O presente trabalho tem como proposta resgatar um fenômeno religioso chamado “Sá Mariinha das Três Pontes”. Muitas vezes esquecidos, fenômenos como esse trazem em si elementos de análise que podem passar desapercebidos aos pesquisadores. Não importa apenas constatar sua existência, elaborar um arcabouço teórico e enquadrá-lo de forma a que a teoria possa ter razões inquestionáveis. Todo marco teórico deste trabalho foi questionado durante o processo de pesquisa de interpretação dos dados. Muitas vezes o objeto formal da pesquisa apontava em direções diferentes daquela pretendida durante o decorrer do processo. Cabia então, ao pesquisador, redimensionar as posturas teóricas para que o objeto pudesse falar de forma mais clara e mostrar sua relevância.
Durante o processo vivemos momentos difíceis para equacionar o desejado e o possível. Lutamos, porém, com o máximo empenho para fazer com que o trabalho viesse a estimular novas pesquisas sobre esse tipo de fenômeno que, ao nosso ver, deve ser olhado a partir de “dentro” das tramas de suas teias culturais. Cada objeto tem sua medida e cabe ao pesquisador trabalhar a sensibilidade de construir uma medida compatível para não matá-lo. Descobrir o objeto e “deixá-lo falar” é tarefa complexa, mas necessária para se ter uma análise que não distorça os fatos em favor de uma postura assumida aprioristicamente pelo pesquisador. Buscamos dar aos fatos uma interpretação complexa que, acreditamos, não é perfeita, mas a melhor que pudemos retirar do diálogo estabelecido com a história e a devoção à Sá Mariinha das Três Pontes. O texto original da pesquisa foi publicado pela Editora Santuário sob o título “Sá Mariinha das Três Pontes”.
Maria Guedes é o nome da personagem central deste trabalho. Nascida a 18 de junho de 1882 no município de Cunha (SP), era filha de Benedito Guedes dos Santos e de Francisca Maria da Conceição. Quando tinha treze anos sua família se estabeleceu no Bairro das Três Pontes - região do bairro do Jacuí. É aí que começa a sua história como importante personagem dentro do contexto da religiosidade popular do atual município de Cunha.
A narrativa da gênese do processo que configurou Sá Mariinha como curandeira e vidente[1] apresenta um quadro circundado pelo mistério, característico de seu universo cultural. O mistério envolve a narrativa que originou o fenômeno. Alguns elementos importantes aparecem no contexto: a) o acompanhamento da enfermidade por parte do curandeiro de Paissanduva (Juquita, de acordo com seu José Baltazar e Juquinha, de acordo com seu Cândido, em depoimento coletado por João Veloso), sua mulher Nhanhana (provavelmente Nhá Ana) e seu tio João Lau. Estes personagens têm uma grande importância no universo que envolve os curandeiros de Cunha e aparecem citados por José Veloso Sobrinho em seu livro Um causo sério (publicado pelo Centro de Tradições de Cunha); b) a palavra do curandeiro se fez respeitada sem qualquer discussão quando da afirmação: “Não leva ela pra sepultar, que num tá morta”.[2]
A palavra dada é veredicto e abre as portas para a possibilidade do suspiro que acontece três dias depois de a família tê-la dado como morta; c) Fato interessante encontrado na narrativa é o horário do retorno sinalizado pelo suspiro da enferma: “mais ou menos meia-noite”.[3] Horário circundado pelo mistério de transição entre os dias. No imaginário popular, o horário é solene na relação com o inexplicável. É só observar que na encomendação das almas, o “chamatório”, o horário de meia-noite é tido como um marco no início do contato entre a companhia de encomenda das almas e os crentes.[4] Além disso, são comuns as histórias de pactos de violeiros por volta deste mesmo horário, seja às margens de um rio onde o mesmo deverá tocar melhor que o desafiado (criatura sobrenatural) sob a penalidade de ser engolido pelas águas do rio, seja em um cemitério onde faz-se o pacto com o demônio; d) A fonte de água é o espaço onde começa a se configurar o fenômeno. Os primeiros fatos misteriosos ali acontecem. Foi lá que Sá Mariinha percebeu algo diferente. A mesma fonte “limpa os olhos” e a faz enxergar fenômenos que sua própria mãe não percebia. É interessante observar a necessidade de ir à fonte, sendo que, no caso, poder-se-ia trazer a água até a enferma. Ao que me parece, essa ida está vinculada à autoridade à palavra do curandeiro Juquita: “-Óia aí Chiquinha, leva ela lá na água todo dia cedo, quando o sol apontá. Vai lavando o olho dela que Deus vai dá um recurso que tem que pará esse sangue”;[5] e) O aparecimento da imagem que se desprendeu de seu corpo é antecedido por momentos de mistério onde só ela consegue ter contato com fatos inexplicáveis. Esses fenômenos preliminares preparam o momento maior, que se dá com o aparecimento da imagem da Santa. O consentimento da mãe acontece após ser testemunha de um fenômeno visível: “Olha tem que deixá fazê, né. Como é que vai fazê? Apareceu. Quem sabe ela é que vai ser sua guia?”[6]; f) Sá Mariinha aceita o fato, ainda incompreensível numa dimensão mais ampla: “É, vai ser. Então vai porque pelo meu sofrimento todo eu venci, graças à Deus...”; g) Na seqüência do depoimento de seu José Baltazar, após a publicidade da imagem da santa, constrói-se o altar. A Santa passa a ocupar o seu lugar. O complexo que origina o fenômeno está constituído com elementos importantes: a água, os mistérios, o aparecimento da santa, a certeza da guia e o altar. Segundo seu José Tobias: “Ela colocou a santa lá e dali por diante que ela começou”.
