Este artigo contém duas partes. Na primeira, há um conjunto de reflexões sobre as relações entre evangélicos e mídia no Brasil. Nela, se faz um passeio por um processo de mudanças ocorridas desde a fase da oralidade e da imprensa até o período contemporâneo, que é o da comunicação mediada eletronicamente. Na segunda parte há reflexões e exemplos de como o uso da televisão, assim como a compra de redes televisivas, provocaram alterações na maneira de os pentecostais se comunicarem com a sociedade brasileira. A escolha desses novos meios de comunicação trouxe para o campo religioso significativas mudanças, assim como na prática do culto local, em que a congregação é estimulada a reagir como um auditório de televisão, onde se dão as gravações dos programas que posteriormente vão para o ar; a pressão da arrecadação financeira sobre o culto religioso; a maneira de o pastor se comunicar com as congregações local e virtual; o surgimento de celebridades, cantores e pregadores; e, finalmente, o risco de escândalos quanto ao uso de enormes quantias arrecadadas.
Palavras-chaves: Mídia e religião, Comunicação religiosa, Pentecostais e mídia
This article is composed of two parts. The first one contains a series of reflections on the relationship between evangelicals and the media in Brazil. In this part, we take a stroll through the changes that occurred from the time of orality and the press to the present, until the contemporary period, which is characterized by the electronic communication. The second part is comprised of reflections and examples of how the use of television – as well as the acquisition of television networks – changed the manner in which Pentecostals communicate themselves with the Brazilian society. The choice of these new means of communication led to remarkable changes in the religious field, as well in the practice of local worship, in which the congregation is encouraged to respond as an audience, since the services are recorded and aired afterwards as television programs; the pressure over financial contribution; the manner in which the pastor communicates with his local and virtual congregation; the arising of gospel celebrities, singers and preachers; and finally, the risk of scandals regarding the use of the huge sums of money that are collected.
Keywords: Media and religion, Religious communication, Pentecostals and the media
Este artigo reúne reflexões sobre as práticas comunicacionais de protestantes ou evangélicos em tempos de mudanças de paradigmas e de surgimento de novas formas de comunicação social. Durante a sua confecção, foi dada atenção às conseqüências práticas que envolvem a transformação da religião em um “grande e lucrativo negócio”. Nessa trajetória, alguns acertaram os rumos e construíram pequenos ou grandes negócios. Já outros nunca conseguiram sair da condição de compradores de espaço na televisão ou sequer conseguiram se firmar nesse caríssimo meio de comunicação.
Procuramos, então, mapear “grandes” e “pequenos” empreendimentos midiáticos, especialmente os que surgiram com mais força no meio pentecostal brasileiro nas duas últimas décadas do século XX. Essa crescente visibilidade na mídia tem chamado a atenção dos pesquisadores e acadêmicos. Para os fiéis que não prestam atenção aos eventuais desacertos, os seus líderes midiáticos sempre são modelos exemplares de procedimento. Mas, para os defensores do livre mercado, o sucesso deles mostra como as leis do mercado podem ser usadas para aumentar a eficiência do funcionamento do campo religioso, cada vez mais se próximo de um “mercado religioso”.[1]
Geralmente, a abordagem desse tema começa com a “fase da oralidade”, passando depois pela “fase da imprensa” até chegar à “fase da mídia eletrônica”.[2] A atenção dos estudiosos se detém atualmente nesta última fase, em que há intenso uso do rádio, da televisão e da Internet por parte dos evangélicos pentecostais. Também nós dedicaremos uma maior atenção à presença pentecostal na televisão. Julgamos que essa visibilidade pentecostal na mídia é um fenômeno muito significativo, e que sinaliza para grandes mudanças internas. Até porque muitos desses movimentos religiosos advogavam até recentemente o abandono da sociedade e de suas “tramas diabólicas”.
Pressupomos ser necessário, na abordagem dessas práticas comunicacionais, levar a sério a atual recomposição experimentada pelo campo religioso protestante em nosso país e no mundo ocidental. Observa-se que está ocorrendo um espraiar da religiosidade e das religiões para além de seus limites. Por isso, os moldes institucionais, que por séculos tanto expressaram a religião, agora lhe estabelecem limites. Daí a pertinência da pergunta feita por Sanchis (1995a: 81) diante do dinamismo “desconcertante” desse fenômeno: “o campo religioso será ainda hoje o campo das religiões?” Não estaríamos vivendo um momento de “reinvenção” da religião, em especial do Pentecostalismo? Até que ponto o termo “neopentecostalismo” melhor expressa as mudanças que estão acontecendo dentro e fora dessas fronteiras?
A respeito da ligação do campo religioso com a prática comunicacional, podemos ainda usar mais algumas palavras de Sanchis (1995b) para perguntar: o que significa falar em comunicação religiosa num contexto de “absolutização do indivíduo”? Ora, vivemos em tempos em que o indivíduo aparece como “raiz, núcleo e origem da própria vida social”, e age como se fosse um “átomo legítimo de análise” a exigir produções midiáticas fora das fronteiras das instituições até então eram consideradas “depositárias e distribuidoras legítimas do acervo dos bens de salvação”.
Pode-se afirmar, também, que está em andamento um processo de “desmanche”, de “decomposição” ou de “recomposição” do espaço religioso, o que afeta organizações e agentes pertencentes às instituições religiosas tradicionais. Isso exige do pesquisador uma visão ampla do dinamismo e das transformações em andamento. É possível identificar, hoje com mais força do que antes, o que Tillich (1992: 239) considerava ser o “fim da era protestante”?
Thompson (1998: 25) considera a comunicação “... um tipo distinto de atividade social que envolve a produção, a transmissão e a recepção de formas simbólicas e implica a utilização de recursos de vários tipos”. Como toda atividade social, a comunicação religiosa está ancorada em um contexto social, cultural e econômico. Nele, o processo de comunicação acontece graças aos meios técnicos que lhe são dados pela cultura e também pelas tecnologias disponíveis naquele momento.
No entanto, os católicos romanos (mas muito menos do que os evangélicos) têm sido mais vagarosos na incorporação desses novos meios técnicos comunicacionais como forma de expansão de seus domínios. Esta vitalidade talvez se deva ao fato de o Protestantismo ter surgido e permanecido minoritário, principalmente em momentos de significativas mudanças culturais e tecnológicas. Mas a oralidade nunca foi totalmente abandonada no contexto protestante, pois continuou a ser utilizada nos púlpitos evangélicos e na propaganda boca-a-boca.
