Pesquisa quantitativa no campo religioso:
reflexões ulteriores sobre a experiência de participação de um grupo acadêmico de estudos da religião em duas pesquisas quantitativas.[*]

Alexandre A. Cardoso, Cláudio Antônio C. Leite e Rita de Fátima A. Nogueira[1] []

I

Em ciências sociais se crê, geralmente, que a pesquisa quantitativa representa um instrumento metodológico potencialmente de mais difícil operação que a pesquisa qualitativa. O custo em recursos humanos e financeiros quase inevitavelmente bem mais elevado da pesquisa quantitativa já representaria um poderoso obstáculo operacional, para mencionar apenas uma dificuldade. Crê-se, concomitantemente, que há ganhos potenciais em refinamento metodológico na pesquisa quantitativa. Esses, do ponto de vista científico, seriam motivos suficientemente justificadores das tentativas de superação de quaisquer dificuldades operacionais. Crê-se, também, que o acúmulo de descobertas e de hipóteses produzidas pelas pesquisas qualitativas é que permitiria o equacionamento adequado das questões substantivas envolvidas numa pesquisa quantitativa. Assim, pesquisa qualitativa e quantitativa se relacionariam num processo sinérgicrgico, mais do que de concorrência ou de oposição.

Apoiados nestas crenças, em duas ocasiões recentes, nós, pesquisadores do CERPS, aceitamos o desafio de seguir os caminhos da pesquisa quantitativa. Tínhamos a nosso favor apenas o imprescindível: um grupo motivado de nove pessoas e alguma estrutura logística provida pela Universidade. Uma das ocasiões foi a participação no projeto coordenado pelo Núcleo de Estudos da Religião, vinculado ao Programa de Pós - Graduação em Antropologia Social da UFRGS, sobre religião e política entre alunos dos Cursos de Ciências Sociais de seis universidades brasileiras. Os resultados gerais desta pesquisa foram publicados pela revista Debates do NER, ano 2, n.2, em agosto de 2001[2]. Algumas reflexões aqui expostas resultaram de uma segunda visita aos dados da nossa parte no projeto, que teve a peculiaridade de incluir os alunos do Curso de Comunicação da UFMG e, deste modo, permitir comparações entre cursos com características distintas.

A outra ocasião foi a participação no projeto coordenado pelo Programa de Pós - Graduação em Ciências Humanas da UFMG, de um survey longitudinal da região metropolitana de Belo Horizonte, o BH area survey. O CERPS participou deste projeto elaborando as questões relativas à religiosidade de um questionário mais abrangente. Essas questões foram majoritariamente derivadas de nossa experiência com a pesquisa com os estudantes. Um pré - teste[3] bastante detalhado e rigoroso do questionário foi realizado em meados de 2001, no qual também nos baseamos para algumas reflexões. A aplicação do primeiro survey da série está previsto para o segundo semestre deste ano.

Essas experiências ensejaram vivos debates em nosso grupo, dos quais extraímos algumas questões que compartilhamos a seguir. Resultou particularmente sugestiva a comparação entre alguns resultados das duas pesquisas e as pressuposições teóricas que explicitamos ao elaborar as questões dos questionários. Essas pressuposições pretendiam sintetizar o estado de arte[4] no campo religioso brasileiro, ou seja, correspondiam àquele conjunto de idéias e hipóteses promovido pelo acúmulo de estudos qualitativos sobre religião no Brasil nos últimos anos e que formam uma base praticamente indispensável para uma pesquisa quantitativa de qualidade, acrescido dos dados quantitativos disponíveis. Em linhas muito gerais poderíamos assim exprimir essas pressuposições:

II

Grosso modo, as estimativas dos dados estatísticos disponíveis, como o Censo de 1991 e a pesquisa por amostra do Data - Folha de 1994, permitiam afirmar que a configuração mais aparente da realidade social das religiões no Brasil atual apresentava um quadro conhecido: cerca de 75% dos brasileiros se declaram católicos, cerca de 15% se declaram evangélicos, cerca de 5% se dizem sem religião e os demais 5% declaram professar uma miríade de confissões religiosas, com predominância de espíritas e umbandistas[5]. Em síntese, seríamos uma imensa maioria de cristãos e uma imensa quantidade de insignificâncias estatísticas religiosas. Este quadro, entretanto, não revelaria algumas dimensões cruciais da realidade religiosa brasileira. Como mostram muitas pesquisas qualitativas, há muita diferenciação no interior das grandes religiões, além de formas variadas de sincretismo e trânsito religiosos[6].

Nesse sentido, um quadro mais acurado da realidade social das religiões no Brasil deveria, inicialmente, indagar sobre o significado subjetivo do cristianismo para 90% dos brasileiros. Representada num deus de amor, a escatologia cristã implica, de forma típica, certas exigências éticas de fraternidade universal, conforme as análises clássicas weberianas[7]. No sentido da subsunção subjetiva dessas exigências, mesmo que mitigada e culturalmente reinterpretada, pode-se presumir que este número seja inclusive maior. Brasileiros que se dizem umbandistas, espíritas, esotéricos, ufólogos, logósofos, orientalistas, o povo do candomblé e até os sem religião não deixariam de ser cristãos em alguma medida, neste sentido. Por outro lado, deveria reconhecer melhor a configuração das relações no interior desse conjunto, as afinidades e dissonâncias eletivas no espectro de confissões cristãs.

Sociologicamente falando, portanto, além da consideração mais qualificada de sua feição cristã, um quadro mais acurado da religião dos brasileiros deveria considerar o aspecto institucional desse quadro, ou seja, o fato de que cristãos e não - cristãos acham-se divididos em centenas de igrejas. Sociologicamente, sequer, talvez, se devesse considerar a igreja católica como una. Reconhecidamente, ela tem abrigado, aqui e alhures, desde as manifestações de religiosidade tradicionalista heterodoxa, como o chamado catolicismo popular rural, passando pelas manifestações do ritualismo urbano, como o chamado catolicismo de fachada ou das obrigações, até as manifestações religiosas internalizadas (religiosidade conscientemente escolhida e assumida pelo fiel), seja nas diversas formas de engajamento social católico, como na assistência social e na organização política dos pobres ou dos excluídos, seja nas diversas formas extáticas e mágicas, como a sempre renovada devoção a nossa senhora, aos santos ou ao espírito santo (numa derivação da famosa tipologia de Cândido Procópio Camargo)[8]. Além dessas diversas sub - igrejas católicas, há atualmente no Brasil algumas centenas de igrejas evangélicas bastante variadas e algumas centenas de pequenas igrejas variadas, que incluem as mediúnicas, as tradicionais emigradas, as importações recentes, produtos da mundialização cultural, além das organizações mágicas ou esotéricas, agora completamente indistintas das organizações religiosas de pequeno e médio porte. Uma visão interna dessas igrejas deveria revelar que seus valores, como os de qualquer igreja, são desigualmente assumidos e agenciados pelos seus membros, base para a constituição das hierocracias e, muito expressivamente, de organizações empresariais bem sucedidas, sobretudo se consideradas em conjunto.

Um outro elemento imprescindível à composição de um quadro da religião dos brasileiros seria a magia[9], seu significado e suas implicações na conduta das pessoas. Além de cristã e eclesial, como se caracterizou acima, há muitos indícios de que a religiosidade dos brasileiros seria, sobretudo, antes de mais nada, mágica. A crença generalizada em praticamente toda a gama de poderes mágicos legados de distintas tradições culturais, além dos inventados e reinventados na modernidade, do patuá ao deus pai, bem como a crença em explicações mágicas para quaisquer tipos de fenômenos, parece ser uma marca de nossa cultura que tem resistido, tanto à empresa ética intermitente das religiões dominantes, quanto a certas conseqüências esperáveis do processo de secularização, como, por exemplo, a menor recorrência pessoal a explicações mágicas, em função da constante ampliação do campo de explicações técnicas e científicas. No âmbito das religiões, a magia ocupa um lugar de destaque, inclusive nas igrejas evangélicas. Nelas, para citar um exemplo, Jesus parece-nos sincretizado no deus de Abraão, num profeta portador de uma mensagem ética, num místico e num poder mágico. Uma outra hipótese relacionada com esta seria a da prevalência entre nós de uma noção monolátrica[10] da divindade, portanto, politeísta, e não monoteísta, como noventa e tantos por cento dos brasileiros se declaram.

