Esse artigo visa discutir uma abordagem sobre mídia evangélica no Brasil sob o prisma das questões da História Cultural. Contemplamos reflexões sobre como as religiões são estudadas pela História Cultural, as relações entre linguagem, mídia e religião, as relações entre identidade religiosa e mídia, e como articular o conceito de recepção à mídia religiosa. Mostramos que a História Cultural permite ao pesquisador de mídia evangélica fazer perguntas sofisticadas e desafiadoras.
This article aims to discuss an approach on Evangelical media in Brasil under the perspective of the questions raised by the Cultural History. We focus on reflections about how religions are studied by the Cultural History; the relations between language, media, and religion; and how to articulate the concept of reception to the religious media. We demonstrate that the Cultural History allows the religious media researcher to ask sophisticated and challenging questions.
A História Cultural é um campo dinâmico e controverso de estudos e de proposições teóricas. Inscrever uma pesquisa nessa área implica em lidar com perguntas sofisticadas e desafiadoras. Isso faz a História Cultural melhor que outras tendências historiográficas? Depende do que se quer dizer por "melhor", e depende do tipo de História que se busca.
Michel de Certeau, autor-referência para muitos trabalhos de História Cultural, questionou a escrita e o estatuto da História na sociedade ocidental, mostrando que a História dos historiadores é apenas uma História dentre tantas narrativas e explicações históricas que esse conjunto tão heterogêneo denominado "sociedade" produz (Poster 1997: 114). Se lembrarmos que no Brasil, em pleno século XXI, a profissão de historiador ainda não foi regulamentada por lei, temos de pensar: com base em que uma pessoa ou um grupo poderia reivindicar autoridade sobre a História?
Por outro lado, Dominick LaCapra (1985: 799-828) defende que, apesar de nossas limitações enquanto investigadores do passado, não devemos descuidar nem dos questionamentos teóricos, nem das evidências que ajudam a constituir o relato histórico. Aliás, a perspectiva dialógica que ele desenvolve contempla as duas coisas, num esforço de produzir conhecimento histórico crítico e responsável. Ou seja, não se pode escrever "qualquer coisa" sobre o passado, já que a abordagem do documento como texto não exime o historiador de uma análise cuidadosa.[1]
Dessa forma, quais seriam as razões de se optar pela abordagem cultural? Quais as implicações dessa escolha na configuração de uma pesquisa? Segundo Mark Poster, "discursos emergem num campo de relações de poder desafiando uns, apoiando outros, dificilmente vindo ao mundo acadêmico como inocentes buscas pela verdade[2]" (Poster 1997: 13). Assim, os Estudos Culturais surgiram como uma crítica à História Social marxista dos anos 60, à História tradicional das idéias ("desencarnada" dos seres humanos e das relações sociais) e à tendência dos Annales de História quantitativa e sócio-econômica. Duas grandes inspirações fomentaram esses questionamentos: os estudos lingüísticos e a Antropologia Cultural, que atentaram para a constituição da narrativa histórica e do papel do narrador/investigador na escrita da História.
Autores como os supracitados Dominick LaCapra e Michel de Certeau, além de Hayden White, Roger Chartier, Joan W. Scott, Paul Gilroy, Stuart Hall, Edward Said, Homi Bhabha, Carlo Ginzburg, além de referências como Michel Foucault e Jacques Derrida, foram associados à História Cultural. Apesar das grandes diferenças entre eles, Poster identificou algumas idéias que caracterizariam a História Cultural:
Talvez a questão da textualidade e da linguagem seja significativa para se definir "perguntas sofisticadas e desafiadoras", pois tanto a leitura quanto a escrita do historiador deveriam estar "sob vigilância" constante do próprio autor. A partir dessa perspectiva, refletiremos sobre como a mídia evangélica no Brasil poderia ser pensada à luz da História Cultural, tendo como base textos de Dominick LaCapra, Mark Poster, Michel de Certeau, Joan W. Scott, Hayden White e Stuart Hall.[3]
As religiões evangélicas vêm se destacando no campo religioso brasileiro desde a segunda metade do século XX, em especial desde a década de 80, com o crescimento das igrejas neopentecostais. Uma das razões fundamentais para esse crescimento está no uso intensivo da mídia eletrônica e impressa por parte de muitos desses grupos. Visa-se estudar os usos e os sentidos que essa mídia religiosa vem alcançando na sociedade brasileira, e qual a sua influência na definição de uma religiosidade mais autônoma e individualista.
Definimos mídia como um conjunto de meios de comunicação audiovisuais (televisão, rádio, serviços telefônicos de aconselhamento, música), impressos (livros, revistas, devocionais, jornais, folhetos), e virtuais (Internet). Também contemplamos a cultura material de massa (camisetas, adesivos, cadernos, agendas, bibelôs, etc), porque ela vem se destacando nos últimos anos como estratégias de comunicação audiovisual e impressa.