A oralidade foi importante nos primeiros anos da história da comunicação da mensagem cristã na sociedade greco-romana. As epístolas e evangelhos, nessa ordem, atestam a importância da “fase oral-auditiva” na primeira expansão cristã pela Ásia Menor, Norte da África e Europa. Porém, nas primeiras décadas a pregação cristã esteve centrada em um Messias, Jesus de Nazaré, que jamais escreveu qualquer coisa, mas que atuou como mestre, xamã, taumaturgo, exorcista e profeta. As praças públicas, as ruas e estradas eram os lugares em que a sua comunicação com as multidões acontecia.
Nesse sentido, a comunicação de Jesus era inovadora, e aconteceu fora dos quadros consagrados pelas formas de gestão do sagrado que foram institucionalizadas pelos sacerdotes de Jerusalém. Já nos primeiros séculos, depois consagrada na missa católica, a paixão do Messias passou a ser dramatizada e a imagem de seu corpo morto, exposto no instrumento de suplício e morte – a cruz - se tornou um ícone milenar. Décadas após a morte de Jesus apareceram os Evangelhos, uma literatura hagiográfica, e as epístolas dos apóstolos, que, em sua maioria, reconfiguravam os seus ensinamentos.
Uma revolução na comunicação cristã viria após a descoberta da imprensa no Ocidente, por Gutenberg. Desde então se deu oficialmente, pelo menos no nível teórico, a passagem da hegemonia da oralidade para o da escrita. Conforme Ong (2001: 81 e ss), essa passagem implicou em reestruturação da consciência e das maneiras de se pensar o mundo. A percepção visual começou a predominar sobre a percepção auditiva, os olhos sobre os ouvidos e a boca. Seria, no entanto, nessa “era da imprensa” que a produção, transmissão e recepção da mensagem religiosa iria sofrer a sua primeira grande transformação. Esse processo de transformação foi historiado por Burke (2003) e Chartier (1998, 2002), que também fazem referência aos dilemas representados pelo advento das tecnologias computadorizadas em suas relações com a “era da imprensa”.
Que transformações o Protestantismo, como “religião do livro”, sofreu com e após o uso do rádio e da televisão? Podem ser compradas com as situadas na passagem da oralidade para a literalidade? Que visibilidade está ocorrendo no campo da comunicação e na ocupação dos espaços públicos? Por quais motivos os pentecostais, inicialmente avessos ao rádio e à televisão, acabam, em sua maioria, optando pelo rádio, televisão, Internet e imprensa, com tanto afinco? Que transformações aconteceram no interior do Pentecostalismo no que se relaciona ao financiamento desses meios técnicos, em especial da televisão, por causa de seu alto custo? Que tipo de comunicação religiosa surge quando se constroem impérios televisivos? Que “efeitos–bumerangue” a relação entre mensagem religiosa e mídia de massa provocam nos rituais, práticas e formas de vivenciar uma determinada religião?
Estaria com a razão Marshal McLuhan, ao afirmar que “o meio é a mensagem”? Sim ou não, é importante o reconhecimento de McLuhan, em entrevista dada a Babin (1978), de que a “era eletrônica” fazia surgir um “novo homem”, conseqüentemente “um cristão diferente”. Que efeitos a ênfase nessa nova forma de comunicação exerce no receptor/consumidor de religião? O que resulta dessa mistura de religião, entretenimento e negócios? O que torna a mensagem religiosa adaptada ao clima cultural desenvolvido pela pós-modernidade e mundialização da cultura?
Ora, esse novo clima cultural trouxe consigo uma forte demanda por mensagens de auto-ajuda, otimismo e esperança, as quais produziram esforços dos clérigos e leigos no atendimento dos desejos e necessidades temporais dos fiéis. Daí a psicologização da religião e a transformação dos produtos religiosos em produtos e mercadorias oferecidos em série e padronizados. Por sua vez, os distribuidores e comunicadores procuram transmitir a idéia de que são produtos personalizados e que seguem modelos como estes: “mulher, esta bíblia foi feita para você”; ou então, “evangélico, finalmente surgiu um aparelho celular feito especialmente para você”.
Nesse contexto, há uma maior probabilidade de ocorrerem desacertos, principalmente quando um empreendimento religioso cresce sem o desenvolvimento de mecanismos reguladores das relações entre produtores, intermediários e consumidores, mediando os conflitos decorrentes do próprio processo. Daí ser remoto o surgimento de um código de defesa do consumidor de bens simbólicos religiosos ou então a aprovação de leis voltadas à regulamentação de competidores. Isso ocorre porque assistimos o surgimento do que Lipovetsky (2005) chama de “sociedade pós-moralista”, na qual há um “crepúsculo do dever” e o surgimento de uma “ética indolor dos novos tempos democráticos”. No mundo da comunicação religiosa, diferente do mercado de bens apresentados na televisão, não há instâncias (um Procon religioso?) encarregadas de eliminar e resolver tensões, pendências e conflitos surgidos da insatisfação pelo produto escolhido. Daí ser possível o aumento no número dos descontentes, insatisfeitos e frustrados com as promessas religiosas contidas na propaganda dos prodígios, milagres e maravilhas.
Pierucci e Prandi (1996: 260), ao se referirem ao surgimento do fenômeno da “religião paga” e do fiel como um “consumidor de bens e serviços”, mostram a inexistência de quaisquer mecanismos de proteção do consumidor ou de regulação do mercado religioso. Os consumidores estão desprotegidos, longe da intervenção das autoridades e da legislação, à mercê de pregadores que a mídia considera “enganadores”, “aproveitadores” e “exploradores”. A quem reclamar? Ao Bispo, ao Missionário ou ao Apóstolo? Daí a ausência na propaganda evangélica daqueles famosos slogans: a “sua satisfação garantida ou seu dinheiro de volta”.
Não há também, por parte dos líderes e controladores da religião enquanto prestação de serviços, sinais de que haverá um gradativo aumento na capacidade de gerenciamento dos empreendimentos religioso-mediáticos. Em decorrência disso surgem, aqui e ali, escândalos econômicos, financeiros e políticos que atestam o aparecimento de “negócios religiosos” sem a tradicional intermediação do que antes se considerava, sem muita precisão, “ética cristã”.