Acrescente-se, por fim, a este quadro sua reconhecida transitividade, que opera em vários sentidos e não apenas no da conversão clássica, para se ter um horizonte mínimo de variáveis importantes numa pesquisa empírica. Dentre os vários sentidos, as pesquisas qualitativas têm revelado processos de ida e vinda entre duas ou mais religiões, processos de perambulação religiosa e processos de bricolagem.

Temos, portanto, a impressão de operar com delicados artifícios lógicos quando tentamos traduzir esse cosmo de considerações em uma pesquisa quantitativa, em questões para um questionário e, de fato, pós - fato, verificamos quase sempre que deveríamos ter feito de outro modo ou que algo importante nos escapou. As considerações que se seguem têm algo desta atitude e procuram apenas revelar o aspecto sempre inacabado do processo de conhecimento.

III

Quando da realização da pesquisa com alunos de ciências sociais e de comunicação da UFMG, definimos uma estratégia de abordagem da questão religiosa que partia de perguntas sobre crenças, depois sobre vida religiosa e, só ao fim, sobre confissão religiosa. Pensamos que seriam necessários alguns ardis metodológicos para captar alguma ressonância daquele cristianismo trânsfuga – mágico – monolátrico - eclesial que presumimos como tipo geral brasileiro. Concordamos que a pergunta inicial sobre confissão tenderia a contaminar quaisquer outras que procurassem captar crenças e relações religiosas.

Sobre as crenças, incluímos uma pergunta assim:

Você acredita em... (Você pode marcar mais de uma opção)

_____Deus
_____Jesus Cristo
_____Virgem Maria
_____santos
_____anjos
_____espíritos
_____duendes
_____gnomos
_____demônios
_____entidades/orixás
_____vida após a morte
_____reencarnação/vidas passadas
_____energias/aura
_____astrologia/horóscopo
_____seres extra-terrestres
_____magia
_____destino
_____tarot
_____mantras
_____I ching
_____reiki
_____Outros. Especifique:

A idéia era captar o elemento mágico da religiosidade dos estudantes. Perguntando, assim, de chofre, se acreditava em tal ou qual coisa e em outra e em outra, o estudante acabaria confessando alguma coisa. Os diversos itens foram escolhidos para representar quatro tipos em que dividimos o universo de crenças mágicas: cristãs ortodoxas, cristãs heterodoxas, mediúnicas e esotéricas. Assim poderíamos vislumbrar algo da composição dessas crenças. Havia também a presunção de captar uma certa magnitude ou dimensão desse elemento, maior ou menor na orientação da pessoa, na idéia de que o maior ou menor número de marcas indicaria um maior ou menor apelo à magia. Os resultados encontrados foram os seguintes para 98 alunos de cada curso:

Crenças Ciências Sociais (%)[11] Crenças Comunicação(%)[12]
Deus 71,4           Deus 86,7          
Jesus Cristo 58,2           Jesus Cristo 69,4          
Vida após a morte 35,7           Vida após a morte 59,2          
Espíritos 33,7           Anjos 58,2          
Virgem Maria 31,6           Virgem Maria 54,1          
Anjos 31,6           Espíritos 51,0          
Energia/aura 30,6           Reencarnação 46,9          
Santos 25,5           Santos 42,9          
Reencarnação 25,5           Energia/aura 41,8          
Seres extra-terrestres 21,4           Seres extra-terrestres 40,8          
Demônios 16,3           Destino 27,6          
Entidades/Orixás 16,3           Astrologia/horóscopo 13,3          
Destino 15,3           Reiki 11,2          
Magia 13,3           Demônios 9,2          
Astrologia/horóscopo 11,2           Entidades/Orixás 9,2          
Reiki 11,2           Magia 8,2          
Mantras 10,2           Mantras 8,2          
Tarot 8,2           Tarot 7,1          
Outras 8,2           Duendes/Gnomos 6,1          
I Ching 7,1           Outras 5,1          
Duendes/Gnomos 5,1           I Ching 4,1          

Tabela 1 - Fonte: Banco de dados da Pesquisa Religião e Política entre os estudantes dos cursos de graduação em Ciência Sociais e Comunicação Social da UFMG/FAFICH realizada pelo Centro de Estudos da Religião Pierre Sanchis em 2000.

Assim nos referimos à época da pesquisa a esses resultados: "Os dados são intrigantes. Antes de tudo, pelo imenso acervo de crenças admitidas pelos alunos."[13] É também digna de atenção a semelhança dos perfis de crenças dos alunos dos dois cursos, com uma grande correspondência inclusive entre as crenças. Pensamos que o maior volume de crenças na comunicação deve ser desprezado em favor da consideração de que ambos os perfis devem ser considerados "muito altos". "Um significado possível dos dados poderia referir à magia, mais que a qualquer religião, como o compromisso de crença mais efetivo dos alunos de ambos os cursos (...) Neste domínio, em relação à divindade, teríamos a monolatria preferivelmente ao monoteísmo. Isso pode estar a indicar os altos, mas distintos escores de Deus, Jesus Cristo e Virgem Maria (...) chama a atenção a grande expressão de crenças relacionadas ao espiritismo, como vida após a morte, espíritos, reencarnação e vidas passadas. Vê-se ainda a presença da simbologia mágica judaico-cristã nas crenças em demônios, anjos e santos, além de um conjunto de crenças ditas esotéricas, como nos seres extraterrestres, astrologia, energias/aura, reiki, etc."[14]

Como se vê, parecíamos ter acertado o alvo. A interpretação dos dados era relativamente fácil, mais promissora, dada a nossa demarcação teórica, e não era nada trivial. Assim, quando fomos incluídos no projeto BH area survey, adaptamos essa pergunta para um questionário a ser aplicado em uma amostra da população da cidade. A questão foi desdobrada em duas para evitar a longa lista de itens; incluímos apenas três de cada tipo de crença e estes foram embaralhados. Ficaram assim:

1. Você acredita em...

_____Astrologia
_____Búzios
_____Espíritos
_____Anjos
_____Orações
_____Bíblia


2. Você acredita em...

_____Magia
_____Feitiço
_____Reencarnação
_____Demônio
_____Benzeção
_____Jesus

E apresentaram o seguinte resultado para 43 casos do pré - teste:

Crenças (%)[15]
Orações 90,7
Jesus 88,4
Bíblia 83,7
Anjos 67,4
Benzeção 55,8
Reencarnação 44,2
Demônio 39,5
Espíritos 39,5
Astrologia 37,2
Feitiço 32,6
Magia 27,9
Búzios 14,0

Tabela 2 – Fonte: Dados do pré - teste do módulo sobre religião do Survey Metropolitano de Belo Horizonte, realizado em Outubro de 2001.

