O Projeto Missionário Protestante no Brasil do Século 19:
Comparando a Experiência Presbiteriana e Batista

H. B. Cavalcanti []
University of Richmond

Sumário

O período moderno de missões protestantes acontece paralelamente à expansãocapitalista da segunda metade do século XIX. Esse período traz para o Brasil não só outras formas de Cristianismo, como também as promessas do Iluminismo presentes na ideologia protestante da época. Esse trabalho examina a experiência de dois grupos norte-americanos (a missão presbiteriana e a missão batista) no Brasil do século XIX, buscando entender as condições históricas nas quais as duas missões se inserem no país e o nível de aceitação da ideologia trazidas por ambas. Nosso trabalho enfatiza a importância do momento histórico e do modelo eclesiástico transplantado pelas duas missões numa avaliação do grau de sucesso atingido por cada grupo em meio à população brasileira.

As missões protestantes modernas representam uma parcela cultural de tudo que foi transplantado entre os hemisférios norte e sul na segunda metade do século XIX. Se essa expansão capitalista teve consequências econômicas, políticas e sociais (Huntington e Nelson, 1976; Wallerstein, 1979) para as nações do hemisfério sul, as missões lhes trouxeram uma novo modo de ser igreja (Lenski, 1965). No âmbito cultural do intercâmbio norte-sul, a difusão de novos modelos religiosos era de se esperar. A imigração de europeus e norte-americanos para esse hemisfério e a criação de novas camadas sociais nesses países em desenvolvimento trouxe consigo a necessidade dessa gênese de novas possibilidades religiosas.

A expansão capitalista do século XIX não é paralela do período moderno de missões protestantes por coincidência. As igrejas protestantes aproveitaram a expansão do comércio e da colonização promovidos pelo hemisfério norte para lançar o seu período mais abrangente de missões (Case, 1999; History of American Mission to the Heathen, 1840; Ion, 1992; Warneck, 1901); missões que se classificariam em pelo menos dois modelos o modelo de "igreja oficial" e o modelo de "mercado aberto."

As missões européias tendem a seguir o modelo religioso que Troeltsch (1960) define como o de "igreja oficial" onde a religião é exportada como parte da ordem social gerida pelo estado. Nos países africanos e asiáticos sob a tutela colonial européia, por exemplo, as igrejas protestantes se tornam a expressão religiosa da presença colonizadora. Os missionários se utilizam da infra-estrutura colonial (principalmente dos sistemas de transporte e comunicações exportados para as colônias) para expandir o seu trabalho[1], espalhando não só templos em nações do hemisfério sul, mas também redes educacionais e hospitalares que influenciariam o desenvolvimento dessas colônias. Dessa forma, as igrejas protestantes se tornam partícipes no estabelecimento de uma nova ordem social nos países colonizados (Atteridge, 1885; Conseil Protestant du Congo, 1958; Copley, 1997; Crane, 1998; Gael, 1995; Haines, 1962; Hempelmann, 1997; Hudson, 2000; Ince, 1984; Richter, 1922 and 1931; Weitbrecht, 1844).

As missões norte-americanas, por outro lado, adotam um modelo de "mercado aberto de missões" onde várias igrejas diferentes competiriam pela adesão voluntária dos fiéis. Nesse modelo cada igreja teria as características sociológicas do que Troeltsch qualificaria como "seita" ou que Richard Niebuhr (1929) chamaria de "denominação." A separação constitucional entre a igreja e o estado nos Estados Unidos força as igrejas norte-americanas a se re-inventarem como organizações religiosas independentes da franquia do governo; denominações que competem entre si pela aderência dos fiéis num "mercado" religioso aberto, onde nenhuma dessas igrejas teria o apoio exclusivo do poder.

Nos países sob tutela colonial européia há uma completa exportação de cultura e costumes da sociedade colonizadora para a sociedade colonizada. A forma de governo, a organização econômica, o modelo de religião, o sistema de educação, e o sistema de saúde são organizados dentro dos mesmos parâmetros sociais da nação dominante. Nos países soberanos, as igrejas se estabelecem ao seu próprio custo e lutam para conseguir uma fatia do "mercado." No caso das igrejas missionárias dos Estados Unidos não existe a vantagem de operar em colônias. Os missionários são enviados a países que mantém relações comerciais com a América, mas essas nações usufruem ampla soberania política. Nesse caso os "custos" são maiores, especialmente em países como o Brasil com um passado arraigado na religião católica.

Num mercado religioso aberto, cada igreja ou denominação tem que desenvolver uma catequese eficaz para convencer parte da população local da superioridade de sua doutrina e prática religiosa. No caso das denominações norte-americanas isso vai ser difícil, porque o sistema religioso que elas exportam para a América Latina é bastante diferente do sistema existente no continente. Aqui a cultura ibérica produz um sistema de relações sociais e espirituais em muitos casos diametralmente opostos ao sistema norte-americano.

A Igreja Católica, por exemplo, organiza a prática da fé de forma hierárquica, com uma separação explícita entre clérigos e leigos, onde o controle da igreja é centralizado nas mãos do episcopado (Ajero, 1962; Barbosa, 1945). Enquanto em países asiáticos ou africanos a igreja e o sistema de governo são oriundos da mesma cultura colonizadora (Cauthen, et al., 1970; Dennison, 1871; Kindred, 1998; Pathak, 1967; Pruitt, 1998; Ryu, 1998; Singh, 2000), nos países da América Latina o que existe é uma dissonância entre a visão trazida pelas as missões norte-americanas e o mundo em que vivem os seus convertidos.

A Eficácia da Catequese Protestante na América Latina

Uma das questões mais importantes para o estudo de missões num mercado religioso aberto é justamente o papel da dissonância entre a ideologia protestante e a realidade local para determinar o grau de aceitação das missões. Até que ponto a fé trazida pelos missionários pode despertar as populações locais para um novo modelo de ser igreja e até que ponto essa visão é tão alienígena que se torna práticamente inadaptável?[2]

Essa questão é relevante porque no século XIX as igrejas protestantes norte-americanas trazem para o Brasil uma fé jingoística, que aceita incondionalmente as promessas do Iluminismo como interpretado pelos norte-americanos, e que vê nos Estados Unidos a expressão maior da nação moderna. Para os missionários a sua pátria é "abençoada" com liberdades políticas e civis, e com associações voluntárias que contribuem para o alto senso de integração comunitária e de identidade nacional, exatamente por professar a fé protestante. A nação americana é apresentada no Brasil como um país baseado em princípios de tolerância religiosa, iniciativa privada e igualdade política. O Brasil, por outro lado, é visto como um país carente do Iluminismo e do Protestantismo, ainda sobrecarregado pela herança ibérica, profundamente católica, oligárquica, e patrimonial (Bagby, 1889; Dunn, 1866; Gammon, 1910; Harrison, 1954; Mullins, 1896; Taylor, n.d.).

Dessa forma, do ponto de vista religioso, os missionários representam uma força cultural invasora na América Latina. Assim como outros agentes culturais trazidos pela expansão comercial (técnicos, especialistas, "entrepreneurs"), eles desestabilizam os modelos locais. O seu "produto" representa o questionamento do status quo e a possibilidade de uma nova forma de prática religiosa. E isso vai criar conflitos com o sistema religioso vigente nos países latino-americanos.

É importante lembrar que nos países de mercado religioso aberto as missões protestantes não têm sucesso assegurado. Na maioria das vezes o seu crescimento é mínimo e vem como fruto de um esforço muito grande por parte dos missionários. No caso dos presbiterianos e batistas no Brasil, por exemplo, mesmo depois de vinte e cinco anos de trabalho eles terão menos de cinco mil convertidos em cada denominação numa nação que tem milhões de adultos.