Um outro elemento importante desse complexo é a capela. Ela foi inaugurada em vinte e nove de agosto de 1930, conforme consta da inscrição no prédio da capela e do depoimento de seu José Baltazar: constata-se que a capela nunca funcionou dentro de um esquema de comunidade, mas sempre fazendo parte de um complexo devocional onde a figura principal era a curandeira. A capela é local de celebrações e batizados esporádicos sendo, porém visitada, em sua maioria, por pessoas de fora que buscam conhecer o lugar onde Sá Mariinha nasceu, viveu e curou tantas pessoas, lugar incomum diante de outras capelas – espaço de grandes feitos – ou mesmo para pagar promessas ou agradecer graças alcançadas pela devoção.
Para termos uma idéia da mesma, elaboramos uma pesquisa que nos desse uma imagem dessa realidade. Entrevistamos aproximadamente duzentas pessoas no Dia de Finados (02 de novembro) de 1997. Esse dia é marcado pela presença de uma variedade de pessoas que acorrem à cidade a fim de visitar seus parentes e entes queridos já falecidos. Em primeiro lugar percebemos que a devoção engloba uma grande parte do município; entre os bairros abrangidos estão Alto do Cruzeiro, Alto do Gouveia, Areião, Balaeiro, Barra, Bexiga, Cajuru, Capinzal, Capivara, Cedro, Centro, Campos Novos, Engenho, Facão, Feital, Gouveia, Guaricanga, J. Alves, Jacuí, Jacuí-Mirim, Monjolo, Motas, Pau-do-sol, Pedra Branca, Ribeirão, Roça Grande, Samambaia, S. Francisco, Sto. Antonio, Várzea do Gonzaga, Várzea do Gouveia, V. Joaquim e V. Zélia, além de alguns municípios da região, como Guaratinguetá, Aparecida, Roseira, Paraibuna, Lorena, Pindamonhangaba, Taubaté, e de fora, como Guarulhos e São Paulo, além de outros estados como Rio de Janeiro. A incidência de pessoas ligadas à devoção fora da região do Vale do Paraíba é muito pequena, mas existe e foi confirmada na pesquisa. No Vale, nas cidades citadas, pudemos constatar que a proporção, em relação ao município de Cunha, se dá de forma mais forte em Guaratinguetá com 9% de indicações, e Aparecida com 2%. As demais regiões apresentam um índice de 1%, o que, no montante, representa uma totalização de 18% de pessoas devotas fora do município.
Uma outra constatação é a de que a devoção, no que se refere ao gênero, não é exclusivamente feminina, tendo um universo masculino de 45% do total dos entrevistados.
Faixa Etária: Apesar de 15% dos entrevistados não terem declarado a idade, percebemos que a devoção não se concentra na faixa das pessoas mais velhas e conseguiu constituir um lastro também entre as mais novas. Isso representa que não somente apenas as pessoas antigas são devotas de Sá Mariinha: um total de 29% do universo das pessoas entrevistadas estava na faixa de idade dos quarenta anos. Se não contarmos os 15% com idade não declarada, esse montante chega a 33% do total de respostas. Ou seja, esse grupo de devotos era muito jovem ou, na sua maioria, não havia nascido quando da morte da curandeira. Com isso não quero afirmar que a maioria dos devotos não seja formada por pessoas mais velhas, mas apenas ressaltar a importância deste percentual para se ter claro que a devoção persiste e conquista novos adeptos nas camadas sociais menos favorecidas. Veja-se, por exemplo, o índice de 6% entre a faixa de jovens de até 20 anos.
Grau de instrução. Com relação ao grau de instrução, percebemos que a grande maioria dos devotos é formada por pessoas simples, que quase não tiveram acesso à educação formal. Esse percentual, se somarmos ao das pessoas sem instrução e das que têm o primeiro grau incompleto, chega a 44% dos devotos. Com o primeiro grau, encontramos um total de 27% dos entrevistados. Apenas 18% tiveram acesso até ao segundo grau e 4% concluíram o terceiro grau.
Conhecimento da Devoção: A devoção à Sá Mariinha é bastante conhecida no município. Apenas 12% dos entrevistados não conhecem a devoção. Ainda sobre o conhecimento da devoção, a pesquisa apontou que 33% dos entrevistados conhecem a devoção através de comentários de terceiros, 32% afirmam ter recebido informações através da família (pais e irmãos), outros 16% declararam ter conhecido Sá Mariinha pessoalmente. Apenas 1% afirmou ter conhecimento da devoção através de leituras sobre a vida da curandeira.
Visita ao Túmulo: A grande maioria dos devotos (74% dos entrevistados) tem o hábito de ir ao túmulo para rezar e fazer os seus pedidos à Sá Mariinha. Se considerarmos os 18% que não declararam visitar o túmulo, perceberemos que o total de pessoas que não aderem à prática é de apenas 8%.
