Encontram-se entre nós muitos estudos sobre a Igreja Católica, contudo sentimos alguma dificuldade para localizar nesta bibliografia estudos voltados especificamente para a religiosidade propriamente dita. Desde Procópio Camargo, na década de 60, tem-se falado muito a respeito do catolicismo, mas do catolicismo enquanto instituição: os temas abordados giram em torno das questões de poder, das relações da Igreja com o Estado e com a política.[1] Esta dificuldade aumenta quando se procura por trabalhos sobre devoções populares; porém, a julgar pela produção recente dos nossos programas de pós-graduação em Ciências Sociais e da Religião, este quadro tem se alterado.
Apresentamos a seguir um breve exame do desenvolvimento da discussão brasileira acerca da devoção popular aos santos católicos tomando como referência as duas últimas décadas do século XX. Não se trata de expor aqui uma análise bibliográfica sistemática do período; diferentemente, elegemos para estudo obras que tomamos como exemplares da discussão em voga no período em que surgiram. Basicamente, a seleção das obras – feita no âmbito da pesquisa para a conclusão de mestrado em ciências da Religião (Silva, 2003) – realizou-se em função da importância que as mesmas possuem para os estudos das devoções populares junto aos programas de pós-graduação acima mencionados, considerando-se mais especificamente os trabalhos realizados na pós-graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na qual realizamos nosso mestrado.
Analisamos, assim, uma tese na área de Sociologia da Religião (Oliveira, 1985) ao lado de outras três teses de Antropologia (Brandão, 1986; Maués, 1995; Steil, 1996). Estes quatro trabalhos abordam as relações entre o catolicismo erudito e o popular, e consideram o campo do catolicismo popular como o espaço de re-significação da Religião católica oficial. Entretanto, tentaremos mostrar como, no âmbito especifico das relações entre a esfera oficial e popular, há um deslocamento na compreensão destas relações para a direção que interpreta estas re-significações e reapropriações de símbolos e representações como um movimento recíproco ou um fenômeno de mão dupla, conforme a sugestão do conceito de circularidade, cuja ênfase encontra-se nos fenômenos de interação entre a cultura do povo e a das elites.[2] Tal deslocamento acompanha uma mudança de visão das Ciências Sociais no que diz respeito ao exame das relações entre Religião, política e cultura. Nas duas obras da passagem da década de 70 para a de 80 o foco encontra-se no par religião-política; por outro lado, nas obras de uma década depois, o ponto central está no par religião-cultura. Considerando as teses sobre as quais converge o nosso olhar, é fácil perceber como ocorre essa transferência. Primeiramente, as análises acompanham as discussões mais gerais no âmbito das preocupações da academia. A atenção dedicada à política e às formas possíveis para a democratização da sociedade brasileira refere-se ao contexto do final do regime militar no país; tema que foi pulverizado e deslocado para que as Ciências Sociais abraçassem novos campos de estudo, até para entender de que forma o potencial democrático e participativo das classes subalternas ou populares permaneceu, até certo ponto, latente no período pós-redemocratização.
Em segundo lugar, o deslocamento do olhar dos cientistas sociais ocorre em função de uma revisão teórico-metodológica e do redimensionamento do objeto de estudo. Veremos como as análises passam da abordagem do catolicismo nacional à observação de uma devoção em particular, passando pela análise da diversidade religiosa de um espaço geográfico delimitado. Pode-se argumentar que a natureza do objeto segue as orientações disciplinares em questão dizendo que, ao mudarmos da Sociologia (Oliveira, 1985) à Antropologia (Steil, 1996) passamos das análises macro às análises micro. No entanto, mesmo dentro de cada uma destas áreas em particular, a tendência tem sido de uma especialização do estudo em torno de um segmento especifico do campo religioso. No caso da Antropologia, por exemplo, ocorre uma passagem do estudo de universos do tipo considerados pela Antropologia culturalista dos anos 50 – os estudos de comunidade –, abordando geralmente uma cidade, para os estudos de universos constituídos não mais geograficamente, mas sim segundo o caráter devocional; nestes casos podendo abranger um pequeno povoado ou redes de relações extensas, que ultrapassam limites regionais ou até mesmo estaduais.[3]
No limite, sustentamos que o caminho percorrido pelas obras aqui reunidas segue uma lógica que acompanha a dinâmica de transformações da sociedade ocidental; deste modo, a abordagem da Religião segundo sua dinâmica cultural oferece melhores resultados para o entendimento da religiosidade contemporânea, intrinsecamente marcada pela individualização e transitoriedade das experiências religiosas. Como ilustração desse "sucesso", nós somamos às obras anteriores uma tese inédita (Almeida, 2001), sobre um caso contemporâneo de aparição de Nossa Senhora no interior do Brasil, para entender como as contribuições apresentadas anteriormente têm sido trabalhadas em prol da compreensão da dinâmica atual das devoções populares.