Na primeira parte deste texto, ressaltamos as ligações entre os protestantes e o mundo da comunicação, que fez nos primeiros séculos dessa história, da página impressa e do púlpito, seus principais meios de comunicação. Na segunda parte, tomaremos o caso concreto de como os pentecostais brasileiros, em especial os neopentecostais, fizeram do rádio e da televisão seus principais veículos de comunicação. Tentaremos, na medida do possível, mensurar essa presença, para mostrar o quanto esse quadro se alterou desde a metade dos anos 1980 quando Hugo Assmann (1986) escreveu sobre a Igreja eletrônica na América Latina.
O advento da imprensa explica, em grande parte, o sucesso da Reforma protestante. Seria impensável o sucesso protestante sem a imprensa. Foi graças à tecnologia desenvolvida por Gutenberg (1450) na produção da página impressa que os textos de Lutero e de Calvino ganharam a Europa. O apego dos protestantes à Bíblia, aos livros de confissão de fé e aos catecismos fez desse ramo do Cristianismo a “religião do livro”. Nela, o púlpito e a pregação da palavra, livrocentricamente orientadas, se tornariam a parte mais importante do culto protestante e o pastor seria o “ministro da palavra” e, às vezes, o “ministro dos sacramentos”.
Na expansão do Protestantismo e da cultura inglesa para a América do Norte, a Bíblia seria a força motriz civilizatória e cultural das novas colônias do Novo Mundo. Christopher Hill (2003) historiou muito bem não somente o papel da Bíblia na revolução inglesa, mas também a sua influência na constituição da literatura e da cultura norte-americana. Mesmo nas poucas tentativas de evangelização dos indígenas, os missionários puritanos imaginaram poder salva-los do “domínio dos demônios” pelo uso das letras (ORTEGA; MEDINA 1976: 125 e ss). Pensavam poder traduzir para a língua dos nativos a Bíblia, a fim de habilitá-los a enfrentar os poderes demoníacos, reconhecer o status de idólatras e se civilizarem. Enquanto isso, a Igreja Católica ainda insistia no emprego de formas tradicionais de comunicação tais como a dramatização da missa, as cores, as imagens ou até mesmo a arquitetura.
Por sua vez, o Protestantismo, por causa de seu apego ao livro, fosse a Bíblia, a Confissão de Fé ou os Catecismos, tornou necessário o surgimento de um clero letrado e culto. A ênfase no material impresso teria provocado uma forte tendência ao conservadorismo e ao fundamentalismo? Esses clérigos precisavam desenvolver competências para lidar com os livros e fazer deles eficientes mediações comunicacionais. O preparo das homilias e a entrega de seus sermões nos púlpitos deveriam receber uma atenção especial nos centros de formação dos pastores (seminários ou faculdades de Teologia). A Bíblia seria o livro básico, daí porque a exegese, o estudo das línguas originais da Bíblia (hebraico e grego) e a hermenêutica serem ferramentas essenciais no preparo desses futuros clérigos.
Nesse tipo de religião, em que a comunicação privilegiava e dependia dos textos escritos, a oralidade e a visualidade operantes na missa católica, na qual a eucaristia é o centro do culto, foram substituídas pela oralidade e literalidade do culto protestante. Nele, o dever do pregador seria o de conciliar a oralidade com o texto escrito, atualizando-o e contextualizando-o ao estilo de vida do receptor da comunicação. Assim, as pequenas comunidades protestantes, perdidas na vastidão dos territórios do Novo Mundo, iriam se reproduzir e manter a sua coesão ao redor do livro. Talvez venha dessa época a popular afirmação: “a Bíblia, somente a Bíblia, nada mais do que a Bíblia”. Porém, a diversidade de leituras e de interpretações se tornou um permanente desafio à unidade dos protestantes, a ponto de um antigo professor de Teologia nos afirmar que a Bíblia se tornou “mãe de todas as heresias conhecidas”.
A história do denominacionalismo norte-americano nos aponta para a quantidade de movimentos de inspiração protestante nascidos sob a bandeira da livre interpretação da Bíblia e divididos em correntes teológicas antagônicas. O mesmo pode ser dito a respeito da tensão entre “a letra que mata” e o “espírito que vivifica”, que marcou o surgimento do pietismo alemão, do avivalismo inglês e norte-americano, e no início do século XX, a explosão de Pentecostalismo. Há uma reflexão de Mendonça (2008: 78 e ss) sobre a tensão entre um Protestantismo marcado pela racionalidade, de um lado, e de outro um misticismo oriundo de uma iluminação interna e emocional.
Na história do avivalismo norte-americano houve pregadores que pediam à população crente que trouxesse livros de Teologia para serem queimados em uma grande e santa fogueira. Ainda antes do surgimento do metodismo, das igrejas da santidade e do moderno Pentecostalismo, esse antiintelectualismo, baseado numa religião facilmente estimulada pelas emoções ganhou força nos EUA, conforme observa Hofstadter (1967: 69 e ss), que a chamou de “religião do coração”. O deslocamento da religião, da página impressa para os sentimentos, provocaria novas mudanças nas formas de comunicação religiosa, naquele país e nos campos missionários surgidos no século XIX na esteira desses grandes avivamentos.
A crise contemporânea da pregação protestante, vista como parte essencial da comunicação religiosa, traz no seu bojo os deslocamentos provocados pelas transformações culturais sofridas pelos grupos e instituições tradicionais. O impacto da mídia eletrônica fez voar aos ares as relações entre a pregação e o texto escrito. Esse novo contexto levaria o Protestantismo mais fundamentalista a ter dificuldades no seu ajuste com uma nova sociedade midiática. Teria a “religião do livro”, que, segundo Alves (1979), se expressou bem no “Protestantismo da reta doutrina”, se adaptado bem no novo contexto mediático? O Presbiterianismo brasileiro parece dar os seus primeiros passos na direção de uma participação mais ativa na televisão com programas gerados a partir da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Os batistas, por sua vez, já nos anos 1960, com o Rev. Rubem Lopes, mantiveram por mais de três décadas o programa “Um pouco de sol” na Televisão Gazeta, em São Paulo.[3]
Todavia, nos anos 70, as poucas tentativas dos protestantes históricos de usar os meios de comunicação de massa foram desaparecendo diante da falta de recursos financeiros. Os novos pentecostais, apoiados por ideologia voltada à prosperidade, levaram maior vantagem, criando formas eficientes de arrecadação de dinheiro. Foi assim que, com a implantação de uma rede capilar de templos locais ligados a uma sede “nacional” ou “mundial” possibilitou o surgimento de um caixa único, e os recursos captados num templo eram rapidamente drenados para um só local. Esse foi o segredo que lhes possibilitou acumular recursos à vista, que foram usados para a aquisição de emissoras de rádio e de televisão.