Tempo que visita o túmulo: Em nossa pesquisa buscamos saber há quanto tempo os entrevistados visitavam o túmulo de Sá Mariinha para buscar graças ou para cumprir obrigações religiosas para com a curandeira. Neste sentido, pudemos perceber que a devoção não permanece estagnada, pois 15% das pessoas que acorrem ao túmulo adotaram a prática há menos de cinco anos. Este percentual não é baixo, levando-se em consideração o fato de a curandeira ter morrido há 38 anos (dado da época da pesquisa). Se levarmos em consideração os 10% de devotos que entre seis e dez anos atrás estabeleceram o hábito de visitar o túmulo, perceberemos que um quarto do número de devotos visitam seu túmulo há menos de 10 anos. Um outro fator que corrobora para fortalecer essa idéia da força da devoção é o número de pessoas que não declararam sua resposta à pesquisa. Esse número chega a 22% dos entrevistados que visitam o túmulo. Se retirarmos este percentual teremos uma visão mais clara, ou seja, o número de pessoas que visitam há menos de cinco anos chega a 19% e, entre cinco e dez anos, a 13%. Somados, estes percentuais chegam a 32%, praticamente um terço do total de visitantes. Por outro lado, percebemos a importância do fenômeno ao constatarmos que o índice de pessoas que visitam o túmulo desde a morte de Sá Mariinha chega a 23%.
A devoção à Sá Mariinha também surpreende pela relação de proximidade entre os devotos e a vida da curandeira. Neste sentido, 60% dos entrevistados afirmaram conhecer a vida da mesma. Isto pode refletir uma grande proximidade, na medida em que esses devotos a procuram também por sua história, seja pelo fato de a terem conhecido, seja pelo fato de terem ouvido relatos através de pessoas que a conheceram ou ouviram a história de terceiros. Em qualquer dos casos, os relatos de cura transitam pelo universo simbólico dos devotos e, neste sentido, tal fato é confirmado pelo fato de que a grande maioria sempre tem uma história para contar sobre as façanhas de Sá Mariinha em vida. Devemos ressaltar que, quando falamos em “conhecer a vida”, não queremos afirmar conhecimentos na perspectiva cronológica. Estamos trabalhando com um universo que sobrevive de feitos marcados pelo “extraordinário” e não pelo “ordinário”. É necessário que a vida dê sentido ao mistério.
Confissão religiosa: A grande maioria, 76% dos entrevistados, se disseram católicos. Quando olhamos o índice de pessoas que não declararam sua religião, percebemos que o mesmo é muito alto, pois atinge um percentual de 19% dos entrevistados, o que, apesar de não dar margens para afirmações contundentes, mostra um alto índice de pessoas que não se sentiram seguras diante da questão. Com relação aos católicos, apenas 4% dos entrevistados afirmaram não freqüentar a igreja, 18% afirmaram freqüentar a igreja às vezes e 78% afirmaram freqüentar regularmente a igreja.
O universo das devoções dos entrevistados: Quando indagados sobre se possuem outras devoções, 63% dos entrevistados afirmaram positivamente, ou seja, declararam possuir outras devoções. De outra parte, 17% dos entrevistados declararam não possuir outras devoções, enquanto que 20% das pessoas entrevistadas não deram sua declaração sobre a questão.
A pesquisa procurou deixar as devoções aparecerem de forma espontânea. Neste sentido, pudemos perceber o aparecimento de uma série de diferentes devoções no universo religioso dos devotos. Porém, selecionamos o que mais marcou no levantamento e, neste aspecto, as devoções que mais se apresentaram foram a São José, São Benedito, ao Espírito Santo e à Nossa Senhora (tanto na forma mais genérica de “Nossa Senhora” quanto na de devoção à “Nossa Senhora Aparecida”). No sentido mais genérico, ou seja, sem qualquer outra especificação, Nossa Senhora tem um percentual de 15% das respostas dos entrevistados e Nossa Senhora Aparecida aparece com um percentual de 37% das respostas. Somando-se os dois índices, teremos um resultado de 52%. Este índice parece muito significativo em se tratando de uma pesquisa espontânea. Não iremos aqui buscar a razões que expliquem tal fato, mas apenas buscar ressaltar e articular tal tipo de devoção dentre os devotos de Sá Mariinha.
Sobre promessas e tipos de promessas nos devotos de Sá Mariinha: A maioria dos entrevistados afirma não fazer promessas à Sá Mariinha (43%). Cerca de 21% dos entrevistados não responderam à pergunta e 36% afirmaram já ter feito promessas na sua relação devocional com a curandeira. Neste campo procuramos agrupar as respostas em cinco blocos diferentes, a partir dos itens que apareciam nas respostas dos entrevistados. Neste sentido, 1% dos entrevistados afirmaram terem feito promessa para familiares deixarem o vício da bebida, 2% pediam por emprego, 11% pediam ajudas gerais (fatores ligados à vida, tanto com relação a questões econômicas quanto referentes a relações pessoais, para si mesmos ou parentes) e 33% fizeram promessas no sentido de recuperação da saúde. Um total de 53% dos entrevistados não responderam à questão.
Sá Mariinha não tratava apenas de doenças, ela também possuía uma influência sobre o universo moral das pessoas - basta lembrarmos o caso do rapaz que a procurou para contar sobre suas relações com o sogro, entre outras histórias. Porém, o que é “recente” neste universo devocional é a presença de elementos ligados diretamente à situação econômica como, por exemplo, pedido por emprego. Fora da pesquisa, em nosso trabalho de campo, encontramos várias pessoas que se referiam à Sá Mariinha como protetora e, de forma mais rara, porém com um certo grau de freqüência – não captado pela pesquisa -, encontramos pessoas que colocavam em suas mãos dificuldades tais como dívidas e situações econômicas difíceis.