É importante destacar que neste trabalho devoção popular diz respeito ao culto tradicional aos santos, isto é, a um culto caracterizado por uma maneira específica de se relacionar com o santo que se resume na prática de alianças ou contratos, na forma de dom e contra-dom, em que o fiel se compromete a retribuir simbolicamente uma vantagem material ou simbólica conseguida ou pretendida (cf. Oliveira, 1985, p. 113ss.). Em oposição a este modo popular de relação, há uma relação “esclarecida” com os santos, que é mais cristocêntrica e abstrata (soteriológica), na qual o santo presta-se a modelo de e modelo para o seguimento a Cristo, portanto, mais racionalizada, nos termos weberianos, porque estabelece um fim (a “salvação”) e os meios – uma conduta – para atingi-lo (cf. Weber, 2000, p. 292, 357-385).
No final dos anos 70, em Religião e Dominação de Classe, sob a influência da Sociologia e da Antropologia marxistas, Pedro Ribeiro de Oliveira (1985) procura explicar as relações dinâmicas entre estrutura e superestrutura, estudando a forma pela qual o capitalismo agrário e a correspondente ideologia liberal-burguesa puderam tornar-se hegemônicas no país, sem terem sido, necessariamente, coercitivas. O sucesso da dominação burguesa do país se explicaria, portanto, pela valoração moral que o “catolicismo romanizado” – com sua promessa de salvação eterna – empresta às práticas sociais do modo de produção capitalista. Segundo a argumentação do autor, o modelo sócio-econômico mercantilista é baseado no modo de produção patrimonialista e senhorial, cujas relações sociais são de dependência hierárquica e marcadas pelas relações pessoais de “aliança entre poderosos e fracos”. Este modelo sócio-econômico possui um catolicismo medieval com uma visão religiosa que organiza as entidades sobrenaturais hierarquicamente, a qual orienta as relações com o sagrado como uma aliança dos homens indefesos e seus poderosos protetores celestes. A existência desta visão religiosa justifica e possibilita este modelo de sociedade. O modelo posterior é o da implantação e consolidação do capitalismo agrário, cujas relações sociais são impessoais e marcadas pelas relações de venda e de troca no mercado de bens e serviços. Este modelo possui uma Religião centralizadora e racionalizadora (no sentido de avaliação dos meios e dos fins) com uma visão religiosa que traz a promessa soteriológica da salvação eterna e individual (ou seja, uma promessa da melhoria simbólica da condição existencial). A existência dessa visão religiosa, da mesma maneira, justifica e reflete a hegemonia de uma nova classe dominante, que promete ao trabalhador que aderir às relações de produção capitalista uma melhoria de suas condições materiais de existência. Não se pode negar que, em seguida, o autor faz a ressalva de que a romanização não apenas reflete a instauração do novo regime de produção, “mas é também uma das condições de possibilidade de instauração do capitalismo agrário no Brasil”, se referindo oportunamente ao caráter dialético da história e às limitações de uma abordagem mecanicista da história (Oliveira, 1985, p. 315-323 e 333-337).
O catolicismo popular não é o tema central desta tese; não obstante, o tópico a ele dedicado é importante por fazer uma síntese das principais abordagens até aquele momento, reunidas, sobretudo, na Revista Eclesiástica Brasileira – importante fórum de discussão dos teóricos católicos do período – e também esparsas em obras históricas e antropológicas ou em estudos até então inéditos. Nesse sentido, o autor acaba por apresentar uma síntese reveladora da produção anterior sobre o tema. Esse catolicismo popular representa um importante elemento para a argumentação de Oliveira que esboçamos acima. Em sua visão, as representações e as práticas de culto aos santos são permanências que se referem à organização social do tipo colonial, nomeada "formação social senhorial" e caracterizada pelo fraco desenvolvimento das forças produtivas. Segundo o autor, apesar do catolicismo popular constituir-se num sistema religioso intimamente ligado às estruturas sociais de dominação senhorial, ele é, no extremo, ilusório e alienante e, portanto, a chave para a dominação senhorial (Oliveira, 1985, p. 126-135).
Em referência à natureza deste sistema religioso, encontramos uma visão que o considera como a permanência de algo produzido e funcionalmente válido para o passado. É a partir desse suposto que Oliveira explica a emergência dos movimentos religiosos de protesto social no inicio da implantação da formação social do capitalismo agrário. O descompasso entre as representações religiosas do aparelho de hegemonia e as estruturas sociais acabaria por gerar uma crise de hegemonia, segundo os termos da teoria gramsciana utilizada por Oliveira (1985, p. 239-274).
Contudo, apesar do avanço e da consistência desta obra de análise macro-social da Religião, a ênfase nas funções sociais da moral da Igreja Católica no Brasil – concebendo-a como “um poderoso aparelho de hegemonia” (Oliveira, 1985, p. 274) – não permite perceber as relações complexas e as influências mútuas entre o modo de vida e a concepção religiosa do mundo. Principalmente quando se percebe que todas as características da Igreja romanizada que se afinam com o modo de produção capitalista são produções da hierarquia católica, impostas à população brasileira que não as aceitam necessária e simplesmente. Na maioria dos casos as ações romanizadoras foram ressemantizadas pelo povo, que no contexto das condições do regime do padroado, já era habituado a formar suas concepções religiosas fora do espaço de ação do clero.[4] Da mesma forma consideramos equivocado o raciocínio que destaca a afinidade entre a urbanização e a romanização sem que se faça referência às demais religiões, pois, se a romanização logrou mais êxito no meio urbano, não podemos esquecer que foi neste meio que também floresceram com mais vigor outras formações religiosas e, ainda, outras esferas da formação do sentido e da concepção de mundo, como a científica/educacional, a jurisdicional, o senso-comum, entre outros. Sem esquecer, além disso, que nessas outras esferas formam-se, até mesmo, concepções sagradas do mundo. Acreditamos, assim, que a macro-análise, neste caso, não percebe adequadamente as relações entre o modo de vida e a concepção de mundo.