Portanto, temos dois temas: mídia e religião. Como lidar com eles tendo em vista os questionamentos teóricos da História Cultural? Meu objetivo é fazer uma reflexão sobre as perspectivas que esse campo historiográfico tão amplo e diverso da História Cultural (ou Estudos Culturais) fornece para trabalhar com o tema da mídia evangélica no Brasil. Não será um trabalho empírico, com análise de fontes e de bibliografia específica do assunto, mas sim, uma reflexão sobre como trabalhar com fontes, leituras, recortes e, principalmente, sobre os fundamentos teóricos que embasam todas essas práticas.
Lidar com História das Religiões numa perspectiva cultural significa, em primeiro lugar, abrir mão de um conceito restrito de religião. Nas sociedades monoteístas, religião significa acreditar em Deus ou num sagrado, identificado por vários lugares e por vários símbolos: templos, igrejas, catedrais, sinagogas, mesquitas, cruzes, crucifixos, imagens e esculturas de santos, Bíblia, Corão e Torá, Virgens Marias, medalhas, fitinhas, festas e cerimônias. São religiões que, além de possuírem uma origem comum (religiões abrâamicas), possuem lugares de poder definidos – a Igreja Católica, as lideranças evangélicas, os mulás, aiatolás, imãs. Porém, para os historiadores das religiões, é necessário adotar um conceito de religião mais amplo, que possibilite o estudo de diferentes tradições e manifestações religiosas sem que se projete sobre elas os símbolos e discursos da tradição ocidental judaico-cristã. E nem que se enxergue uma "essência" primordial que ligaria todas as "religiões" de todos os tempos e lugares. Além disso, um conceito amplo de religião permitiria o estudo de assuntos ignorados pela História eclesiástica e pela História das idéias, como as manifestações populares e as religiosidades de pessoas não filiadas a nenhuma instituição religiosa. Esse conceito existe e é bastante utilizado pelos historiadores, por influência da Antropologia e da História Cultural: "religião é um sistema comum de crenças e práticas relativas a seres sobre-humanos dentro de universos históricos e culturais específicos." (Silva & Karnal 2002: 13-14).
Na nossa sociedade ocidental, tem-se a idéia de que a "essência" da religião estaria expressa na sistematização teológica (conhecimento acadêmico institucional). Porém, se pensarmos em religião como um sistema de crenças e práticas, constatamos que religião não é somente Teologia, pois é necessário compreender as relações de poder que definem o que é correto e o que é errado dentro de uma tradição institucionalizada. Do mesmo modo é importante ter em mente que, além desses lugares de poder, há práticas religiosas não-institucionalizadas, tanto comunitárias quanto individuais – estas, mais conhecidas como religiosidades.
Não há como desqualificar um elemento em favor de outro – dentro da perspectiva histórico-cultural, tanto crenças como práticas conferem os mais variados sentidos religiosos. Tomar posicionamento de uma ou de outra significa identificar-se com um lugar de poder. O que devemos fazer é entender como diferentes crenças e práticas fazem sentido para as pessoas e os grupos que as adotam, em contextos históricos específicos. Assim, a religião, por essa definição, é concebida dentro da História Cultural como algo construído historicamente. Não pode ser vista como uma instância à parte da vida social (como concebia a "velha" História das idéias), ou subordinada a estruturas econômicas (segundo alguns historiadores e sociólogos marxistas).
A própria idéia do religioso como pertencente à esfera privada (associada também à esfera emocional e feminina) advém da secularização ocidental no século XIX. Quando deísmos e ateísmos distanciaram "Deus" da esfera pública[4] para dar lugar à ciência, a Teologia Cristã deixou de ser a explicação soberana sobre a existência das coisas e dos seres. Com isso, a religião deixou de ser vista por muitos estudiosos como algo divinamente criado para se tornar algo humanamente construído, constituindo um objeto de pesquisa dentre tantos. Assim como não existe um significado primordial para "religião", o estudo da religião é também marcado historicamente (Julia 1978: 106-107).
Uma das maiores contribuições de Michel de Certeau em relação à escrita da História é mostrar que não escrevemos a História "fora" da História. Isto é, o conhecimento do passado é textualizado, permeado de intervenções e interdições que configuram o saber histórico. A ambivalência do termo "História" – disciplina e objeto de estudo – mostra que "enquanto falam [os discursos históricos] da história, estão sempre situados na história" (Certeau 2000: 32). Compreender religiões sob esse prisma significa enxergar o passado a partir de questões do presente:
Ainda que isto seja uma redundância é necessário lembrar que uma leitura do passado, por mais controlada que seja pela análise de documentos, é sempre dirigida por uma leitura do presente. Com efeito, tanto uma quanto a outra se organizam em função de problemáticas impostas por uma situação. Elas são conformadas por premissas, quer dizer, por ‘modelos’ de interpretação ligados a uma situação presente do cristianismo [no caso do jansenismo e de Lutero] (Certeau 2000: 33-34).