Sobre o alcance de graças: A grande maioria das pessoas que fizeram seus pedidos os teve atendidos. Sá Mariinha possui uma relação de eficiência no atendimento dos compromissos que envolvem a relação entre seus devotos e sua figura. Neste sentido, encontramos o seguinte dado na pesquisa: enquanto 4% dos entrevistados declararam não ter alcançado a graça pedida, 63% afirmaram ter atingido a graça. O percentual de pessoas que não declararam sua resposta à pergunta chega a 33%.
Representações sobre Sá Mariinha: Ao buscarmos em nossa pesquisa uma possível classificação dos devotos sobre Sá Mariinha, encontramos títulos tais como: Alma Poderosa, Amiga, benzedeira, caridosa, curandeira, devota, escolhida por Deus, Espírito Adiantado, grande mulher, iluminada intermediária, mãe, maior médica, pessoa de Deus, pessoa boa, pessoa comum, pessoa de valor, pessoa dotada, pessoa especial, pessoa milagrosa, pessoa poderosa, protegida, protetora, santa e tudo abaixo de Deus. Porém, para estabelecermos parâmetros mais condensados, buscamos destacar os títulos que mais aparecem na pesquisa, conforme o gráfico abaixo:
Embora 22% dos entrevistados não tenham respondido à questão, encontramos dados interessantes nas expressões utilizadas. Apenas 3% dos entrevistados afirmaram entender Sá Mariinha como benzedeira, 4% a compreenderam como “pessoa de Deus”, outros 4% usaram o termo “pessoa especial”, 3% a compreendem como “pessoa milagrosa”, 10% dos entrevistados compreendem Sá Mariinha como “pessoa boa”. Se somarmos os percentuais em que se usa o termo “pessoa”, encontraremos um total de 21%; embora o termo não unifique as posições dos devotos - visto que apenas o termo “pessoa boa” não possui uma conotação sobrenatural - necessariamente não a desfaz. O termo “curandeira” aparece com um percentual de 14%, o que pode ser reflexo das ligações dos devotos com a vida de Sá Mariinha – conforme demonstrado anteriormente. Porém o termo que mais se destaca no universo simbólico dos devotos com relação à representação de Sá Mariinha é “santa”. Ele ocupa 29% das respostas dos entrevistados, o que representa um universo de quase um terço do total das respostas obtidas – contando-se mesmo aqueles que não responderam à questão.
Passados quase quarenta anos da morte de Sá Mariinha, percebe-se que o respeito à curandeira, a procura por suas intervenções e o crescimento da devoção são fatos visíveis levantados pela pesquisa. Todo esse processo tem origem num passado onde a cultura religiosa do município, com suas orientações e perspectivas, foram consideradas, e se torna um importante parâmetro na configuração dos poderes e das influências entre agentes religiosos e clientes. Segundo João Veloso havia uma hierarquia vinculada a uma escala de valores que, por sua vez, se relacionava à credibilidade dentro da função que exerciam. Na área da saúde, “havia uma escala encimada pelo curandeiro, seguida dos benzedores, das parteiras, dos feiticeiros e dos jongueiros. Os curandeiros eram tidos como elementos dotados de poderes sobrenaturais que não só receitavam remédios para muitas doenças, como também, conforme a solicitação de seus clientes, usavam ‘macumba’ para a solução de seus casos”.[7]
João Veloso elaborou uma lista de grandes curandeiros da história do município de Cunha apontando aproximadamente trinta nomes. Mesmo sem colocá-los em um contexto, percebemos que a lista de curandeiros é longa, levando-se em conta serem os mais importantes da história da região. A questão que levantamos é: o que fez de Sá Mariinha a curandeira não esquecida e milagrosa, que conseguiu transpor as barreiras de sua época e se tornar uma “santa” no universo simbólico de quase um terço de seus devotos? O que ela representa neste universo cultural?
Vamos partir do pressuposto de que a configuração do fenômeno é construída historicamente. No capítulo terceiro tratamos do assunto de forma a perceber que sua constituição foi gradativa e se ancorava em uma postura de inserção dentro do fenômeno de cura marcado pela perspectiva do sobrenatural. Devemos lembrar que sua própria família, quando da doença de Sá Mariinha, procurou um curandeiro famoso e respeitado da época, Dito Juquita. A narrativa do fenômeno, descrita por seu José Tobias, sobrinho de Sá Mariinha, é clara neste sentido: a mesma traz consigo o vínculo para com a tradição. Sá Mariinha é fruto desse universo religioso rural. Neste sentido nos é permitido acenar com a hipótese de estar centrada nela toda a cultura da tradição da “religiosidade popular” do município de Cunha. Ou seja, por seu carisma, torna-se referência que aponta para o passado cultural religioso da população local.
