1. Normalmente, somos levados pensar a linguagem como um elemento basilar da racionalidade cartesiana – ela é, obviamente, imagem e ferramenta dessa nossa racionalidade: um jogo onde essa lógica de discurso se comprova e se desenvolve.
Logicamente, criamos esta coincidência entre linguagem e a racionalidade para a qual a usamos, porque lhes acoplamos inconsciente o sentido de verdade, tão próximo do de previsão/prova da matriz de pensamento cientifico, e do de teste/corroboração da matriz epistemológica - é esta a base lógica em que linguistica e culturalmente nos desenvolvemos ao longo dos últimos séculos.
Efectivamente, a linguagem é para isso que serve entre dois comunicadores no mundo ocidental: argumentação, demonstração, verificação, no quadro de raciocínio vigente, aceite e praticado por ambos. Mas, a linguagem já existia antes destas formulações de pensamento tipicamente cartesianas; ela não se encerra na matriz dos discursos científicos.
Tomando como base da nossa reflexão Manuel Maria Carrilho, a linguagem pode ser entendida mediante a lógica de um jogo em que quem nele participa está, de facto, enredado num quadro que lhe possibilita «jogar»; sem o conhecimento, a compreensão e o domínio das regras em causa, não se é, efectivamente, parceiro no jogo. Qualquer questão relativa ao jogo centra-se no campo da definição das regras, das lógicas, das racionalidades, que possibilitam ser-se «parceiro», entrar em jogo.
A linguagem, perspectivada pela metáfora do jogo, aparece como um tipo de actividade indissociável da vida de quem a usa, como um instrumento que se utiliza conforme regras determinadas e fins que se procuram atingir, como comportando sempre elementos extremamente diversos[2].
Aprofundando esta afirmação que Carrilho colhe em Wittgenstein, a linguagem encerra uma lógica de jogo que não se reduz simplesmente ao campo da racionalidade cartesiana: ela própria é um campo de racionalidade, um jogo autónomo capaz de criar as suas regras de cada momento, da cada jogada, de cada situação: a condição base é a sua percepção por todas as partes que queiram «ir a jogo».
Passível de ser jogada em qualquer patamar ou campo de racionalidade, a linguagem só existe num quadro de indivíduos em que ela apresente uma funcionalidade clara: a comunicação enquanto uma lógica que possibilita o discurso. Ela não é mais que o uso, com um fim, de um grupo de pré-definições perceptíveis a uma comunidade de falantes, de comunicantes, ou melhor, de crentes, se falamos em religião. As regras de verdade como as entendemos, relacionáveis com as de realidade não são necessariamente o ponto de chegada: são o nosso.
As pré-definições, a semântica assumida, o léxico aceite, são os elementos desta lógica, as regras do jogo da linguagem. Tal como num jogo, o pleno domínio das regras possibilita a participação nos esquemas de encontro entre participantes, nas situações, na comunicação.
2. Seguindo essencialmente Ricoeur, a linguagem, ou melhor, a possibilidade de linguagem, nasce e está baseada numa lógica de individualização que possibilita o conhecimento: à comunicão subjaz um acto, uma atitude, de cognição.
Diz Ricoeur, on n’individualise que si on a conceptualisé et individualisé en vue de décrire davantage[3]; isto é, a individualização, o processo de individualizar, implica uma operacionalidade explícita e direccionada para a função que é o seu fim. Só se consegue individualizar aquilo que é objecto de uma conceptualização e individualização realizada propositadamente para o fim da comunicação e para a sua perceptibilidade.
A possibilidade da individualização é, desta forma, uma constante conceptualização baseada num elemento efectivamente existente – o elemento que o comunicante pretende referir – e transformada num conjunto vocabular que sintetiza e transmite esse trabalho mental realizado sobre o dito objecto – a linguagem resulta, assim, de uma lógica, de uma racionalidade que a possibilita, que a encorpa.
Comunicar é, então, a validação de um sistema de regras, de códigos, que têm como estrutura basilar da sua funcionalidade a capacidade de individualizar os elementos a que o discurso faz apelo. Isto é, comunicar é tornar perceptíveis os objectos, de qualidades várias, expostos na mensagem, mediante uma elaboração mental prévia que só existe com esse fim.
Na linguagem e na comunicação, tal como na forma como usamos os nomes, servimo-nos de elementos já consignados e que são usados como "marcadores somáticos"[4]. Nada no uso desses nomes e expressões implica mais que um simples aceder automático, inconsciente, e sem recurso a qualquer acto cognitivo, à longa lista arquivada em campos vários da memória. Aqui, comunicar é fazer apelo a um processo de catalogação, indexação e armazenamento mediante o qual o nomeante apenas tem que aceder ao ficheiro da sua memória para buscar o nome certo para a personagem que pretende nomear.
A individualização é uma actividade cognitiva que usa como matéria prima um corpus já criado de categorias. As ferramentas do jogo estão exactamente no campo do cruzamento entre a inevitabilidade da atitude cognoscível e o seu resultado mediante o uso de categorias já previamente estabelecidas; isto é, que já pré-existiam ao processo de conhecimento: a linguagem está, assim, entre a pura cognição e o simples reconhecimento – ambos os processos estão profundamente estabelecidos dentro de uma lógica assente num esquema de comunicação.