Isso significa que o estatuto que as religiões possuem no mundo contemporâneo influencia na forma de se teorizar o campo religioso – como um fenômeno cultural amplo, e não somente como uma propriedade desta ou daquela instituição. Por outro lado, embates dentro do campo religioso suscitam preocupação com a questão da tolerância religiosa e do diálogo inter-religioso. Assim como houve estudos que mostravam o caráter nocivamente ideológico e alienante da mídia evangélica (Assmann 1986), há estudos (Campos 1997) que procuram entender a mídia como lugar de representações, cuja compreensão permitiria entender as lógicas que animam os discursos, os símbolos e as visões de mundo de grupos evangélicos, a fim de dissipar preconceitos e hostilizações direcionadas a essa parcela religiosa minoritária no Brasil. Isso não significa tomar os evangélicos nem como charlatães nem como vítimas, mas sim como um grupo social dinâmico e ambivalente.
Ainda que Dominick LaCapra (1983: 48-57) estivesse se reportando à História intelectual, sua noção de contextos dialógicos aplica-se à disciplina histórica em geral, já que ele pensa a produção do conhecimento histórico como um diálogo entre um investigador e seu objeto, fugindo da dicotomia sujeito/objeto. Tanto o "sujeito" está enredado em debates históricos, em esquemas de pensamento, em políticas acadêmicas, como o "objeto" é construído pela teoria que o historiador aplica a sua investigação; os documentos dos quais ele retira sua História também estão duplamente enredados – tanto às condições de sua produção como à sua própria configuração interna.
Esse "enredamento" pode ser encarado como textualidade, isto é, o historiador só conhece o passado por meio de indícios textualizados do passado. Compreender o passado fora de práticas significantes, como a linguagem e as artes, seria uma ilusão construída pela História positivista e pela História Social marxista, que teriam retirado dos textos e dos documentos somente as informações documentais, ignorando que estas estão dadas dentro de uma lógica interna, criativa, humana, que também daria sentido ao mero "dado" informativo.
A noção de textualidade, por sua vez, está ligada a um questionamento da noção de "realidade" histórica:
The notion of textuality serves to render less dogmatic the concept of reality by pointing to the fact that one is 'always already' implicated in problems of language use as one attempts to gain critical perspective on these problems, and it raises the question of both the possibilities and the meaning. For the historian, the very reconstruction of a ‘context’ or a ‘reality’ takes place on the basis of ‘textualized’ remainders of the past[5] (LaCapra 1982: 50).
Ao se trabalhar com mídia – ou seja, com discursos, iconografias, imagens, sons, representações – numa sociedade em que a legitimação e o reconhecimento de produtos, pessoas, e eventos passam pela mídia -, não parece ser tão problemático admitir a crítica à distinção entre texto/contexto, sujeito/objeto, realidade/linguagem. Porém, como devemos trabalhar com a linguagem nesse campo interdisciplinar que une mídia e religião?
Na introdução, mostramos que uma das características da História Cultural é problematizar a questão da linguagem, entendendo-a não como um meio neutro, mas sim como instância geradora de sentidos – polissêmica. Porém, isso não quer dizer que há consenso sobre os problemas envolvendo a linguagem – é o caso da questão das práticas discursivas. Michel Foucault ficou bastante conhecido por se preocupar com essa questão, ao localizar na sociedade moderna disciplinar discursos que esquadrinhavam a sociedade, definiam identidades, normalidades e ilegalidades. Durante muito tempo, seus leitores enxergavam no seu trabalho uma História do discurso – isto é, um sistema de possibilidade de conhecimento formado por regras expressas num conjunto de enunciados que se repetem, e dos quais não nos damos conta[6] (Foucault 1995: 21-85).
Roger Chartier, porém, enxergou no trabalho de Foucault não só uma História do discurso, mas também uma tentativa de explicar a articulação entre discursos e práticas sociais (não discursivas, isto é, não definidas pelo discurso). Para ele, existe uma separação entre discursos e práticas, e é nessa lógica que seu conceito de representação se encaixaria.
Muitos trabalhos atuais em História Cultural usam correntemente o conceito de representação, desenvolvido por Roger Chartier (1990) como uma categoria analítica inspirada nos trabalhos sobre representações religiosas de Marcel Mauss e de Émile Durkheim. A representação coletiva articularia
"três modalidades da relação como mundo social: primeiro, o trabalho de classificação e de recorte que produz as configurações intelectuais múltiplas pelas quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos que compõem uma sociedade; em seguida, as práticas que visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir uma maneira própria de estar no mundo, a significar simbolicamente um estatuto e uma posição; enfim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais 'representantes' (instâncias coletivas ou indivíduos singulares) marcam de modo visível e perpetuado a existência do grupo, da comunidade, da classe" (Chartier 2002: 73).
