O artigo explora o pressuposto de que a filosofia do chamado "segundo Wittgenstein" apresenta argumentos que são relevantes para o debate sobre a influência de aspectos sociais e lingüísticos na experiência mística. Para argumentar filosoficamente por uma ênfase em critérios externos na produção e posterior interpretação da experiência mística, esse artigo inicialmente buscará inicialmente descrever as principais teses sobre contextualismo e mística, para depois discutir a relação da linguagem com a realidade e a necessidade de critérios externos em Wittgenstein. Após uma revisão das conseqüências dos argumentos propostos para os estudos da mística na fenomenologia e nas neurociências, nas reflexões finais será defendido um papel crítico que o estudo da mística pode ter e uma problematização dos modelos mais gerais no caso das religiões brasileiras
The article argues that the philosophy of the “second Wittgenstein” offers significant insights for the study of the influence of social and linguistic aspects on mystical experiences. By emphasizing external criteria in the preparation and subsequent interpretation of the mystical experience, this article starts with an overview over the main theories about contextualism and mysticism. The author proceeds in discussing the relation between language and reality as well as the consequences of these arguments for the study of mysticism both from a standpoint of phenomenology of religion and within neurosciences. The final part points out the impact of the forgoing reflections on a study of mysticism particularly interested in Brazilian religions.
William James, nas suas influentes conferências Gifford sobre religião, no início do século XX, estabeleceu duas marcas fundamentais dos estados místicos. A primeira coloca a inefabilidade como uma característica das experiências místicas. Qualquer descrição, especialmente racional, seria inadequada na transmissão do conteúdo da experiência mística, que se assemelharia mais a estados de sentimento do que de intelecto. Uma segunda marca seria o que James chamou de qualidade noética. Aqueles que experimentam estados místicos detém “estados de conhecimento, estados de visão interior dirigida a profundezas de verdade não sondadas pelo intelecto discursivo”[1]. Outras duas características encontradas nas experiências místicas seriam a transitoriedade temporal e a passividade, ou seja, um adormecimento da vontade que estaria guiada por um poder superior. Cerca de um século depois o estudo da mística continua partindo de muitas das características identificadas por James, a partir de uma experiência religiosa profunda e singular[2], mesmo se os próprios escritos de James possam ser estudados como um misticismo fruto do ambiente intelectual da época[3]. Seguindo esse uso tradicional, o termo mística tem indicado estados de consciência incomuns, provocados por fortes experiências religiosas. Sob o nome de mística tenta-se abordar uma gama bastante variada de disciplinas e objetivos descritos em diferentes tradições religiosas.
Se o conceito de mística se alterou muito pouco, os métodos para seu estudo e o seu significado nas sociedades contemporâneas são frutos de diversos debates, muitas vezes dispersos em disciplinas diferentes. Um dos exemplos dessa transformação de método está relacionada à possibilidade de uma unidade das religiões a partir da mística e a sustentabilidade de um inefável, algo que vem sendo discutido a partir de um viés filosófico. Desde o início do estudo científico e filosófico das religiões tem-se perguntado até que ponto é possível uma unidade do corpo de conhecimentos religiosos da humanidade, algo que tem sido freqüentemente associado à interpretação da linguagem e da sua relação com a experiência religiosa.
Uma primeira posição é o tratamento tradicional da mística como sabedoria perene. Nesses estudos é defendida uma unidade da experiência mística e supõe-se que existam diferenças regionais e culturais associadas à expressão. Seguindo as afirmações dos místicos, nesses trabalhos a linguagem é vista como insuficiente para representar a mística. Entre os nomes importantes que representam essa posição, com maior ou menor concordância, podem ser citados William James, Aldous Huxley, Rudolf Otto, Mircea Eliade, Gershom Scholem e Joseph Campbell.
Essa posição tem sido duramente criticada desde os anos 70. Na filosofia da mística comparada, um dos representantes mais importantes dessa crítica é Steven Katz[4]. Colocando a mediação como pressuposto epistemológico para qualquer experiência, a ênfase metodológica recai na importância do contexto na experiência mística e não em um caráter inexprimível. Como a base do raciocínio de Katz é a afirmação de que quaisquer experiências são mediadas, não existe algo que possa ser chamado de uma experiência mística universal, devendo cada estudo da mística estar associado a um estudo de uma época e uma tradição espiritual específica. Nesses estudos está subentendida a afirmação de que toda mediação é lingüística, ou pelo menos toda mediação que se pode estudar. A linguagem representa totalmente a mística, já que em seu tratamento da experiência não existe espaço para o inexprimível. Ainda que a exclusão de uma esfera pré-lingüística pareça ser uma das maiores restrições dessa abordagem, a ênfase na necessidade de um maior contextualismo e critérios externos no estudo da mística parece algo necessário. Nesse artigo esse aspecto será especialmente abordado a partir de uma caracterização da linguagem mística e na crítica de abordagens com base no inefável, desenvolvidas principalmente a partir de textos místicos de tradições monoteístas.