3. A imagem que resulta desse tratamento mental e cognoscível, usada no discurso, não é mais que a efectivação de um meio para a comunicação, nunca a transmissão da própria realidade: tudo o que é perceptado e comunicado, na medida em que é resultante de uma cognição, é referente a uma realidade, mas nunca a realidade em si.
O que resulta deste processo é, sempre, um patamar de verdade. Habituámo-nos a identificar verdade com realidade, num esquema de racionalidade cartesiana, mas já vimos que não se esgotam aí as possibilidades da comunicação.
Para nós, hábeis utilizadores dos critérios de racionalidade científica (princípio da não contradição; princípio do terceiro excluído; etc.), a verdade é a verdade dos factos inquestionáveis pela observação directa ou instrumentada – para nós, S. Tomé tinha toda a razão: ver para crer.
No limite, uma ideia é sempre realidade para quem a representa. Naturalmente, para um «não crente», a nuance entre realidade e verdade assume um grande significado que deve ser encarado na exacta medida da relatividade de qualquer sistema religioso face aos restantes. Todo o discurso religioso é uma realidade de valor teológico, donde uma verdade nesse sistema de compreensão do mundo e de racionalidade, sem que para o compreender o investigador necessite de a entender enquanto verdade cartesiana. A nuance entre realidade e verdade toma aqui um peso tremendo: a realidade, construída pela cognição, é sempre realidade para quem a constrói ou a toma como tal, a verdade é que nem sempre implica os princípios da não contradição, etc.
Nesta relação, essencial neste ponto, entre realidade e verdade, pois de representações da suposta realidade estamos a tratar, ganha especial peso a forma como é exprimida, em termos de linguagem, a apreensão da realidade tomada.
Neste sentido, temos de tomar como perfeitamente aceite o facto de, no contexto cultural e mental em que cada fenómeno religioso se desenvolve e se afirma, se vivencia, toda a linguagem usada para efectivar a relação entre os cultuantes, os crentes, e o divino em que acreditam, corresponder à construção de um patamar de realidade, de verdade para os que nesse sistema de crença se integram. Toda a forma usada como comunicação num sistema de relação religiosa é uma realidade de valor teológico porque encerra em si uma lógica, uma racionalidade própria; não uma racionalidade cartesiana, mas uma racionalidade que se verifica no seu sistema de regras, de coerências.
Neste sentido, a linguagem é, essencialmente, um jogo onde se afirma uma normalidade que possibilita a comunicação e a argumentação dentro de uma lógica e de um conjunto de regras assumidas: a possibilidade da linguagem é a afirmação da normalização do pensamento. Em religião, o sentir, o viver, o ser religioso que é passível de ser codificado através da linguagem é, em si, um acto de normalização e de abertura ao outro: se a religião necessita de ser expressa em comunicação para outrém, então essa religião já não é a religião do simples indivíduo, mas do grupo que a assume num quadro discursivo específico. A verbalização para a compreensão é a assumpção de um quadro de referentes linguísticos que possibilita a comunicação: como veremos, a religião expressa em mecanismos de linguagem é, naturalmente, um processo de conhecimento e uma atitude teológica segundo um quadro societal específico.
O universo da religião tem de ser transportado para uma outra racionalidade, a teológica, não a científica; trata-se de outra, igualmente racional, detentora de regras, de funções e de um discurso próprio – os discursos religiosos comportam tudo isto: uma lógica própria, uma funcionalidade própria, um léxico específico.
Ora, e terminando, que racionalidade encontramos, enquanto quadro de verdade, de racionalidade supra-pessoal para os crentes, na linguagem religiosa? A linguagem no campo religioso tem uma racionalidade própria: trata-se de um jogo em que as regras são, efectivamente, as de uma linguagem expressa no campo teológico, nos ritos e na noção de integração, de pertença numa comunidade de indivíduos que «vão a jogo», ou melhor, «vão a ritos».
Agrupámos vários campos que culminam com a fulcral questão da identidade do colectivo e a formulação dos fundamentalismos religiosos. Começaremos por tratar as questões mais específicas da nomeação do divino, passando pela formulação teológica e pela dimensão ritualícia dessa relação, terminando então nas questões da identidade.
Vejamos, então, a lógica subjacente a este jogo específico que é a linguagem, mais propriamente quando dela falamos no campo religioso.
4. O quadro de nomeação dos deuses, das divindades de um determinado grupo humano, é um dos mais profundos campos de formulação de uma racionalidade religiosa: é a identificação dos deuses em causa num quadro de ritual ou de culto que possibilita ao crente perceber onde, de facto, está.
Mas mais que a aparentemente simples constatação do horizonte religioso em que o crente se encontra (tão simples quanto saber, noutra cidade, se entrou no seu templo ou se passou a porta errada), a essa chave que lhe possibilita a identificação estão associados um conjunto de significações que vão muito para além desse fenómeno. Os nomes e os epítetos, as invocações e as exclamações, são uma textualidade em que o participante integra uma vivenciação clara do próprio momento.