O sucesso das missões protestantes depende portanto da capacidade dessas igrejas de atrair certos segmentos da população local. A "conversão" do "nativo" requer por parte dele uma renúncia muito grande. Ele tem que abandonar a sua própria cultura e adotar um novo estilo de vida, nesse caso um estilo estrangeiro. Num país como o Brasil do século XIX sempre existirá uma minoria da população que é atraída pela mensagem protestante. Mas o número de convertidos pode ser maior ou menor dependendo do momento histórico de chegada do missionário e do contexto em que essa missão se insere no país.

O Caso Brasileiro

Nossa pesquisa examina dois modelos distintos de missões protestantes (presbiteriana e batista) no Brasil do século XIX tentando entender melhor a dialética da aceitação da fé protestante no país. No nosso estudo de caso as duas missões têm muito em comum: ambas são originárias dos Estados Unidos (em grande parte recebendo um apoio maior no sul da nação americana), ambas representam igrejas de porte no seu país de origem, e ambas vêem o Brasil como um campo missionário bastante promissor. As duas chegam ao país como "denominações," dispostas a competir no mercado religioso emergente da segunda metade do século.

O que nosso estudo tenta explicar é o grau de aceitação diferenciado que as duas obtiveram no período, com base no contexto da sua chegada ao Brasil e na forma eclesiástica e diferença doutrinária que elas representam.

A maior diferença entre as duas missões é que uma (presbiteriana) tem uma forma eclesiástica de mais hierarquizada, enquanto a outra (batista) funciona de modo bastante descentralizado no seu modo de ser igreja. Sociológicamente as igrejas cristãs podem ser catalogadas em três formas eclesiásticas (McGuire, 1997:98). Existe a forma "episcopal", exemplificado pela Igreja Católica onde o poder é centralizado numa hierarquia de clérigos. Existe a forma "presbiteriana", onde o poder é distribuído entre clérigos e leigos de forma mais representativa, sendo a igreja organizada em várias instâncias jurídicas - o conselho local, o presbitério e o sínodo a nível regional, e o concílio a nível nacional. E existe a forma "congregacional", onde cada congregação local tem amplos poderes para definir a sua fé e prática religiosa.

O modelo presbiteriano se assemelha em parte ao modelo católico vigente Brasil do século XIX. A única diferença é que no Presbiterianismo o poder é partilhado com os leigos. O modelo batista, no entanto, representa uma nova forma de ser igreja, onde cada congregação tem poder para ordenar seus próprios clérigos e para tomar todas as decisões pertinentes à vida religiosa da igreja. As decisões são votadas numa "sessão" ou "assembléia" local, onde cada membro tem um voto. O modelo congregacional é uma forma de ser igreja altamente voluntarista[3], se baseando no processo de democracia local que é encontrado no sistema federativo norte-americano.

As duas missões protestantes chegaram ao Brasil no mesmo período (século XIX) que as outras missões consideradas históricas chegaram, mas separadas por um espaço de vinte e cinco anos. Todas as missões protestantes "históricas" chegaram ao Brasil durante o reinado de D. Pedro II. Os metodistas chegam primeiro em 1836, quatorze anos após a independência e cinco da abdicação de Dom Pedro I. Os presbiterianos, episcopais, congregacionais e luteranos chegam por volta da metade do século, no auge do reinado do segundo imperador brasileiro (Léonard, 1963; Mullins, 1896; Wedeman, 1977; Willems, 1940). E os batistas chegam por último, começando o seu trabalho missionário em 1881 (Bell, 1965; Crabtree e Mesquita 1937-40).

Para entender melhor o sucesso das duas missões, é importante estabelecer o contexto histórico das suas chegadas. Existem pelo menos três fatores críticos que contribuem para esse contexto. Primeiro são as condições existentes durante o reinado de D. Pedro II; segundo é a relação entre a Igreja Católica e o estado durante o mesmo período; e terceiro é o surto migratório que traz da Europa e dos Estados Unidos mão de obra qualificada. Todos três fatores contribuem para facilitar o transplante das missões protestantes norte-americanas para o Brasil. E os três são examinados aqui.

O Reinado de D. Pedro

As missões protestantes modernas chegam ao Brasil durante o reinado de D. Pedro II (1825-1891). O imperador ascende ao trono em 1831 (Flynn, 1979), para exercer um reinado que duraria por quase todo o resto do século. O reinado de D. Pedro é sustentado por uma economia de exportação, com um sistema político organizado nos moldes da monarquia francesa. Apesar de conservador e pró-exportação, o regime oferece aos brasileiros liberdades políticas mais amplas do que o que a primeira república lhes garantiria. No Brasil, tanto o partido conservador como o liberal aceita os princípios básicos do liberalismo do século XIX (Barman, 1999; Graham, 1990).

Nesse período, o Brasil viverá um surto modernizador estimulado pelos interesses do imperador e das elites econômicas (Barman, 1988; Simmons, 1966; Williams, 1937). O nível de urbanização e vida cosmopolita alcançado pelos brasileiros, principalmente no eixo Rio-São Paulo, facilitaria uma maior conexão e interesse por parte destes no mundo cultural do hemisfério norte. A influência do pensar europeu no Brasil data dos tempos coloniais, mas vai se acentuar mais ainda durante o segundo império (Barman, 1988; Graham, 1990).

O crescimento da exportação cafeeira e a guerra do Paraguai (1865-1870) são dois dos fatores que contribuem para acelerar a importação de novas tecnologias para o Brasil (Bello, 1966; Burns, 1980; Poppino, 1968). Durante esse surto modernizador o país refaz os seus sistemas de transporte, comunicações, e produção industrial. As bases dessa transformação são criadas durante as décadas de 1840 e 50, com a passagem de legislação pró-indústria (a lei Alves Branco de 1844, a permissão para a importação de maquinário industrial em 1846), a criação de novas instituições financeiras (a lei de incorporação comercial de 1849, o código comercial de 1850, e a fundação do Banco do Brasil em 1851), e a imposição de altas tarifas de importação (Burns, 1980; Poppino, 1968; Viotti da Costa, 1987).

Nos transportes o país desenvolve rápidamente uma rede ferroviária para facilitar o escoamento de seus produtos agrícolas para cidades portuárias. Até 1874 o Brasil tinha aproximadamente 800 milhas de ferrovia. Entre 1875 e 1879 se constroem mais 1,023 milhas. De 1880 a 1884 mais 2,200 milhas são criadas. De 1885 a 1889, outras 2,500 expandem o sistema ferroviário. Nas vésperas da criação da primeira república o país conta com 6,000 milhas de ferrovia. A essa altura, quatorze das vinte províncias brasileiras são ligadas pela rede ferroviária, apesar da maioria das linhas se concentrarem no Sul do país (Burns, 1980:201).

Na área de comunicações as mudanças também são radicais. Os correios, que em 1880 distribuíam cinquenta milhões de cartas, atingem o nível de distribuição de duzentas milhões de cartas em 1890 (Bello, 1966). Seis mêses após a chegada do telégrafo ao país todas as províncias do sul já estavam ligadas em uma rêde telegráfica. Em 1896 essa rêde se estenderia até as mais longínguas regiões do país como a Amazônia e o Mato Grosso. De dez estações telegráficas em 1861, com quarenta milhas de cabo transmitindo duzentas e trinta e três mensagens, o país chega a cento e setenta e uma estações em 1896, com seis mil e quinhentas milhas de cabo, processando seiscentas mil mensagens (Burns, 1980:199). Em 1874 o Brasil também se ligaria à Europa através do cabo trans-oceânico, e na década de 1880 quatro centros urbanos - São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, e Campinas - são servidos por telefonia (Burns, 1980; Viotti da Costa, 1987).