Uma das formas mais comuns na qual se encontra o tema do inefável está associada à transcendência radical de Deus, sendo particularmente freqüente na mística cristã. A noção de transcendência radical aparece muitas vezes como incapacidade da linguagem de descrever a realidade espiritual da experiência e presença de Deus, ressaltando assim os limites da linguagem. A realidade espiritual só poderia ser acessível através da vivência espiritual, já que a transcendência radical e a experiência não consistiriam em palavras. Nessas tradições em que a transcendência é valorizada torna-se um tabu epistemológico a possibilidade de descrição, em um entrelaçamento entre o ético e o epistemológico que resulta no inefável religioso. Nessa concepção não somente é proibido limitar o religioso com a linguagem, mas também não é possível fazê-lo[5].
Essa visão da linguagem não tem permanecido somente dentro dos escritos místicos, mas também nas suas análises a partir dos estudos de religião, principalmente até os anos 80 do século XX. Além de Willliam James, um dos casos mais representativos é o "totalmente outro" apresentado pela categoria do numinoso em Otto, que teria diferentes representações em diferentes formas culturais. Apesar de duramente criticada em países como a Alemanha[6], essa visão continua sendo influente nos estudos de religiões, principalmente a partir da linha fenomenológica proposta por nomes como Mircea Eliade. No campo da mitologia, mas desenvolvendo suas propostas a partir de um referencial junguiano, um nome popular dessa corrente que defende um absolutamente incognoscível é Joseph Campbell[7].
Essa visão dos limites da linguagem e a postulação de um inexprimível se sustentam em uma abordagem da linguagem baseada na descrição, o que não é possível sustentar dados os resultados da filosofia da linguagem. Já no início das Investigações Filosóficas, Wittgenstein descreve e crítica o que será chamado de visão agostiniana da linguagem. Essa concepção da linguagem não é uma teoria da linguagem, mesmo porque o trecho citado por Wittgenstein pertence às Confissões, a autobiografia religiosa de Santo Agostinho, sendo mais um modo comum de se ver a linguagem, um paradigma anterior à formulação teórica[8]. Para Wittgenstein é exatamente por isso que esse conceito de linguagem estaria na base de inúmeras teorias filosóficas e seria a causa de tantos erros: seria uma figuração pré-reflexiva de linguagem que não havia sido questionada – a necessidade de uma correspondência entre a linguagem e realidade e a pergunta da referência de elementos utilizados na linguagem.
Para a crítica da visão agostiniana da linguagem, Wittgenstein apresenta o bastante citado jogo de linguagem dos construtores: ele consiste em um pedreiro e um servente e quatro palavras, "bloco", "laje", "viga" e "coluna". O servente tem a função de trazer ao pedreiro a pedra solicitada quando o pedreiro diz "bloco", "laje", "viga" ou "coluna". Esse sistema de comunicação não pressupõe somente a correspondência, já que a reação à palavra é entendida como um ato, a saber, o ato de trazer a parte solicitada. A ação do servente compõe o significado da palavra nesse jogo e não uma referência descritiva. Outras críticas à visão agostiniana da linguagem aparecem no decorrer das Investigações Filosóficas, como por exemplo o fato de que palavras como "forma" e "cor" não possuem referente. Wittgenstein seguidamente se pergunta o que significa apontar para a forma de um objeto ou se o conceito de cor pode ser definido ostensivamente. Mesmo com nomes próprios é necessário diferenciar o portador do nome de seu significado: "Quando o Senhor N. N. morre, diz-se que morre o portador do nome, não se diz que morre a denotação do nome" (Investigações §40). O Senhor N. N. pode morrer mas não o seu significado, já que se assim fosse não teria sentido a frase "O Senhor N. N. morreu". Em seguida, Wittgenstein irá propor que o paradigma de descrição apresentado na visão agostiniana de linguagem é insuficiente para a multiplicidade de atividades lingüísticas como agradecer, maldizer, saudar, rezar etc.
Aceitando a crítica wittgensteiniana de que a linguagem é definida pelo seu uso e não por correspondência com algo na realidade, torna-se insustentável um paradigma filosófico de interpretação do inexprimível a partir da maneira de se entender a linguagem com base na descrição, característico dos textos místicos nas religiões monoteístas. A interpretação do inefável como reação a algo transcendente baseia-se em uma caracterização da linguagem essencialmente como referência, sendo o inefável caracterizado como reflexo dos limites da linguagem na descrição da experiência religiosa, que gera como resposta um silêncio místico. Essa concepção é particularmente presente na tradição mística ocidental, que em geral vê os limites da linguagem como associado à insuficiência da descrição da experiência mística, sinal da transcendência radical de Deus. No entanto, ela não é necessariamente encontrada em outros contextos e religiões. Nesse sentido, uma visão da mística baseada em uma visão descritiva da linguagem pode facilmente propiciar um redutivismo do que é diferente a um esquema que valorize uma unidade[9].
De fato, a linguagem pode ser entendida em sua função performativa e não só descritiva. Isso é freqüente, por exemplo, em muitos textos do Budismo[10]. De uma maneira geral, o Budismo induz no discípulo uma busca pela iluminação através de uma transformação e purificação da consciência. Isso faz com que, nesses casos, a linguagem da mística naturalmente tenha uma função transformativa e performativa mais acentuada. Um aspecto transformativo semelhante ocorre com mantras nas tradições védica e tântrica, ou então koans no Ch'an/Zen[11]. Em uma tradição monoteísta, o papel limitante da descrição da linguagem religiosa é o mais freqüentemente acentuado, já que nesse caso o objetivo soteriológico maior provém da relação com Deus, muitas vezes apresentado como Ser totalmente transcendente. A falha na descrição de Deus é natural e leva à afirmação dos limites da linguagem, principalmente a partir de uma interpretação da linguagem derivada de Plotino.