A excepcionalidade do momento de contacto com o texto sagrado é corroborada pelo facto de, até para a simples leitura e escrita desse mesmo texto, serem necessários profissionais dos textos – quem saiba ler. Os profissionais do culto eram, inevitavelmente, em todo o Mundo Antigo, especialistas da escrita – entenda-se, dominavam a leitura da escrita e a sua recitação.
Ora, através da linguagem, a explicitação e a categorização de todo o real implica, como já vimos, a representação desse mesmo real. Neste campo, parece-nos que podemos encontrar duas formas a que as Culturas Antigas recorreram para categorizar e representar o sagrado: a imagem e a palavra. Longe de elas serem meios distantes de representar, verificamos que até chegam a ser simbióticas: a imagem pode usar como que a mesma semântica estética da palavra escrita, criando ambas uma interdependência total.
A imagem é sempre discurso, e o discurso, passado para suporte não perecível, é quase sempre imagem[5]. A génese da própria escrita e a sua complexificação o denotam: os primeiros signos inventados seriam de timbre ideográfico -- pictogramas ideográficos --, e tinham um universo de significação que se restringia ao objecto representado[6].
Por exemplo, a escrita, com especial imagem na hieroglífica, tomada como pictografia - quer na sua forma ideográfica, quer na sua forma alfabética e silábica (mono, bi ou tri-silábica) - é simultaneamente todas as dimensões da escrita e da arte antigas: comunicativa, estética e simbólica.
Sem fazer directo apelo à herança de um passado, mais ou menos distante, todo o cuneiforme e o alfabético, cursivo ou não, comunga de uma dimensão simbólica próxima da apontada para o caso egípcio.
Duas constatações somos levados a realizar neste ponto da nossa argumentação: 1) por um lado, e fazendo corresponder à noção de ideograma e a toda a escrita dela resultante, uma forma primitiva de representação que não faz ainda apelo à forma fonética correspondente, verificamos que a leitura de um texto se realiza essencialmente como se de uma imagem se tratasse: não se lê um código, identifica-se uma chave; 2) por outro lado, não podemos tomar como absoluta uma ruptura cultural entre o oral e o escrito, podendo textos escritos manter a sua "oralidade", definidora da sua natureza e da forma como, na prática, foi transmitido o seu conteúdo: no caso dos textos rituais antigos, e apesar da sua passagem a escrito, a "oralidade" ritual continuou a ser a forma quase exclusiva de comunicação centrada nesses textos – a leitura individual dos principais textos sagrados e mitológicos quase não devia existir.
Assim, e contrariamente ao que Paul Ricoeur entende, para nós, todo o discurso, escrito ou oral, é um "evento linguístico". Segundo este autor, a escrita é a manifestação de algo que está num estado virtual [… é] a separação da significação relativamente ao evento[7]. Ora, no que diz respeito aos textos rituais antigos não podemos, de facto, concordar, não sendo viável separar a significação do evento; mais, como aqui defendemos, a própria leitura é um evento.
Para nós tal não é possível pela constante relação que afirmamos existir entre a leitura do texto e a sua vivenciação, contínuo "evento linguístico", suportado pela argumentação que antes apresentámos no sentido da não distinção radical entre oralidade e escrita no que diz respeito aos textos rituais antigos[8].
A plena articulação com a oralidade, ou melhor, a verdadeira e real dimensão de oralidade contida nestes textos, é a marca da sua continuada utilização para o mesmo fim, antes e depois de passado a escrito. No limite, para os textos épicos e míticos do Próximo Oriente Antigo, a sua passagem a escrito em quase nada deve ter modificado a sua vivenciação, tendo catalizado, isso sim, a identificação social do grupo (como veremos mais à frente).
Perfeita chave da compreensão da proximidade, nestes textos, entre o escrito e o oral, sendo que o oral é a leitura ritual do escrito, é, por exemplo, a comum designação que em hebraico têm os vocábulos "recitar" e "berrar"[9]. De facto, para estas duas actividades o hebraico apenas encontra um vocábulo que, reunindo numa mesma palavra os dois significados, apresenta a sua proximidade ou, até, coincidência. Recitar é, por natureza, um acto de violência acústica só justificado pela numerosa assistência no evento. Isto é, recitar um texto é do âmbito de uma actividade pontual, realizada por especialistas e para uma larga faixa da população.
5. Partindo do princípio de que os textos sagrados são vividos, essencialmente, num quadro da colectividade, somos levados, obrigatoriamente, à definição de rito.
No que diz respeito a uma definição de «rito», Durkheim considerou que "o rito é um modo de acção que só pode ser definido pelo seu objecto"; isto é, que teria de ser definida primeiro a crença, para se poder obter, então, a noção de rito em causa. Ora, seguimos Hatzfeld que não concorda com esta definição de Durkheim, afirmando que muito provavelmente a Humanidade começou por se exprimir religiosamente através da prática ritual, só depois veio a palavra. Hatzfeld considera que a argumentação tradicional, ao tentar explicar primeiro a crença do que o rito, como fez Durkheim, está a encurtar a distância que separa a "actividade simbólica" da "actividade lógica" do homem[10].