Novamente a pergunta pareceu promissora. A composição de crenças e os altos escores pareceram expressivos. Porém o teste cognitivo do pré - teste do BH area survey[16] revelou que as categorias de crenças podem não ter o mesmo significado ou sentido para todos os entrevistados. Apesar das respostas indicarem alguns aspectos unívocos, como por exemplo a definição prever o futuro para uma pergunta sobre premonição e sexto sentido, é notável como varia a definição de astrologia entre os entrevistados. A dificuldade com o termo foi apontada por cinco entrevistadores. Poderíamos estender essa problemática para a tipologia das crenças. Podemos afirmar que categorias como vida após a morte, espíritos, reencarnação e vidas passadas estão relacionadas ao espiritismo? Vida após a morte poderia estar sendo simbolizada no protestantismo, significando céu ou inferno, ou no catolicismo, incluindo-se o purgatório. Em outras cosmologias pode ser uma concepção de vida em outros planetas, ou de reencarnação, seja como ser humano, animal ou planta. Espíritos podem ser os imundos dos pentecostais, dos carismáticos católicos ou os dos cultos afro - brasileiros e assim por diante.

A questão que então se colocou entre nós foi a de saber em que medida podemos considerar que determinadas crenças ou símbolos religiosos pertencem a uma dada cosmologia religiosa e não pertencem a outras. Até que ponto tais crenças não pertencem a várias cosmologias, possuindo em alguns casos os mesmos significados e, em outros, significados diferentes e até díspares? Como salienta Pierre Sanchis " (...) o homem contemporâneo tende a adquirir elementos de várias sínteses que se lhe oferecem, para ele mesmo compor seu universo de significação."[17]

Também as perguntas relativas à confissão religiosa suscitaram questões entre nós. Observando os resultados do pré - teste do BH area survey chegamos a novas hipóteses. A formulação final da pergunta, na última parte da bateria, ficou assim:

Vou ler uma lista de religiões e gostaria de saber a qual delas você pertence...

Embora a pergunta permitisse que o entrevistado escolhesse mais de uma religião, isso não ocorreu e mesmo a diminuta amostra representada pelo pré - teste (43 casos 'catados' por dez entrevistadores na região metropolitana de Belo Horizonte) reproduziu a estrutura das confissões captadas pelos dados estatísticos abrangentes.

Religião declarada (%)[18]
Católico não - praticante 27,9
Católico praticante 25,6
Não tem religião 20,9
Evangélico 14,0
Espírita 11,6

Tabela 3 - Fonte: Dados do pré - teste do módulo sobre religião do Survey Metropolitano de Belo Horizonte, realizado em Outubro de 2002.

Caso esse resultado não tenha sido induzido pelo entrevistador, essas respostas, aparentemente, contrariam o que tem dito alguns estudiosos do campo religioso brasileiro, como, por exemplo, as de Antoniazzi[19]. Para esse autor, estaríamos assistindo a uma procura e redescoberta daquelas que, historicamente, parecem ter sido as formas primitivas da religião. Deste modo, a religiosidade voltaria a se expressar hoje em formas espontâneas, quase infantis, livres da institucionalização e da rígida regulamentação ritual e moral das igrejas cristãs. Como Berger[20] pontua a livre escolha do sujeito quanto à escolha de sua adesão religiosa, Antoniazzi[21] assevera que a emoção seria procurada em primeiro lugar e que, no limite, essa religião tornar-se-ia apenas um instrumento com que o indivíduo relata-se sua biografia, reinterpreta-se com sentido. Ela sequer precisaria manifestar-se exteriormente, como nos ritos e nas relações comunitárias tão típicas na religião tradicional. Ela teria se tornado invisível[22], patrimônio exclusivo e interior do indivíduo que, muitas vezes, transitaria entre várias delas, sem aderir definitivamente a nenhuma e sem abandonar definitivamente nenhuma. Os dados sobre confissão mostram, ao contrário, um padrão muito sólido de pertencimento a uma matriz de igrejas, como estabelecemos em nosso marco teórico.

Isso se confirmaria nas respostas a essa questão na pesquisa com os estudantes, onde também é perguntada a religião dos pais.