Temos, então, três elementos que comporiam o conceito de representação, segundo Chartier:
O estabelecimento de representações não é pacífico nem consensual, mas conflituoso, pois se cada grupo ou indivíduo se compreende de uma determinada forma, a legitimação de uma identidade passa pela desqualificação de outras. Assim, a representação ("melhor do que o conceito de mentalidade", segundo Chartier 2002: 73, porque este pressuporia uma separação entre imaginário e mundo material) se reporia e se construiria na vida cotidiana, nas alianças e nos embates diários. Contudo, para Chartier, a representação, como categoria analítica, não daria conta de práticas não-discursivas – só daria conta de coisas, pessoas, grupos devidamente "representados". Haveria uma divisão entre práticas discursivas e não-discursivas – entre práticas nomeadas, classificadas, regulamentadas, e práticas não-classificadas; entre uma linguagem que daria sentido às práticas, relações sociais, pessoas, coisas e grupos, e práticas que ainda não ganharam sentido pela linguagem. Em suma, nem tudo poderia ser resumido à linguagem.
A irredutibilidade das práticas aos discursos, articulados mas não homólogos, pode ser considerada como divisão fundadora para toda história cultural, incitada assim a desconfiar de um uso descontrolado da categoria de 'texto', excessivamente empregada para designar práticas cujos procedimentos não obedecem em nada à 'ordem do discurso' (Chartier 2002: 149).
Mas como tomar contato com os objetos que investigamos, se os construímos por meio da linguagem, já que só podemos conhecê-los a partir dela? LaCapra questiona a oposição entre atividades lingüísticas e não lingüísticas, sustentada por Chartier na crítica ao livro O Grande Massacre de Gatos, de Robert Darnton:
What is dubious in the extreme is the Idea that one can make some general pronouncement about the relation between language (or any signifying practice) and seemingly nonlinguistic (or nonsignifying) activities, for in making any pronouncement one is inevitably situated inside language that is in multiple ways articulated with activities. To think otherwise is to assume a transcendental position outside language from which one can then pronounce on the relation between language and something else[7].(LaCapra 1986:100)
Outros autores, porém, usam o conceito de representação sem se reportar a esse debate, como Stuart Hall, que relacionou representação ao conceito de identidade nacional: "As culturas nacionais são compostas não somente de instituições culturais, mas de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – uma maneira de construir significados que influencia e organiza tanto nossas ações quanto nossas concepções sobre nós mesmos" (Hall 1998: 39).
O que pode ser tomado como representação? É o símbolo que contém o significado, que não paira sobre nossas cabeças, mas constitui nossa própria maneira de ser, de pensar e agir, dentro de contextos variados, definindo identidades não estanques. Lancei mão dessa discussão (ainda que de forma bastante resumida) para mostrar que não existe um modelo de História Cultural a ser seguido, e que, antes de optar por esse ou aquele conceito, é interessante conhecer a natureza da controvérsia. Muito dessa controvérsia levantada por Chartier vem de sua mudança de opinião ao longo de sua vida acadêmica. Se em "O Mundo como representação"[8] (1989), a questão da diferença entre práticas discursivas e não discursivas são seu foco central, em "À Beira da Falésia"[9] (1998), como o próprio título sugere, expõe a angústia quanto às indefinições dentro do campo histórico.
Dúvidas vêem sendo lançadas ao relativismo cultural, a que os estudos da linguagem foram associados, em especial nos movimentos de defesa dos direitos das minorias nos Estados Unidos, a partir da década de 1960. Tal desconfiança pode ser explicada pelo que alguns historiadores consideram abusos do relativismo, em que a História teria virado refém dos interesses do multiculturalismo. Com isso, a História teria sido distorcida por grupos afro-descendentes, asiáticos, árabes, feministas, a fim de justificar políticas de proteção social e política (Appleby, Hunt, Jacob 1995:198-237). Talvez essa História devesse ter limites respeitados pela verdade dos documentos, por uma nova teoria da objetividade (Idem, pp. 254-261).
Mais do que optar por uma posição em detrimento de outra, é importante estar ciente de que a questão da linguagem ainda está em aberto, e muito longe de ter um consenso. Ao invés disso optar por esta ou aquela teoria para orientar nossa pesquisa, preferimos utilizar as teorias para aprimorá-la, num esforço de constante entrelaçamento. Por lidarmos com produtos de mídia, as reflexões de LaCapra vêm se mostrando mais esclarecedoras quanto à análise textual, ao atentar para a articulação entre forma, conteúdo, autoria e formação de sentidos do texto. São estudos reveladores se considerarmos que, na mídia secular e religiosa, a própria noção de realidade - o "locus" da prática não-discursiva - é questionada.
Na sua defesa ao método tropológico de análise do discurso histórico, Hayden White não nega (mas também não desenvolve) uma distinção entre entidade extra-discursivas e discursivas, porém sua principal preocupação é com o papel que a linguagem exerce ao dar sentido aos fatos históricos, constituindo parte fundamental do conteúdo do discurso histórico.