Um conjunto de trabalhos influenciado por Bourdieu (1992), deteve-se no entendimento das relações dos especialistas oficiais e não-oficiais da Religião. Dentro deste conjunto destacamos como referência, dada a sua excepcionalidade, Os Deuses do Povo de Carlos Rodrigues Brandão (1986).[5] Entretanto, adiantamos que aqui, por mais que se tenha buscado os elementos culturais que iluminam as tensões dentro do catolicismo, salvo raras exceções, as análises ainda desembocam na questão “classes dominantes versus classes subalternas”. Brandão (1986), deslocando sua análise de um universo macro-sociológico de relações entre a classe dominante e a classe dominada, pôde perceber as relações entre a cultura e a Religião eruditas e a cultura e a Religião populares. Apresentou, desta forma, a Religião popular como uma forma de resistência das classes subalternas, desembocando a questão na micro-política dos diversos grupos que lutam pela possibilidade de representação nas relações sociais na cidade de Itapira, SP. Fato que gera conflitos verticais (interclasses) e horizontais (dentro da própria classe subalterna).[6]
Analisando minuciosamente as relações e representações dos diversos grupos das diferentes religiões populares dos bairros pobres e da área rural de Itapira, Brandão faz constatações inovadoras e importantes para a compreensão do assunto. O autor destaca, por exemplo, o fato de a lógica das religiões populares do catolicismo e do evangelismo ser a mesma, ou melhor, ele verifica que nas religiões que estudou o processo e a forma lógica são os mesmos; estas religiões diferen por serem preenchidas por práticas e crenças que se distinguem conforme a experiência anterior e a afiliação religiosa dos agentes populares do sagrado. Apropriando-se das idéias de Garfinkel poderíamos dizer que as diversas religiões populares possuem um mesmo método de produção de significados (apud Martins, 2000, p. 61).[7] Outra importante conclusão do estudo de Brandão é que a Religião não serve apenas para a manutenção das estruturas sociais de dominância. Como o autor bem identificou nos vários casos que apresentou, a Religião é o lugar da contestação da ordem estabelecida. Ele explica que os serviços entre a Religião e o poder secular têm a ver com os projetos de hegemonia erudita dos dominantes. [Mas, também] têm a ver com as estratégias de autonomia e resistência política e cultural dos subalternos. Têm a ver com as lutas de interesses profanos e, também, com as esperanças de reconhecimento e salvação de sujeitos e grupos internos a todas as classes sociais. Quando vista de longe, a Religião significa a equação sacralizada de uma ordem social existente ou percebida como um todo (Durkheim, 1968: 600-609). Olhada mais de perto, a Religião revela que legitima modos definidos do poder que sustentam a ordem de dominância política segundo os interesses definidos por algumas de suas classes. Mais de perto ainda, às vezes pelo lado de dentro, as agências e as ideologias mostram que respondem por funções e serviços de significação diferenciada de modos sociais de vida, e dos projetos políticos de cada uma das classes de uma mesma formação social. (Brandão, 1986, p. 297-298).
De maneira que, logo adiante, ele pode afirmar que a Religião popular “é a parte subalterna de um trabalho simbólico e político no setor religioso” (Brandão, 1986, p. 298). Tal premissa nasce do fato de a Religião popular ser considerada um locus no qual a relação estrutural de oposições do mundo político se apresenta segundo artifícios culturais específicos. Poderíamos afirmar que a Religião é o locus privilegiado da produção não-hegemônica, ou, mais precisamente, do “saber ou conhecimento local”.[8] No Brasil, a Religião, enquanto uma esfera ainda importante de produção de sentido, é a esfera em que o “saber local” e popular encontran as maiores brechas para agir.
O estudo de Brandão também é inovador na análise dos conflitos entre as esferas erudita e popular. Mostra como, na primeira, a lógica de encontro com a diferença é exclusivista, isto é, o erudito se relaciona com o popular para negá-lo, corrigi-lo, iluminá-lo, segundo aquilo que considera o correto, o verdadeiro. Já, do lado do popular, a lógica que rege o encontro é inclusiva, o popular vê o erudito como mais uma alternativa para se conhecer e se relacionar com a realidade visível e invisível, toma-o como complementar ao seu modo (limitado) de ser, sem deixar de reconhecer que também o erudito tem limitações.
Além disso, segundo Paula Montero, os estudos como o de Brandão (1986) e de Zaluar (1983), entre outros trabalhos sobre o catolicismo popular, se destacam, pois tiveram a virtude de contribuir para a superação do reducionismo inerente à Sociologia dos discursos institucionais dos anos 70, permitindo um entendimento da Religião em seus próprios termos e ampliando o modo de compreender as relações entre mundo religioso e política...(Montero, 1999, p. 361).