PERFIL RELIGIOSO POR CURSO (%)[23]
Religião Ciências Sociais Comunicação
   alunos    pais     mães    alunos    pais     mães  
Católica 41,83  67,35  81,63  55,10  76,53  83,67 
Espírita 8,16  7,14  7,14  8,16  8,16  11,22 
Protestante 3,06  7,14  1,02  2,04  3,06 
Oriental 1,02  1,02  4,08  1,02  2,04  1,02 
Afro-brasileira  2,04  1,02  1,02  1,02 
Outra 7,14  11,22  5,10  7,14  6,12  4,08 

Tabela 4 - Fonte: Banco de dados da Pesquisa Religião e Política entre os estudantes dos cursos de graduação em Ciência Sociais e Comunicação Social da UFMG/FAFICH realizada pelo Centro de Estudos da Religião Pierre Sanchis em 2000.

Os dados parecem confirmar as mesmas idéias sobre pertencimento expressas por Camurça (2001), relativamente aos estudantes de Juiz de Fora, e não a religião invisível ou uma nova consciência religiosa:

"Mas o mais importante na confluência dos nossos dados com os da desbravadora pesquisa carioca é que ambas convergem para uma identidade religiosa moderna e anti - sincrética entre os estudantes pesquisados, distinta do que se afirma para o campo brasileiro: "Podemos dizer, pois, que há um certo descompasso entre estes alunos (com religião) e os diagnósticos sobre as formas de religiosidade predominante (...) Entre eles foi recorrente a afirmação de vínculos formais com igrejas (...) contrariando uma tendência enfatizada por vários autores, segundo a qual uma emergente 'nova consciência religiosa' se caracterizaria por um aumento da religiosidade com diminuição do pertencimento institucional" (NOVAIS, 1994:64). (grifo nosso)."[24]

Chegam mesmo a ser surpreendentes as semelhanças entre os dados sobre estudantes, seus pais e a população em geral, sempre num sentido distinto de interpretações como a de Antoniazzi. Referindo-se aos dados de Belo Horizonte, Cardoso, Perez e Oliveira (2001:88-89) afirmam que:

"...nossos alunos são menos protestantes que a população brasileira, mineira ou belo horizontina. Essa sub - representação nem é tão grande assim, uma vez que pode ser tributada ao evidente viés de classe dos nossos casos. Como se sabe, o crescimento do protestantismo em suas versões mais recentes, de cunho neopentecostal, tem ocorrido principalmente nas camadas urbanas pobres, e apenas secundariamente nos segmentos de classe média, onde são recrutados os alunos das grandes universidades."[25]

IV

No movimento pendular que parece retratar as mudanças nas agendas sociológicas, tem-se ouvido ultimamente o apelo no campo religioso de retornar às coisas (Husserl). Isso tem-se traduzido, em parte, numa retomada das pesquisas quantitativas nesse campo. Nesse sentido, nosso grupo do CERPS e suas peripécias quantitativistas parece ser apenas um caso entre muitos. Das discussões sobre essas experiências que reportamos aqui poderíamos dizer, à guisa de conclusão, que, ao lado dos expressivos resultados alcançados, se nos apresentaram duas ordens de questões complexas. Uma relacionada com a adequação dos instrumentos metodológicos quantitativo ao cosmo religioso. Desde a construção de variáveis adequadas até a elaboração de perguntas em um questionário, passando pela amostragem e os testes, tudo representou desafios que envolveram muitos elementos de incerteza. A simples escolha de perguntar a alguém algo sobre sua religião já envolve muitos problemas. Por exemplo, dizem os presbiterianos que ao verdadeiro devoto não agrada falar de sua devoção; dizem mesmo que o desagrada. Se ele não fala, esta é uma possibilidade que deveríamos levar a sério na pesquisa sobre religião. Deveríamos considerar seriamente a hipótese de que, talvez, num sentido unilateralmente sociológico, como o durkheimiano[26] de sagrado, a religião esteja hoje mais presente em outros lugares do que na própria religião. Assim, teríamos de considerar a possibilidade de uma religião invisível ou uma nova consciência religiosa para acercarmo-nos do fenômeno religioso. Mas, ao lado disso, podemos ver que as igrejas estão prosperando a olhos nus e temos também de considerar o aspecto religioso dessas igrejas. Teríamos de prescrutar o aspecto interno ou organizacional dessas igrejas e, além disso, as relações entre elas e entre elas e outros tipos de organizações com quem guardam afinidades e tensão.

