterismo no espaço urbano de São Paulo (Magnani, 1996). Essas "vibrações" neo-religiosas provêm é das classes médias, mais influenciadas pelo que nos chega da cultura norte-americana. São dimensões e buscas que se fazem sentir também nos ambientes cultos. Os textos mais recentes de pensadores cristãos como Leonardo Boff, teólogo brasileiro sempre muito atento ao que é sentido e vivido pelo povo são uma prova disto. Boff, em conjunto com outros pensadores latino-americanos, desenvolve uma reflexão teórica na qual aparecem elementos e propostas que colhem algo das necessidades e buscas vivenciadas também por quem mora nos bairros periféricos de São Paulo. Desarvorados, de um lado, pelo relativo vazio político e ideológico da atual fase e carentes, por outro, de novos horizontes de sentido, gente do povo – e também quando militantes dos movimentos sociais-- esses militantes sentem uma afinidade quase natural com os paradigmas espirituais lançados por L. Boff e vários outros teólogos brasileiros e também por pedagogos como Clodoaldo Meneghello Cardoso (Cardoso, 1995). Considerar, portanto, essa sensibilidade ecológico-holística nos meios populares poderá ser útil para uma compreensão mais fundamentada e abrangente do que se observa no esforço teórico/prático hoje intentado pelos Movimentos Sociais em sua busca de reconceituação. Com essa pesquisa não estou olvidando da existência de outras buscas, anseios e tensões neo-religiosas – e também seculares -- presentes nos bairros e nas organizações populares., como as que decorrem do extraordinário avanço dos movimentos neo-pentecostais em ambientes urbanos de recente constituição, constituindo uma verdadeira encruzilhada de propostas indicativas do presunto novo paradigma. Há uma transição e nem todos os seus aspectos foram devidamente detectados, analisados e organizados na discussão em curso que já se faz entre os militantes populares nessa fase neoliberal da cultura urbana. Já que a literatura gerada pelos movimentos de origem popular é extremamente precária, basear-me-ei na elaboração de um primeiro quadro complexivo do novo paradigma principalmente em Leonardo Boff e outros pensadores lationo-americanos que me parecem estar em sintonia com a inquietação ideológica e espiritual hoje constatada nas organizações sociais populares.
1.4. Boaventura de Sousa Santos observa que nessa transição entre paradigmas existe a necessidade de explorar também esses aspectos emergentes e isto não só não só através do estudo das transições epistemológicas, como também de uma acurada análise dos " diferentes modos básicos de organizar e viver a vida em sociedade"(Santos, 1995:9). Na verdade, não há "um" paradigma emergente. O que existe são "vibrações ascendentes" de fragmentos paradigmáticos que possuem algo em comum: o fato de considerarem a modernidade como já exaurida em sua capacidade de regeneração e irradiação. A opção não se faz entre a modernidade e a barbárie -- como se proclamava --uma vez que é possível, ou melhor ainda, é urgente imaginar alternativas na linha de um caminhar adiante qualitativo. Outro denominador comum entre os críticos da modernidade é a percepção de que para pensar "para lá" da modernidade há que se partir da própria modernidade como hoje se encontra, pois é aí que jazem mais ou menos embrionariamente os fermentos e forças capazes de permitir as elaborações paradigmáticas.
Em conclusão: a sociedade e a cultura estão adentrando uma crise paradigmática de muitas faces: epistemológica, social, política e cultural. É um conjunto vigoroso de fatores entremeados que não podem deixar de afetar os sujeitos e os grupos que se envolvem diretamente em questões sociais, mesmo quando tais grupos se situam à margem do sistema vigente que se ancora exatamente sobre esses paradigmas em crise.
2. A integralidade como crítica ao modelo dominante
2.1. A crise ecológica iniciou-se ainda no século XIX. Decorre da depredação sistemática da natureza levada a efeito pelas várias ondas de industrialização e, ultimamente, pelos macro-projetos financiados pelo Bancos de Desenvolvimento transnacionalizados e pela iniciativa privada, ambos articulados nos planos mundial e nacional.