Por sua preeminência, o trabalho de Carlos Brandão é uma sólida base para os estudos sobre devoções populares. Porém, devemos avançar na análise de mais algumas obras, pois acreditamos que a compreensão atual desse tema, sem negar a importância da esfera política da Religião popular, passa pela análise de questões culturais presentes nas formações das identidades dos grupos e dos sujeitos-devotos abordados.
Só recentemente, na década de 90, mais distante dos determinismos metodológicos que marcaram sobretudo os anos 60-70, apareceram mais trabalhos que avançam não no sentido de negar a importância das relações apontadas acima, mas por enfatizar a centralidade das tensões culturais para a determinação e orientação dos conflitos religiosos. Restringindo os exemplos apenas ao campo católico, citamos as teses monográficas de Raymundo H. Maués (1995) e Carlos A. Steil (1996) como representantes desta abordagem que se afigura no estudo das religiões.[9] Além destes destacam-se, também, outros trabalhos, como o de Rosado Nunes (1994), que chamam a atenção para o fato de que os diversos seguimentos do campo religioso católico não devem ser entendidos enquanto unidades genéricas, mas, ao contrário, como possuidores, por exemplo, de um corte de gênero heuristicamente relevante.
Raymundo H. Maués (1995) defendeu uma tese que é de grande utilidade para o nosso propósito aqui. Apesar de falar sobre as representações do catolicismo popular e da pajelança de uma região do interior da Amazônia, seu estudo traz importantes contribuições para o campo de pesquisa sobre os cultos católicos populares, principalmente por se concentrar num aspecto que, por ser geralmente considerado como óbvio, passa despercebido em alguns estudos sobre o tema. Fazemos referência ao caráter constitutivo que a tensão, o conflito, exerce no catolicismo. Aliás, como veremos a seguir, a tensão pode ser considerada constitutiva não só do catolicismo, como de praticamente todas as religiões, se as consideramos como sistemas de símbolos religiosos. Isto porque, como lembra Victor Turner (1974), os símbolos – especialmente os símbolos religiosos – possuem uma característica de condensação que poden reunir pólos contraditórios de significado. E isto, no caso das religiões de motivação universalista, é muito mais evidente.
Na introdução de seu trabalho, Maués (1995, p. 18-21) apresenta uma classificação interessante das obras das Ciências Sociais sobre o catolicismo no Brasil que vale a pena ser mencionada aqui. De um lado, o autor reúne os trabalhos que, de um modo geral, analisam as relações entre a Igreja, a sociedade civil e o Estado, formados por duas linhas de interesses: a primeira, que enfatiza as mudanças da Igreja que busca se adaptar a partir de meados do século XX às mudanças da sociedade e do Estado brasileiros, libertando-se dos compromissos com a estrutura patrimonialista-paternalista da velha sociedade agrária do Brasil colonial. A segunda que enfatiza a relação entre diferentes grupos dentro da mesma Igreja e a questão dos conflitos sociais e a estrutura de classes.[10]
O outro conjunto de trabalhos, que reúne a maioria dos textos antropológicos, está voltado para temáticas mais específicas. Desse lado a variedade de temas é enorme, por isso Maués se limita a citar exemplos de temas estudados, como os rituais: desde a missa até as tradições populares mais distantes da Igreja institucional e os estudos que analisam o catolicismo e a religiosidade popular em áreas rurais e urbanas. Aliás, o autor lembra que outra forma de classificação destes estudos colocaria em destaque, exatamente, os trabalhos sobre as religiões populares.
Uma importante constatação de Maués deveria servir de orientação ao método de análise dos projetos de pesquisa sobre devoções. Diz o autor que, apesar da importância do conjunto da literatura sobre o catolicismo e a religiosidade popular, ele carece “de análises voltadas para categorias sociais específicas”, porque, em geral, os trabalhos das Ciências Sociais, com raras exceções, consideram a população na sua totalidade, ainda que assumam um recorte de classes e se comprometam com a classe subalterna (Maués, 1995, p.20).[11]
Quanto à religiosidade popular propriamente dita, Maués (1995, p. 21-22) identifica dois grupos distintos e complementares de trabalhos; um deles, segundo o autor, tende a identificar a religiosidade popular com as classes subalternas, o proletariado e o campesinato (é nesse grupo que se encontram os trabalhos de Brandão, entre outros). O outro grupo está mais preocupado com a globalidade do social e com as relações hierárquicas e de status presentes na sociedade brasileira.
Iniciando seu trabalho com um breve balanço da produção das Ciências Sociais sobre o catolicismo, Maués encontra um caminho pouco percorrido nos estudos em questão e se propõe a pesquisar as especificidades locais do catolicismo, enfatizando as crenças, representações e práticas religiosas de populações rurais ou de origem rural de uma região interiorana da Amazônia. Para os nossos objetivos seu trabalho é útil, principalmente por suas conclusões quanto à tensão constitutiva do catolicismo, formada no encontro e embate entre a lógica clerical do sacramento e a lógica laica popular do santo.