A produção industrial também cresce na segunda metade do século. O número de fábricas no país passa de cento e setenta e cinco em 1875 para seiscentas em 1890. Em 1890 o país já contava com mais de cinqüenta mil operários industriais (Viotti da Costa, 1987:166-167). O polo de exportação criado no centro-sul do Brasil solidifica a presença do país no mercado mundial e agiliza a sua modernização[4]. Quando a guerra civil norte-americana cria uma escassez de algodão no mercado mundial, o Brasil responde com produção à altura. A borracha, o cacau, e a erva mate se tornam elementos indispensáveis para as indústrias européias e norte-americanas. E o café reina supremo. Em 1910, o Brasil já era responsável por 77 por cento da produção cafeeira mundial (Burns, 1980; Wagley, 1963).

A infusão de capital trazida pelas exportações transforma os principais centros urbanos brasileiros. Ao fim do século todos os grandes centros já contavam com serviços de água, luz, e gás, com estradas pavimentadas e com transporte urbano (Viotti da Costa, 1987). Nesses centros se desenvolve a vida cosmopolita do país, com uma maior anonimidade e mobilidade social, e com oportunidades culturais que facilitam a aceitação de novas idéias (Bello, 1966; Graham, 1987). "Revistas e jornais, associações culturais e artísticas, hospedarias, teatros, cafés e lojas se multiplicariam ao fim do século dando um ar cosmopolita a todos os grandes centros urbanos" (Viotti da Costa, 1987:166).

Essa abertura para novas idéias traz para o Brasil no último quartel do século uma série de ideologias, entre elas o Iluminismo, o Darwinismo, e o Positivismo. Essas ideologias ajudam a fomentar nas classes médias o desejo de reformas sociais mais amplas[5]. Intelectuais, profissionais de classe média, oficiais do exército, e outros grupos urbanos criam associações para promover causas liberais como o abolicionismo, o favorecimento da imigração européia, o federalismo, a separação entre o estado e a igreja, a reforma eleitoral, e os idéias republicanos (Burns, 1980; de Azevedo, 1950; Lustosa, 1991; Viotti da Costa, 1987).

Quando os missionários chegam ao Brasil, o país desfruta de um contexto social aberto às inovações da época, em certa áreas até progressista, e por que não dizer, liberal. O país conta com um número grande de centros urbanos, de acesso relativamente fácil através da nova rede ferroviária, e com um sistema de comunicações que garante aos missionários um contato mais estreito com as suas igrejas de origem e uma maior integração dos pontos missionários estabelecidos pelo país. É nesse contexto social que a fé trazida pelos protestantes vai encontrar solo fértil em meio a um pequeno segmento da população brasileira.

A Relação entre o Estado e a Igreja Católica

Criar espaço para a fé protestante num país profundamente católico é uma tarefa desalentadora. Quando os primeiros missionários protestantes chegam ao Brasil o Catolicismo já celebrava mais de 300 anos em terras brasileiras. Desde os tempos de colônia que o país foi considerado oficialmente católico, tendo o rei de Portugal como defensor da fé na colônia. Durante o império, D. Pedro II assume a mesma função, através do estabelecimento do Padroado (Carneiro, 1950; de Azevedo, 1963), um sistema contratual entre a coroa e o Vaticano, pelo qual o imperador, como defensor da fé, passa a gerir os negócios da Igreja no Brasil como se esta fôsse uma dos instituições governamentais (Barbosa, 1945; Dornas Filho, 1938)[6].

O Padroado enfraquece a Igreja Católica durante a maior parte do século XIX. Controlada pelo governo, a Igreja se vê incapaz de manter até mesmo as suas funções mais básicas, como a formação e sustentação de um corpo de clérigos competente, e a catequese eficaz que garanta a pureza ortodoxa e doutrinária no país. . Isso cria uma erosão da fé e prática católica que dura por quase todo o século (Bello, 1966; de Holanda, 1969; Wedeman, 1977). Quando os missionários presbiterianos chegam na metade do século, a Igreja Católica já se encontra bastante enfraquecida.Quando os batistas chegam, trinta anos depois, o Catolicismo brasileiro está depalperado. Os missionários se aproveitam dessa fraqueza da Igreja Católica para expandir as sua igrejas. Em cartas aos Estados Unidos eles criticam a mediocridade moral e intelectual dos padres, e as práticas "semi-pagãs" e "supersticiosas" do catolicismo popular. Para eles os brasileiros não são católicos por convicção, mas sim por tradição[7].

A luta entre a Igreja Católica e a monarquia na segunda metade do século, por outro lado, deixa a Igreja bem mais vulnerável aos ataques das forças pró-republicanas. A questão religiosa de 1870, quando a Igreja colide com o imperador A oposição da Igreja à Monarquia durante a crise religiosa de 1870 (com relação à Maçonaria) e a sua oposição à política republicana a partir de 1889 contribuem para o seu enfraquecimento nos meios urbanos. Os grupos pró-republicanos vêem a igreja como uma instituição retrógrada e pré-moderna, incapaz de contribuir para o progresso do país (Thornton, 1948; Torres, 1968). Não é pois de surpreender, que um dos primeiros decretos da nova república é o da separação do estado e da Igreja. Irônicamente, até mesmo o Vaticano louvaria o decreto, reconhecendo no mesmo o mecanismo que garantirá à Igreja uma maior autonomia (Ajero, 1962; Dornas Filho, 1938).

É esse período de fraqueza da Igreja Católica que facilitará a implantação da fé protestante no Brasil. Os missionários encontram espaço para plantar suas igrejas em meio a certas camadas sociais urbanas e rurais desafetas ou instatisfeitas com a presença pastoral da Igreja. E esses novos fiéis vão usar a sua nova identidade protestante como escudo para efetuar uma desvinculação radical da Igreja Católica e para atacá-la pelos seus defeitos catequéticos[8].

A Questão da Imigração

Outro fator que contribui para a propagação da ideologia protestante no país é o surto de imigração européia e norte-americana do último quartel do século (Burns, 1980; Dawsey and Dawsey, 1998). As demandas de uma economia de exportação requerem um volume maior de mão de obra especializada. O imperador, buscando ao mesmo tempo expandir a colonização do interior brasileiro e satisfazer as elites econômicas com o aumento do número de trabalhadores rurais e urbanos, busca nos países europeus e nos Estados Unidos a população que ele considera necessária para o desenvolvimento da nação.

O recrutamento de imigrantes começa por volta de 1820, mas atinge o seu apogeu na segunda metade do século (Burns, 1980)[9]. Nesse período o país custeia até as despesas de transporte dos novos imigrantes, chegando a contar com 133,000 imigrantes num só ano (1888). Ao todo, entre 1820 e 1930 o país recebe entre quatro e meio a cinco milhões de imigrantes europeus e norte-americanos. A maioria deles se instalando nas províncias sulistas. Uma boa parte desses imigrantes é européia e Católica, mas um número pequeno deles são oriundos dos Estados Unidos e são protestantes (Burns, 1980; Carneiro, 1950; Luebke, 1987; Willems, 1940 e 1972).

São esses imigrantes norte-americanos que contribuem de duas maneiras para a implantação das missões protestantes no país. Primeiro pelo estilo de vida que eles trazem para a região. A tecnologia e os costumes norte-americanos confere a tudo oriundo do hemisfério norte (inclusive a religião) um sentido de "moderno" ou mais "desenvolvido" (Goldman, 1972; Weaver, 1952; Williams, 1972). Entre outras tecnologias trazidas pelos imigrantes norte-americanos podem se encontrar novas técnicas de transporte de carga e de lavragem de terra, casas de tijolo, fogões modernos (bem como outros utensílios de copa e cozinha), trituradores de café, lâmpadas de querosene, máquinas de costura, agrimensura, e quatro novas culturas agrícolas: o algodão de serra, a melancia americana, uvas, e nozes (Dawsey and Dawsey, 1998; Dunn, 1866; Mendonça, 1990a; Weaver, 1952).