Mesmo no estudo da mística em tradições monoteístas, uma visão de linguagem como uma prisão conceitual[12] pode ser restritiva, já que muitos místicos menos conhecidos não se enquadram nessa caracterização da linguagem. Ewert H. Cousins mostra em seu estudo do franciscano Bonaventura que, apesar da afirmação de inefabilidade mística, os místicos sempre comunicaram muito e performaticamente através do inefável. Isso caracteriza não uma inefabilidade da mística mas sim uma mística da linguagem, que Cousins resume da seguinte forma: “Místicos simplesmente não têm sido silenciosos. Muitos tem falado sem restrição, e outros tem escrito volumosamente. O gênero de literatura mística é não somente quantitativamente vasto, mas lingüisticamente luxuriante. No discurso místico, a linguagem se desenfreia: ela pula, ela salta, ela canta. Ela fala em prosa e poesia; ela dá descrições objetivas da experiência e voa nas asas do êxtase; ela guia iniciantes com um gentil cuidado e corta a ilusão com argumentos de lâmina afiada. [...] Além disso, certos místicos têm tido suas experiências místicas na e através da linguagem. Com isso eu quero dizer não somente que a linguagem evoca e molda a experiência, mas que as formas lingüísticas participam na revelação do domínio transcendente. Nesse sentido, pode existir uma mística da linguagem.” (Cousins, 1992: 238-239)
Uma visão de linguagem baseada em uma descrição da realidade provoca o dilema entre objetividade e subjetividade na análise da experiência mística, reaparecendo como uma questão importante tanto nos fundamentos da ciência da religião quanto nos debates entre a teologia conservadora e liberal. De fato, o formato do discurso da mística ocidental prevaleceu durante muito tempo nas categorias e metodologia desenvolvidas para um estudo da mística, mas também na metodologia e forma de aproximação. Nas pesquisas em mística ainda é freqüente um pressuposto epistemológico e psicológico que remete a Rudolf Otto, William James e Jung, que se unem formando um paradigma metodológico de pesquisa que é bastante influente.
Como um ponto comum, principalmente no caso de Rudolf Otto e em grande parte da fenomenologia da religião, existe uma valorização da intuição e da introspecção[13]. As experiências privadas que não são passíveis de expressão na linguagem são o pressuposto epistemólogico do estudo da mística[14] - existiriam elementos que transcendem a esfera racional, "fortes impulsos primais trabalhando na alma humana"[15].
Ainda que não se possa negar a importância psicológica dos sentimentos místicos como analisados por Otto, essa metodologia não é compatível com os requisitos de uma Ciência da Religião e é inconsistente com resultados filosóficos importantes. Um princípio epistemológico para os estudo da mística deve ser que o que não é passível de expressão na linguagem pública não pode consistir como fundamento. Um estudo com base em um elemento privado, a priori, não tem associado nenhum critério ou regra externa que possa impedir o auto-engano.
A necessidade de critérios e regras públicas como condições de significado para a mística, entendida como um processo interior, pode ser desenvolvido a partir da filosofia wittgensteiniana. Com relação à critérios, em geral Wittgenstein não se afasta do seu uso ordinário. Em um primeiro sentido, critérios determinam em parte o significado das palavras nos quais eles se aplicam, estabelecendo uma relação entre conceitos que é interna à linguagem. O outro uso do termo critério presente na filosofia wittgensteiniana identifica critérios como modos de determinar como sabemos algo. De forma simplificada, a resposta à pergunta “Como você sabe X?” é um critério para dizer que X é verdade ou de verificar X.
O conceito de conhecimento sem linguagem não é negado na filosofia de Wittgenstein, existindo uma clara distinção entre saber e dizer (Investigações §78). No entanto, na sua expressão são exigidos critérios externos de justificação nas regras públicas da linguagem: “Um processo interior necessita de critérios exteriores.” (Investigações §580). A argumentação sobre a necessidade de critérios externos de correção pode ser dividida em duas partes, um primeiro caso em que o processo interior considerado inicialmente já não tem expressão lingüística e outro em que se supõe que exista uma linguagem privada que pode ser associada a esse processo, mas que não pode ser comunicada.
No primeiro caso, essa necessidade aparece de maneira bastante elucidativa no tratamento das distinções entre o pensar e o falar, que é bastante característico dos argumentos presentes nas Investigações: “Para mostrar que pensar sem falar é possível, William James cita as recordações de um surdo-mudo, Mr. Ballard, que escreve que ainda em sua infância, antes que pudesse falar, preocupara-se com Deus e o universo. -- O que pode isto significar! -- Ballard escreve: “It was during those delightful rides, some two or three years before my initiation into the rudiments of written language, that I began to ask myself the question: how came the world into being?”[16] -- Você está seguro de que esta é a tradução correta em palavras de seus pensamentos sem palavra? -- gostaríamos de perguntar. E porque esta questão -- que, de outro modo, parece não existir -- põe aqui a cabeça para fora? Direi que o escritor é enganado por sua memória? -- Eu mesmo nem sei se diria isto. Estas recordações são um fenômeno singular de memória -- e eu não sei que conclusões sobre o passado do narrador se poderia tirar delas!” (Investigações §342)
Eis aqui uma dúvida cética com relação à descrição de pensamento sem linguagem, causada principalmente por supor o pensamento como uma atividade privada. Wittgenstein não identifica pensamento com linguagem, mas tenta mostrar que o pensamento deve ser potencialmente passível de expressão na linguagem. O principal ponto, aqui, é que no caso descrito por James existe a possibilidade de uma tradução errônea de um pensamento averbal no passado para a linguagem, não existindo nenhuma possibilidade de correção. Não existem critérios, inclusive para o próprio senhor Ballard, para determinar se ele pensava sobre o mundo ou sobre uma outra coisa qualquer.