Seguindo nossa contextualização gostaríamos de apresentar mais uma obra antropológica recente, importante especialmente por sua contribuição a respeito da metodologia de análise deste conflito interno ao catolicismo. O estudo sobre o santuário do Bom Jesus da Lapa, de Carlos A. Steil (1996), também fornece alguns marcos teórico-metodológicos para a análise das devoções contemporâneas.
Essa é uma obra que se sobressai entre a recente produção sobre devoções populares no Brasil. Ela se destaca, em primeiro lugar, pelo rigor metodológico e teórico, que permitiu ao autor analisar os dados coletados num consistente trabalho de campo à luz das teorias mais recentes sobre o tema em foco, além de incorporar ao longo do texto a presença concisa e harmoniosa de algumas das mais importantes teorias clássicas da Antropologia. Em segundo lugar, porque brinda o leitor com uma criativa análise das múltiplas narrativas sobre o culto ao Bom Jesus no Santuário da Lapa–BA.
Por trás das análises deste autor temos uma concepção de que o social e o religioso não são consensuais, num viés que não despreza o que é ambíguo e contraditório, que privilegia as tensões e vê o social como um drama, um campo de forças em luta, no caso, para estabelecer os sentidos do culto da romaria ao santuário de Bom Jesus da Lapa, no Estado da Bahia.
Naquilo que esta obra contribui para este estudo nós destacamos a constatação de que, além da tensão que lhe é inerente, no caso do Brasil o catolicismo possui uma pluralidade de sentidos nas diferentes esferas de práticas e crenças, que, como bem apontou Steil, estão mais explicitas em grandes momentos da religiosidade como os rituais de peregrinação, devido à sua natureza de aglutinar a polissemia e a multivocalidade dos símbolos religiosos. O autor define com habilidade a maneira como, nas romarias, entram em choque os diversos sentidos emprestados à Religião, principalmente a tentativa de se conectar o universal ao local e vice versa, traduzida na tentativa clerical de se apropriar da tradição oral sobre o culto, bem como a atuação dos romeiros tradicionais de apropriação dos elementos universais do discurso clerical como uma forma de legitimar sua produção local (cf. Steil, 1996). Desse modo Steil descreve como as configurações das várias conjunturas da Igreja católica mundial se realizaram no contexto específico de um culto regional.
Conforme podemos observar, com a exceção de Brandão, os autores que relacionamos acima estudam a confluência histórica entre a Igreja Católica nacional e universal e a sociedade civil. Separando Ribeiro de Oliveira que faz uma Sociologia marxista desta confluência da sociedade brasileira de modo global, os outros dois autores vão tentar perceber como se configuraram historicamente esses movimentos da instituição católica numa esfera específica, seja nas práticas festivas, institucionais ou não institucionais de uma região da Amazônia, seja num ritual de peregrinação a um santo popular tradicional.
Por meio da discussão acima procuramos apresentar um dos arcabouços teóricos que fundamentaram nossa análise dos conflitos da Religião nas sutilezas das variadas práticas rituais de uma devoção. No âmbito deste texto consideramos necessário examinar como ele pode ser operado na análise de uma devoção específica, no caso uma aparição de Nossa Senhora. Ao mesmo tempo, esperamos destacar a significação atual do culto mariano no Brasil.
As aparições, definitivamente, não são fenômenos só do passado. A recente onda de aparições de Nossa Senhora e de imagens de Nossa Senhora comprova aquilo que os estudiosos vêm afirmando: as aparições são atuais e possuem forte apelo religioso, principalmente quando veiculadas pelos meios de comunicação de massa ou por grupos organizados com ampla inserção territorial e social. Steil (1995, p. 546) defende mesmo que se pode “situar as aparições de Nossa Senhora como parte de um processo mais abrangente de ‘re-encantamento’ do mundo moderno, inscrevendo-se no limiar entre uma tradição católica de longa duração e uma nova corrente de espiritualidade que se afirma à margem da instituição”. A tradição católica milenar refere-se aos elementos bíblicos do Apocalipse de São João. Já a nova espiritualidade diz respeito ao que, em outro trabalho sobre o tema, Steil (2001) denominou de internalização do “self sagrado”,[12] que está fortemente associado à espiritualidade da Renovação Carismática Católica (RCC). Para examinar de perto esta alteração de paradigma no culto de aparição talvez seja importante analisar rapidamente o desenvolvimento diacrônico de um caso específico estudado por Tânia Almeida (2001).