Desde essa perspectiva, a concepção de justiça social não pode mais se limitar tão somente às lutas pela libertação e pelos direitos humanos como essas eram propostas nos anos 60 e 70. Hoje tais lutas passaram a abraçar também a justiça ecológica, as lutas pela preservação da natureza. Também os movimentos sociais de ponta, como o demonstraram as manifestações de Porto Alegre e de Gênova acontecidas em 2001, sabem que os problemas ambientais são inseparáveis dos sociais e que ambos dependem largamente do que se passa no campo da economia globalizada. A tomada de consciência dos movimentos ecológicos teve início nos países do Norte e só mais tarde chegou aos continentes do Sul. Na América Latina, encontraram um aliado poderoso nos movimentos populares que vinham de uma longa pela libertação. Essas são as bases que sustentam a atual conjuntura na qual despontam elementos originais de nossa própria história, onde se mesclam aspectos multiculturais, multiétnicos e multirreligiosos não existentes nos países do antigo "primeiro mundo". Penso, com Regidor, que, entre nós "a mundialização do modelo atual de desenvolvimento agrava o enrijecimento dos mecanismos econômicos neoliberais e acarreta o fim da civilização atual"(Regidor, 1996:62). Mas, indo além, julgo que essa conjuntura provoca um tipo de inquietação espiritual que possibilita – talvez à diferença do que se observa na Europa – um modo muito original de vivenciar a integralidade, no quadro das ameaças e limitações que pairam sobre milhões e milhões de latino-americanos. Ressalto que as formas de resistência ao ajuste imposto ao modelo de desenvolvimento em curso se manifestam nos planos cultural, ideológico e simbólico-religioso É um caldo de cultura que torna possível pensar uma cultura democrática cuja qualidade fundamental se expressa na afirmação do pluralismo, da cidadania e do direito à vida.
2.2. A revalorização da democracia, no caso dos países da América Latina, parece refletir o anseio por uma comunidade nova, ética e espiritualmente restaurada. É bem verdade que a expectativa de que a democracia realize uma verdadeira integração social acha-se enfraquecida pelos contragolpes experimentados nos anos 90. Os movimentos sociais percebem que existe um vazio de alternativas capazes de produzir o desenvolvimento econômico auto-sustentado e a integração social, além de criar uma identidade coletiva. Daí seu desejo de encontrar novas chaves interpretativas e organizativas da sociedade.
A Eco 92, no Rio de Janeiro, apontava otimistamente para a formulação de um novo paradigma, elaborado desde um balanço crítico das concepções ideológicas, políticas e geo-econômicas impostas pelo neo-liberalismo. Pouco antes, no I Congresso Latino-americano de Ecologia[3], realizado em Montevidéu (1989), em preparação ao evento do Rio de Janeiro, foi feito um análogo balanço global da nova situação à luz da Teologia da Libertação e seus modelos.
Regidor comenta que os diversos enfoques do balanço apresentado no referido Congresso de Montevidéu, articulam-se num eixo comum: a íntima conexão entre a questão social e a questão ecológica. A preservação da natureza, vista desde esse prisma, se liga à luta pela sobrevivência material e cultural dos habitantes menos privilegiados do planeta, também por razões que expressam a necessidade de uma nova espiritualidade eco-sócio-cósmica.