Um outro caso, relacionado à possibilidade de uma linguagem privada, tem sido objeto de intensa investigação para os estudiosos de Wittgenstein e da filosofia em geral. Grande parte da importância deste estudo vem do fato de que o argumento contra uma linguagem privada revela e combate uma idéia presente ou subentendida em correntes filosóficas inteiras. Essa visão é marcada pela idéia de que temos um acesso privilegiado e especial a uma esfera privada mental, não acessível a outros por princípio. Em termos analógicos seria como se fossemos um espectador solitário de um teatro interno, mais ou menos acessível pela introspecção. Por exemplo, ninguém pode sentir a minha dor ou saber o que sinto quando sinto uma dor. Para nosso estudo é importante considerarmos a experiência mística como um elemento privado, inefável e que o místico experimenta e se refere, mas que não consegue nos comunicar[17].
Uma linguagem privada é concebida como uma linguagem que, a priori, não pode ser compartilhada nem ensinada, referindo-se a experiências privadas somente conhecidas pelo falante. O argumento contra a linguagem privada, que aqui não será discutido em toda sua profundidade, tenta mostrar que a própria noção de linguagem privada é incoerente e ininteligível para o próprio falante, ainda que isso não implique, como uma tendência behaviorista poderia sugerir, que a esfera mental seja uma ilusão[18]. Wittgenstein tenta mostrar no decorrer das Investigações que não existe nenhuma possibilidade de coerência na idéia de uma linguagem privada. São apresentados elementos de um possível significado de uma linguagem privada e suas refutações. Ele descartará uma justificação subjetiva a partir de uma definição ostensiva privada como somente uma impressão de seguir regras na linguagem e, nesse caso, “correto é aquilo que sempre me parecer correto. E isto significa apenas que aqui não se pode falar de ‘correto’. “(Investigações, §258). São necessários critérios em uma linguagem pública. Como exemplo, Wittgenstein supõe o registro de uma sensação privada “S” em um diário, que no nosso contexto poderia ser uma experiência mística, e tenta mostrar que o próprio uso de qualquer vocabulário não é justificado: “Que razão temos para chamar de “S” o signo referente a uma sensação? “Sensação” é, na verdade, uma palavra de nossa linguagem geral e não de uma linguagem inteligível apenas para mim. O uso dessa palavra exige, pois, uma justificação que todos compreendem. -- E não ajudaria nada dizer: não precisa ser uma sensação; quando ele escreve “S”, tem algo - e mais não poderíamos dizer. Mas “ter” e “algo” pertencem também à linguagem geral. - Assim, ao filosofar, chega-se por fim lá onde desejaríamos apenas proferir um som inarticulado. -- Mas tal som é uma expressão apenas num jogo de linguagem determinado que se deve agora descrever.” (Investigações §261)
De forma semelhante, um totalmente inefável não pode ser rotulado nem de "experiência" nem "mística" - são necessários critérios externos para usar essas palavras com um significado público. Embora tentar expressar o não lingüístico e desprezar critérios externos seja parte da linguagem apofática dos místicos, que buscam reunir memórias do momento de sua experiência, aceitar esses parâmetros epistemológicos é sem sentido e contraprodutivo quando encarado do ponto de vista filosófico e da Ciência da Religião.
Além de uma crítica epistemológica de uma fenomenologia da mística orientada ao perenialismo e psicologismo, argumentos wittgensteinianos baseados na importância de critérios externos permitem avaliar o debate mais contemporâneo sobre a possibilidade de uma experiência religiosa sem mediação e discutir as pesquisas de experiências religiosas envolvendo as neurociências. Reagindo à posição de Katz mas sem, no entanto, aderir à filosofia perene, está o grupo liderado por Robert Forman[19]. Para esse grupo, a posição de Katz é empiricamente falsa e Forman defende especialmente o que é chamado de Evento da Consciência Pura (ECP), que estaria presente em diversas tradições religiosas e que se caracterizaria pelo estado desperto sem conteúdo. O que é apresentado como evidência empírica de uma experiência mística universal é uma experiência religiosa sem mediação e sem linguagem. Recentemente Forman tem defendido que pesquisas sobre o estado místico de consciência podem trazer uma melhor compreensão sobre o fenômeno da consciência em geral, já que ele seria um estado mais simples do que a consciência normal e mostraria a separação entre consciência e os processos de percepção, sensação e pensamento[20].