A aparição de Maria em Piedade dos Gerais (MG) inicia-se em 1987, com a vidência de três meninas que liam em uníssono as mensagens que a Virgem escrevia com uma varinha no céu. Essas mensagens se reportavam aos trabalhadores rurais da região e conclamavam para que eles se preparassem para o breve advento de um mundo melhor. Passados alguns meses da primeira aparição, formou-se no local uma comunidade com algumas dezenas de pessoas que abandonaram tudo o que faziam para atender ao chamado da Virgem. A partir desse momento, as mensagens se alteram e voltam-se para a estruturação do grupo. As mensagens passaram a ocorrer várias vezes ao dia, se dirigiam a pessoas específicas, duravam até horas e tratavam dos mínimos detalhes das relações e atividades cotidianas. Mas, nos finais de semana, quando romeiros das cidades vizinhas chegavam ao local, as mensagens tinham se alterado no sentido de conter informações mais genéricas e subjetivas, preservavando o tema da salvação e da construção de um mundo melhor (cf. Almeida, 2001).[13]
Passados outros tantos meses, instala-se na comunidade grupos urbanos que vinham freqüentando assiduamente o local. De um lado, vieram pobres e marginalizados das cidades, de outro, pessoas da classe média e média alta. Desta classe mais abastada, a maioria era formada por carismáticos. Essa diversidade étnica, social, moral e até mesmo religiosa trouxe enormes desafios para a comunidade do local da aparição, relativamente homogênea até então. Uma das alterações mais significativas ocorreu no fenômeno da aparição propriamente dita. As mensagens passaram a ser transmitidas essencialmente por uma única vidente. Apesar de todo o grupo de videntes ver a Virgem, somente uma passou a retransmiti-la. E lentamente foi ocorrendo uma transformação do self divinizado do fenômeno, as mensagens foram se deslocando do “ela está pedindo...” para o “eu peço...”. A vidente principal, a mensageira, foi deixando de ditar a mensagem que via, para transmiti-la na primeira pessoa, à maneira da locução interior. Essa transformação possibilitou não só a proliferação da vidência entre vários membros do grupo, como também a extrapolação do fenômeno para fora do “lugar sagrado”. A mensageira passou a receber a mensagem em locais independentes do contexto inicial, incrementando o público atingido pelas mensagens. Nesse tempo as mensagens passaram a se dirigir à “humanidade”, despersonificando seus receptores. Na mesma ocasião, quando são dirigidas para a heterogênea comunidade do santuário que se criou, tornam-se inconclusas (“façam o que os seus corações mandarem”, “acontecerá o que Deus quiser”), abrindo margem para diferentes interpretações subjetivas, respondendo, desta forma, às mais diferentes aspirações reunidas no local.
Para Steil (2001, p. 125-132) é exatamente a presença dos carismáticos no contexto das aparições o que vai caracterizar e diferenciar as aparições contemporâneas. A partir de Medjugorje as aparições (eventos localizados) perdem o monopólio clerical da mediação com o universal. A presença dos carismáticos enquanto mediadores entre o local e o universal re-configura os aspectos das aparições. E, para poderem circular no mercado globalizado dos bens simbólicos pela via dos carismáticos, uma das transformações que ocorrem nas aparições é exatamente a interiorização do self sagrado, ou seja, nos novos fenômenos de aparições, as profecias (elemento comum entre as aparições e os ritos carismáticos) se deslocam do ritual da vidência para a experiência das locuções interiores. Porém, esse processo de mudança cultural ocorre na via contrária. Isto é, nos contextos carismáticos de locuções interiores, o self sagrado se desloca da figura do Espírito Santo para a de Maria. Em outras palavras, há um duplo mimetismo no qual Maria se subjetiva manifestando-se diretamente e intimamente na consciência individual dos “videntes”, ao mesmo tempo em que o Espírito Santo que fala à consciência do carismático vem sendo substituído pela figura de Maria. Essa confluência com nítida valorização da locução interior, segundo Steil, corresponde “a uma tendência mais geral da Religião na condição pós-moderna”, marcada pela reflexividade entre tradição e a inovação e que se expressa, entendemos, pela privatização da experiência religiosa. Essa dimensão da subjetividade e da reflexividade presente na condição pós-moderna da Religião demonstraria, ainda segundo Steil (2001), a leitura que a tradição vem fazendo das novas formas de expressão religiosa.
Outra diferença observada por Steil (2001, p. 132-133) é que se nas aparições anteriores os rituais e mensagens se mostravam chaves de leitura da cultura e da estrutura social das comunidades locais, hoje as aparições já não representam mais uma realidade anterior. As comunidades formadas pelas aparições reúnem a mais expressiva alteridade contemporânea: diferentes pessoas vindas dos mais diferentes lugares. Agora, portanto, as pessoas que se agrupam em função das aparições são instruídas na vivência dos rituais, passam a se organizar e pautam as suas vidas em função da criação de um self coletivo – ou um novo mundo, tido como dado – que fornecerá os modelos de organização da vida e do culto. “...De modo que, mais do que revelar comunidades referidas a um espaço material, as aparições contemporâneas estão criando comunidades rituais que, ao se depreenderem da paisagem local, acabam inserindo-se na extensa rede de referência do movimento carismático...”. Esse processo pode ser observado tanto na aparição de Taquari, RS, estudada por Steil, como na de Piedade dos Gerais, estudada por Almeida.
Mas antes de prosseguir é preciso destacar a maneira pela qual ocorrem as relações entre estes dois gêneros católicos de Religião (o catolicismo popular das aparições e o catolicismo de massas da RCC). Com efeito, Steil retoma, no estudo sobre as aparições marianas (2001), o que observou em outro contexto de religiosidade popular (1996). Ele afirma que há uma disputa no campo dos sentidos e das estratégias dos grupos mediadores envolvidos no fenômeno (clero e carismáticos) em busca de legitimidade e hegemonia. Conforme os dois grupos se relacionam, isto é, disputam e negociam significados e rituais, troca de favores e espaços de atuação, a abrangência do evento será maior ou menor, tanto na sociedade local quanto entre os peregrinos.