2.3. No Brasil, Leonardo Boff[4], após se afastar do exercício oficial de sua tarefa teológica enquanto membro do clero, chamou a si a tarefa de delinear melhor o paradigma que despontava ainda de maneira intuitiva, no marco de uma visão de integralidade do ser humano, da natureza e da terra, a Pachamama das culturas pré-colombianas, a Gaia da antiga tradição européia. Ele escreve:
"Todos os seres da natureza têm uma alteridade própria e são, portanto, em certa medida, portadores de um direito à existência, ao respeito pela sua cidadania cósmica. Cada ser, as famílias e as populações dos seres possuem uma linguagem, comunicam uma mensagem e se fazem reveladoras de um mistério da existência e da vida que, por sua vez, remete a um mistério maior, que tudo unifica, tudo penetra e faz resplandecer, o mistério de Deus-comunhão-de-pessoas-divinas-de-vida-e-de-amor. Partindo dessa atitude, deve-se pôr o problema de um desenvolvimento que de um lado satisfaça às necessidades humanas e culturais e, do outro, leve em conta as exigências do equilíbrio da própria natureza, sem desorganizá-la ou mesmo destruí-la" (Boff,1996:62).3. Linhas essenciais do paradigma da integralidade de L. Boff
Partindo desse paradigma, L. Boff procurou delinear, em maior sintonia com a realidade histórica e o sentimento histórico e cultural de nosso continente, as reflexões e práticas dos movimentos ecológicos assim como esses se prospectam na Europa. Percorre para tanto os caminhos da ecotecnologia, da ecopolítica, da ecologia social, da ecologia mental, da ética, da espiritualidade e da mística cósmica (cf Regidor, 1996).
3.1. Seu intento principal ao propor esse paradigma da integralidade é o de ajudar a sistematizar uma proposta de democracia ecológico-social alternativa ao modelo atual de civilização. Faz a crítica ao discurso ecológico do Norte produzido num contexto de uma civilização do bem-estar e centrado na questão dos animais em extinção para, afirmar a necessidade de se passar de uma "ecologia dos seres vivos não-humanos para outra ecologia que se ocupasse com todos os seres vivos e não-vivos, humanos e não-humanos" (Boff,1996:60).
A partir dessa concepção, Boff analisa as formas de articulação entre justiça social e justiça ecológica.
Tal perspectiva desloca o homem de sua posição central no universo como senhor absoluto da natureza para um ser, que como os demais seres, é parte da natureza. Os seres humanos distinguem-se dos demais pelo fato de "serem o único sujeito ético, capaz de discernir o princípio da natureza e, portanto, ter a responsabilidade pela evolução biológica-histórica"(L. Boff,1996:61)
Ao abandonar o paradigma antropocêntrico e androcêntrico, próprio do atual modelo de desenvolvimento, Leonardo Boff assume o emergir da democracia sócio-cósmica que vai se elaborando a partir do ponto de vista da natureza.
A concepção de democracia sócio-cósmica considera os elementos da natureza como sendo os novos cidadãos partícipes do convívio humano e os seres humanos, por sua vez, co- participantes conscientes do convívio cósmico.
Nessa perspectiva, o bem comum e os direitos perseguidos pela nova democracia social-cósmica não são mais apenas os direitos humanos mas, também os direitos cósmicos e planetários.
O resultado dessa relação democrática será a justiça ecológica e a paz na terra. A realização dessas democracias supõe que se leve em conta as interdependências e as responsabilidades de cada um com suas limitações, complexidade e alteridade.
Essa é a nova concepção cosmológica que entende a terra como um superorganismo vivo articulado com todo o universo.
Neste enfoque, o ser humano representa "a etapa mais avançada do processo evolucionário cósmico no seu nível consciente e co-pilotagem junto com os princípios diretores do universo que controlaram todo o processo desde o momento de inflação-explosão há 15 bilhões de anos. O ser humano foi criado para o universo e não vice-versa, para realizar uma etapa mais alta e complexa da evolução universal" (Boff, 1996: 126).
Para Boff, existe aqui uma dimensão mística mais ampla do que aquela conectada usualmente, à experiência da fé cristã. Trata-se de uma dimensão humano-existencial e crítica de natureza mais radicalmente humanizante " porque ela põe em crise o destino do ser humano, confrontando-o com o mistério transcendente. Por isso será, em princípio, disfuncional ao sistema do mundo. Mas, na sociedade moderna, secularizada e pluralista que é, a criticidade intrínseca da fé se duplica em criticidade histórica e cultural" (L.Boff, 1996:126).