A tropologia não nega a existência de entidades extra-discursivas ou nossa capacidade de nos referirmos a elas ou representá-las na fala. Ela não sugere que 'tudo' é linguagem, fala, discurso ou texto, mas apenas que a referencialidade e a representação lingüística são assuntos muito mais complicados do que as antigas noções literalistas da linguagem e do discurso entendiam (White 1994: 36-37).
A tropologia não destrói a diferença entre fato e ficção, mas redefine as relações entre os dois dentro de qualquer discurso [...] Os eventos acontecem, os fatos são constituídos pela descrição lingüística" (White 1994 : 37). "[...] não existe uma estória 'real'. As estórias são contadas ou escritas, não encontradas. E quanto à noção de uma estória 'verdadeira', ela é virtualmente uma contradição em termos. Todas as histórias são ficções (White 1994: 30).
Com essa afirmação tão polêmica, que mexe com os brios de quem deveria se ocupar com a verdade, White procura mostrar que a escrita e a pesquisa histórica não são produzidas fora da linguagem, fora de estruturas de saber e de expressar "o que de fato ocorre". Nenhuma história, ainda que tenha sido vivida pelo próprio autor, pode ser conhecida se não passar pela escrita, pela fala, pela expressão – ela precisa ser contada, e ao se contar a história, ela ganha sentidos que não são dados pela história em si, mas pela interpretação – por aquilo que o autor acredita que a história foi.
Na operação historiográfica que transforma fatos em eventos, fontes primárias em documentos, a linguagem está, ao mesmo tempo, onipresente e invisível. Assim, trabalhos como os de White e LaCapra permitem atentar para o poder ordenador da linguagem tanto na escrita da história como na sua pesquisa empírica. Ao produzirmos um discurso sobre o passado, lidamos com textos (documentos de toda espécie) e com práticas repletas de significados, como é o caso da mídia em geral, e da mídia evangélica em particular. E ao trabalharmos com representações presentes na mídia evangélica, estamos lidando com a afirmação de identidades religiosas.
Joan W. Scott (1988) é conhecida por seu trabalho inovador sobre gênero e política, em que discute como os historiadores devem atentar para os processos de construção de categorias como gênero, raça e classe social. Isso porque muitos historiadores sociais ocuparam-se com esses temas tomando essas categorias como dadas naturalmente. Ou seja, as classes sociais teriam sempre existido na História, e os papéis de gênero seriam biologicamente concebidos, tal qual as raças, por exemplo.
Numa tentativa de atualização, alguns historiadores sociais teriam incorporado os estudos sobre linguagem – em especial os estudos sobre vocabulários e o apoio sobre experiências pessoais. Porém, Scott alerta que a linguagem acabou virando um elemento a mais de análise da luta de classes e, não, como uma teoria questionadora de categorias apriorísticas.
Treating the emergence of a new identity as a discursive event is (...) to refuse a separation between 'experience' and language and to insist instead on the productive quality of discourse. Subjects are constituted discursively, but there are conflicts among discursive systems, contradictions within any one of them, multiple meanings for the concepts they deploy (…) Experience is a subject's history. Language is the site of history's enactment. Historical explanation cannot, therefore, separate the two.[10] (Scott 1996: 396-397).
Scott demonstra como fazer uma análise de discurso articulando-o a um contexto de relações de poder e de sistemas de significado cultural. Ao focalizar a questão da identidade como algo ambivalente – tal qual Certeau (Poster 1997 : 120-121) – a autora nos ajuda a pensar a identidade religiosa como plástica, dinâmica, não fixa. Tomar a identidade como construída historicamente, dentro de jogos de poder e de legitimação de uma posição perante grupos sociais e culturais, implica na reformulação de perguntas no campo da mídia evangélica.
Se considerássemos as identidades culturais como dados concretos, a mídia evangélica poderia ser utilizada para responder as questões da seguinte natureza:
Nessas perguntas temos vários pressupostos:
São perguntas que presumem que os evangélicos fossem um bloco indistinto – e até "mancomunado" – disposto a usar a mídia com más intenções, tal qual uma religião alienígena ao campo religioso brasileiro afro-católico-espírita. A crítica maior recai sobre as igrejas neopentecostais recentes – e mais conhecidas por seu uso extensivo da mídia, como a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça e a Igreja Renascer em Cristo, por exemplo.
Entretanto, e se fizéssemos outro tipo de pergunta?