Este elemento também desponta na análise de Almeida (2001). No caso de Piedade dos Gerais, trata-se da capacidade que o complexo de símbolos envolvidos nos fenômenos da aparição tem para reunir diferentes tipos de catolicismo, valores e projetos sociais. Cada um deles capaz de se expressar e encontrar sentido nas mensagens enunciadas por Nossa Senhora naquela aparição. “...Espontaneamente, longe de qualquer projeto elaborado por elites clericais ou teológicas, tal evento surgiu em moldes capazes de agregar diversas místicas populares e propostas utópicas, tentando, cada uma, legitimar-se e colocar-se como a hegemônica...” (Almeida, 2001, p. 22-23).
Esse ponto de vista considera os símbolos religiosos como expressões não só da unidade das sociedades, mas também de suas contradições. Dessa forma, a autora, fazendo eco às análises antropológicas que têm chamado a atenção para o caráter dinâmico e ambíguo dos símbolos religiosos e da transitoriedade de seus significados, destaca do fenômeno de Piedade dois elementos interdependentes.[14] O primeiro deles é, justamente, a pluralidade de identificações individuais e grupais relacionados pelo conjunto simbólico da aparição. O segundo, a fragmentação discursiva das mensagens. Ambos levam, muitas vezes, a conflitos e oposições. No entanto, formam um complexo de reconhecimento mútuo que acaba acolhendo a pluralidade, por meio da fragmentação discursiva, dentro do centro simbólico formado pela tônica das mensagens: a salvação e a construção do reino de Deus.
Com efeito, em Piedade dos Gerais “o antagonismo inerente ao símbolo religioso vem sendo vivido de modo cada vez mais agudo e dramático” desde 1987 (Almeida, 2001, p. 297). Contudo, tanto os casos analisados por Almeida e por Steil como o que estudamos demonstram que o simbolismo mariano é privilegiado para apresentar a articulação entre o pólo ideológico – dos aspectos centrais da universalidade católica – e o pólo orético – da literalidade dos aspectos concretos e emotivos que o objeto sagrado tem para a cultura local – (cf. Turner & Turner, 1978 e Agostinho, 1986, p. 20-21).
Com relação ao aspecto ambivalente do simbolismo em geral, e especialmente do simbolismo religioso, verificamos que, em algumas obras que analisamos, o elemento da tensão interna tem sido privilegiado nos estudos mais recentes sobre as religiões do país, principalmente os que se referem ao catolicismo. O estudo das disputas pelos sentidos e da tentativa de fixação hegemônica de valores e práticas é fundamental para o entendimento das religiosidades do catolicismo e das demais religiões (cf. Steil, 1996 e 2001, Almeida, 2001; Maués, 1995; e também Sanchis, 1979 e 1992 para o catolicismo; e Brandão, 1985 e 1986; Montero, 1999 para o catolicismo e outras religiões).
Estudando as tensões no campo das representações religiosas no âmbito das devoções marianas de uma paróquia católica do litoral paulista, pudemos observar que, mesmo nos cultos onde o movimento carismático não está articulado, ocorrem leituras sui generis profundamente influenciadas pelo caráter reflexivo da relação entre tradições e inovações. E mais: entendemos que o surgimento de uma nova instância mediadora entre o local e o universal – possibilitado pela facilidade contemporânea de acesso à universalização – é conseqüência e reflexo de uma formação coletiva (transitória e dificilmente estruturável em termos tradicionais) de busca de novas identidades capazes de responder aos dilemas da vida cotidiana. É neste sentido que percebemos a aparição em Piedade dos Gerais e a tensão entre o clero e as devotas de Nossa Senhora que estudamos em Ubatuba. Ambos constituem atualizações do catolicismo popular tradicional. Percorrido o caminho aqui traçado, esperamos ter demonstrado o lugar dessas re-significações no campo religioso do catolicismo no país.
Reunindo os diversos recursos analíticos da diferenciação e negociação interna do catolicismo e do campo religioso em geral, tentamos tornar evidente o projeto tácito que os estudos recentes têm empreendido para revelar a complexidade dos fenômenos religiosos e sua aplicabilidade para o alargamento não só do debate sobre o tema, mas também das possibilidades de compreensão dos fenômenos religiosos, sobretudo em contextos sociais complexos como o das sociedades urbanas ou em vias de urbanização/modernização.
AGOSTINHO, Pedro. Imagem e peregrinação na cultura cristã: um esboço introdutório. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, 1986.
ALMEIDA, Tania M. C. Uma Maria brasileira: um estudo sobre catolicismo popular. Brasília: UnB, 2001 (Tese de Doutorado, Depto. de Antropologia, 2001).
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[*]Este trabalho é uma versão ligeiramente modificada de um tópico do segundo capítulo da dissertação de mestrado em ciências da religião, "Faces de Maria: catolicismo, conflito simbólico e identidade", defendida pelo autor em março de 2003 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Agradecimentos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo financiamento da pesquisa sobre a qual se sustenta a dissertação.