Segundo, os imigrantes protestantes buscam junto ao imperador proteção para o exercício religioso. Obtida a proteção imperial, eles pedem junto às suas igrejas de origem o envio de clérigos para a comunidade; clérigos que se tornarão os primeiros missionários no Brasil. À proporção que mais protestantes se mudam para o Brasil, o governo relaxa as restrições oficiais de controle das religiões não católicas. Esse espaço motiva o envio de mais missionários e a expansão de suas áreas de atividades para além das comunidades norte-americanas no sul do país. Como diz Willems, a chegada da Reforma no Brasil marca um sinal dos tempos:

Milhares de europeus que imigram para o Brasil e o Chile são protestantes - fato que seria inconcebível na época colonial das duas nações. Tão pouco seriam os clérigos protestantes e missionários aceitos pelas autoridades coloniais, autoridades cujo o zêlo em excluir hereges se comparava ao cuidado das autoridades portuárias em prevenir o livre acesso a portadores de doenças contagiosas. A chegada dos primeiros missionários episcopais, congregacionais, presbiterianos, batistas e metodistas, a distribuição profusa de Bíblias e folhetos religiosos pelos colportores evangélicos, a pregação do evangelho em praça pública, e a criação das primeiras congregações protestantes com convertidos do Catolicismo demonstram o grau de mudança nas atitudes das duas sociedades marcadas pelas incertezas e a inquietação do período, pelo enfraquecimento dos controles sociais que por três séculos efetivamente impediram as forças da Reforma Protestante de penetrarem nas monolíticas sociedades da América Latina (1967:57-58).

Esses três fatores - a modernização no reinado de D. Pedro II, a relação entre a Igreja Católica e o estado, e a leva migratória norte-americana - formam o contexto para a inserção da fé protestante no Brasil. Se o crescimento das duas denominações estudadas é relativamente tímido durante o período, nossa pesquisa demonstra que haviam condições para a implantação de novas formas de ser igreja no país; que havia uma abertura para outras opções em termos de igrejas cristãs e que os brasileiros responderam de forma favorável a essas opções.

O Modelo Presbiteriano de Missões

A missão presbiteriana traz para o Brasil uma forma eclesiástica que foi muito influente na formação da própria nação Americana. A forma representativa de governo republicano dos Estados Unidos se assemelha ao sistema presbiteriano de organização interna. Nele, todos os membros da Igreja e todas as congregações locais elegem representantes que formam conselhos para governar a Igreja em várias instâncias jurídicas: no nível local, regional e nacional. O poder fica assim dividido entre clérigos e leigos.

Ideologicamente os missionários presbiterianos se identificam completamente com a sua cultura de origem, pregando no Brasil a importância da liberdade religiosa, da supremacia econômica do mercado, da educação como processo de formação de uma cidadania responsável, e do progresso através do uso da ciência. O código moral da Igreja, baseado nos ensinos de Calvino, reformador suíço, enfatiza a importância de uma vida ascética e de retitude teológica. O fiel busca pautar a sua vida pela doutrina correta e viver no mundo separado dos seus aspectos pecaminosos. Isso significa evitar todas as formas de "vício e depravidão" (tais como o cigarro, a bebida, ou a dança) e observar todas as virtudes "modernas": o respeito e honra aos pais, a fidelidade conjugal, a honestidade no mundo dos negócios, o valor do trabalho árduo como sinal de caráter e decência, e uma forte aceitação do individualismo norte-americano (Alves, 1970, 1984; Ferreira, 1959; Frase, 1981; Pierson, 1971).

A missão presbiteriana no Brasil começa em 1859, com a chegada do reverendo Ashbel Green Simonton ao Rio de Janeiro. Sua primeira congregação seria organizada quatro anos depois, no dia 15 de Maio de 1863 (Bear, 1961; Leonard, 1963). Durante a segunda metade do século XIX, a Igreja se expande principalmente nas províncias do sul, levando mais tempo para alcançar o Nordeste.

O trabalho presbiteriano no Brasil é custeado pelas duas maiores igrejas presbiterianas dos Estados Unidos, a igreja do norte e a igreja do sul (divisão gerada durante a guerra civil americana). Enquanto o primeiro Presbitério (conselho regional de congregações locais), criado no Rio de Janeiro em 1865, foi organizado pelos missionários da igreja do norte, os Presbitérios de Campinas e Minas, criados em 1886, foram organizados pelo esforço missionário da igreja do sul. O Presbitério do Recife, fundado em 1888, teve o apoio das duas igrejas e da emergente liderança de clérigos nacionais (Bear, 1961; Ferreira, 1959)

A criação do primeiro Sínodo (conselho de Presbitérios, ou instâncias jurídicas regionais) em 1888 eleva a Igreja a um status nacional. Nessa altura o Presbitério do Rio se divide em Presbitério do Rio e Presbitério de São Paulo e a Igreja cria o seu primeiro seminário teológico para a formação de clérigos brasileiros. Em 1890, trinta e um anos após a chegada de Simonton, a Igreja Presbiteriana do Brasil conta com 20 missionários, 12 clérigos nacionais, 59 congregações, e uma lista de membros com 3,199 adultos e 1,461 crianças (Ferreira, 1959).

No período de implantação, o Presbiterianismo busca equipar a fé presbiteriana com as benesses do mundo moderno. Jornais presbiterianos da época exaltam o sucesso do capitalismo norte-americano e as virtudes do estilo de vida daquela nação. A Igreja tenta atrair membros em meio às elites brasileiras (tanto urbanas como rurais). Nas últimas três décadas do século os missionários encontram adeptos entre a aristocracia nacional e certos segmentos mais abastados da burguesia urbana[10].

A seleção de adeptos é intencional no projeto da Igreja. Enquanto os batistas e pentecostais se concentram nos grandes centros urbanos e tentam alcançar as classes média e baixa (Conde, 1960; Mesquita, 1940), os presbiterianos se concentram em manter congregrações pequenas, voltadas para as necessidades espirituais das elites urbanas e da aristocracia rural (Ferreira, 1959; Léonard, 1963). Clérigos presbiterianos passam por um processo de formação mais rigoroso e demorado que os clérigos batistas, e se vêem, como pessoas mais educadas, interessados em trabalhar com fiéis que tenham o mesmo nível de educação.

Desavenças e Divisões

O transplante da fé presbiteriana para o Brasil não seria tão fácil quanto os missionários esperavam. Na época da organização do seu primeiro Sínodo, a Igreja já se via às voltas com sérias divisões internas e pressões externas que aos poucos transformariam a fé anglo-saxônica.

Primeiro, houve o choque entre a racionalidade da fé anglo-saxônia e do misticismo brasileiro no que se refere à experiência do sagrado. Enquanto o Presbiterianismo entendia o sagrado num modo disciplinado, ascético, pragmático, e racional, seus adeptos brasileiros buscavam a experiência mais imediata do mesmo, mais mística, mais visceral, e por que não dizer, pré-moderna. Em 1879 a Igreja sofre a sua primeira cisão, quando um grupo de presbiterianos ligados ao dr. Miguel Vieira Ferreira cria a Igreja Evangélica Brasileira. Nela, o Protestantismo começa a ser mesclado com um misticismo mais autóctone (Ferreira, 1959; Pierson, 1971).