O cenário da comunicação protestante no Brasil, marcado desde o início pelo binômio literalidade x oralidade, foi alterado com a chegada do Pentecostalismo à América Latina. Schultze (1994) sugere ter esta nova modalidade de Protestantismo se aclimatado bem na América Latina, principalmente por causa do alto índice de analfabetos e de pessoas ainda dotadas de uma cultura oral-auditiva. A oralidade e as emoções se tornariam o centro do culto pentecostal, enquanto os protestantes históricos iriam deixar para um segundo plano a ênfase na página impressa.
Porém, o Pentecostalismo, na medida em que se expandia pelas camadas pobres, urbanas e operárias - justamente a população mais pobre e menos escolarizada -, incorporou a oralidade, a literalidade e a visualidade nos meios de comunicação de massa. Por exemplo, na televisão estão à venda tanto livros dos teleevangelistas como também seus CDs ou DVDs; um dos livros de Edir Macedo de combate aos cultos afro-brasileiros vendeu mais de três milhões de exemplares.
A Bíblia, no entanto, se tornou muito mais uma referência no linguajar, uma espécie de adorno, pulverizada em adesivos colados nos carros, do que um livro lido, manuseado e conhecido como era orgulhosamente considerado assim pelos protestantes históricos. Pela Internet, com a ajuda do cartão de crédito é possível baixar músicas, fotografias e outros produtos colocados “à disposição” do “povo evangélico”.[4]
Nessa expansão urbana do Pentecostalismo em um país com dimensões continentais e em acelerado processo de urbanização nos anos 1980-90, com dificuldades de integração das várias regiões, e dos imigrantes rurais na vida urbana, novas expressões de Pentecostalismo encontraram no rádio e na televisão a principal forma de presença no cotidiano das pessoas.
Há alguns exemplos de sucesso comunicativo. Nos anos 1950 surgiu a Igreja Pentecostal “O Brasil para Cristo”, antecipada pelo programa A voz do Brasil para Cristo, dirigido por Manoel de Mello.[5] Na década seguinte foi a vez da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, cuja programação, até hoje intitulada A voz da libertação, é dirigida pelo fundador David M. Miranda. Também no início dos anos 1960, no Rio de Janeiro, foi fundada a Igreja Pentecostal de Nova Vida (1961), pelo canadense Walter Robert McAlister (1931-1993). A organização dessa nova Igreja se deu após o sucesso do programa A voz da nova vida nas rádios Copacabana, Mayrink Veiga e Guanabara. Não por mero acaso tais programas se intitulavam “a voz” e não “a imagem” - em um país ainda não interligado, somente o rádio podia ligar a todos ao redor de um só emissor.
Porém, há uma igreja pentecostal ainda hoje resistente a qualquer tipo de comunicação que não seja do tipo pessoa-a-pessoa: a Congregação Cristã no Brasil. Essa igreja, a segunda denominação pentecostal brasileira, jamais publicou livros, revistas, jornais ou divulgou suas práticas e princípios religiosos em espaço público fora de seus templos e muito menos na mídia. Tem se observado, no entanto, o surgimento, dentro dela ou a partir dela, de dissidentes quanto aos métodos tradicionalmente usados pela direção da CCB para a própria expansão. Há, inclusive, sites na Internet para divulgar endereço de templos, fotografias, letras e música de hinos, arquivos que mediante pagamento de taxas podem ser baixados.[6].
O novo cenário cultural que abriga a passagem da centralidade na página impressa para os meios eletrônicos trouxe consigo conceitos, modelos teóricos e concepções oriundas das Ciências Humanas ou das Ciências Sociais Aplicadas, como: mercado, concorrência, pluralismo, secularização e outros mais, todos com implicações para o estudo da relação entre mídia e religião.
Esse cenário nos remete para afirmações de Peter BERGER (1985), como:
A denominação de tipo americano já foi definida como uma Igreja que teve de aprender a conviver com a presença permanente – e com a competição – de outras igrejas dentro de seu próprio território (…) diferentes grupos religiosos, todos com o mesmo status legal, competem uns com os outros (…) a tradição religiosa, que antigamente podia ser imposta pela autoridade, agora tem de ser colocada no mercado. Ela tem que ser ‘vendida’ para uma clientela que não está mais obrigada a ‘comprar’(…). (1985: 148,149)
Entre nós, a produção e a circulação de bens religiosos se tornaram parte integrante da diversidade, da competição e do pluralismo cultural. Ora, para Berger
... a situação pluralista é, acima de tudo, uma situação de mercado e as tradições religiosas tornam-se comodidades de consumo (…) grande parte da atividade religiosa nessa situação vem a ser dominada pela lógica da economia de mercado (…). Os grupos religiosos transformam-se de monopólios em competitivas agências de mercado (…). Os grupos religiosos têm de se organizar de forma a conquistar uma população de consumidores em competição com outros grupos que tem o mesmo propósito (…).(1985:149,150)
Foi nesse cenário, em especial no Brasil pós-1980, que pentecostais começaram a se fazer presentes na mídia com mais freqüência. Primeiro, comprando espaços nas emissoras de rádio; depois, comprando horários nas madrugadas das emissoras de televisão, em períodos considerados “horas mortas”. Depois dessa presença tímida nas “madrugadas com Deus” vieram a compra de emissoras e a ocupação de horários nobres. Por isso é fácil compreender a euforia que a ocupação de um horário nobre na TV Bandeirantes causou no Missionário Romildo Ribeiro Soares. A Universal também ocupa tempo no horário nobre na TV Gazeta de São Paulo.