O poder do ritual está na força existente no seu conteúdo e na eficácia da sua comunicação. A informação acerca do que compõe o ritual e, a interiorização dessa informação, vai ser o motor de transmissão e de envolvimento do grupo nos símbolos do ritual. Os elementos simbólicos estão incluídos e dispostos nos textos simbolicamente importantes de acordo com a especificidade social e cultural de que fazem parte[11].
Seja a nível do profano ou do religioso, a linguagem usada complementa e alarga o significado do gesto ritual, trazendo-lhe consistência e força através de uma lógica, de uma racionalidade diferente.
Por outro lado, Bateson, ao pôr em contraste a realização litúrgica (ritualícia) e a prática quotidiana, salienta que "toda a afirmação feita numa codificação dada, é uma corroboração dessa codificação e é num determinado grau metacomunicativa". Isto é, apesar da linguagem convencionada ser tomada como modelo na ordem do dia a dia, o conceito do código ritual, vai para além da linguagem, não se esgotando aí, mas sim na totalidade do jogo e da racionalidade montada no binómio rito/linguagem: o discurso e a prática religiosas enquadram uma lógica e uma racionalidade que é suportada a nível comunicativo pela linguagem num quadro de estética e de ética própria[12].
Na perspectiva de Hatzfeld, os ritos não são feitos para que a eles se assista, mas para que neles se tome parte[13]. Quer dizer, só se compreende um determinado ritual participando nele; a simples observação de gestos e movimentos rituais numa lógica científica não permite aceder, de facto, à essência do ritual e da religião: tratam-se de duas lógicas diferentes, mesmo que em igual suporte (a linguagem).
Quando um ritual é realizado e dirigido a uma assembleia, as mensagens rituais só poderão ser assimiladas pelo grupo se houver uma "doutrinação" sobre a matéria que está codificada, uma identificação automatizada, ou seja, a capacidade do ritual para atingir o seu objectivo junto daqueles a quem se dirige, a força de mobilização que é ou não capaz de transmitir, está essencialmente na competência da transmissão dessa mensagem e na preparação dos receptores para a entender.
A relação entre o indivíduo e o rito é a da participação, não a do espectador, e muito menos a do investigador.
6. Somos, assim, conduzidos para a noção de parole en acte que nos parece importante no sentido em que transforma a leitura, a declamação e a escuta de textos rituais num momento activo por parte dos presentes em relação ao próprio texto[14]. O ouvinte de uma declamação ritual é muito mais que ouvinte, é um participante num como-que-ritual que é o próprio acto de recitação do texto sagrado por um profissional / especialista na leitura e declamação, num local e momento próprios.
A questão toma ainda uma vertente importante quando supomos que parte das nomeações ou, generalizando, parte do próprio discurso ritual, poderia já não corresponder à linguagem corrente. Ora, neste momento, quem declama ou lê um texto canonizado encontra-se dentro de um sistema valorativo que é a própria linguagem utilizada: trata-se de uma langue des dieux[15]. Um texto afirma-se como um momento de encontro, de relação, com o divino cultuado: a dimensão de conhecimento em causa não é a científica, mas sim a teológica.
Do quadro anterior, advém que existe uma formulação teológica complementar à ritualidade que lhe dá sentido numa dimensão cognitiva específica, pertencente a uma lógica não cartesiana.
No sentido já amplamente tratado por autores como Paul Ricoeur, e já aqui apresentado, ler ou recitar uma qualquer obra é tomar contacto com ela e, na medida em que de um processo de linguagem se trata, é efectivamente uma desmontagem / montagem cognitiva do ser que é alvo da comunicação que se realiza nesse momento[16].
Aqui, linguagem implica montagens e processos específicos que permitem a percepção do que é individualizável, transponível para categorias mentais. Usa-se um quadro de linguagem que é comum a uma comunidade de indivíduos, neste caso, a uma comunidade de crentes.
Como vimos antes, só se consegue individualizar aquilo que é objecto de uma conceptualização realizada propositadamente para o fim da comunicação e para a sua perceptibilidade.
Ora, a possibilidade da individualização, em que se baseia a relação de comunicação com os Textos Sagrados, é uma constante conceptualização que, transformada num conjunto vocabular, sintetiza e transmite esse trabalho mental realizado sobre o dito texto.
Quebrando todas as nossas regras de racionalidade, verificamos que, dentro de um texto perfeitamente "lido" nas suas formas fonéticas maioritárias, algumas das suas partes podem incorporar uma dimensão a ele exterior, funcionando como «pictogramas» não fonéticos - a já referida existência de textos, partes de textos, ou, mais frequentemente, nomes de deuses (como o caso de YHWH), não lidos, não pronunciáveis ou não compreensíveis (redigidos numa língua antiga já não falada e pouco, ou nada, compreendida pelas populações em causa, como o caso do latim nas celebrações eucarísticas católicas ainda no século XX).