Os pressupostos modificam-se de uma abordagem para outra:
Assim, a identidade evangélica não é tida como um dado natural e imutável, caracterizada por cristãos herdeiros da Reforma, que não acreditam em santos, que não cultuam imagens, que não aceitam mediação entre o ser humano e Deus, por exemplo. A identidade evangélica é, sim, tomada como algo que se constitui de forma relacional. O sentimento de pertença precisa ser renovado todo dia, a cada culto, a cada oração, a cada confronto com aquele que possui uma crença diferente. No Brasil, ser evangélico significa, muitas vezes, não ser católico, nem espírita e nem umbandista. Num país de cultura católica, ser evangélico requer um constante aprendizado, feito, dentre outras coisas, por meio de produtos de mídia.
Por outro lado, é preciso ter cuidado ao lidar com uma suposta dicotomia entre "evangélicos" e "não-evangélicos", pois, da mesma forma que o protestantismo é caracterizado pela diversidade de denominações, a religiosidade dos não evangélicos é múltipla. Com a pluralidade de crenças, o trânsito religioso faz parte da constituição da identidade religiosa de muitos brasileiros: "já que as pessoas possuem religiões e não vice-versa, a identidade religiosa é uma trajetória que pode incluir idas e voltas" (Freston 1993: 28).
Religiosidade é um conceito importante para se analisar os fenômenos religiosos. Entende-se por religiosidade a forma e o sentimento com que cada indivíduo vive suas crenças e práticas religiosas, independente de ele estar filiado a uma instituição religiosa. Tal qual a identidade, a religiosidade pode ser inconstante, sujeita a questionamentos existenciais, a pressões e incentivos de um grupo, a circunstâncias. Por isso, ela é um conceito importante para se entender a recepção de produtos de mídia evangélica.
A recepção de produtos de mídia evangélica articula-se com o conceito de religiosidade, pois esta pressupõe uma vivência e uma compreensão pessoal de princípios religiosos ou espirituais difícil de ser "regulamentada" por instituições religiosas. Atentar para o consumo dessa mídia evangélica significa realizar uma análise qualitativa, de como os produtos midiáticos são incorporados ao cotidiano daquele que o consome.
Ao se recusar a análise de recepção pelo viés quantitativo (estatísticas de número de livros vendidos, medição de audiência de programas de televisão ou de rádio, por exemplo), não significa que o viés qualitativo seja por si só garantia de uma "boa análise".
O conceito de "sujeito" defendido por Joan Scott fornece uma perspectiva de como se trabalhar com a recepção como parte de uma experiência, como já visto acima. Contudo, toda experiência – aquilo que se vive e que se sente num dado momento – para se tornar conhecida, precisa virar um relato, com as implicações que a textualidade lhe traz. Assim, como a experiência constitui a identidade de maneira instável, transitória e relacional, a recepção não pode ser considerada um dado concreto, com a capacidade de oferecer uma informação exata de como a "fantasia" criada pela mídia foi assimilada no mundo "real".
Dessa forma, a recepção deveria der desconsiderada como categoria analítica? Não, pois essa não é a única forma de se conceber a recepção, já que ela pode ser vista como um movimento dinâmico de re-apropriação e de re-criação dos conteúdos oferecidos pela mídia. Alguns estudos sobre recepção entre adolescentes nos Estados Unidos mostram que a televisão não influencia negativamente seu caráter, pois eles estão envolvidos em uma rede muito ampla de fabricação de sentido (meaning-making) e de interações sociais (Clark 2003). Isso reitera o que Scott afirmara sobre a relação não direta e não fixa entre palavras e coisas – a recepção mostra como idéias, representações, e símbolos podem se transformar pela ação criativa do receptor.
"Rather it is [reading for ‘literary’] a way of changing the focus and the phliosophy of our history, from one bent on naturalizing ‘experience’ through a belief in the unmediated relationship between words and things, to one that takes all categories of analysis as contextual, contested, and contigent[11]" (Scott 1996: 399).
Obviamente, todas essas considerações sobre a importância do receptor e da recepção são inspiradas nos estudos de Michel de Certeau sobre o consumo. Para ele, o sujeito não podia ser definido como um ser unívoco, consciente, mas como uma "estratificação de momentos heterogêneos". Segundo ele, tal heterogeneidade levanta a questão do tempo: "O tempo é precisamente a impossibilidade de uma identidade fixada por um lugar" (Poster 1997: 120). Por isso, a questão das práticas cotidianas torna-se tão importante para Certeau, pois ela vem para "contestar a narratividade totalizante do moderno e sua forma de historiografia" (Poster 1997: 120).
Assim como Certeau refuta o sujeito histórico da tradição liberal e da tradição marxista, o estudo das práticas não contempla as intenções subjetivas, mas os modos de operação dos indivíduos. Dessa forma, ele estuda o consumo, considerado pela Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer e Benjamim, entre outros) como o espaço da perda de tempo, da conformação à lógica capitalista e da não-produção. Por outro lado, Certeau vislumbra no consumo uma ação criativa, em que o indivíduo desenvolve estratégias e táticas para lidar com as tecnologias de poder. É a "anti-disciplina", a resistência de cada indivíduo em relação a mecanismos institucionais de poder econômico, político e cultural.