Essa visibilidade tem sido objeto de muitas matérias em revistas e jornais seculares. Por exemplo, a revista Carta Capital (nº 485, 5/3/08) especializada em política, economia e cultura, em matéria de capa, com fotografia de Edir Macedo da IURD, analisou “O Bispo e o poder: Os confrontos da Igreja Universal com a mídia confirmam os ambiciosos planos de Edir Macedo nos negócios e na política.” Em outro número (Carta Capital 511, 3/9/08), o tema da concorrência entre igrejas e pregadores foi retomado, explorando-se o aparecimento de igrejas e processos de comunicação que são verdadeiros clones da IURD. O título da matéria indica o conteúdo: “Guerra santa formada por ex-integrantes da Universal, a Igreja Mundial [note-se o contraste entre “universal” e “mundial” no titulo da matéria] arrebanha fiéis, amplia seu espaço na tevê aberta e provoca a troca de acusações e ofensas de seus seguidores com os do bispo Edir Macedo”[7]
A presença pentecostal na mídia tem causado preocupações tanto a concorrentes do campo religioso quanto aos de fora dele, especialmente entre os veículos “seculares”. Entre outros, podem ser citados os pertencentes a família Marinho, Rede Globo; a Señor Abravanel (Silvio Santos) com a sua TVS , sem contar o grupo Civita (da Abril), o Grupo Mesquita (Estado de S.Paulo), a família Frias (Folha de S.Paulo) e tantos outros que possuem uma grande presença no controle da mídia no país. No Brasil, desde a proclamação da República (1889), triunfou o ideal de se separar a esfera pública da privada. À religião foi atribuída uma participação fora da esfera pública. Na esfera pública foi colocada a política e, mais tarde, os meios de comunicação de massa. Por isso religião, política e mídia são entendidas como coisas à parte, que não devem se misturar.
É possível que todos os que pretendem regular as esferas, mantendo-as separadas, tenham certo temor de que essa mistura de esferas venha a provocar a perda de influência deles; ou a perda de faturamento, por causa da venda de espaços superfaturados na mídia para líderes religiosos; ou uma diminuição na capacidade de fabricar mitos e intervir ou usar o imaginário coletivo.
É curioso que, num regime capitalista de livre mercado, todos, menos a religião, podem colocar à venda os seus produtos simbólicos ou não. Edir Macedo, da IURD, tem insistido nesse ponto, embora ele mesmo, para levar a sua rede de televisão – a Record – à sobrevivência e não depender do caixa da IURD, acabou por manter a separação entre “rede de emissoras laicas” (a Record e a Record News) e “rede de emissoras religiosas” (a Rede Família). Ocasionalmente compra espaço em redes laicas, como o faz atualmente com a TV Gazeta.
Ainda não temos uma periodização nos estudos da inserção dos evangélicos brasileiros na televisão ou nos meios de comunicação de massa, tal como as reflexões de Capparelli (1997). No entanto, podemos observar que os evangélicos tradicionais foram os primeiros a inserirem suas pregações no vídeo. Já os pentecostais brasileiros inicialmente eram avessos ao uso do rádio e da televisão.
As resistências à aquisição de aparelhos de TV e ao uso desse veículo para a pregação religiosa foram cedendo vagarosamente no Brasil pentecostal. Ainda hoje há denominações, como a Congregação Cristã no Brasil (segunda denominação pentecostal brasileira), que não usam rádio, televisão ou qualquer outra forma de mídia para a comunicação de seus ensinamentos. Davi Miranda permite e usa somente o rádio, mas não a TV, por parte dos membros da Igreja Pentecostal Deus é Amor. Mas, em que grupos essa abertura para a TV se deu antes das demais? Sem dúvida foi entre os novos pentecostais, como a Igreja Pentecostal de Nova Vida (TV Rio, Programa “Ponto de Contato”); Igreja Universal do Reino de Deus (TV Tupi, Rio, Romildo R. Soares e Edir Macedo); 1985, Igreja de Nova Vida (Bispo Tito Oscar) e Igreja Cristo Vive (Miguel Angelo); IURD (nova fase), em 1980 com o programa “Despertar da Fé”.
As discussões e resistências no âmbito da Assembléia de Deus no Brasil podem ser acompanhadas pelas informações coletadas por Araújo (2007) em seu ainda incompleto, mas muito oportuno Dicionário Movimento Pentecostal (2007). Conforme Araújo (2007: 841 e ss), os conflitos foram grandes nos meios assembleianos desde a Convenção de 1957, quando houve a proibição de se ter em casa um aparelho de TV. Somente nos anos 1990 é que essa proibição foi desafiada e se tornou na prática inútil, pois estes ou aqueles pregadores assembleianos começaram a colocar no ar seus programas. Esse tema voltou a ser discutido em convenções posteriores, como a de 1968, sendo reafirmada a proibição.
Dois bons motivos vindos do Exterior, porém, afetaram a prática pentecostal a respeito do assunto. Um primeiro foi conseqüência da visita de Billy Graham ao Brasil em 1974. Esse evangelista chegou a lotar o Estádio do Maracanã, e foi antecipado em sua visita por programas de televisão destinados aos evangélicos e aos pentecostais, estimulando-os a participarem ativamente da campanha. Um segundo motivo se deveu à entrada no Brasil de televangelistas norte-americanos, alguns deles pentecostais e pregadores da própria Assembléia de Deus nos EUA. Um deles, Rex Humbard (1919-2007) colocou no ar o seu programa, aqui no Brasil em 1978, que continuou a ser apresentado até 1985.
Em 1979 foi a vez de Pat Robertson, com o seu Clube 700. Em 1980, Bernhard Johnson Jr., missionário assembleiano no Brasil, vindo dos EUA, manteve por sete anos na televisão um programa que não tinha vergonha de dizer que era da Assembléia de Deus. Naquele mesmo ano, Jimmy Swaggard colocou na TV brasileira o seu programa, que era dublado pelo pastor presbiteriano independente Manuel Simões Filho. Em 1987 foi a vez de Swaggard lotar o Maracanã. No ano seguinte duas grandes igrejas da Assembléia de Deus passaram a transmitir seus próprios programas, uma a partir do Rio de Janeiro e a outra desde Belém.