Nesta argumentação podemos fazer apelo ao conceito de literacy usado por John Sawyer para tratar questões relativas ao conhecimento que as populações antigas teriam dos textos rituais e das epopeias que ouviriam[17], aplicando-o ao nível de entendimento que os diversos patamares da população teria dos textos – não nos surpreende a ideia de que para um mesmo texto estratos culturais vários da mesma população urbana realizassem leituras em profundidade diversa, como que acedendo, no mesmo acto de audição, a textos diversos.
Neste ponto, a nossa posição incide no valor intrínseco do texto em si. Os textos consignados pelo tempo e pela cultura são património quase genético de todos os cultuantes. Participar nesse texto é participar no ritual, na sua declamação, na sua audição, na recriação cíclica do texto. Mais que perante um texto, com conteúdos, estamos perante forma, estamos perante uma langue des dieux que vale enquanto tal, pela sua natureza[18], pela comunicação e cognição que automaticamente se estabelece entre a comunidade de crentes, enquanto entidade orgânica e enquanto entidade constituída pelos seus indivíduos, e o divino que cultuam.
Talvez possamos falar de identidade narrativa[19], mais que de qualquer outra identidade individual, ou mesmo colectiva. De facto, o participante de um rito, enquanto não oficiante, apenas tem como parcela da sua responsabilidade o facto de estar. Mais, mesmo o quadro de oficiantes apenas cumpre aquilo que está estabelecido. Isto é, declamam os textos que estão consignados e a sua única responsabilidade está exactamente nisso: declamar e recitar os textos tal como estão estabelecidos – o rito a isso obriga sob possibilidade de queda de mácula ao todo orgânico da comunidade: l’individu responsable de la collectivité[20].
Mais, o que aqui procuramos argumentar é que, todos os textos antigos obedecem, na sua vivenciação individual ou colectiva, a ritualizações. Isto é, o próprio processo que levou à canonização de um texto confere-lhe uma valoração de respeito que implica a ritualização dos momentos em que se toma contacto com ele – para os historiadores e antropólogos da escola antropológica inglesa o mito reproduz, sem qualquer dúvida, no plano linguístico, os procedimentos rituais do culto[21].
No limite desta interpretação, exceptuando talvez parte dos textos epigráficos, alguns papiros de natureza diversa e os documentos económico-legais, todos os textos antigos que nos chegaram são textos rituais. E são rituais pela simples razão de que são canónicos, consignados e inalteráveis pela mão humana, com tudo o que isso, por si só, implica.
7. No fim do nosso percurso, desaguámos numa fortíssima noção de pertença que pensamos enraizada na ritualidade criada com base num conjunto de Textos Sagrados. Esta relação simbiótica é o centro da identificação de uma comunidade de crentes.
Várias modalidades de identidade encontramos neste quadro assim montado: a linguística, a social e hierarquica, e a cultural.
A questão da identidade é, essencialmente, linguística; não porque é pela língua que se transmitem os conteúdos culturais e de identificação, mas porque, à partida, é a possibilidade de integração numa comunidade de falantes que se compreendem que possibilita essa chave, essa não-solidão, esse não-abandono.
A linguagem está no campo daquilo que não se aprende, daquilo que é inato aos elementos de uma comunidade: quando se aprende a falar a língua materna aprende-se, mais que isso, a pensar segundo uma lógica linguística.
A centralidade da língua no quadro das identidades de um grupo religioso aflora em alguns fenómenos que passamos a enumerar.
Sumariamente, iremos equacionar, de forma interdependente, três níveis em que a identidade religiosa e cultural de uma comunidade assenta, em grande parte, no suporte linguístico da mensagem religiosa: a) a relação simbiótica entre o aparecimento de um Texto Sagrado, canonizado numa certa língua, e a centralidade de culto num santuário muito específico; b) a centralidade de culto como uma ratificação e consignação da hierarquia social na qual ela se espelha e na qual tem pleno significado, correspondendo este fenómeno a uma codificação só possível porque tem a ferramenta que a torna possível (uma língua evolutivamente estabilizada e perceptível por toda a comunidade); c) e porque consigna e congela as duas anteriores, a linguagem estabelecida nos Textos Sagrados e no culto é a base da matriz cultural da comunidade de crentes.
A questão prévia de que partimos assenta numa ideia: para uma qualquer população um Texto Sagrado é, por natureza, inalterável. Tratam-se de contentores de verdade divina comuns ao todo social, qualquer que fosse o grau de compreensão que cada grupo social e cultural mantivesse com os textos.
A construção de textos canónicos implica, para além de uma profunda identificação e relação entre comunidade de crentes que os utiliza e os tem como seus, a própria caracterização do divino que eles transmitem, de uma autoridade estabelecida e aceite.
A afirmação de um texto enquanto canónico implica a sua tomada enquanto modelo para diversos campos da visão que o Homem tem de si, nomeadamente da organização social que retrata. O processo de canonização de um texto é directamente proporcional à canonização da estrutura social nele contida –quem é imagem de quem? Talvez não haja imagem dependente, mas sim enfoques, interdependências.
