O ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental está garantido por lei federal, mas nunca deixa de ser um assunto controverso em qualquer debate de que seja alvo. Ultimamente, o recente acordo diplomático entre o Estado do Vaticano (Santa Sé) e o Estado brasileiro – prestes a ser homologado pelo presidente da República – reacendeu a polêmica de forma bastante preocupante para todos os que pleiteamos pelo reconhecimento do ensino religioso como direito de todo cidadão brasileiro e defendemos ser a Ciência da Religião a fonte natural da formação docente para essa disciplina e suas correlatas.
O artigo 11 do acordo Brasil-Vaticano dispõe especificamente sobre o ensino religioso e significa, senão um evidente retrocesso, ao menos um fator de grande confusão em um assunto minado de mal-entendidos. Reza o artigo, em seu §1º que “O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação”. A inserção do “inocente” aposto “católico e de outras confissões” distorce o espírito do art. 33 da LDB ao pressupor que esse ensino seja confessional e deva ser lecionado por teólogos ou catequistas das respectivas agremiações religiosas.
O presente número de REVER quer ser uma oportunidade a mais para esclarecer o que vem a ser um ensino religioso adequado à sociedade cosmopolita e pluricultural em que vivemos, quais são os seus objetivos, quem deve ser o docente desta disciplina e qual a formação científica e filosófica que dele se espera.
No texto Ciência da religião, ensino religioso e formação docente, Afonso M. L. Soares discute a relação entre Ciência da Religião e prática docente, propondo que o ensino religioso nada mais é do que a transposição didática dos resultados alcançados pela Ciência da Religião. Os professores Edile Rodrigues, Sérgio Junqueira e Dilmeire Vosgerau apresentam o trabalho Em riscos e rabiscos: concepções de ensino religioso dos docentes do ensino fundamental do Estado do Paraná e deparam uma mudança significativa para a história dessa área de conhecimento naquele Estado: a superação das aulas de religião catequéticas e a preocupação com conteúdos que tratem da diversidade de manifestações religiosas. Em seguida, a reflexão de Marília De Franceschi Neto Domingos, Ensino Religioso e Estado Laico: uma lição de tolerância discute uma questão crucial na polêmica que nos envolve aqui: a laicidade, em especial no meio educacional. Ela mostra que a laicidade permite a convivência pacífica entre as religiões e o respeito aos indivíduos que optam por não professar nenhuma religião, e não precisa ter contornos anticlericais para ser vivenciada em um Estado democrático. Finalmente, Haller Schunemann procura demonstrar, em A Educação Confessional Fundamentalista no Brasil Atual, que a rede educacional mantida pela Igreja Adventista tem por objetivo central a conversão religiosa dos alunos. Ele constata que até mesmo os conteúdos das demais disciplinas, em especial de Ciências Naturais e Humanas, são reelaborados a partir da doutrina adventista.
Acreditamos, portanto, que essa seleção de trabalhos, a cujos autores já agradecemos desde já pela riqueza de pontos de vista com que nos brindam, pode dar ao leitor a possibilidade de uma visão mais atenta ao caráter pluricultural que se espera da formação a ser dada a nossas crianças e adolescentes como contribuição a sua formação cidadã.
Afonso Maria Ligorio Soares[*]
[*] Professor livre-docente da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP, leciona e pesquisa no Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências da Religião.