Depois, veio a luta pelo controle da Igreja. Com o advento da República, o Brasil sofre um surto de nacionalismo que afeta a liderança da Igreja. Clérigos nacionais sonham em criar a sua própria versão de Protestantismo e usam o Sínodo de 1903 para tentar avançar a sua causa. A Igreja se encontra fatalmente dividida tanto em termos doutrinários como administrativos. Os clérigos nacionais usam a doutrina presbiteriana para tentar banir do seu meio a participação na Maçonaria (uma boa parte dos missionários eram maçons), ao mesmo tempo em que tentam assumir o controle do seminário e da rede de escolas da Igreja. O conflito gera a criação de uma outra igreja, a Igreja Presbiteriana Independente (Bear, 1961; Pierson, 1971).

O nacionalismo também traz problemas de ordem externa para os presbiterianos. A sociedade brasileira questiona a patriotismo dos novos convertidos. Os presbiterianos são proibidos de enterrar os seus mortos em cemitérios locais, os jornais e o público protestam a construção de templos presbiterianos, seus leigos são detidos pela polícia local por frequentarem cultos não-católico, e alguns dos santuários erigidos pela Igreja são apedrejados. Só no período da primeira República mais de 80 casos de perseguição religiosa são documentados contra a Igreja Presbiteriana (Ferreira, 1959; Leonard, 1963; Pierson, 1971).

Essas pressões internas e externas limitam o crescimento da Igreja e contribuem para a perda da sua identidade anglo-saxônica. Pelo resto da sua história a Igreja Presbiteriana do Brasil irá perder lideranças e congregações por conta de divisões internas. Cada perda deixa a Igreja com um residual de líderes bem mais dogmáticos, de pensar mais rígido e inflexível, que aos poucos transformarão o sistema representativo e democrático original numa organização religiosa altamente centralizada nas mãos dos clérigos e doutrinariamente ortodoxa.

O Modelo Batista de Missões

Os batistas trazem para o Brasil um modelo diametralmente oposto de ser igreja. A denominação não é própriamente uma Igreja, e sim uma federação de congregações autônomas, que simplesmente partilham da mesma tradição teológica[11]. Dessa forma o poder no meio batista é descentralizado intencionalmente, uma vez que a denominação valoriza a autonomia local. Tanto do ponto de vista de organização eclesiástica como do ponto de vista teológico, cada congregação tem ampla liberdade de decidir como expressar a sua fé (Parker, 1988; Yance, 1978)[12].

Essa ênfase na liberdade religiosa também existe ao nível de indivíduo - cada pessoa é responsável pela sua salvação, buscando esse momento salvífico por conta própria. Uma vez salva, essa mesma pessoa tenta expressar a sua salvação numa vida íntegra de serviço à sua congregação local, serviço que se traduz no proselitismo de "não-salvos" e no processo de educação religiosa dos "salvos" (Parker, 1988). Cada pessoa é também responsável por se educar e crescer na fé. Apesar de manter códigos morais bastantes semelhantes aos códigos presbiterianos, no meio batista o indivíduo pauta a sua própria jornada de forma mais autônoma.

De forma semelhante, cada congregação batista é responsável por expandir a fé e crescer como comunidade local. A denominação, organizada na forma de convenção ou assembléia geral, não determina a fé das congregações ou dos indivíduos. Seja a nível nacional, regional, ou local, as convenções ou associações da denominação existem para gerir projetos de largo porte, cujo o custo estaria acima das possibilidades das congregações locais. Elas coordenam projetos como a formação teológica dos clérigos, as missões domésticas e estrangeiras, e a publicação de literatura religiosa (Spain, 1967; Yance, 1978). Essa função coordenadora faz das convenções e associações orgãos à serviço das congregações locais (Barnes, 1954; Parker, 1988; Tribble, 1936).

A missão batista no Brasil começa em 1881, com o envio pela Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos de pastores para trabalhar com imigrantes norte-americanas no interior de São Paulo. Os missionários chegam ao Brasil já com intenção de expandir o trabalho (Harrison, 1954; Mesquita, 1940; Taylor, n.d.) e se transferem de São Paulo para Salvador, Bahia na primeira oportunidade. Ali é fundada a primeira congregação batista em outubro de 1882.

Os primeiros fiéis são gente humilde: um ex-padre e esposa, as domésticas dos missionários, e um funileiro. Um ano depois, a igreja conta com vinte fiéis e seis "pontos de pregação" na cidade (Harrison, 1954; Reis Pereira, 1982). O trabalho é árduo. Os missionários enfrentam uma resistência muito grande às suas idéias por parte dos clérigos católicos e da população local. A Igreja Católica que luta para preservar a sua autoridade em face ao declínio do império, se vê ao mesmo tempo assediada pelo surto de Protestantismo no país (de Azevedo, 1963; Rossi, 1938). E os missionários usam os erros da Igreja Católica como justificativa para cristianizar um país considerado cristão (Bagby, 1889; Wedeman, 1977).

Os missionários vêem no Catolicismo brasileiro uma religião supersticiosa, sincrética e medieval (Bagby, 1889; Graham, 1968; Taylor, n.d.). Para eles a Igreja Católica não tem condições de ajudar o Brasil a se tornar um país moderno. As procissões, as festas religiosas, e outras práticas da Igreja só contribuem para o atraso do país (Bell, 1965; Crabtree, 1953; Willems, 1967). E as críticas das forças liberais e pró-republicanas à Igreja Católica confirmam aos olhos dos missionários a ineptidão do Catolicismo no Brasil[13].

Os missionários batistas argumentam que só o Protestantismo teria condições de promover os ideais da democracia, do individualismo, da igualdade de direitos civis, e da liberdade intelectual e religiosa no país. Eles viam na hierarquia católica a antítese do processo democrático. O Catolicismo lhes parecia privar o fiel do privilégio do livre exame das escrituras e da liberdade de escolha que os batistas gozavam na sua fé. Essa falta de escolha também é vista nas escolas católicas e no modelo pedagógico que elas usam. Sem a liberdade de pensar na prática da fé, como poderiam os brasileiros entender a democracia (Crabtree and Mesquita, 1937-40, vol 1:127-129)? Isso justifica também a criação de uma rede de escolas batistas.

O conflito entre batistas e católicos era sintomático de um choque cultural. Os missionários promoviam nas suas congregações um estilo de vida pautado pelos valores da responsabilidade individual, da autonomia de governo local, e de uma forma democrática de decisão coletiva (Graham, 1968; Mendonça, 1990b and 1990c). Esse valores pareciam adversos à parte da cultura local. Como resultado, "o protestante se via acusado de praticar uma fé contrária ao estilo de vida e às tradições do Brasil, e até pior, eram taxados de mercenários, vendidos à uma ideologia política estrangeira. Eles viviam tendo que provar que eram bons cidadãos" (Willems, 1967:61).

Com a abertura de uma segunda frente de operações no Rio de Janeiro em 1884, a missão batista começa a crescer em virtude do acesso a um grupo de classe média e baixa na capital do país. Os primeiros líderes brasileiros eram todos membros da classe média -- Costa, Mesquita, Soren e Teixeira. Eles lideram os esforços para expandir a denominação nas áreas de missões estrangeiras e domésticas, de publicação religiosa e de educação de clérigos. Soren seria um dos primeiros líderes denominacionais, pastoreando a primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro por 33 anos (Bell, 1965; Crabtree, 1953; Reis Pereira, 1982). Oito anos após a fundação da primeira congregação em Salvador, os batistas contavam com três jornais de circulação nacional, oito igrejas (em seis regiões do país), dois clérigos brasileiros e 312 fiéis no Brasil (os batistas não contam crianças como membros ativos da igreja) (Bell, 1965; Wedeman, 1977).