A Rede Boas Novas representou um importante papel na decisão da maioria dos pastores da Assembléia de Deus de romper com o interdito da televisão. Essa rede foi fundada em 1993, em Manaus, pelo pastor Samuel Câmara. A rede foi comprada por US$ 3 milhões, que foram pagos em 24 parcelas. Posteriormente compraram uma emissora em Belém, onde está a Igreja mais antiga da denominação, iniciada em 1911. A rede tem três emissoras próprias (Manaus, Belém e Rio de Janeiro) e 82 estações repetidoras, cobrindo mais de 100 cidades brasileiras e a Amazônia. Pela quantidade de assembleianos que há no Brasil e a proposta midiática de Câmara, pressupomos nós que será inevitável a sua ascensão dentro da hierarquia da Convenção Nacional das Assembléias de Deus no Brasil. Principalmente porque está em andamento a implantação de muitas outras estações da Rede Boas Novas, em diferentes regiões do Brasil, neste momento. Além do mais, há cerca de nove milhões de fieis das duas convenções da Assembléia de Deus no Brasil.
A presença pentecostal na mídia pode ser percebida, embora de uma forma superficial, na tabela a seguir. Nela, tentamos privilegiar a mensuração como forma de visibilizar um fenômeno percebido, mas nem sempre nas dimensões concretas.
Tabela 1 – Emissoras de televisão pertencentes a grupos evangélicos
Rede ou Emissora | Emissoras próprias | Emissoras afiliadas | Repetidoras ou retransmissoras | Data de fundação | Observações |
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Rede Record de Televisão (IURD) | 12 | 82 | Não anotadas | 1953 | Transmite via satélite – Record Internacional 9 canais exclusivos |
Rede Família (IURD) | 03 | 66 | Canal com programação religiosa | ||
Record News (IURD) | 24 | 101 | 167 | 2007 | Canal de notícia. Laico. |
RIT - Rede Internacional de Televisão (Internacional da Graça) – IIGD | 08 | 01 | 170 | 1999 | Transmite p/satélite HotBird 8 |
Rede Boas Novas (Assembléia de Deus) | 03 | 82 | 1993 | Cobre 100 cidades, inclusive grande parte da Amazônia. | |
Rede Gospel (Igreja Renascer) | 01 | 03 | 1996 | Via Satélite NSS 806 (Rede de rádio com 53 emissoras) | |
Rede Gênesis de TV (Sara Nossa Terra) | 08 | 175 | 09 | 1997 | TV a cabo (175); UHF e VHR |
Enlace Juvenil (ligada a um grupo pentecostal da Costa Rica) Belo Horizonte. | 01 | 2007 | Canal 57 UHF | ||
TV Setorial (Sistema Adventista de Comunicação) - Pindamonhangaba | 02 | 1990 (como TV Educativa) | 2006 se torna parte do S.A.C. | ||
TV Novo Tempo (Sistema Adventista de Comunicação) | 01 | 1996 | Canal 141 na Sky | ||
Rede Super de Televisão (Batista da Lagoinha) | 01 | 2002 | Transmite via parabólica (Satélite B-3) |
A aquisição da Rede Record pela IURD representou o início de um processo de desregulação do até então laico mercado televisivo no Brasil. A compra da Record por US$ 45 milhões e o compromisso assumido por Macedo, de pagar US$ 300 milhões, representaram um novo capítulo na inserção pentecostal na mídia televisiva brasileira. A versão de Macedo sobre o episódio e suas conseqüências se tornaram públicas com a biografia autorizada de autoria de Tavolaro (2007).
Trata-se, no entanto, de uma história muito conhecida. Sobre ela já escreveram, respectivamente pela ordem cronológica, Campos (1997), Mariano (1999), Fonseca (2003), Oro et. alii. (2003) e outros mais. Daí preferirmos ressaltar outros grupos que não tiveram tanto êxito quanto a Universal, mas que também alcançaram uma significativa visibilidade no mundo da mídia brasileiro.
Romildo Ribeiro Soares começou a se apresentar na televisão ainda quando co-fundador da IURD, em 1977, na TV Tupi do Rio de Janeiro. Após ter se desligado da IURD e se estabelecido sozinho, voltou para a TV apenas em 1982. Porém, a sua visibilidade se deu por intermédio da TV Gazeta no horário nobre e, depois, pela abertura da TV Bandeirante graças a um contrato milionário considerado suficiente para resolver os urgentes problemas de caixa da rede comandada por Saad. R.R.Soares ocupa neste momento o horário das oito às nove da noite, de segunda a sexta. Ao mesmo tempo, instrumentalizava sua própria Rede de TV, a Rede Internacional de Televisão (RIT), que começou a operar em 1999. Nove anos depois, a RIT tem oito estações próprias, uma afiliada (Bahia) e 170 retransmissoras. Transmite para o exterior usando o Satélite HotBird8 e tem uma equipe encarregada de dublar para o inglês e espanhol a sua programação religiosa ou colocando legenda para facilitar a transnacionalização da mensagem e de seus programas. A RIT coloca no ar as suas imagens no Sul da Flórida por meio de canal a cabo.
A expansão das transmissões da RIT pode ser avaliada pelo aumento no número de estações retransmissoras (Tabela 2). Em 2007 começou a operar a Nossa TV, uma operadora de canal a cabo para evangélicos, que vai concorrer com NET-Canal e outras operadoras, a um custo bem abaixo da concorrência, oferecendo canais escolhidos “por não exporem os telespectadores a cenas de sexo ou violência”, conforme promessa da IIGD, incluindo-se aí o reforço dos laços familiares.
Tabela 2 – Estações retransmissoras da RIT
Ano | Nº de Estações Retransmissoras |
---|---|
2004 | 30 |
2006 | 70 |
2008 | 170 |
Das várias igrejas neopentecostais, talvez a IARC seja a mais vulnerável neste momento em que escrevemos. As suas dificuldades financeiras vêm de longe. Pois em 1999 seus fundadores, Estevan e Sonia Hernandes, tentaram assumir o controle da Rede Manchete, onde já apresentavam, desde 1992, os programas “Tribo Gospel”, “Clip Gospel”, “Espaço Renascer” e “De Bem com a Vida”. Nessa tentativa mais de cinco milhões foram perdidos e a concessão foi parar em outras mãos. A Renascer foi impedida pelas autoridades, que estudavam uma saída para os prejuízos acumulados pelo Grupo Bloch, e não sentiram segurança nas finanças dessa Igreja para tal investimento.