No entanto, um conceito de estado desperto sem conteúdo e mediação é bastante polêmico, e encontra objeção de diversos estudos filosóficos sobre consciência e mente[21], além dos argumentos aqui apresentados em relação à filosofia da linguagem. Apesar de Forman chamar cuidadosamente seu objeto de estudo de "evento" e não experiência, ainda é bastante difícil sustentar nenhum tipo de mediação, como Forman defende para o ECP. “Evento”, “consciência” e “pura” são palavras usadas e entendidas na linguagem e que carecem de justificação. Além dessas dificuldades com relação ao ECP, a inexistência de qualquer mediação não nos oferece nenhum tipo de critério externo de informação sobre esse evento, quer seja uma informação religiosa ou alguma outra.
Uma mediação que não fosse lingüística, no entanto, é uma alternativa à polarização entre as posições de Katz e Forman. Ao contrário do que parece defender Katz, pode ser defendido um valor intrínseco também no caráter não lingüístico das experiências místicas, da maneira como aparece no estudo da mística e do ECP no grupo de Forman. O evento da consciência pura pode ser caracterizado como tendo mediação não lingüística, e não nenhum tipo de mediação, como defendido pelo grupo de Forman. Qualquer posterior interpretação desse evento, no entanto, traz consigo toda a mediação e os critérios associados a uma determinada forma de vida religiosa. Embora fatores não lingüísticos desempenhem um papel importante nas experiências místicas, a preparação dessa experiência e sua subseqüente interpretação estão imersos em critérios de uma tradição religiosa e sua respectiva forma de vida. O pré-lingüístico é um aspecto da experiência mística e certamente tem um significado para os religiosos. Para identificar o seu significado é preciso não ir além do que é dado, mas verificar o que é dito e a interpretação que se dá ao inefável dentro desse jogo de linguagem. Excluir os critérios externos e o contexto implicaria reduzir o silêncio místico e o inefável a algo privado e carente de significado.
Do ponto de vista das neurociências, existem estudos da mística que têm buscado identificar padrões de atividade cerebral em estados de consciência alterada. Ainda que essa seja uma área científica que só esteja iniciando, já existem alguns modelos para uma base biológica da experiência religiosa[22]. O mais conhecido deles é o desenvolvido por d'Aquili e Newberg, que resumidamente pressupõe a existência de diferentes operadores na fisiologia cerebral que compõem diferentes sistemas cujo funcionamento e parâmetros explicam os diferentes estados de consciência[23]. Condições limites, parâmetros tendendo a zero ou a valores máximos, surgidos a partir de drogas ou práticas como rituais ou meditação, seriam a explicação neurológica para as sensações e percepções alteradas que são características das experiências religiosas. Esse modelo poderia ser empiricamente testado a partir de observações realizadas com religiosos em meditação ou oração.
Um exemplo desse raciocínio pode ser dado pelo funcionamento da área de associação e orientação descrita dentro do modelo proposto. Essa área seria responsável pela nossa localização no espaço e pela percepção de que nos distinguimos fisicamente de outros objetos, sendo um sistema que depende de um constante influxo de informações sensoriais. O que acontece no caso de não existir uma entrada que alimenta esse sistema ou os níveis de entrada neuronal forem muito baixos, a partir de práticas rituais ou meditação? Segundo d'Aquili e Newberg o resultado é estar consciente mas com uma sensação de perda de unidade do self e de infinidade do espaço, já que o sistema de orientação não tem informação disponível para trabalhar. De forma semelhante seria possível, através desse modelo, mostrar os sistemas e parâmetros neurológicos cujo funcionamento limite teria como conseqüência as experiências religiosas como a unidade absoluta e a união mística relatadas pelos religiosos.
Nesse artigo não tenho a intenção de avaliar em profundidade as conseqüências do uso de modelos biológicos para o estudo das religiões. Modelos biológicos e evolucionistas, vindos das neurociências ou como diretriz de pesquisa como na criação de uma Sociobiologia, têm buscado explicações para a religião e para o comportamento humano em geral. Eles são somente o início de uma pesquisa bastante extensa e complexa, não só com o objetivo de mostrar processos fisiológicos na experiência mística, mas também de apresentar hipóteses para o surgimento da religião e dos efeitos do ritual através da teoria da evolução.
No entanto, argumentos críticos para interpretações desse tipo de resultado já existem e vale a pena relembrá-los para contrapor a intenção de fazer de padrões biológicos ou neurológicos observados um modelo para todo comportamento e atividade religiosa. No caso da mística isso parece vir se estabelecendo como uma nova argumentação por um núcleo de experiências religiosas comuns, na dialética entre perenialismo e contextualismo no estudo da experiência religiosa.
Questões referentes ao cérebro já vêm sendo discutidas há muitos anos na filosofia da mente e podem também ser localizadas dentro da filosofia da linguagem. Mesmo John Searle, que é um dos principais filósofos a aceitarem a predominância das neurociências nas explicações causais da mente e tem sido classificado como naturalista biológico, indica a diferença da ontologia de primeira pessoa no caso da mente e da ontologia de terceira pessoa no caso do cérebro[24]. Wittgenstein foi um precursor desse argumento de uma forma ainda mais incisiva no seu ataque a um materialismo eliminatório. A expressão "tenho dor", por exemplo, não pode ser substituída por uma expressão como "minhas fibras C estão disparando", porque a primeira não pode ser colocada em dúvida como afirmação de primeira pessoa e a segunda é falsificável, representando um modelo científico que pode ser contestado ou aprimorado[25].