Ao contrário dos presbiterianos, os batistas não sofrem cisões ou criam outras igrejas protestantes no período. Apesar de algumas desavenças entre os missionários e os pastores brasileiros, a denominação se mantém coesa e cresce de forma orgânica em várias regiões do país (Crabtree, 1953; Reis Pereira, 1982).

Com a separação entre igreja e estado decretada pela República, a missão batista experimenta um novo surto de crescimento, primeiro com a formação de associações regionais, depois com a convenção nacional. Em 1894 seis igrejas batistas no Rio de Janeiro formam a primeira associação regional. Em 1900 a segunda associação é criada por nove congregações do Nordeste. Em 1904 sete igrejas organizam a associação paulista. Em 1906 outras sete igrejas organizam a associação amazonense. Finalmente a Convenção Batista Brasileira é organizada em 1907 (Bell, 1965; Crabtree, 1953; Reis Pereira, 1982).

Comparado com outras denominações protestantes do século XIX, o crescimento batista nos primeiros vinte e cinco anos é impressionante. Já em 1900 os batistas contavam com 21 missionários, 35 igrejas, e 1,932 fiéis. Sete anos depois, na comemoração dos primeiros vinte e cinco anos de missão batista no Brasil, a denominação contava com 83 igrejas em 20 estados e 4, 276 fiéis. (Bell, 1965; Crabtree and Mesquita, 1937-40). Só para dar uma idéia da força da expansão batista, nos primeiros vinte e um anos de missão presbiteriana a denominação amealhou 32 igrejas e 1.729 fiéis[14].

Comparando o Sucesso Relativo das Missões Protestantes

Várias razões têm sido apresentadas para explicar o sucesso limitado, mas real, dos dois modelos de missões no Brasil. O sucesso das missões é considerado limitado no sentido de que nenhuma das duas obteve uma adesão marcante da população brasileira. O Brasil continua sendo um país católico. Mas o sucesso das missões é real no sentido de que ambas já contam com mais de 100 anos de operação em solo brasileiro. Pela sua longevidade os frutos desse - tanto a Igreja Presbiteriana do Brasil como a Convenção Batista Brasileira - são instituições de porte histórico no campo religioso da nação.

Os missionários foram os primeiros a tentar explicar o seu sucesso. Um deles argumenta que a proximidade aos Estados Unidos e a erosão da catequese católica no Brasil 19 facilitaram a propagação da fé[15] (a proximidade aos Estados Unidos garantiu um influxo regular de recursos para manutenção do trabalho; e a erosão da catequese católica abriu o espaço para um questionamento maior). Outro, no entanto, vê a ciência "trazida pelos protestantes" como o fator que teria aberto as portas para o Protestantismo no Brasil: "a ciência nos antecedeu e preparou o caminho para nós. A ferrovia, o telégrafo, o paquete, a maquinaria industrial, que são invenções protestantes, produziu entre os brasileiros um respeito maior pelo estrangeiro, por motivos educacionais, comerciais ou econômicos."[16].

Na realidade, pode ser citada com certa segurança uma série de fatores estruturais que contribuíram para a expansão da fé protestante no século XIX -- fatores externos (por isso visto como contextuais) e internos (aqui taxados de organizacionais) -- e para explicar a disparidade dos resultados que elas alcançaram.

Fatores Contextuais

Pelo menos três fatores externos (contextuais) são citados nessa pesquisa: primeiro, a infra-estrutura do país durante o reinado de D. Pedro II, que garantiu aos missionários um maior acesso à população brasileira (a rede ferroviária, o telégrafo, os correios, os jornais e outros meios de comunicação, e a relativa urbanização experimentada pela nação facilitaram o trabalho dos missionários); segundo, seria a condição enfraquecida da Igreja Católica, que criou um espaço alternativo no campo religioso; e terceiro, seria a presença de imigrantes norte-americanos no Brasil, que garantiu uma base de sustentação tanto para os missionários presbiterianos como para os batistas.

Essa presença dos imigrantes norte-americanos não pode ser subestimada. No caso das duas missões são os imigrantes norte-americanos que ensinam a língua nacional aos missionários (estudo da língua que é realizado durante todo século XIX no interior de São Paulo, eventualmente na cidade de Campinas). São também os imigrantes norte-americanos que vão educar os missionários para as diferenças culturais e regionais do país e que vão ajudá-los a desenvolver uma estratégia de expansão no território nacional (Bagby, 1889; Bell, 1965; Dunn, 1866; Gammon, 1910; Mullins, 1896; Taylor, n.d.).

Fatores Organizacionais

As duas missões têm fatores organizacionais em comuns e distintos. Entre os fatores em comum podem ser citados o uso de meios de comunicação moderna para propagação da mensagem, o estabelecimento de uma rede educacional que se estende por quase todo território nacional, a criação de seminários para formação teológica dos clérigos nacionais, e o interesse em alcançar várias regiões do país[17].

Em termos de comunicação moderna, é importante notar que as duas missões trouxeram para o Brasil ou fizeram uso extenso de gráficas impressoras que os ajudaram a criar jornais denominacionais de circulação local e nacional, panfletos evangelísticos, livretos doutrinários, hinários, e outros materiais de educação religiosa (Bear, 1961; Crabtree e Mesquita, 1937-40; Ferreira, 1959; Taylor, n.d.). Isso lhes garantiu acesso à população sem precisar de usar os meios tradicionais de divulgação, muitas vezes simpatizantes da Igreja Católica (Harrison, 1954; Taylor, n.d.). Só no ano de 1900 os batistas imprimiram no Brasil mais de 300,000 panfletos e livretos para distribuição geral entre a população brasileira (Taylor, n.d.).

A rede de escolas das duas missões foi importante para ajudá-las a criar raízes no país, apesar de não gerar o número de convertidos que elas esperavam. As duas missões estabeleceram escolas no Brasil para converter os filhos de brasileiros, que em teoria seriam menos resistentes à mensagem evangélica do que seus pais, mais arraigados na cultura católica. O que sucede é que as elites brasileiras tiraram proveito da existência dessas escolas para garantir uma educação moderna aos seus filhos, sem contudo permitir conversões. Dessa forma, as escolas serviram uma função educacional importante no Brasil do século XIX, especialmente no centro-sul, que criou uma tolerância maior por parte das elites à presença protestante no país (Crabtree e Mesquita, 1937-40, Ferreira, 1959).

Em ambas as missões, a educação teológica foi fundamental para a criação de uma liderança protestante nacional. Tanto os presbiterianos como os batistas eventualmente criaram três seminários a nível nacional (os presbiterianos no Rio de Janeiro, em Vitória e no Recife; os batistas no Rio de Janeiro, no Recife, e em Belém). Apesar dos seis seminários terem ganho porte nacional durante o século 20, as escolas teológicas que os precederam no século XIX garantiram a formação de uma elite de clérigos que vai ser importante no desenvolvimento de um perfil protestante brasileiro (Crabtree, 1953; Ferreira, 1959).

De fato, é esse perfil nacional que eventualmente vai dissuadir as suspeitas da nação brasileira com relação ao Protestantismo. Por muito tempo os missionários protestantes foram vistos como agentes do governo norte-americano no Brasil. Mais tarde, o golpe militar de Getúlio Vargas em 1937 coloca todos os missionários norte-americanos sob suspeita (Pierson, 1971). É a liderança de clérigos nacionais que circunventa a crise quando Matatias Gomes dos Santos, líder presbiteriano e presidente da Confederação Evangélica Brasileira garante ao presidente Vargas a lealdade incondicional dos evangélicos brasileiros ao seu regime (Santos, 1938).