Por essa razão Certeau opõe-se à História quantitativa, sua falsa segurança nos números e na objetividade, em voga nos anos 1970 (Poster 1997: 115). Tal qual os censos que quantificam o número de adeptos de uma dada religião, as estatísticas não mostram como essas pessoas vivem sua religião ou sua religiosidade. Assim sendo, por que estudar as práticas de recepção? Certeau considerou a resistência como uma impossibilidade de controle da vida diária por mecanismos de poder, o que seria, segundo Mark Poster, o ponto de partida para um tipo de estudo cultural que contemplaria o heterogêneo e as minorias (Poster 1997: 124-125).
No campo de estudos das religiões, isso possibilitaria entender não somente que a diversidade religiosa existe, mas que ela possui vários sentidos para cada grupo, para cada pessoa e, por isso (e não apesar disso) é necessário cultivar o respeito perante os "outros" – pois os "outros" também somos "nós". Por outro lado, o estudo dos sentidos dos produtos de mídia permitem deter-se sobre o efêmero, o cotidiano, o rotineiro como uma forma de não trivializar referências culturais que nos cercam sem que percebamos.
Bastante influenciado por Certeau, David Morgan (1998), no seu estudo sobre piedade visual e cultura popular religiosa nos Estados Unidos, resume bem algumas razões que animam seu trabalho, e que de certa forma também inspiram o meu:
"I am often asked why I work on this 'stuff'. My answer is precisely because it is stuff, the sort of thing that gathers on shelves and coffee tables. Popular culture is of great interest to me because I am fond of thinking of homes, churches, local libraries, and municipal buildings as the prosaic side of collective memory (…) Religious stuff is a particular category of the things that mark the halls and the walls, and the countertops of everyday life. Why bother to study it? In a nutshell, because there is something irresistible about the fact that human consciousness owes so much to cardboard icons and plastic buttons[12]" (Morgan 1998: XI).
Esse texto é uma pequena amostra de como o estudo de mídia evangélica pode se beneficiar com a História Cultural. Outras questões também podem ser trabalhadas sob essa perspectiva teórica. O trabalho de Edward Said (1995), por exemplo, demonstra como obras artísticas podem ser analisadas dentro de um contexto sócio-político amplo. Suas críticas à separação da esfera artística-cultural das demais esferas sociais são um aviso para não se considerar a obra de arte (e nesse caso podemos estender para os produtos de mídia) fechada em si mesma, pertencente a um diálogo meramente estético.
Ao relacionar a análise de romances e óperas produzidas nos século XIX ao contexto do imperialismo, Said problematiza a questão do multiculturalismo e contesta a tendência de parte de estudiosos culturais de fazer a História das minorias refém de seus interesses. Mais que isso, Said mostra que não é necessário ser mulher para se falar de gênero, nem ser negro para se estudar o racismo – e, no nosso caso, nem ser religioso para se falar de religião.
Contemplar alguns autores numa discussão teórica, refutando argumentos de outros, pode deixar a impressão de que a adesão às idéias de um estudioso implicaria uma oposição automática às idéias dos demais autores envolvidos na corrente historiográfica. Contudo, ainda que críticas tenham sido feitas a Roger Chartier, por exemplo, não significa que, em se tratando de História de práticas da leitura, eu vá desprezá-lo nas prateleiras das livrarias.
O mesmo ocorre com a produção da História Social, que muitos teóricos da História Cultural enxergam como "arquiinimigos". O problema não está naquilo que lemos, mas na maneira como lemos. Afinal, uma das maiores contribuições da História Cultural versa justamente sobre questão de leitura e da escrita da História.
APPLEBY, Joyce, HUNT, Lynn, JACOB, Margareth. Telling the Truth about History, W.W. Norton & Company, New York/London, 1995.
ASSMANN, Hugo. A Igreja Eletrônica e seu impacto na América Latina, Vozes, Petrópolis, 1986.
CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, Templo e Mercado Teatro, Vozes/Simpósio Editora/Umesp, Petrópolis, São Paulo, São Bernardo do Campo, 1997.
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2000, 2ª ed.
CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia – a História entre Certezas e Inquietude, Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2002.
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[*] Mestre em História Cultural e doutorando am História Cultural pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Gostaria de agradecer à Profa. Dra. Célia Marinho (IFCH/ UNICAMP) pelas observações e correções desse texto, originalmente elaborado como trabalho final da disciplina Teorias da História Cultural, ministrada no primeiro semestre de 2003, na pós-graduação de História Cultural da UNICAMP. Agradecimentos também à Profa. Dra. Eliane Moura Silva pela revisão crítica do texto.
[1] "An alternate conception of objectivity would stress the importance of thorough research and accuracy, while nonetheless recognizing that language helps to constitute its object, historical statements depend on inferences from textualized traces, and the position of the historian cannot be taken for granted" (LaCapra 1985: 804-805).