Durante as entrevistas e o trabalho de campo, pude perceber a presença marcante de um “sentimento de localidade”. Sá Mariinha traz consigo o nome da própria região na qual viveu: o bairro das Três Pontes. Nessa perspectiva de localidade, estão enraizadas as próprias regras de vida da população local e as mesmas, prescrevem condições de acesso ao saber religioso. Dois fatos se inter-relacionam nesse campo: suas conjunturas de ofertas e suas contingências de demanda. Neste sentido, Brandão afirma o seguinte:
“O que reforço aqui é a idéia de que, não havendo uma ordem eclesiástica popular na sociedade camponesa ou entre as classes subalternas, mas um setor comunitário constituído como um sistema religioso, são as regras do código social de trocas entre os sujeitos subalternos as que definem as rotinas de produção e do acesso ao saber religioso e ao pleno direito de seu uso público, de acordo com a especialidade e a posição do agente. Em sua esfera local, são também as variações de interesse religioso da ‘gente do lugar’ as que determinam, entre as áreas confessionais, as falências e as conquistas dos diferentes especialistas do sagrado”.[8]
Como se percebe, configurando-se a partir de uma realidade aceita – como a descrita no capítulo terceiro, onde apresentamos sua cura a partir de um revestido de uma autoridade reconhecida e fundada nas tradições locais -, Sá Mariinha adquire também credibilidade no seu cotidiano e sua história é reforçada por um grupo de significados sagrados que não estão na origem de tantos outros curandeiros da região. Nesse caso, Sá Mariinha possuía, dentro de suas redes sociais de trocas simbólicas, um valor político que operava tanto dentro de sua comunidade quanto em setores fora da mesma. Sua aceitação enquanto figura eminente, detentora de orientações aceitas, não se faz acontecer apenas dentro de sua família, mas também em seu bairro, nos bairros circunvizinhos e no próprio município – atingindo inclusive a cidade.
Um outro elemento importante a ser levantado era a relação de proximidade, mesmo que distante da cidade, que havia entre farmacêutico da cidade – Salvador Pacetti- e Sá Mariinha. O farmacêutico muitas vezes indicava Sá Mariinha para as pessoas que o procuravam.
Sá Mariinha é fruto de uma cultura “rural”, própria do universo simbólico do município de Cunha. Universo marcado pelo sentimento de localidade, pelas práticas de auxílio mútuo e pelas atividades lúdico-religiosas e por uma relativa independência da produção urbana. Essa relativa independência permitiu que a cultura rural se desenvolvesse e prosperasse numa época em que o elemento urbano estava estagnado,[9] o que permitiu a maior penetração da população por entre as florestas da região, onde se formavam os vários bairros do município. Estes bairros eram marcados por relações fundadas na perspectiva do parentesco. Dentro deste contexto expande-se, a partir do bairro das Três Pontes, por meio de uma cultura oral, o fenômeno Sá Mariinha. Sua prática envolvia a comunidade naquilo que era fundamental, a busca da vida a partir do universo simbólico religioso onde as marcas do Catolicismo tradicional rural são incontestáveis.
Com relação à Igreja Católica, Sá Mariinha teve um relacionamento de “relativa proximidade”. “Relativa” porque se pautava pelas perspectivas de suas crenças que aceitavam a vidência e a cura. Neste sentido encontramos em Brandão a seguinte afirmação: “Livre da Igreja até onde pode e solto no meio do imaginário camponês, o catolicismo incorpora crenças, mitos, sagas épicas e narrativas de prodígios ‘lá’ e ‘aqui’, no lugar onde havia uma história feita e canonicamente cristalizada”.[10]
A relação de tensão não é percebida aos olhos menos atentos. Também não afirmamos um conflito aberto com o clero da época, porém hoje existem marcas de separação devido à sua perspectiva de vidência e cura. Esta ótica de distanciamento é percebida no atual pároco, que defende uma linha de pastoral marcada pela presença de um catolicismo internalizado.[11]
Cabe lembrar que a participação desse catolicismo se faz acontecer do lado de fora da vida cotidiana da Igreja. Brandão afirma que esse catolicismo,“reinventa a história da religião comunitária: as sagas míticas de seus heróis humanos santificados; as narrativas de casos de prodígios nas trocas entre o povo e o sagrado”.[12]
Vive-se um conflito constante entro o popular e o oficial. Não existe um distanciamento total, mas uma “relativa proximidade”. Em Clifford Geertz encontramos a perspectiva de que os símbolos sagrados funcionam para sintetizar o ethos de um povo e sua visão de mundo, um tipo de vida idealmente adaptado que a visão de mundo descreve. Neste sentido essa visão de mundo “torna-se um estado de coisas verdadeiro, especialmente bem arrumado para acomodar tal tipo de vida”. [13]
É fato que a Igreja, distante deste universo, não tem a dizer a esse tipo de perspectiva religiosa. Sua lógica se funda numa perspectiva racional ordenada pelo binômio fé/razão. Em contrapartida, a visão deste catolicismo tradicional rural se funda a partir de uma perspectiva fragmentada.[14] Não queremos afirmar, entretanto, que não possua uma lógica e uma visão de totalidade de sentido. A questão é que sua dimensão simbólica se constrói a partir da realidade vivida na experiência religiosa que se entrelaça com a vida num processo de influências recíprocas.