Para inúmeros autores, começando por Bronislaw Malinowski nos anos vinte do século XX, a principal função dos textos míticos, que aqui podemos fazer corresponder em larga parte ao que entendemos por textos canónicos, é social. Esta função social ganha especial peso na análise antropológica e sociológica das sociedades nos anos trinta do mesmo século, com a sistematização das leituras estruturalistas da mitologia, em que os mitos são encarados, numa visão bastante valorizadora do seu papel no estudo das sociedades antigas, cada vez menos num esquema de «narrativas fabulosas», mas como essenciais super-estruturas das sociedades que os criaram e mantiveram[22].
Desta forma, e aprofundando o sentido de identificação social, tudo o que antes foi aventado só pode ter efectiva existência dentro de um quadro em que se inscreva uma realidade que faça a gestão da(s) lista(s) de textos e dos seus conteúdos. No fundo, que esteja estabelecida uma entidade centralizadora do culto e da relação com o divino em causa – isto é, além do próprio texto confluir para a identificação cultural e social, a sua existência implica ainda instituições fortes que concorrem, também elas, para essa mesma unidade.
No limite, a assunção hegemónica de um texto implica a existência de um centro que o afirme, tal como qualquer centro necessita de textos que o legitimem e o reforcem. Estamos, assim, perante uma simbiose texto / culto, ou texto / santuário.
É ainda necessário ter em conta que canonizar um texto, literalmente, torná-lo sagrado, é efectivar uma dimensão de inalterabilidade que lhe confere um superior grau de eficácia – um texto com uma larga carga valorativa não é passível de ser alterado, pelo menos no quadro de um tempo curto. A noção de formulae, aliada à funcionalidade ritual e cénica da declamação e da representação, tem nestes textos um peso muito grande, quer na dimensão funcional e de relação com o divino em que o texto não pode ser desrespeitado porque desrespeitaria o divino e anularia a funcionalidade pretendida, quer na dimensão prática de fórmula rítmica que possibilita a memorização e a declamação. Como vimos antes, um Texto Sagrado, qualquer que ele seja, mesmo num quadro politeísta, faz apelo a um patamar de criação de realidade, de concretização material da relação com o deus, de eficácia de troca, de milagre –quer estejamos a falar de maldições que pretendem a destruição, de orações propiciatórias, ou de preces e suplicas, ou mesmo de trechos corânicos ou bíblicos usados em rituais e culto. A eficácia da concretização está dependente, mais que do conteúdo dos textos em causa, do momento em que ele é lido ou recitado (no quadro de um rito, de uma liturgia), de quem o leu ou declamou (alguém marcado, ungido, para tal função sagrada de participar activamente na liturgia), e pelo respeito em manter a sua forma fonética inalterável.
Assim, canonizar um texto é concorrer para o fortalecimento de processos de identificação cultural e linguística da comunidade em causa, na medida em que essa canonização implica uniformização de textos e, acima de tudo, congelamento e sistematização da língua –para a dispersão de comunidades e de formas de culto e de piedade e, acima de tudo, arco cronológico em causa, pode-se dizer que o hebraico e o árabe em muito pouco viram alteradas as suas estruturas desde o momento em que nessas línguas foram redigidos os fundamentais textos sagrados da bacia do Mediterrâneo.
De facto, na caracterização de um Texto Sagrado, que é a base da formulação de uma religião, o fundamental aspecto que interessa focar é o da dimensão de inalterabilidade que o enforma; isto é, enquanto sagrados, os textos não podem ser alterados.
Para os crentes, e num sentido estrito, o Livro é, quase sempre, o resultado de uma revelação/comunicação divina feita pela pessoa do próprio Deus a um homem/profeta escolhido, seja ele Moisés, Maomé, outro profeta bíblico qualquer, ou um dos evangelistas. O texto em causa é, na mais directa acepção, a «palavra de Deus», portanto, inalterável, imutável, perfeita. É assente nesta relação em que cada uma das partes depende das restantes que tudo se forma: corpo de crença, teologia, instituições e identidade da comunidade de crentes. O profeta em causa surge como a cabeça do movimento religioso nascente, criando um triângulo fundante e estruturante entre: o Deus, o profeta eleito, o Texto Sagrado.
Para um não crente, ou para um crente que tome como válida a critica literária e histórica, os Textos Sagrados são fruto de redacção humana. Nesta perspectiva, o enfoque que se torna necessário tratar é o da verificação da forma como um texto surge como sacralizado, podendo em volta dele constituir-se uma total definição de Deus e a correspondente comunidade de crentes.
Como já aqui referido, a questão toma uma vertente ainda mais acentuada quando verificamos que muitos dos Textos Sagrados declamados pelo mundo foram redigidos em línguas que os cultuantes já não dominam, que já não corresponde à linguagem corrente[23]. Ora, neste momento, quem declama ou lê um texto canonizado encontra-se dentro de um sistema valorativo que é a própria linguagem utilizada: trata-se de uma langue des dieux[24], um "continente" de valoração e de identidade.