E finalmente, a visão das duas missões de se expandirem em várias regiões do território nacional facilitam a criação de lideranças regionais e de focos de congregações, associações, presbitérios, e sínodos em várias regiões do país que vão contribuir para uma maior diversidade do trabalho denominacional. Fica mais difícil desraigar uma denominação que se espalha por todo território nacional. A pressão sobre uma liderança local não desanima o crescimento de outros grupos da denominação em outras regiões do país. A expansão de centros missionários em várias regiões do país também contribui para minimizar o choque de personalidades e os conflitos entre os missionários e lhes dão condições de exercer maior autonomia sobre o crescimento local da sua denominação (Bear, 1961; Bell, 1965).

Diferenças entre os Dois Modelos

O que existe de diferente ou distinto entre o modelo presbiteriano e o modelo batista de missões? Mendonça (1990a) cita pelos menos quatro fatores que favoreceram o maior crescimento da causa batista no Brasil. O primeiro fator seria a agressividade evangélica e anticatólica dos batistas: "...numa época em que as demais igrejas procuravam agir moderada e diplomaticamente em face da religião dominante... A ação mais corajosa dos batistas fez com que sofressem reações muito fortes; em compensação, levou-os à conquista de mais adeptos" (1990a:43). Segundo, seria a prioridade dada à evangelização direta, em vez da educação. Terceiro, seria a forma eclesiástica mais simples dos batistas: "enquanto [outras igrejas protestantes], principalmente as presbiterianas, até certo ponto complicam a entrada de novos adeptos através de provas de conversão e conhecimento, as igrejas batistas simplesmente batizam candidatos adultos e os introduzem na igreja. Conhecimento religioso e santificação vêm depois, pela freqüência à escola bíblica dominical e pela ética" (1990a:44). Quarto, seria a ética rigorosa e radical dos batistas, A que estabelece linhas mais claras de separação em relação à sociedade mais ampla e oferece padrões de identidade mais seguros (1990a:44).

Muito da evidência apresentado neste trabalho confirma o argumento que Mendonça apresenta. Existe, por exemplo, uma facilidade maior dos batistas tanto em obter a conversão de fiéis como na implantação de novas congregações. Um dos fatores que facilita isso é a ordenação de clérigos da denominação. Os seminários batistas têm um volume maior de candidatos ao ministério e o processo de ordenação do candidato batista é bem mais simples e direto do que o dos presbiterianos. O candidato batista pode ser ordenado até mesmo antes de iniciar o seu curso seminarial. O candidato presbiteriano, por outro lado, tem que receber a aprovação do conselho da sua congregação e do seu presbitério (em certos casos do sínodo regional) antes de poder começar o seminário. E depende dessa aprovação contínua para poder continuar seus estudos teológicos. Ao completar o curso seminarial, o candidato tem que prestar um exame teológico e ser aprovado para ordenação pelo presbitério.

Há também outros fatores que contribuem para o maior sucesso da causa batista. Enquanto os presbiterianos se dividiram em várias denominações (Igreja Presbiteriana do Brasil, Igreja Evangélica Brasileira, Igreja Presbiteriana Independente) perdendo líderes e fiéis num período muito importante da formação da igreja, os batistas souberam se manter coesos e administrar as suas desavenças. As desavenças dos presbiterianos também indicam uma diferença importante entre as duas missões. De certa forma a ênfase presbiteriana na retidão de doutrina quase garante uma maior desavença na prática da fé. Quando a doutrina é o centro da fé, existe sempre a possibilidade de múltiplas interpretações e conflitos de opiniões. A ênfase batista, por outro lado, é mais prática, voltada para uma vida a serviço da evangelização e da congregação local. Isso evita que o fiel batista se preocupe em demasiado com discussões acadêmicas e interpretações esotéricas da doutrina, garantindo uma maior coesão à sua comunidade da fé.

Conclusão

Até que ponto a experiência presbiteriana e batista no Brasil do século XIX nos ajuda a entender melhor a importância do modelo de missões num mercado religioso aberto? Até que ponto a visão trazida pelos missionários foi entendida e aceita pela população local? A evidência apresentada nos mostra que houve um grupo pequeno de brasileiros que respondeu de forma favorável e dedicada à inovação no campo religioso trazida pelos missionários. Esse grupo foi responsável pela longevidade das duas denominações no país.

Os fatores contextuais e organizacionais discutidos anteriormente nos ajudam a entender o que foi necessário para assegurar a lealdade desse grupo de brasileiros. De uma certa forma ambas as missões são bem sucedidas, apesar da missão batista obter um maior sucesso. Nesse caso, a fé batista parece ser mais aceita pelos brasileiros sem muito questionamento ou carência de "tradução." Os missionários presbiterianos, por outro lado, vêm a sua fé transformada pela necessidade dos fiéis de "abrasileirar" a mesma.

Finalmente, no caso das duas missões, nós encontramos uma descrição do que é possível em termos de transplante de formas religiosas do hemisfério norte para o hemisfério sul. Quando denominações protestantes competem pelo mesmo mercado, anteriormente marcado pela presença exclusiva da Igreja Católica, a forma eclesiástica e a ideologia que elas trazem para o hemisfério sul são importantes na determinação do grau de sucesso que elas vão alcançar. Nesse caso, o modelo "congregacional" parece oferecer maiores vantagens quando visto dentro do contexto histórico em que as duas missões foram transplantadas para o Brasil.

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Notas

[1] Isso não significa necessáriamente que as missões e os governos coloniais fossem aliados (ou cúmplices) na causa da colonização. Existe ampla evidência de discordâncias entre as lideranças das igrejas e do governo local.

[2] O fato de que tanto a igreja presbiteriana quanto a batista sofreram crises de desentendimento entre a liderança brasileira e os missionários sugere que certos aspectos da visão missionária não foram aceitos pelos brasileiros, talvez mais cientes da realidade nacional do que os estrangeiros.

[3] Este trabalho entende a "fé voluntarista"como a fé baseada na responsabilidade do indivíduo pela sua própria salvação, na adoção do proselitismo pela congregação local como forma de conquista de certos "segmentos" do mercado religioso, e na autonomia de governo de cada congregação num formato democrático, onde o voto de cada membro conta nas decisões da congregação local (Parker, 1988).

[4] A exportação cafeeira transformou a economia brasileira de forma decisiva: "Os centros de decisão econômica são cada vez mais as cidades portuárias. Fabricantes de café, comerciantes, banqueiros, capitães de indústria, gerentes de companhias de seguro, agentes de importação, e burocratas se vêem lado a lado com artesãos, quitandeiros, hoteleiros, advogados, médicos e professores, nesse processo de formação das classes alta e média urbanas. Os seus empregados e escravos -- estivadores, domésticas, pedreiros, carregadores de água, costureiras, vendedores, contadores, e funcionários tornam a cena urbana ainda mais rica e variada." (Graham, 1987:135).

[5] Ao surto de novas idéias resultou em grande parte da emergência de um novo elemento na sociedade, os grupos de classe média urbanos, grandes o suficiente para influenciar o cenário nacional, mais abertos para as inovações experimentadas pelo Brasil de então, e fortes o suficiente para desafiar o poder tradicional da aristocracia rural. Junto aos comerciantes, agentes comerciais, exportadores, artesãos, funcionários públicos, advogados, padres, professôres, banqueiros, e oficiais do exército que compunham os grupos de classe média, se encontram a força assalariada urbana dos estivadores, mecânicos, operários, e lojistas. Em resumo, na segunda metade do século era possível se encontrar no Brasil um segmento médio da população, que apesar de não coeso B muitas vezes por se interrelacionar com a classe dos donos de terra - se tornou mais e mais vocal e influente.@ (Burns, 1980:240).