Nas relações com o campo religioso oficial pareceu existir uma série de concessões a esse tipo de religiosidade devido a incapacidade de as igrejas tradicionais conseguirem ocupar boa parte do espaço religioso naquela cultura, o que nos coloca na direção de buscar compor as delimitações do espaço religioso oficial[15] diante de tal cultura a partir de suas reais limitações históricas e estruturais. Porém, não podemos deixar de lembrar que devemos entender uma construção cultural sempre marcada por uma relação geradora de trocas de representações simbólicas entre os pólos culturais. Para clarificar essa perspectiva recorremos à idéia que Ginsburg usa ao analisar o “estereótipo do sabá”: “considerei ser possível reconhecer uma ‘formação cultural de compromisso’, resultado híbrido de um conflito entre cultura folclórica e cultura erudita”[16]. Retomando o termo emprestado de Ginsburg, Ronaldo Vainfas o utiliza quando da análise das “santidades indígenas” - mais especificamente na análise da “Santidade de Jaguaripe”: “Decifrando suas crenças e ritos pude recompor o que chamei[17], ancorado em Ginsburg, ‘formação cultural de compromisso’. Formação cultural híbrida”.[18]
O que queremos neste caso das representações simbólicas é, por um lado, fugir de uma visão “cartesiana” dos símbolos (não deixar a questão cair no campo da bipolarização estereotipada dos símbolos) e, consequentemente, por outro lado, apontar para a complexa e confusa lógica dessas relações. Roberto DaMatta afirma o seguinte sobre essa questão: “O problema não é descobrir que as coisas estão fora do lugar, mas compreender o lugar das coisas. Ou seja: a ordem de legitimidade pela qual uma sociedade articula as práticas e os valores (sempre contraditórios) vigentes em seu meio. O que parece caracterizar o caso do Brasil é a ausência da necessidade desta articulação, daí a nossa perene auto-surpresa com nosso sistema”[19].
Podemos aqui levantar uma relação de poder entre a representação oficial da cultura hegemônica - a Igreja Católica com sua estrutura e ordenação coerente do universo religioso - e as representações populares - neste caso representada por Sá Mariinha. É necessário que haja credibilidade simbólica para que, a partir do agenciamento dos elementos que compõem a “consciência fragmentada”, possa-se estabelecer crédito e poder à heterodoxia de Sá Mariinha. A presença do universo cultural ligado a Sá Mariinha, ainda hoje, pode ser fruto de uma composição de auto-preservação no confronto com a cultura hegemônica: Sá Mariinha não se confronta com o catolicismo oficial, pois parte do seu poder é oriundo de um dos mais fortes símbolos do catolicismo - Nossa Senhora Aparecida.
A Igreja Católica foi veiculadora deste fenômeno. Esta suposta veiculação nos permite entender as dificuldades da Igreja Católica: a presença de duas religiosidades distintas, uma intelectualizada e outra popular, implica na dificuldade de uma Igreja organizar os seus fiéis no seio de um mesmo universo simbólico. A hegemonia clerical - representante da ortodoxia - encontrou-se ameaçada por esta postura heterodoxa (nasceu de um referencial de tradição católica tradicional mas possui raízes profundas em um universo simbólico fragmentado que reinterpreta o real sem as dimensões lógicas da oficialidade religiosa) na medida em que não conseguiu articular uma doutrinação oficial. Sendo assim, o fenômeno religioso estudado possui uma “formação híbrida de compromisso” que o preservou, com suas particularidades, dentro de um contexto religioso mais amplo no qual a Igreja Católica se encontra.
A presença do universo cultural ligado à Sá Mariinha ainda hoje pode ser fruto de dois elementos, a saber: a) a reminiscência de pessoas do contexto de atuação da personagem estudada; b) Sá Mariinha não se confronta com o catolicismo oficial e parte do seu poder é oriunda de um dos mais fortes símbolos do catolicismo: Nossa Senhora Aparecida.
Nos dias de hoje, nossa hipótese aponta para uma persistência de fragmentos da religiosidade tradicional rural inserida em um contexto urbano, articulando, nesse contexto, formas novas e variadas de configuração para sua sobrevivência[20], diferentemente do que pensa Robert Shirley quando afirma o fim gradativo dessa cultura - a observação parte da perspectiva da retomada do crescimento urbano em detrimento do rural, o que nos faz questionar a perspectiva de R. Shirley quando descreve o “fim de uma tradição”[21] – mesmo porque, em Cunha, o crescimento urbano é relativo, ainda hoje metade da população do município vive na zona rural. Além disso, negar o fim de uma tradição não é negar o processo de secularização existente em nossa realidade. Gostaria de me apoiar na teoria de Cristián Parker quando o mesmo afirma que a religião tende a pluralizar-se, porém “não perde por isso sua estrutura de plausibilidade e sua capacidade de reforço simbólico das legitimações nominizadoras”. Isto, entendido no sentido de que “o peso simbólico do religioso na construção do nomos é um fato sociológico e cultural que tem conseqüências imprevistas sobre a construção da cultura latino-americana que atravessa um processo de pluralização cultural e religiosa”. Afastando-se porem de Berger, Parker afirma que: “a essa proteção de uma de uma construção social dinâmica e sempre precária acrescenta-se uma função criadora, transformadora, geradora de visões alternativas do mundo (utopias). Se a função de reprodução da ordem significativa reside principalmente nas diversas instituições da ordem social, a função transformadora dessa ordem significativa, a geração utópica de novas significações, de novos nomos alternativos, reside, como processo dinâmico e sempre criador, nos agentes coletivos, nos movimentos e praticas históricas dos grupos e das classes sociais determinadas”. [22]
Acredito que, para se entender uma realidade religiosa, é necessário trabalhar com elementos que, aos olhos da modernidade, se tornam ambíguos. A religiosidade rural no contexto do objeto estudado está marcada pela presença de elementos simbólicos que redimensionam o natural e o tornam portadores de um sentido subjetivo, porém aceito pela “grupo cultural” presente àquele universo. Na realidade, estes elementos sempre subverteram a perspectiva que a modernidade designava como “realidade natural”, na medida que encantava o entorno. Estudos sobre a questão sempre colocaram como comum esse tipo de encantamento e/ou transfiguração do natural, de acordo com uma simbologia estruturada nos valores da cultura do grupo e/ou comunidade local. Talvez a questão tenha apenas uma conotação semântica, porém prefiro afirmar a readaptação de uma realidade fundadora de sentidos a um novo momento sem, contudo, abrir mão de todo o seu núcleo fundador de sentido. A secularização é uma realidade inegável, porém variável em suas conseqüências, dependendo da realidade na qual esteja acontecendo.