Logo, a construção de textos inalteráveis implica, para além de uma profunda identificação e relação entre comunidade de crentes que os utiliza e os tem como seus, a própria caracterização do divino que eles transmitem, de uma autoridade estabelecida e aceite.
A nível social, canonizar um texto é concorrer para o fortalecimento de processos de identificação cultural e linguística da comunidade em causa, na medida em que essa canonização implica uniformização de textos e, acima de tudo, congelamento e sistematização da língua. Não podendo ser alterado o texto, é a própria língua usada na transmissão da mensagem divina que é também canonizada; deste facto decorre que as línguas usadas para grafar os Textos Sagrados foram muito pouco alteradas desde esse momento –tal se passa quer com o árabe, quer com o hebraico.
Aprofundando o sentido de identificação social, tudo o que antes foi aventado só pode ter efectiva existência dentro de um quadro em que se inscreva uma realidade que faça a gestão da(s) lista(s) de textos e dos seus conteúdos -no caso do cristianismo o Vaticano e o papado, no caso do judaísmo antigo, a centralidade do Templo de Jerusalém. No fundo, que esteja estabelecida uma entidade centralizadora do culto e da relação com o divino em causa –isto é, além do próprio texto confluir para a identificação cultural e social, a sua existência implica ainda instituições fortes que concorrem, também elas, para essa mesma unidade social e política.
Um texto torna-se o modelo e a base de uma doutrina, exactamente como uma cidade santa se afirma com o monopólio de um conjunto de ritos e de sacrifícios. Seja ela Jerusalém, Roma ou Meca e Medina, o seu campo simbólico apenas existe aliado aos textos que lhe dão corpo e significado.
Mais, criando a quase totalidade das componentes da formulação do divino, o monoteísmo quase não deixa lugar para algo que fuja ao conjunto lugar sagrado, Texto Sagrado, clero centralizador do culto e da leitura dos Textos Sagrados. Desta forma, a normalização já não é apenas a dos textos, nem a dos ritos, é a das próprias experiências que passam a estar totalmente dependentes deste espartilho totalmente aglutinador.
8. A fuga a esta norma, seja ela em termos de ritual, de respeito da hierarquia, ou de leitura teológica, passará a ser rotulada de heresia; isto é, os discursos que fogem à norma estabelecida pela entidade acreditadora, a única, capaz de aferir questões de fé…
Ora, a linguagem é, desta forma, o veículo e o próprio motor da crença: é nela que ela se formula, é nela que ela se transmite e se vivência.
Central na formulação do pensamento, das categorias mentais, a linguagem é indissociável na formulação da identidade colectiva; estejamos a falar da identidade religiosa, cultural, social, ou até linguística.
De facto, o fundamental catalisador da identidade religiosa reside na capacidade de a linguagem colocar em comum um conjunto de regras, de lógicas racionais que pressupõem uma forma de pensar o mundo, uma atitude.
Neste sentido, a qualificação de um facto religioso, de uma mitologia, de um Texto Sagrado, apenas deve concorrer para o estabelecimento de uma perspectiva. A oposição entre leitura literal, factológica, e figurativa encerra grande parte dos conflitos entre uma religião e as outras esferas de pensamento (religioso ou não). A tomada da literalidade dos Textos Sagrados, por oposição ao seu sentido figurativo –como, por exemplo, o catolicismo viu até há bem pouco tempo os relatos bíblicos sobre a origem do mundo e das espécies- reduz abissalmente a problematicidade dos fenómenos em causa e faz perder a sua grande mais valia retórica[25].
É o perigo de tomar os Textos Sagrados pela literalidade de uma lógica de verdade ou de prova: os fundamentos deixam de residir num quadro de mensagem, de identidade de uma comunidade de crentes, para passarem a se encontrar no campo da comprovação policiada da inquirição. A liberdade retórica desaparece e afunda-se na suposta veracidade dos factos que reside numa lógica de pensamento, numa linguagem que não é a sua.
A lógica, a racionalidade fica encerrada. Não se sabe quem «vai a jogo».
[1] Membro da Direcção da Licenciatura em Ciência das Religiões da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (Segunda metade do ano lectivo de 2001/2002); docente na Licenciatura em História da mesma universidade; Investigador do Centro de Estudos em Ciência das Religiões da Universidade Lusófona e Investigador Associado do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa.
[2] Manuel Maria Carrilho – Itinerários de Racionalidade. Porto: Asa, 1994, p. 123.
[3] Paul Ricoeur - Soi-Même Comme un Autre. Paris: Éditions du Seuil, 1990, p. 40.
[4] Fazemos aqui apelo ao conceito desenvolvido por António Damásio no seu livro O Erro de Descartes (Lisboa: Publicações Europa-América, 1995, pp. 178 – 211.). Na análise que o neuro-cirurgião realiza, a sua tese é a de existirem reacções, aparentemente cognições, que não são mais que o resultado de rotinas de resposta comum a impulsos relativamente próximos que, efectivamente, são puramente definidas por hábitos e esquemas de resposta pré-determinadas.