[6] "Entre os cargos políticos a serem preenchidas pelo patrimonialismo estavam os religiosos. Adotando o mesmo modêlo dos tempos coloniais, o governo propõe ao Vaticano poder nomear o arcebispo da Bahia e os outros oitos bispos da nação. Os padres paroquiais também seriam indicados pelo governo aos bispos e as promoções ou transferências dependiam de contatos políticos. Se a Igreja contava com a lealdade dos fiéis, a sua administração estava completamente emaranhada com a administração de outras instituições políticas. O estado coletava as ofertas e dízimos e repassava à Igreja os parcos salários dos clérigos. Muitos deles tentavam conseguir emprêgo como capelães em fazendas ou trabalhando para as irmandades ricas das cidades. Os padrinhos, públicos ou particulares, esperavam dos clérigos a mesma a deferência absoluta que recebiam de outros afilhados. Se em outros tempos os padres se involviam em rebeliões, da metade do século em diante eles só pregavam a ordem e a obediência às autoridades constituídas." (Graham, 1987:143).

[7] Essa crítica tem uma certa base empírica, mas deve ser entendida dentro do contexto histórico do Catolicismo brasileiro. Veja o comentário de Bello: "O Catolicismo da maioria das classes dominantes era igual ao do imperador: um deísmo sincero, apático e formal, onde sobrevivia mais o receio maior de ser taxado de defensor do Syllabus de Pio IX. Na vida familiar, a prática religiosa era poética e tradicional, em muito semelhante ao culto romano dos antepassados. A nível popular, o culto religioso é mesclado de forma vívida com o sincretismo Africano. Nesse contexto, é de se entender que a moral e a disciplina religiosa fossêm deploráveis. O comcubinato dos padres, especialmente nas áreas rurais, é aceito pelos fiéis. Alguns dos clérigos, especialmente os líderes políticos ou aqueles que têm contatos políticos importantes, nem se preocupam em esconder os filhos bastardos. Além disso, políticos leigos e clérigos fazem parte da Maçonaria apesar da condenação oficial dessa instituição pela Igreja Católica" (Bello, 1966:5).

[8] "Porque as suas raízes cresceram no solo da piedade católica numa nação nominalmente católica, o Protestantismo brasileiro constantemente sentia a necessidade de definir a sua natureza e missão em contraste à Igreja dominante. A marioria dos protestantes tinham um débito enorme com a Igreja Católicas pela formação religiosa que receberam; débito que eles se negavam a aceitar. Isso se deve à ruptura radical que era exigida quando da conversão do fiél à fé protestante, e à polêmica árdua da Igreja Católica contra as novas comunidades religiosas, e mensagem que lhe trouxe um novo senso de libertação e sentido de vida. Todos esses fatores contribuíam para que o novo convertido visse a Igreja dos seus antepassados em têrmos totalmente negativos" (Pierson, 1971:33).

[9] Burns nos ajuda a entender o volume migratório do período: "O último quartel do século XIX foi um período de intensa imigração européia, recebendo o país aproximadamente 40 por cento do volume total de seus imigrantes. Entre 1891 e 1900 a média anual chegou a 112,500... o total de imigrantes recebidos pelo Brasil entre 1820 e 1930 varia, mas um cálculo conservador seria de que o número fosse entre 4.5 e 5 milhões, dos quais 3.5 milhões fixaram residência permanentemente" (Burns, 1980:362). Esse influxo aumenta à proporção que o século chega ao fim. Enquanto o país recebeu só 2,072 imigrantes por volta de 1850, em 1888 o volume era de 133,253 (Burns, 1980:264).

[10] A Igreja Presbiteriana foi mais bem sucedida em atrair a nobreza do país (as famílias do Marquês do Paraná, Barão de Antonina - senador imperial - e dos Souza Barros, parentes da coroa portuguesa), e as lideranças política e militar (duas famílias de nome em São Luís do Maranhão, e as famílias do almirante Sebastião Caetano dos Santos, do tenente Cícero Barbosa - que se tornaria mais tarde um dos primeiros clérigos presbiterianos no Brasil, e do general Abreu e Lima, um dos maiores defensores do Protestantismo no Brasil). A burguesia urbana também estava bem representada. A Igreja contava com o engenheiro Miguel Vieira Ferreira, o poeta A. J. dos Santos Neves, o escritor Júlio César Ribeiro Vaughan, o médico Vital Brasil, e os industriais José Luís Fernandes Braga e Domingos Antônio da Silva Oliveira. Entre os primeiros clérigos a Igreja ordenou homens de negócio como os reverendos Trajano, Miguel Torres, e Vicente Themudo Lessa, alfaiates como Miranda e Silva, e até sapateiros como Batista de Lima e Silva. Ferreira e Leonard também mencionam a presença de outros advogados, médicos, professores universitários e mestres escolares (Ferreira, 1959, Leonard, 1963).

[11] "A organização dos Batistas do Sul não é hierárquica. Cada congregação e cada membro usufrui de um alto teor de liberdade na escolha de sua fé e prática... a cooperação voluntária entre as congregações é o fundamental para a denominação. Os Batistas tem razão quando insistem em dizer que eles não são uma 'igreja' e sim uma 'denominação'" (Spain, 1967:9-10).

[12] "Os Batistas do Sul... vêm da tradição de igrejas livres, cuja a ênfase sectária é a da democracia local como forma de governo e da separação do fiel do mundo pecaminoso. No modêlo eclesiástico batista a autoridade maior reside em cada congregação autônoma, que apoia os programas da denominação de forma voluntária. As congregações elegem os seus próprios clérigos e representantes para as convenções anuais, que controlam as agências da denominação. Os líderes da denominação, cientes dos limites à sua autoridade, trabalham na base do consenso e da cooperação. O trabalho é voltado para a promoção dos objetivos institucionais: sustentação dos orçamentos e do patrimônio, e a conversão e arrolamento de novos fiéis" (Eighmy, 1972:xi).

[13] "Os protestantes começaram o trabalho missionário no Brasil por estarem convencidos que o Catolicismo seria uma forma corruta de Cristianismo e que eles teriam para oferecer aos brasileiros a verdadeira forma de religião. Essa visão negativa do Catolicismo continou a existir no meio protestante até mesmo depois das missões se estabelecerem no país. Como os missionários não tinham condições de entender as diferenças culturais que os confrontavam, a maioria deles acreditava que o atraso visto na cultura brasileira seria culpa do Catolicismo do país, e eles culpavam a Igreja por tudo de errado ou pecaminoso que encontravam na sociedade local. Os apologistas protestantes argumentavam que a Igreja Católica teve mais de trezentos anos para criar uma cultura cristã no Brasil, e os resultados dessa tentativa foram a ignorância religiosa dos brasileiros e o atraso do país. Eles sugeriam que o Protestantismo era a alternativa certa para a salvação dos brasileiros e o progresso do Brasil." (Wedeman, 1977:151).

[14] Foreign Mission Journal 14:11 (May 1883):4.

[15] E. Y. Mullins, "Views of Brazil" The Foreign Mission Journal 47:2 (Jun 1896):60.

[16] Z. C. Taylor, "Signs of the Times in Brazil" The Foreign Mission Journal 47:2 (Jun 1896):63.

[17] Esse último fator é muito importante, porque outras missões protestantes preferiram se limitar a certas regiões do Brasil durante o século XIX. Os metodistas e congregacionais, por exemplo, se limitaram a trabalhar no centro-sul; os luteranos se concentrariam quase que completamente na região sul do Brasil (Léonard, 1963; Willems, 1940, 1972).