Uma outra ordem de questões se refere à avaliação e interpretação dos resultados alcançados. Nesse caso, nossa experiência mostrou a necessidade de se estar sempre retornando às questões iniciais e testando novas possibilidades avaliativas e interpretativas. Um resultado inegável foi a percepção do grande trabalho que temos pela frente. Outro foi a percepção de que a pesquisa quantitativa não representa uma panacéia, no sentido de remédio externo, para o campo religioso, mas, mais propriamente, uma disciplina, no sentido de ascese, com seus rigores necessários e resultados limitados e graduais.

Bibliografia

ANTONIAZZI, A. (1998) "O sagrado e as religiões no limiar do terceiro milênio". in CALIMAN, c. (org), A sedução do sagrado: o fenômeno religioso na virada do milênio, Petrópolis, Vozes. P.11-19.

BERGER, Peter. (1985) "A Secularização e o problema da plausibilidade". in ___. O Dossel Sagrado. Elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus. P.139-164.

CAMARGO, C. (1973) Católicos, protestantes, espíritas. Petrópolis, Vozes.

CAMURÇA, M. (2001) "Religiosidade moderna e esclarecida entre os universitários de Juiz de Fora-MG" in Debates do NER, ano 2, n.2, Porto Alegre, UFRGS. P.37-64.

CARDOSO, Alexandre. (1999) Os alquimistas já chegaram: uma interpretação sociológica das preaticas mágicas em Belo Horizonte. São Paulo, USP, Tese de Doutorado, FFLCH.

CARDOSO, A., PEREZ, L. e OLIVEIRA, L. (2001) "Quem mora ao lado? O pecado ou a virtude? Um estudo comparativo sobre participação religiosa e política entre estudantes de Ciências Sociais e de Comunicação da FAFICH-UFMG" in Debates do NER, ano 2, n.2, Porto Alegre, UFRGS. P.65-102.

DURKHEIM, Émile. (1996) "Introdução: Objeto da pesquisa, Definição do fenômeno religioso e da religião e Conclusão." in: As formas elementares da vida religiosa: o sistema totemico na Austrália. São Paulo. Editora Martins fontes. P. I - XXVII; P. 3-250; P. 457-498. (respectivamente).

LUCKMANN, Thomas. (1967) La religione invisibile. Bologna, II Mulino.(Ed. Americana: New York, 1967).

ROLIM, F. (1994) "A propósito do transito religioso". in Comunicações do ISER 45. Rio De Janeiro, ISER.

SANCHIS, Pierre. As religiões dos brasileiros. Horizonte, v.1, n.2, 2º semestre. Belo Horizonte. P.28-43.

WEBER, M. (1994) Economia e Sociedade. 3.ed. Brasília, Editora UnB. Vol.I. Capítulo V.

Pesquisa por amostragem da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Relatório do 1º Pré - teste do módulo religião. Programa de pós - graduação em Sociologia e Política - FAFICH - UFMG. Outubro/2001.

Notas

[*] Este trabalho foi apresentado num Fórum de pesquisa da 23ª Reunião Brasileira de Antropologia, promovido pela Associação Brasileira de Antropologia, em Gramado - RS, de 16 à 19 de junho de 2002. Nesta ocasião o seu título foi: "Explorações empíricas da religião: exame de dois conjuntos de dados sobre crença e participação religiosa em Belo Horizonte."