[5] Tomamos como nossa a afirmação de Drioton: tout dessin contient en germe une écriture; Apud. Jean-Jacques Glassner - Op. cit., p. 112.
[6] Cf. Jean-Jacques Glassner - Op. cit., p. 11 - 12.
[7] Paul Ricoeur – Op. cit., p. 37.
Não concordamos com a universalidade de aplicação da visão de que o discurso, quando passado a escrito, é confiado à littera e não à vox, sendo que aqui a distinção aplicada a estes dois vocábulos por Paul Ricoeur reside essencialmente no fim da aplicabilidade de "evento linguístico" ao discurso escrito.
[8] Para além das razões acabadas de apontar, os textos mitológicos e épicos antigos revelam características de oralidade no que diz respeito à existência de formulae, de artifícios que facilitam a recitação, e do próprio ritmo e estrutura de versificação. Ver, entre outros, Frank Moore Cross - From Epic to Canon: History and Literature in Ancient Israel. Baltimore. London: The Johns Hopkins University Press, 1998, p. 24.
[9] O vocábulo em questão é «qr’» () e a significação completa apontada é: ler, recitar clamar, convocar, chamar, invocar. Cf. Rifka Berezin – Dicionário: Hebraico – Português. São Paulo: EDUSP, 1995, p. 581.
O conjunto de significados apontados para este vocábulo seria, com uma evidência para nós formidável, passível de uma longa análise que, decerto, concorreria bastante para a argumentação que expomos.
Esta evidência ganha ainda mais força quando verificamos que expressões como "erudito na leitura da Bíblia" se fazem exactamente com este mesmo vocábulo (cf. Idem, p. 582.). Tal sucede ainda no caso da expressão "Versículo bíblico" (cf. Idem, p. 582.).
[10] Henri Hatzfeld - As Raízes da Religião, Lisboa: Instituto Piaget, 1997, pp.111-114.
[11] Michael Lambek - A Reader in the Anthropology of Religion, Oxford: Blackwell Publishers, 2002, p.448.
[12] Ver, aprofundando esta questão, Gregory Bateson – Une unité sacrée: quelques pas vers une écologie de l’esprit, Paris: Éd. du Seuil, 1996.
[13] Henri Hatzfeld - op. cit., p.115.
[14] Ver Marcel Detienne, Gilbert Harmonic, dir. - Op. cit., p. 99.
[15] Ver Idem, ibiden., p. 23; John F. A. Sawyer - Sacred Languages and Sacred Texts. London: Routledge, 1999, pp. 23 – 43.
[16] Paul Ricoeur - Soi-Même Comme un Autre. Paris: Éditions du Seuil, 1990, p. 39.
[17] Ver John F. A. Sawyer - Sacred Languages and Sacred Texts. London. New York: Routledge, 1999, pp. 44 – 58.
[18] Ver Marcel Detienne, Gilbert Harmonic, dir. - La Déesse Parole: Quatre Figures de la Langue des Dieux. Paris: Flammarion, 1995, p. 15 – 17.
[19] Conceito introduzido por Paul Ricoeur - Temps et Récit. Vol. III. Paris: Éditions du Seuil. 1885, p. 339; e retomado em Soi-Même Comme un Autre. Paris: Éd. du Seuil, 1990, p. 137, num sentido que nos é bastante agradável para a nossa argumentação, pois articula-o com o de identidade pessoal (Idem, pp. 140 – 166).
[20] Ver, entre outros, Danielle Porte - Le Prête à Rome: Les Donneurs de Sacré. Paris: Payot, 1995, pp. 29 – 31.
[21] Cf. Victor Jabouille - Iniciação à Ciência dos Mitos. Lisboa: Ed. Inquérito, 1986, pp. 83 – 84.
[22] Sobre esta questão ver, por exemplo, Peter Burke - History and Social Theory. Cambridge: Polity Press, 1998, p. 101, e Victor Jabouille - Do Mythos ao Mito. Lisboa: Ed. Cosmos, 1993, p. 14, ou, do mesmo autor, Victor Jabouille - Iniciação à Ciência dos Mitos. Lisboa: Ed. Inquérito, 1986, pp. 102 – 109. Essencial, numa das próprias fontes definidoras do conceito, Roger Callois - Le Mythe et l’Homme. Paris: Gallimard, 1994, pp. 18 – 19.
[23] Pensemos, por exemplo, no caso do Islão em que o árabe é a língua da oração, mesmo no Afeganistão. Pensemos ainda no caso do catolicismo em que ainda no século XX a missa era rezada em latim.
[24] Ver Marcel Detienne, Gilbert Harmonic, dir. - La Déesse Parole: Quatre Figures de la Langue des Dieux, Paris: Flammarion, 1995, p. 23; John F. A. Sawyer - Sacred Languages and Sacred Texts. London: Routledge, 1999, pp. 23 – 43.
[25] Ver Manuel Maria Carrilho – op. cit., p. 100.