3.2. Há, segundo ele, um deslocamento da problemática histórica que da libertação (apenas) social passa para um sentido espiritual da vida como questão prioritária. A dimensão mística do engajamento vem complementar as dimensões política e ético-social, vistas, todas elas, como imbricadas entre si. Neste sentido, o horizonte paradigmático que se delineia situa-se numa visão holística do processo evolutivo da matéria inorgânica e orgânica, da vida em seus vários estágios e do ser humano em sua progressiva humanização e tomada de consciência, pela via da ciência, da tecnologia, da economia, da política, da linguagem e da história. Neste horizonte paradigmático holístico brasileiro, tudo se acha intimamente imbricado ao cotidiano envolvendo todas as contingências da vida cotidiana.
Com essas concepções, Boff afirma uma dupla alteridade: a do Homem e Mulher e a de ambos com a natureza; a busca da reciprocidade e da complementaridade entre os seres humanos e não humanos, vivos e não vivos e, a ecologia social que assume o compromisso por uma sociedade equânime, sem a devastação da natureza e com a uma justa distribuição da riqueza entre todos os povos da terra.
À guisa de conclusão
Estamos diante de um paradigma que permite olhar a realidade social e religiosa numa perspectiva inédita, bem mais provocativa do que a anterior. Mas, ficam no ar particularidades fluidas e pontos obscuros, tornando difícil a passagem ao cotidiano dos problemas que afetam os estudiosos das Ciências da Religião e os profissionais de outras áreas das Ciências Humanas, em especial os mais colados às experiências do dia-a-dia de uma população envolta na luta quase corpo-a-corpo pela sobrevivência e por seus direitos mais elementares.
Não podemos perder de vista que o paradigma da integralidade não pretende dar conta de tudo, como se fosse possível, sob sua referência, entender e transformar a realidade na sua totalidade. Pela sua abrangência, o paradigma ecológico-sócio-cósmico coloca o risco de ser absolutizado repetindo os equívocos históricos de outros paradigmas. E, ainda, correndo o risco de ignorar a existência de uma conflitividade estrutural e histórica por causa da visão de harmonia e integração cósmica que adota.
Outro aspecto importante a considerar é que o referido paradigma pode servir como reforço do individualismo oferecendo soluções via exacerbação do subjetivo em contraposição à valorização do aspecto político/coletivo firmado pelas lutas sociais e políticas dos movimentos.
Portanto, embora tenhamos que levar em conta a emergência desse modelo, não podemos deixar de estudá-lo e tratá-lo criticamente.
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Notas
[1] Um livro que traduz bem essa inquietação da parte de cientistas é o último trabalho de F. Capra sobre a a teia da vida . Nel o conhecido físico espiritualista demonstra a necessidade científica de se criar um maneira nova de compreender os sistemas vivos (cf CAPRA, 1997) .
[2] Freqüentemente, na descrição das caraterísticas desse modelo emergente, aparecem elementos pretensamente orientais, o que traduz uma crítica aos padrões espirituais e éticos mais ligados às religiões e tradições culturais ocidentais.
[3] O I Congresso Latino-Americano realizado em Montevidéu (Uruguai), de 10 a 17/12/89, foi organizado pelo IPFE - Centro de Informação e Promoção Franciscano e Ecológico.
[4] Muitos são os pensadores que estão se dedicando ao balanço crítico da Teologia da Libertação e dentre eles, alguns estão pensando a concepção da ecologia social cósmica como paradigma. Além de Clodovis Boff e Leonardo Boff , citamos Rubem Alves, José Ramos Regidor, o Grupo TAO, José Bittencourt Filho, Jorge Atílio da Silva Iullianelli, Paulo César Loureiro Botas, Ivone Gebara, Frei Beto, Aiban Wagua, dentre outros.
[i] Falo de Nova Era no sentido de Ferguson, M., (s.d.) A conspiração aquariana. Transformações pessoais e sociais nos anos 80, Record, Rio de Janeiro, s.d.