Editorial - REVER número 3, ano 5, 2005

O Gênero oculto nas religiões II

Diferentemente do número anterior - O Gênero Oculto nas Religiões I -, voltado para a realidade religiosa de nosso país, este segundo número sobre gênero e religião traz a contribuição rica e diversa de acadêmicas de vários países. A colaboração da maioria delas é resultado de contatos estabelecidos pela professora Maria José Rosado-Nunes no Congresso da SISR (Société Internationale de Sociologie des Religions), ocorrido em Zagreb (Croácia), em julho passado.

Os dois primeiros artigos nos colocam no registro do Catolicismo atual, interrogando as concepções emanadas do Vaticano sobre as mulheres. Da Universidade do Quebec em Montréal (UQÀM), Marie-Andrée Roy, doutora em Sociologia e professora no Departamento de Ciências Religiosas, faz o histórico da política do papa João Paulo II em relação às mulheres e apresenta algumas perspectivas para o novo papado. Denise Couture, da Faculdade de Teologia e Ciências das Religiões da Universidade de Montréal, no Canadá, situa-se na perspectiva da teoria feminista de Judith Butler para mostrar no artigo “A subordinação da mulher ao homem segundo a Santa Sé” que, na teologia do Vaticano, a imagem da mulher é produzida como sendo o “Outro” do homem, segundo uma tríplice operação de apropriação, distanciamento e subordinação.

O artigo seguinte nos conduz ao campo dos estudos históricos. Em seu texto "Sexualidade, Estado, Sociedade e Religião: o controle da sexualidade e a imposição do matrimônio monogâmico no mundo colonial hispanoamericano", Ana María Bidegaín, professora do Departamento de Estudos em Religião da Florida International University, em Miami, aponta para a aculturação ocorrida com o estabelecimento do matrimônio monogâmico cristão nas sociedades ameríndias, que viviam outro modelo de relações heterossexuais. A sexualidade tornou-se caminho para a dominação e construção do Estado e da sociedade hispânica nas Américas.

Vamos, depois, para as imbricadas inter-relações entre religião e política, já fora do contexto latino-americano, mas ainda no campo do controle da sexualidade e da capacidade reprodutiva das mulheres. Elisa Diamantopoulou, doutoranda pela École Pratique des Hautes Études da Sorbonne, Paris, sustenta que a contracepção e o aborto constituem duas questões-chaves particularmente reveladoras dos jogos político-religiosos relativos ao corpo feminino na Grécia, com especial atenção à questão da contracepção e do aborto.

Sandra Fancello, antropóloga e doutora pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), de Paris, desenvolve uma análise do aparente ganho de poder pelas mulheres nas igrejas pentecostais africanas, e das manobras sutis de que as jovens criadas em países mais democráticos devem se utilizar para não romper com seu meio social e cultural.

A questão da feminização do poder é abordada no artigo de Gwendoline Malogne-Fer, socióloga no Centro de Estudos Interdisciplinares dos Fatos Religiosos (CNRS-EHESS). Ela estabelece uma comparação entre a autorização das mulheres para serem pastoras na igreja evangélica da Polinésia francesa (EEPF) e a aplicação da lei sobre a paridade política em 2001.

Um último texto e uma entrevista fecham este número: Christine E. Gudorf, do Departamento de Estudos em Religião da Florida International University, em Miami, apresenta algumas reflexões e pesquisas sobre continuidades e descontinuidades da identidade do self em sua relação com o corpo.

A Rabina Luciana, segunda mulher a aceder a essa importante função no Brasil, apresenta sua visão da realidade das mulheres no Judaísmo e as novas perspectivas que se abrem nessa religião. Uma de suas afirmações dão o sabor de sua entrevista: "O processo de inclusão da mulher, do qual a ordenação rabínica é uma das últimas etapas, veio quebrar o uníssono milenar de nossa tradição, abrindo espaço para um diálogo. Ao incorporar a mulher, a nossa tradição interrompeu a coerência do monólogo."

Na seção Intercâmbio, encontramos o artigo de Edmilson dos Santos e Cláudio Marques Mandarino, professores do Curso de Educação Física da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), que abordam como a relação entre juventude e religião no âmbito do lazer é explorada, apontando para o fato de que a identidade religiosa não pode ser estruturada a partir de uma operação que exclui outras experiências. Um segundo artigo, de Catón Eduardo Carini, antropólogo da Universidad Nacional de La Plata (Argentina), foca o estudo da chegada e do desenvolvimento do Budismo na Argentina, assim como das atitudes frente às diferentes tradições dos grupos zen japoneses.

Esperamos que este número da Rever sobre gênero e religião alcance o mesmo sucesso editorial do anterior, que superou em muito nossas expectativas em relação ao número de acessos. A perspectiva crítica presente nos diferentes textos é a expressão da força teórica de correntes feministas de análise das religiões que combinam, de maneira coerente, rigor acadêmico e crítica social.


Grupo de Pesquisa Gênero e Religião PUC/SP

Maria José Rosado Nunes, coordenadora
Adriana Tanese Nogueira, Mestra em Ciências da Religião - PUC/SP
Neusa Steiner, Mestra em Ciências da Religião - PUC/SP
Miriam Verri Garcia, Mestranda em Ciências da Religião - PUC/SP