Esse significado de primeira pessoa, também no caso da mística, é construído a partir das regras públicas da linguagem. Na posterior interpretação e no papel de modelo de experiência essa diferença conceitual se intensifica ainda mais se considerarmos que a religião tem um componente social e cultural muito mais destacado do que a dor. Nesse sentido, Geertz está entre os que mais têm destacado o componentes culturais do significado e experiência, inicialmente a partir da apropriação do termo "descrição densa" de Gilbert Ryle[26] e da sua visão de uma evolução sincrônica de aspectos culturais e biológicos[27]. Mais recentemente destacando o papel do contexto local, Geertz tem constatado não níveis diferentes de descrição (como se o nível neuronal precedesse o cultural), mas sim descrições complementares no caso dos resultados das neurociências[28].
Da mesma forma como uma fisiologia humana compartilhada no ato de ver não implica que exista um núcleo comum na literatura produzida em diversas culturas, épocas e línguas, também não é possível saltar de padrões neurológicos comuns observados em religiosos para uma unidade da experiência mística ou mesmo para generalizações sobre rituais e mitos. Esses saltos de uma descrição neuronal para uma descrição densa, no entanto, podem ser constantemente observados no estudo de d'Aquili e Newberg. Para tornarmos essa contraposição clara podemos imaginar o seguinte experimento do pensamento: suponha, como em uma estória de ficção científica, que seja possível induzir artificialmente um estado cerebral a partir do modelo de d'Aquili e Newberg, ativando partes cerebrais determinadas e definindo valores e parâmetros tais que essa experiência seja a mesma, em termos de estados neurológicos, daquela medida em um transe místico no Candomblé. Qualquer ser humano pode sofrer essa experiência à distância com um apertar de botões e também podemos escolher seres humanos em outras épocas históricas. Indivíduos de diversos tipos sofrem essa intervenção secreta, digamos um ateu, um bebê, um caçador na pré-história, um cristão no século XVI e um praticante do Candomblé. Todos eles sofrem os mesmos processos neuronais e pré-lingüísticos, mas todas as experiências serão consideradas religiosas? O que é mais próximo do que originou os dados que serviram de parâmetro para a intervenção? A intervenção produz um estado pré-lingüístico e sensações neuronais comuns mas que não precisam ser tratados como experiências religiosas e, muito menos, como experiências do Candomblé. Só um conjunto de critérios externos e um contexto que dão um significado a esse estado pré-lingüístico podem resultar no que foi o parâmetro de entrada da intervenção, a experiência mística no Candomblé.
Na verdade esse experimento não é assim tão fictício, dado que drogas alucinógenas podem ser usadas em um contexto ritual, mas um significado religioso e místico só existe dependendo do contexto no qual elas são aplicadas. É certo que quanto mais um estudo está perto das ciências naturais, tanto mais a linguagem se torna genérica e independente do observador, como características de uma metodologia científica inserida em um paradigma, propiciando com isso a análise de características comuns. Interpretar padrões cerebrais como termos religiosos e culturais, no entanto, representa uma diferença semântica e conceitual que parece difícil aceitar.
A partir da filosofia wittgensteiniana é possível argumentar contra uma interpretação da mística como filosofia perene e experiência inefável a ser estudada por métodos psicológicos de introspecção. A argumentação da necessidade de um maior contextualismo no estudo da mística implica em um abandono da unidade da experiência mística e a necessidade de critérios externos restringe muito as discussões sobre um inefável ou sagrado genérico. Isso não impede a possibilidade de uma mística comparada, mas que deve ser baseada em um estudo filológico e das condições que produzem e moldam a interpretação da experiência mística. Mesmo um estudo a partir das neurociências, que certamente traz desenvolvimentos e hipóteses relevantes, não deveria significar um retrocesso a uma filosofia perene que exclua as condições sociais e históricas de preparação e posterior interpretação. Não parece justificável passar de um possível núcleo de experiências neuronais (algo esperado dado o equipamento biológico compartilhado) para um núcleo de experiências religiosas comuns. Em algum ponto um salto conceitual foi dado e uma descrição materialista foi substituída por uma descrição densa em termos de significado. Nesse sentido, a filosofia da mente e da linguagem já debate a muitos anos questões análogas, baseadas nas condições lingüísticas do significado e na dicotomia entre cérebro e mente, tendo por isso algo a contribuir.
As diversas áreas acadêmicas que estudam a mística correm o risco de apresentar discursos fragmentados e paralelos, quando não contraditórios, a partir do uso de palavras iguais mas com usos diferentes. Nesse caso a Ciência da Religião, que pode ser caracterizada pelo seu objeto de estudo e não pelo uso de um método definido, pode contribuir decisivamente para integrar esse mosaico de pesquisas associadas à mística[29], de forma a apresentar um conhecimento crítico e relevante com base em uma teoria epistemológica atual. Para as ciências humanas é muitas vezes frustrante estudar um objeto que não tem uma base epistemológica objetiva, invariável e de terceira pessoa, mas esse fato é inevitável devido à própria recursividade das questões estudadas. Como a questão do significado do significado é recursiva e potencialmente circular, estudar religiões de uma perspectiva externa e mais geral é propor modelos sobre modelos de mundo já existentes. Como o sociólogo Niklas Luhmann indica, é como ser um observador de segunda ordem que objetiva a compreensão e generalização de observações de primeira ordem já feitas[30].