[**]Mestre em Ciências da Religião, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas de Práxis Contemporâneas e professor de Antropologia da Universidade de Taubaté.
[1] Veja-se a este respeito o importante artigo de Montero (1999).
[2] Esse conceito surge nos estudos sobre a cultura na Idade Média, Bakhtin (1987) neste ponto é referência fundamental.
[3] Compare-se, por exemplo, Brandão (1985) e Steil (1996). Na sociologia, mesmo os estudos de cunho generalizante dificilmente podem abarcar com sucesso a “Religião Católica no Brasil”; assim sendo, hoje a atenção recai sobre segmentos desta religião como as comunidades eclesiais de base ou a renovação carismática católica – compare-se aqui Oliveira (1985) e Prandi (1997). Ressalve-se que tanto os trabalhos sociológicos de abrangência nacional quanto as sociologias da relação religião e política formam importante campo de pesquisas dentro da sociologia atualmente. A título de exemplo devem ser mencionados as pesquisas do ISER no Rio de Janeiro e do departamento de sociologia da Universidade de São Paulo (respectivamente FERNADES, 1998 e PIERUCCI & PRANDI, 1996). Também na Antropologia essa linha de pesquisa produz ótimas análises como comprova a recente coletânea organizada por Pierre Sanchis (2001).
[4] Sobre esse ponto oferecemos uma discussão detalhada no primeiro capítulo de nossa dissertação (Silva, 2003, p. 57-72).
[5] Ao lado deste e com a mesma envergadura, destacamos o trabalho de Zaluar (1983).
[6] Uma das críticas mais contundentes aos trabalhos como o de Brandão chama a atenção para a sua visão essencialista da tradição enquanto fonte de resistência do rural (passado) frente ao urbano (presente). Para maiores detalhes remetemos o leitor para o ensaio bibliográfico de Paula Montero (1999, p. 332-338).
[7] Garfinkel, um importante fenomenológico da teoria social contemporânea, refere-se ao senso-comum, mas sua teoria serve perfeitamente às constatações feitas por Brandão (1986) sobre as religiões populares.
[8] Conforme a terminologia geertziana: “local knowledge” (Geertz, 1997).
[9] Tanto o livro de Steil (1996) quanto o livro de Maués (1995) são frutos de suas teses de doutoramento em Antropologia Social, no Museu Nacional / UFRJ.
[10] Optamos por não relacionar as obras analisadas por Maués por entender que, para este trabalho, é suficiente a constatação das diferentes temáticas do catolicismo abordadas pelas ciências sociais brasileiras. Aos interessados no assunto, sugerimos que busquem em seu livro estas referências, mesmo porque, lá a classificação está mais bem embasada e justificada. Outra importante análise do quadro teórico social sobre o catolicismo pode ser encontrada no já citado ensaio bibliográfico de Paula Montero (1999). Seu trabalho analisa não só a produção sobre o catolicismo, mas também, de um modo geral, os estudos sobre as religiões brasileiras e os dilemas da sociedade nacional, segundo a ótica presente nos autores dos trabalhos abordados. Interessa-nos neste trabalho, sobretudo, a identificação da autora com relação à dicotomia teórica, criada pelas intencionalidades dos pesquisadores, entre o desejo da modernização da sociedade brasileira e a valoração da identidade dos grupos classificados como populares. Segundo Paula Montero (1999, p. 347), somente a superação desta divisão pode resultar em trabalhos produtivos que associem leituras sensíveis dos processos de significações às análises das macro-determinações que orientam a ação social.
[11] O autor lembra oportunamente que a dificuldade em se considerar categorias específicas decorre da generalidade do fenômeno religioso que se expande por todas as classes e grupos sociais, e mesmo que o recorte de classes possa oferecer alguma especificidade às manifestações religiosas, existem momentos da religião em que as classes se dissolvem na generalidade (cf. Maués, 1995, p.21).
[12] A internalização ou interiorização do self sagrado indica que o sagrado não se apresenta objetivamente como um outro exterior, que se expõe em sua corporeidade e transmite ao “vidente” (aquele que vê) uma mensagem; mas na própria consciência do indivíduo, muitas vezes se confunde com o próprio indivíduo, não se caracterizando, pois, como vidência, mas como uma “locução interior”, segundo a categoria usada pelos próprios carismáticos (cf. Steil, 2001, p. 130).
[13] Observa-se claramente nestas mensagens uma oposição radical com relação às mensagens européias quanto ao caráter das mensagens. Se os segredos característicos das aparições européias de Fátima a Medjugorje estão associados a catástrofes iminentes e ao fim dos tempos (cf. Steil 1995), as mensagens de Piedade possuem um caráter revolucionário de glórias para os marginalizados do local: o advento da Boa Nova do reino de Deus para os oprimidos, tema afinado ao pensamento libertador das CEBs, uma das expressões religiosas vivenciadas naquele contexto (Almeida, 2001).
[14] As ciências sociais da religião têm destacado a importância de compreender, por trás da unidade de cada uma das religiões, a complexa convivência de distintas religiosidades. Menos para fixar as diferenças pré-existentes e mais para reconhecer a existência dinâmica de um conjunto de valores e elementos rituais em constantes re-combinações.