Gostaria de encerrar o artigo aceitando a afirmação de Antonio Flávio Pierucci, de que o “pulo-do-gato” para se exorcizar o que ele chama de enganoso diagnóstico[23] da crise de paradigma na Sociologia da Religião é entender o processo de secularização como passagem do monopólio para um cenário de pluralismo religioso. Este pluralismo realimenta uma nova realidade articuladora de novos sentidos cobrados pelo processo de transformação das estruturas econômicas e culturais e nos faz buscar e dar uma interpretação a estas novas realidades presentes no Município de Cunha dentro da complexidade de uma realidade cultural híbrida. Neste sentido é fundamental citar uma outra importante contribuição no campo acadêmico, o trabalho de Nestor Garcia Canclini (“Culturas Híbridas”), onde o mesmo propõe uma reflexão sobre o que chama de hibridação cultural. Seus estudos fundamentam-se na realidade latino-americana.
“A cultura na América Latina é pensada nesta obra tendo em vista a complexidade das relações que a configuram na atualidade: as tradições culturais coexistindo com a modernidade [...]. Além disso, os projetos de modernização ainda em curso têm seus valores já desacreditados pelas filosofias pós-modernas”. [24]
Canclini procura estabelecer o problema da crise atual da modernidade, em suas peculiaridades latino-americanas. Segundo o autor, a “pós-modernidade” tem lugar como uma maneira útil, em seu caráter antievolucionista, de problematizar os vínculos entre o mundo moderno e as tradições. Acho que nossa contribuição específica está relacionada ao fato de que é necessário, não somente, mas também no Vale do Paraíba, a proliferação de estudos empíricos sobre a questão, porém sem esquecer que o debate é mais amplo e que tal estudo pode contribuir com o avanço desta postura interpretativa.
[1] Depoimento oral de José Baltazar Tobias, 10/07/1997. Registro, fita 2/A – “Seu” José Tobias narra o início dos milagres: “O jeito que começou é que deu uma enfermidade nela... e ela teve por morta três dias... Aí o defunto Dito Juquita, que tava tratando dela, que era um curador, disse: “Não leva ela pra sepultar por que num tá morta”. Mas ninguém dizia que ela tava viva por que não respirava, não movia com nada... aí, quando foi no fim dos três dias, era mais ou menos meia noite, por aí ela deu um suspiro... parece que ela levantou, não sei como é que foi lá, e chamou a mãe dela. Ela tava com 14 anos. Chamou... e daí desse dia em diante virou o olho dela. A lágrima que descia era sangue e aí ... o defunto Juquita disse: -“Óia aí Chiquinha, leva ela lá na água todo dia cedo, quando o sol apontá, vai lavando olho dela lá que Deus vai dá um recurso que tem que pará esse sangue”. E a coitada não enxergava, né. Todo dia cedo a defunta Chiquinha, que era mãe dela, pegava ela por braço, ia encostando e ia lá na água... no pocinho de água. Lá ela pegava a água, lavava os olho. Foi três dias. Quando foi no quarto dia que ela foi, ela abaixou pra pegá água pra lava os olho, ela abaixou e pegou a água pra molhá os olho. Depois pegou um outro punhado, depois quando foi uns três punhado, ela pegou e passou nos olho assim (faz o gesto), ela sentiu um... pareceu um... pino na palma da mão,né. Ela falou assim: -“Ó mãe... negócio pesado aqui...” Aí a defunta Chiquinha foi olhá, não viu nada. –“Não tem nada ...” -“Ué, mas tá pesada a palma da minha mão”. Daí vieram simbora pra dentro e ela coincidiu com a mão pesada. Mas quando foi no outro dia cedo –foi interá os seis dias, né – aí ela tornou a levá ela lá na água outra vez, ela tornou a baixá pra lavá os olho de novo – pegá água pra passá nos olho – ela sentiu que caiu lá, né. Saiu aquele troço da mão dela. – “E eu não vi nada, fia!” Aí sentiu que caiu dentro d’água. Aí tornou a pegá outro punhado d’água... passou outra vez, aí saiu. Na hora que saiu: -“Mãe, tem uma coisa nas minhas costas”. – “Nas costas?” Aí a defunta Chiquinha levou a mão nas costas dela e não achou nada... Quando foi mais ou menos pras onze horas, por aí, ela começou a chegá a mão pra ajeitá a roupa, saiu o quadro da santa, né. A: Saiu o quadrinho com a imagem que tem ali? J: é, saiu com a imagem... guardada nas costa dela. Ela tinha o retrato da santa com o quadrinho nas costa certinho. –“Mãe, é uma santa mãe que tá aqui... Como é que faz, mãe?” É aquela que tá ali (aponta para o quadrinho no altar da capela). Aí ela disse: -“Olha, tem que deixá fazê, né? Como é que vai fazer? Apareceu. Quem sabe se é ela que vai ser sua guia?” Ela disse: -“É, vai ser. Então vai por que pelo meu sofrimento todo eu venci, graças à Deus, agora aparece... jogar fora eu não vou de jeito nenhum”. Aí mandou fazer , depois que ela sarou bem, que ela foi aprimorando, fortalecendo o corpo e tudo, sustanciando, né. E aí ela mandou fazer ali uma capela e colocá a virgem. Até ainda tem uma trava ali e dali pra lá é que era a igrejinha que ela fez primeiro. E ela colocou a santa lá e dali por diante que ela começou. Aparecia um pra visitá ela, contá qualquer coisa, aí ela dizia a tal coisa, aí ela dizia: -‘Ah! Tal coisa assim procê vai dá certo, é bom’. O sujeito vivia, dava certo mesmo, né. Daí foi aumentando, foi aumentando, foi aumentando e depois ficou essa multidão que começava a vir aqui”.