Por outro lado, deve ser lembrado dentro do estudo da mística que um dos importantes papéis para a ciência da religião é a crítica[31]. Uma crítica do papel do misticismo na sociedade contemporânea inclui uma ênfase em critérios externos e de regras constituídas como condições mínimas de significado. Nesse caso, critérios mutáveis ou estritamente privados fazem ser correto o que é correto apenas subjetivamente (um certo narcisismo místico decorrente da valorização de experiências místicas pessoais que se confundem com fatores psicológicos de outra ordem). Quando faltam critérios externos a interpretação fica por conta do que se quiser retirar da experiência, pois exclui-se a permanente possibilidade do auto-engano (ninguém é juiz em própria causa). Usando o potencial de crítica das Ciências Sociais e de análises psicanalíticas, uma crítica semelhante - ainda que polêmica - foi desenvolvida por Roger Bastide na sua caracterização da mística no Candomblé e na Umbanda[32].
Para a realidade dos estudos de religião no Brasil, também deve ser reconhecida uma dicotomia entre periferia e centro na produção dos modelos científicos e hipóteses mais gerais. A ênfase na compreensão e descrição de diferentes tipos de experiência mística no Brasil pode, por isso, mostrar rumos ainda pouco explorados do estudo da mística em geral. Nesse sentido, uma pergunta relevante seria sobre se não existe uma mística brasileira que não seja contemplada nos modelos internacionais mais gerais. Experiências místicas neopentecostais, do Catolicismo popular e os transes e êxtases do Candomblé ou Espiritismo são consideradas profundas e místicas nos seus contextos locais, mas raramente recebem um tratamento semelhante a místicos medievais europeus ou a tradições budistas e hindus atuais. Nesse caso, como dificilmente essas experiências podem ser caracterizadas como união com Deus ou transcendência radical a ser acompanhada de uma valorização do silêncio e do inefável, novas reflexões epistemológicas e metodológicas são necessárias para que elas sejam analisadas dentro do esquema conceitual proposto por um estudo mais geral e crítico da mística.[33]
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[*] Mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP, doutorando em Ciências da Religião na Universidade de Hannover (Alemanha).
[1] Cf. James 1995 (1902): 238.
[2] Para um resumo contemporâneo da caracterização da mística consultar Brainard 1996.
[3] Isso inclui, inclusive, uma problematização da própria mística como conceito acadêmico. Para detalhes e uma avaliação crítica consultar Schmidt 2003.
[4] Katz 1978 é a referência para essa virada filosófica, principalmente através de sua afirmação de que "NÃO existem experiências puras (i.e., não mediadas)" (Katz 1978: 26).
[5] Segundo Sells 1994 existem três respostas possíveis para o dilema da transcendência radical dentro das religiões. A primeira é o silêncio, como exemplificado no texto acima de Agostinho. A segunda é a distinção comumente encontrada no período medieval entre Deus como ele é em si mesmo e Deus como ele aparece para as criaturas. A terceira é a teologia negativa, caracterizada pelo discurso conhecido como apophasis. Esse tipo de discurso se caracteriza pelo movimento de sempre desdizer uma posição firmada anteriormente, em um fluxo que em princípio não tem fim. A própria rejeição da linguagem na descrição da experiência resulta na sua renovação lingüística criativa.
[6] Para um resumo e indicações bibliográficas dessas críticas, ver Antes 1979, especialmente páginas 276 a 278.
[7] Essa posição pode ser encontrada por exemplo em Campbell, 1997: 90: "Analogias mitológicas ou metafísicas, em outras palavras, não apontam indiretamente para um termo conhecível e apenas parcialmente compreendido, mas diretamente para uma relação entre dois termos, o primeiro empírico, o segundo metafísico, sendo o último absolutamente e para sempre e de qualquer ponto de vista humano concebível, incognoscível." Para uma crítica da abordagem de Campbell e da sua visão das religiões monoteístas, ainda que reconhecendo seu apelo derivado do Romanticismo, ver Segal 1999.
[8] Uma teoria agostiniana da linguagem é detalhada no diálogo De Magistro. Também essa formulação é coerente com a visão de linguagem que Wittgenstein irá criticar.
[9] Para um resumo das tentativas frustradas de busca de uma unidade das religiões, inclusive a partir da mística, consultar Knitter 1999.
[10] Em sua análise do como o monge Theravada Buddhagosa leria o texto místico medieval The Cloud of Unknowing, mesmo encontrando semelhanças fenomenológicas, Ninian Smart conclui que "[...] Buddhagosa notaria algo: ele observaria que a linguagem de unidade, ou de comunhão e amor, do monismo ou teísmo, não são inelutáveis, pois o Theravada não é um absolutismo ontológico ou um tipo de teísmo; não há um grande Ser lá fora." (Smart 1992: 120). Para uma discussão e comparação do papel do silêncio a partir de seu uso no Cristianismo (principalmente no The Cloud of Unknowing) e no Budismo, ver Shoji 2000: 83ff.
[11] Para uma visão geral do aspecto performativo na linguagem mística, ver Katz 1992: 5-15. Uma análise do aspecto transformativo de passagens da literatura budista Mahayana, principalmente no Ashtasahasrika Prajnaparamita, pode ser encontrada em Streng 1978. Para um estudo do aspecto performativo dos koans no Ch'an/Zen ver Faure 1992. Para um resumo desses aspectos com base nos conceito de avyakata e upaya e no aspecto performático dos koans, ver Shoji 2000: 106ff. Uma discussão sobre o caráter performativo dos mantras encontra-se em Staal 1989: 191ff, ainda que Staal defenda que os mantras sejam anteriores à própria linguagem.