[1] O Prof. Alexandre A. Cardoso é Doutor em Sociologia pela USP e professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMG. Cláudio A.C. Leite e Rita de F. A. Nogueira são alunos do Curso de graduação em Ciências Sociais da UFMG. Os três são pesquisadores do Centro de Estudos da Religião Pierre Sanchis (CERPS), vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMG. O presente trabalho representa os resultados de discussões no interior do CERPS, a partir de seu envolvimento em dois projetos de pesquisa quantitativa mencionados no texto.

[2] Artigo : CARDOSO, A., PEREZ, L. e OLIVEIRA, L. (2001) "Quem mora ao lado? O pecado ou a virtude? Um estudo comparativo sobre participação religiosa e política entre estudantes de Ciências Sociais e de Comunicação da FAFICH - UFMG".

[3] Pesquisa por amostragem da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Relatório do 1º Pré - teste do módulo religião. Programa de pós - graduação em Sociologia e Política - FAFICH - UFMG. Outubro/2001.

[4] Todas as palavras em negritos são 'destaques' nossos.

[5] Achamos interessante manter essas estimativas, feitas em 2000/2001, porque revelaram-se rigorosamente corretas à luz dos dados do Censo, agora divulgados (maio de 2002).

[6] ROLIM, F. (1994) "A propósito do transito religioso". in Comunicações do ISER 45. Rio De Janeiro, ISER.

[7] Weber, Max. (1994) Economia e Sociedade. 3.ed. Brasília. Editora UnB. Vol.I. Capítulo V.

[8] CAMARGO, C. (1973) Católicos, protestantes, espíritas. Petrópolis, Vozes.

[9] Mais sobre magia veja: CARDOSO, A. (1999) Os alquimistas já chegaram: uma interpretação sociológica das práticas mágicas em Belo Horizonte. São Paulo, USP, Tese de Doutorado, FFLCH.

[10] WEBER, M. (1994). Op. Cit.

[11] Relativo ao total de entrevistas por curso. Não há coluna total, haja visto que a questão era de escolha múltipla.

[12] Relativo ao total de entrevistas por curso. Não há coluna total, haja visto que a questão era de escolha múltipla.

[13] CARDOSO, A., PEREZ, L. e OLIVEIRA, L. (2001). Op. Cit. P.94.

[14] CARDOSO, A., PEREZ, L. e OLIVEIRA, L. (2001). Ibidem.

[15] Relativo ao total de casos examinados no pré - teste.

[16] Pesquisa por amostragem da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Relatório do 1º Pré - teste do módulo religião. Op. Cit. Outubro/2001.

[17] Sanchis, P. As religiões dos brasileiros. Horizonte, v.1, n.2, 2º sem. Belo Horizonte. P.35.

[18] Relativo ao total de casos examinados no pré - teste.

[19] ANTONIAZZI, A. (1998) "O sagrado e as religiões no limiar do terceiro milênio". in CALIMAN, c. (org), A sedução do sagrado: o fenômeno religioso na virada do milênio, Petrópolis, Vozes. P.11-19.

[20] BERGER, Peter. (1985) "A Secularização e o problema da plausibilidade". in ___. O Dossel Sagrado. Elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus. P.139-164.

[21] Antoniazzi, A. (1998). Op. Cit. P. 14.

[22] LUCKMANN, T. (1967) La religione invisibile. Bologna, II Mulino.

[23] Relativo ao total de entrevistas por curso. Não há coluna total, haja visto que a questão era de escolha múltipla.

[24] CAMURÇA, M. (2001) "Religiosidade moderna e esclarecida entre os universitários de Juiz de Fora-MG" in Debates do NER, ano 2, n.2, Porto Alegre, UFRGS. P.58.

[25] CARDOSO, A., PEREZ, L. e OLIVEIRA, L. (2001). Op. Cit. P.88-89.

[26] DURKHEIM, É. (1996) "Introdução: Objeto da pesquisa, Definição do fenômeno religioso e da religião e Conclusão." in: As formas elementares da vida religiosa: o sistema totemico na Austrália. São Paulo. Editora Martins fontes. P. I - XXVII; P. 3-250; P. 457-498. (respectivamente).