[2] Depoimento oral de José Baltazar Tobias, 10/07/1997. Registro, fita 2/A
[3] Depoimento oral de José Baltazar Tobias, 10/07/1997. Registro, fita 2/A
[4] Silvia de Luz Souza. A Recomendação das Almas. Estudo de uma devoção popular no sul de Minas Gerais. Dissertação de mestrado em Ciências da Religião. PUC/SP, 1997.
[5] Depoimento oral de José Baltazar Tobias, 10/07/1997. Registro, fita 2/A
[6] Depoimento oral de José Baltazar Tobias, 10/07/1997. Registro, fita 2/A
[7] João Veloso. Sá Mariinha das Três Pontes. Pp. 90.
[8] Carlos R. Brandão. Os Deuses do Povo. pp. 155.
[9] Robert W.Shirley. op. cit. p. 62.
[10] Carlos R. Brandão. Op. Cit. pp.205. Vale aqui transcrever um outro trecho do autor, que se encontra na mesma página: “...aqui se recria uma história-sendo-feita entre pessoas, onde oficialmente ela havia sido encerrada como uma grande história concluída – a “história sagrada” da bíblia; havia sido esvaziada como história de sujeitos subalternos...; havia continuado como história da instituição dominante. Isso equivale a dizer que a popularização do sagrado é um ato político de transferência simbólica da crença no poder de um modo de sua prática. Os agentes populares revivem a continuidade do prodígio religioso: a) ampliando muito a idéia e a ordem da dimensão da Igreja, onde reduzem o valor do poder dominante e incluem a legitimidade de seu próprio trabalho; b) ou transferindo a crença no poder, da Igreja para o sistema comunitário. Assim, cada “causo” da história sobrenatural da religião popular não aponta para um testemunho de obediência e fidelidade à “Igreja dos padres”, como instituição do sagrado. Aponta para a reconfirmação da viabilidade de um sistema subalterno e eficaz de prática quase autônoma”.
[11] Vamos assumir aqui neste trabalho a tipologia adotada por Candido Procópio Ferreira de Camargo em seu livro Católicos, Protestantes, Espíritas, no cap. 2 “Catolicismo no Brasil” e anteriormente exposto em seu trabalho Igreja e Desenvolvimento.
[12] Carlos R. Brandão. Os Deuses do povo. pp. 206.
[13] Clifford Geertz, A Interpretação das Culturas. pp. 104.
[14] Renato Ortiz. A Consciência Fragmentada. pp. 67-89.
[15] R. W Shirley. O Fim de uma Tradição, p. 266
[16] Carlo Ginsburg. História Noturna. p. 22.
[17] Ronaldo Vainfas. As Heresias dos Índios p. 159. A citação remete à nota n. 37 desta página.
[18] Idem Ibidem. p. 227.
[19] Roberto DaMatta. Conta de Mentiroso. p. 135.
[20] Esta perspectiva está relacionada à idéia de que é possível a existência de uma realidade híbrida que deve ser pensada de forma transdisciplinar pois, segundo Canclini, “os circuitos híbridos têm conseqüências que extrapolam a investigação cultural”. Isto porque a realidade convive com coexistências variadas tais como culturas étnicas e novas tecnologias, formas de produção artesanal e industrial. Cf. Nestor Garcia Canclini, Culturas Híbridas, Edusp.
[21] Robert W. Shirley. O Fim de uma Tradição, Perspectiva, SP, 1971.
[22] Cristián Parker, Religião Popular e Modernização Capitalista, Ed Vozes, Petrópolis, p.p. 110-112.
[23] Em artigo publicado na “Revista Novos Estudos” em novembro de 1997 Pierucci rebate a idéia de autores que afirmam a existência de uma religião revigorada sem levar em conta os grandes desgastes provocados na mesma pelo processo de secularização existente em nossa sociedade capitalista. Cf. Antonio Flavio Pierucci, Reencantamento e Dessecularização, in Revista Novos Estudos, no. 49 novembro de 1997.
[24] Nestor Garcia Canclini. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Texto retirado da apresentação da obra.