[12] Para uma crítica de limites lingüísticos definidos no caso da mística, ver Bambrough 1978. Para uma crítica de uma fronteira de linguagem rígida no Ch'an Budismo e do papel do silêncio, ver Wang 2001.
[13] A formulação clássica e freqüentemente citada de Otto é "Convidamos o leitor a prestar atenção para o momento em que o sentimento de emoção religiosa profunda surge. Se ele é incapaz ou se ele desconhece tais momentos devemos parar aqui a nossa conversa. [...] No exame e análise desses momentos e desses estados de recolhimento solene, convém observar com toda a precisão possível o que não é comum nos estados de exaltação puramente moral; que nos conduzem a busca da boa ação e que formam, em seu conteúdo sentimental, a adição que lhes é própria." (Otto 1985 (1917): 13)
[14] "O que é o numinoso? Ele não é o racional, isto é, não pode desenvolver-se em conceitos. Não podemos indicar o que ele é observando as reações sentimentais que o seu contato provoca em nós. Falamos assim, simplesmente para dizer alguma coisa. Mas parece que, aqui ainda, não dissemos propriamente nada ou pelo menos a definição que tentamos dar por meio de um conceito é sempre negativa." (Otto 1985 (1917): 17-18)
[15] Otto 1985 (1917): 13.
[16] Em nota do tradutor: “Foi durante aquelas encantadoras viagens, dois ou três anos antes de minha iniciação nos rudimentos da linguagem escrita, que comecei a colocar para mim mesmo a questão: como o mundo veio-a-ser?”
[17] Para uma discussão de uma linguagem privada e da sua relação com a experiência religiosa, consultar também Työrinoja 1984.
[18] Conforme observado por David Pears, no entanto, o nome “argumento contra uma linguagem privada” dá a impressão de um argumento único, o que não é o caso. Na realidade Wittgenstein trabalha dialeticamente com interlocutores que tentam defender diferentes pontos de vista, cf. Pears 1996.
[19] Para maiores detalhes consultar Forman 1990, principalmente o artigo que abre a coleção.
[20] Cf. Forman 1998, Forman 1999.
[21] Considere por exemplo o seguinte trecho na definição de consciência para o Searle, um dos maiores representantes atuais da filosofia da mente: "Os estados conscientes sempre têm um conteúdo. Ninguém nunca pode ser somente consciente; ao contrário, quando alguém é consciente tem de haver uma resposta à pergunta: 'De que esse alguém é consciente?' Mas o 'de' de 'consciente de' nem sempre é o 'de' de intencionalidade. Se estou consciente de uma batida na porta, meu estado consciente é intencional, porque faz referência a algo além disto mesmo, a batida na porta. Se estou consciente de uma dor, a dor não é intencional, porque não representa nada além dela mesma.", grifos meus, cf. Searle 1997: 125.
[22] Para um panorama das abordagens da religião baseadas na biologia e para uma apresentação do debate entre culturalistas versus "cientificistas", ver Sweek 2002. Para um resumo dos estudos das neurociências relacionados às experiências religiosas, bem como uma discussão das implicações para a teologia cristã, consultar Watts 1999.
[23] Cf. d'Aquili e Newberg 1999 e mais recentemente em uma apresentação mais popular, Newberg, d'Aquili e Rause: 2001.
[24] Searle vem defendendo essa posição desde os anos 80, tendo condensado seus resultados em Searle 1997 (1992). Para uma exposição atual especificamente sobre essa questão, ver Searle 2002.
[25] Cf. Glock 1998: 220-221
[26] Cf. Geertz 1989: 15ff
[27] Idem: 67ff.
[28] Cf. Geertz 2000: 206.
[29] Um destaque da ciência da religião sistemática como uma disciplina responsável por integrar o conhecimento local produzido por diversas disciplinas mais especializadas é destacado em Antes 1986. Essa integração nesse quadro geral dá um novo sentido a resultados obtidos isoladamente e promove novas perguntas para pesquisas mais específicas.
[30] Cf. Luhmann 2000: 24ff.
[31] Para uma argumentação em favor de um papel crítico da ciência da religião, consultar Rudolph 1979 e Rudolph 1991, que desenvolve a idéia de que a ciência da religião (Religionswissenschaft) têm uma origem iluminista e que também se destina à crítica ideológica das religiões. Usarski, 2001, desenvolve esse conceito a partir de Francis Bacon, tendo já aplicado essa abordagem na recepção do Budismo e dos novos movimentos religiosos na Alemanha.
[32] Cf. Bastide 1971: 515-523.
[33] Ainda que tenha reorganizado o conteúdo e adicionado novos argumentos, esse artigo foi desenvolvido com partes da minha dissertação de mestrado defendida na PUC/SP (Shoji 2000). Nesse sentido gostaria de agradecer ao meu ex-orientador professor Eduardo Cruz e aos avaliadores da banca professores Frank Usarski e Alexandre Otten pelas sugestões e críticas dadas. Qualquer erro ou incoerência é minha total responsabilidade.