Porém, desde o final de 1996 a Renascer já participava da sociedade com Geneton Alencar (irmão do pastor Jabes Alencar), que conseguiu a concessão de um canal para a Fundação Evangélica Trindade. A tomada da direção da emissora pelos Hernandes é uma história ainda não conhecida. Consta que Alencar solicitou de Hernandes uma parceria, pois um tinha a concessão e outro o know how na mídia. Porém, com o passar do tempo e algumas disputas na justiça, a Renascer acabou ficando com a emissora. Geneton, que tem ligações com empreendimentos midiáticos evangélicos nos Estados Unidos, para lá retornou. A Renascer consolidou a sua presença fazendo do Canal 53 (NetCanal, em São Paulo) um espaço dedicado as práticas neopentecostais. Essa denominação trouxe para o Brasil a música gospel e a Marcha para Jesus. Seus festivais reúnem até 100 mil pessoas, especialmente nas gravações de seus 13 CDs e 7 DVDs.
Atualmente, o casal Sonia e Estevan Hernandes está detido na Flórida, cumprindo prisão domiciliar após seis meses de prisão de cada um, sob a acusação de terem entrado com mais dinheiro do que foi declarado às autoridades fiscais de Miami, em janeiro de 2007. No futuro, ao voltar para o Brasil, o casal irá enfrentar denúncia por corrupção, lavagem de dinheiro, não pagamento de dívidas, enriquecimento ilícito e formação de quadrilha. Há na justiça pelo menos 110 processos averbados contra o casal. Seus bens estão bloqueados por conta de obrigações e dívidas que justiça arbitrou em R$ 46 milhões. Desde a prisão do casal, a emissora está sendo dirigida por seus filhos, e há risco da passagem da concessão para as mãos de outros pentecostais.
Nos cultos dominicais o casal continua pregando e dirigindo a liturgia a partir de um estúdio em Miami. Resultou dessas circunstâncias a montagem no altar, no templo principal no bairro do Cambuci de um telão, de onde a imagem do Apóstolo ou da Bispa dirige o trabalho religioso. A platéia interage com as imagens conectadas com Miami como se ambos estivessem presentes fisicamente. Assistimos a um desses cultos, no qual fica bem claro que, talvez num futuro próximo, a figura do pastor ou do dirigente do um ritual religioso poderá ou não estar presente fisicamente. Em outras palavras: o pastor pode ser descartado.[8]
Neste momento estamos assistindo a um processo de visibilidade na mídia do Apóstolo Valdemiro Santiago, fundador de uma igreja considerada dissidência e clone da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) – Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD). Segundo a revista Carta Capital (Ano XV, n. 511, 3-9-08: 8-14), Santiago “... desbancou a PlayTV, da Gamecorp, empresa de jogos para celular e tevê que tem como sócio (...) o filho do presidente Lula. A um custo de três milhões de reais ao mês.” Assim, a IMPD assumiu 22 horas semanais de programação na TV 21, e tem programas na RedeTV e na Rede Boas Novas (da Assembléia de Deus).
O Apóstolo Santiago, além de fazer um gênero muito popular na TV - uma espécie de “Ratinho do mundo evangélico”, segundo os seus críticos - toca as pessoas, abraça os enfermos e problemáticos, permite que o seu suor (milagroso para alguns) seja apanhado pelas pessoas carentes de atos mágicos. Ora, essa aproximação dos fiéis não era mais observada desde os tempos de Manuel de Mello, nos Anos 1950. Edir Macedo, Romildo Ribeiro Soares e David Martins de Miranda agem como celebridades, inclusive com guarda-costas. Teriam medo de atentados ou de seqüestros e, por conta disso, não se relacionam com pessoas na multidão? Todos eles têm os seus guarda-costas, não permitem que ninguém se aproxime deles, entram no palco e se retiram pelos fundos logo após sua participação. Miranda chega a dirigir as curas e exorcismos a partir de uma redoma de vidro à prova de balas.
O principal assessor do Apóstolo Santiago, Ronaldo Didini, ex-militar, ex-pastor e ex-comunicador social da IURD, em entrevista à mesma revista, condena outras igrejas, em especial a IURD, pelo uso da Teologia da Prosperidade para conseguir recursos. Para Didini, “levar o fiel a dar carro, casas, cheque pré-datados para a igreja é estelionato”. Defende, ainda, um maior rigor da lei contra tais atividades. “Vamos ter que evoluir para um mecanismo de controle da oferta. Acho que a lei no Brasil nesse ponto é muito suave. Devia ter uma lei rigorosa”, complementa Didini.
Para Didini, o Apóstolo Santiago pede dinheiro apenas em 15 minutos em um culto com três horas e meia de duração. Todavia, “se uma pessoa quiser dar, tudo bem. Mas, mesmo assim ela tem que ser aconselhada a não desfazer do carro ou da casa. Deus deu isso para ela desfrutar. Ela deve ajudar somente com a oferta”. Resta saber, contudo, que transformações irão ocorrer na retórica da Igreja Mundial do Poder de Deus na medida em que essa igreja for investindo cada vez mais em espaços na televisão a altíssimos preços.
Há, também, significativos laços entre a busca do dinheiro útil para a construção de “impérios midiáticos” e a situação de diversidade, pluralismo religioso e a adoção de estratégias para enfrentar a concorrência entre grupos religiosos. Daí o emprego de mecanismos típicos do mundo empresarial tais como o marketing, a propaganda, o uso de técnicas apropriadas para a atração de novos “clientes” e de fidelização dessa “clientela” recém-chegada. Em outras palavras, o clima de competitividade entre grupos religiosos se tornou o cenário típico de uma produção midiático-neopentecostal em que vencer o concorrente, tal como no mundo dos negócios, legitimam quaisquer técnicas comunicacionais. Um líder religioso nos afirmou: “O que importa é comunicar o Evangelho. E isso deve ser feito com o uso de quaisquer meios ou formas. É preciso levar o indivíduo contra a parede, de onde ele não tenha outra opção a não ser a de aceitar a mensagem de salvação que a ele está sendo entregue”
Se compararmos o tamanho do sistema mediático criado pela IURD com o de outras igrejas, podemos dividi-los em “grandes” e “pequenos”. Em alguns casos, o uso do termo “Rede de Televisão” é quase forçado, dado o tamanho do empreendimento. Com os dados da Tabela 1 (embora eles sejam poucos) é possível ter uma visão da desproporção entre as redes e canais pertencentes aos grupos evangélicos brasileiros. Os mais fortes e mais visíveis, as redes pertencentes a IURD, tem sido objeto de análise e comentários no campo acadêmico. Daí a nossa opção pelos grupos menores, até por uma questão de espaço.
