Editorial

Neste início de milênio, a religião tem sido estudada sob muitos aspectos pelos diversos ramos das ciências. Este número de REVER quer chamar atenção para alguns marcos teórico-metodológicos das análises de um rico traço da religião popular: as devoções

Os artigos apresentam pesquisas realizadas por autores que têm empreendido esforços para redimensionar posturas teóricas na análise das manifestações religiosas. Ver de perto e de dentro o campo religioso popular e suas múltiplas manifestações tem sido a preocupação constante desses estudiosos.

Como compreender a utilização das imagens no catolicismo popular? Como compreender o campo da imagética devocional? José Rogério Lopes, em Imagens e devoções no catolicismo brasileiro. Fundamentos metodológicos e perspectivas de investigação, oferece elementos para uma percepção mais refinada da relação entre imagens e devoções religiosas. Trabalha com a seguinte hipótese: "as imagens religiosas quando inseridas em uma relação devocional, não somente representam uma ausência, que se reconhece através dela (o que ela evoca), mas simbolizam uma forma que se explicita pela sua própria presença. Ou seja, toda a imagem religiosa tem um registro para si e em si". Texto analítico que traz nas suas entranhas as marcas da diuturna experiência de campo do autor. Lopes realizou e coordenou uma ampla pesquisa sobre a imagética devocional no vale do Paraíba (São Paulo).

A produção acadêmica sobre o catolicismo popular no Brasil no âmbito das ciências sociais, no último quarto de século foi significativa. André Luiz da Silva, em Devoções populares no Brasil: contextualizando algumas obras das ciências sociais, apresenta um precioso painel revelador dos deslocamentos ocorridos no campo da análise do catolicismo popular: do par religião- política passa-se para o par religião-cultura. Uma cuidadosa recepção de trabalhos de Pedro Oliveira, Carlos Brandão, Raymundo H. Maués e Carlos Alberto Steil desvela essa dinâmica. Silva conclui mostrando como os cultos marianos exemplificam bem o dinamismo interno e a complexidade presente no campo religioso atual.

A região de Cunha, no vale do Paraíba (São Paulo), é conhecida pela riqueza de suas manifestações folclóricas. Lugar de confluência de muitas memórias. È uma dessas memórias que Adilson S. Mello visita. A memória de Sá Mariinha das Três Pontes, curandeira e vidente, nascida em 18 de junho de 1882, filha de Benedito Guedes dos Santos e Francisca Maria da Conceição. Em Análise de uma devoção: repensando os elementos interpretativos, o autor busca na história, na sociologia dados teóricos capazes de interpretar a dinâmica devocional que envolve o caso de Sá Mariinha. "Descobrir o objeto(de estudo) e deixá-lo falar é tarefa complexa, mas necessária para se ter uma análise que não distorça os fatos em favor de uma postura assumida a priori pelo pesquisador". Mello ajuda-nos a perceber a construção da legenda de Sá Mariinha e as razões da permanência de sua memória.

Muitos teólogos têm se emaranhado entre as tendências totalitárias da modernidade e as tendências polarizadoras da pós-modernidade. Fato que realça a importância do resgate do catolicismo popular, como "locus theologicus", realizado por José Carlos Pereira em A linguagem do corpo na devoção popular do catolicismo.Para tal, não basta uma "abertura", um "entendimento" do catolicismo popular mas faz-se necessário a aceitação de um "modo de ser católico" diferente. Ao estudar a devoção sacrificial, numa perspectiva nova, evita as armadilhas sociais e acadêmicas que fazem do universo religioso do povo um objeto para o estudo hegemônico. A análise nos mostra ser a devoção popular um dos meios mais fundamentais pelos quais o povo lida com o sofrimento.

Em o "Símbolo e o ex-voto em Canindé", Marcelo João Soares de Oliveira procura entender gestos simbólicos e atitudes existenciais dos peregrinos de Canindé, que buscam recriar suas vidas no sagrado

Na seção Intercâmbio, os leitores(as) encontrarão o artigo Mosteiro da Ressurreição na representação de um monge: a leitura da história de um mosteiro, fundado em 1981, construída em 1998 por um de seus fundadores de Andréa Mazurok Schactae. A partir dos conceitos de representação e apropriação (Roger Chartier) procura compreender o ato fundacional do Mosteiro da Ressurreição.

Ênio José da Costa Brito
Fernando Torres Londoño