[2] "(…) discourses emerge in a field of relations of power, defying some, supporting others, hardly coming into the scholarly world as innocent pursuits of truth" (Poster 1997 : 13).
[3] Essas reflexões decorrem de pesquisas, desenvolvidas por mim desde a 1999, que analisam o uso dos meios de comunicação de massa feito por diversos grupos evangélicos (protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais) como uma forma de inserção das religiões evangélicas no campo religioso brasileiro. Na graduação desenvolvi pesquisa financiada pela FAPESP sobre o Centro Áudio Visual Evangélico (1951-1970), CAVE, um dos pioneiros na comunicação protestante histórica. No mestrado realizei estudo de caso, também financiado pela FAPESP, sobre a empresa de audiovisual "Luz Para O Caminho", ligada à Igreja Presbiteriana do Brasil. Atualmente, no doutorado concentro minhas atenções para a cultura midiática evangélica de massa.
[4] Há de se questionar essa separação de esferas pública e privada – não seria uma construção do próprio século XIX ?
[5] "A noção de textualidade serve para tornar o conceito de realidade menos dogmático, apontando para o fato de que se já está sempre envolvido em problemas de uso da linguagem quando se tenta ganhar perspectiva crítica em relação a esses problemas, e (além disso, esse conceito) levanta a questão das possibilidades e do sentido. Para o historiador a própria reconstrução de um ‘contexto’ ou uma ‘realidade’ ocorre com base em resquícios ‘textualizados’ do passado"(LaCapra 1983 : 50 – tradução minha).
[6] Observação feita pela Profa. Dra. Célia Marinho (História/IFCH/UNICAMP) durante curso de Teorias de História Cultural, ministrado na pós-graduação de História no primeiro semestre de 2003.
[7] "O que é dúbio ao extremo é a idéia de que se pode fazer alguns pronunciamentos gerais sobre a relação entre linguagem (ou qualquer prática significante) e atividades aparentemente não lingüísticas (ou não significantes), pois ao fazer qualquer pronunciamento se está inevitavelmente situado dentro da linguagem, que é articulada a atividades em múltiplas formas. Pensar o contrário é assumir uma posição transcendental fora da linguagem, a partir da qual se pode se pronunciar sobre a relação entre linguagem e uma outra coisa" (LaCapra 1988 : 100 – tradução minha).
[8] Texto publicado na revista dos Annales em 1989 - CHARTIER, Roger, "Le monde comme représentation", dans Annales ESC, 6, 1989, pp. 1505-1521. (fonte: http://www.ehess.fr/centres/grihl/z-BibliosTheses/z-BiblioDeborah2.htm)
[9] Livro de ensaios publicado em 1998 na França, em que O Mundo como Representação aparece reescrito - CHARTIER, Roger, Au bord de la falaise: l'histoire entre certitudes et inquiétude, Paris, Albin Michel, 1998. (fonte: http://www.ehess.fr/centres/grihl/z-BibliosTheses/z-BiblioDeborah2.htm)
[10] "Tratar a emergência de uma nova identidade como um evento discursivo é recusar uma separação entre ‘experiência’ e linguagem, e insistir, ao invés disso, na qualidade produtiva do discurso. Sujeitos são constituídos discursivamente, mas há conflitos entre sistemas discursivos, contradições dentro de qualquer um deles, sentidos múltiplos para os conceitos que eles empregam (...) A experiência é uma história do sujeito. A linguagem é o lugar da encenação da história. A explicação histórica não pode, por isso, separar os dois" (Scott 1996 : 396-397 – tradução minha).
[11] "Estudar a teoria literária é uma forma de mudar o foco e a filosofia de nossa história, de uma [história] destinada a naturalizar a ‘experiência’ por meio de uma crença na relação não mediada entre palavras e coisas, para outra que considera todas as categoriais de análise como contextuais, contestadas e contingentes" (Scott 1996 : 399 – tradução minha).
[12]
"Sou sempre perguntado sobre o porquê de trabalhar com
esse material (stuff*) [cultura material popular]. Minha resposta é
precisamente porque é um material, o tipo de coisa que se
coleciona em estantes e mesas de café. A cultura popular é
de grande interesse para mim porque gosto de pensar em casas,
igrejas, bibliotecas locais e prédios municipais como o lado
prosaico da memória coletiva (..) o material religioso é
uma categoria particular das coisas que marcam os corredores, as
paredes e os balcões da vida cotidiana. Porque me importar em
estudar isso? Em poucas palavras, porque há algo de
irresistível sobre o fato de que a consciência humana
deve muito a ícones de papelão e broches (bottons) de
plástico" (Morgan 1998 : XI – tradução
minha).
* "Stuff" em geral é
empregado para designar materiais, idéias, discursos de pouco
valor, segundo o Dicionário Webster Online (www.webster.com
- acesso em 29 de junho de 2003).