Notemos que, de todos os citados na Tabela 1, apenas dois casos não pertencem aos pentecostais. São os sistemas de comunicação pertencentes aos Adventistas do Sétimo Dia. Os demais são quase todos neopentecostais. Fazemos também referência aos sites desses grupos na Internet na esperança que o leitor possa, por conta própria, completar as informações:
O que teria levado os evangélicos a assumirem tantas responsabilidades e riscos financeiros ao adquirirem seus próprios veículos de comunicação? Uma das respostas talvez esteja ligada ao apetite missionário que sempre fez das igrejas protestantes instituições e movimentos voltados para fora, à busca de expansão contínua. É possível também que os dirigentes dessas igrejas tenham percebido que para dar vôos maiores no campo religioso, no final do século XX e início do século XXI, em sociedade com forte presença do individualismo e da competição entre grupos, seria fundamental uma combinação entre religião e mídia eletrônica.
Pressupomos ainda, ao longo deste artigo, que o alto custo econômico para garantir a inserção pentecostal na mídia eletrônica brasileira esteja pressionando as bases comunitárias, exigindo, além das contribuições normais, campanhas especiais nas quais os mantenedores recebem nomes especiais como colunas da Igreja (Mundial do Poder de Deus); gideões (Renascer em Cristo); patrocinadores (Internacional da Graça); associados (Catedral Mundial da Benção, Brasília) e assim por diante. Somente a IURD não pede, na tela da TV, contribuições para manter o seu sistema comunicacional. Isso nos leva à conclusão de que a IURD já resolveu o seu problema, inserindo as contribuições e a questão do dinheiro em seu sistema litúrgico colocados em prática nos templos.
Porém, em todos os casos há uma pressão pela arrecadação de dinheiro, o que levou à monetarização dos cultos, a adoção de um esquema do ut des nas relações entre o adorador e a divindade. Uma hipótese a ser confirmada em pesquisa poderá ou não indicar que essa monetarização do religioso se baseou na apropriação de práticas típicas da religiosidade popular católica e afro-brasileira. A idéia de sacrifício ou de barganha com a divindade ou santos sempre se fez presente nessa “religiosidade mínima brasileira”.
Por outro lado, escândalos recentes mostraram a vulnerabilidade financeira dessa presença religioso-empresarial na mídia. Isso pode ser exemplificado em casos como da apreensão de malas com dinheiro pela Polícia Federal (O Estado de S.Paulo, 12/7/05); de acusações de “lavagem de dinheiro” feitos pelas revistas IstoÉ (25/5/2005) ou na revista Veja em várias edições; as acusações ao casal da Renascer considerado como “caloteiros da fé” (revista Época). A prisão do casal Hernandes foi um prato especial para a mídia durante meses em 2007 e 2008.
Mesmo assim, os pentecostais chegaram à TV para ficar. Dessa experiência poderá nascer, quem sabe, uma nova forma de ser pentecostal, muito mais leve, menos exigente e mais adaptado à cultura popular internacional que está nascendo neste momento de transnacionalização do capital, da cultura e da religião.
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Recebido: 31/08/2008
Aceite final: 05/10/2008
[*] Doutor em Ciências da Religião, professor titular da Universidade Metodista de São Paulo, lecionando nos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Religião e Administração.
[1] As expressões “mercado religioso” são tomadas neste texto a partir das formulações teóricas originadas em Pierre Bourdieu, Peter Berger, retemperadas com idéias de Rodney Stark. As relações do “mercado religioso” com as formas de gestão do capital simbólico e mídia aparecem, por exemplo, em textos como o de Luis Mauro Sá Martino (2003)
[2] Pretendemos evitar aqui, na tentativa de periodizar a comunicação dos evangélicos, o compartilhamento das “fases” de comunicação em momentos estanques ou sem ligação entre elas. Por exemplo, o advento da imprensa não representou o abandono da fase da comunicação face-a-face; a chegada da fase da comunicação midiática incorporou as formas anteriores de comunicação. A comunicação na WEB é um bom exemplo disso. Nela a página escrita, as imagens, sons e a busca da interatividade criam condições para o que John B. Thompson (1998:159) chama de “nova ancoragem da tradição”, quando então, ao invés de destruição da tradição, há um deslocamento da mesma entre “populações migrantes”, surgindo nesse contexto “tradições nômades” e “conflitos culturais”. Por outro lado, grupos como os da Igreja Pentecostal “Deus é amor” (refratários ao uso da televisão) mantém um site na Internet. Grupos não oficiais da Congregação Cristã no Brasil (refratários ao uso da imprensa, rádio e televisão) têm sites com músicas, notícias, fotografias, reprodução de documentos iniciais da Igreja e informações na rede mundial de computadores.
[3] Ver as informações que publicamos em Leonildo S. Campos (Paulo A. N. Baptista; Mauro Passos; Wellington Teodoro da Silva, 2008) e em L. S. Campos e Dennis Smith (2005).
[4] A respeito dessa cultura evangélica de massas, consumista, é indispensável a leitura de Magali do Nascimento Cunha (2007), que chamou o fenômeno que contém essas novas de comunicação de “explosão de uma cultura gospel”.
[5] Sobre as ligações de Manoel de Mello com a mídia cf. biografia escrita pela sua nora Valéria A. de Mello (2006).
[6] São eles www.cristanobrasil.com; www.ccbhinos.com.br; e www.congregacaocrista.org.br.
[7] O tema da concorrência a Edir Macedo e o surgimento de “igrejas clones” que copiaram sua metodologia e produtos tem sido observado por estudiosos estrangeiros (entre outros Marion Aubree) e objeto de trabalhos acadêmicos como o de Ricardo Bitum (tese de doutoramento) sobre a Igreja Mundial do Poder de Deus, fundada pelo ex-bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Valdemiro Santiago.
[8] Visita com gravação e fotografias que fizemos àquele templo em 17 de agosto de 2008.