A Devoção a Sathya Sai Baba e a Integração de Aspectos do Hinduísmo ao Universo Religioso Brasileiro e Ocidental

André Luiz Caes[*] []

Resumo

Este texto constitui uma reflexão sobre o crescimento da devoção a Sathya Sai Baba no mundo ocidental e no Brasil em particular. Inserida no contexto das intensas mudanças que atingiram o universo religioso ocidental nas últimas décadas, essa devoção é aqui analisada a partir de três referenciais: o da singularidade da mensagem e do propósito de Sai Baba dentro das correntes religiosas ligadas ao Hinduísmo que aportaram no Ocidente no século XX; o da relação entre a aceitação dos ensinamentos de Sai Baba e o fenômeno de orientalização do universo religioso ocidental; e o das aproximações existentes entre a devoção a Sai Baba e aspectos centrais da devoção cristã.

Palavras-chave: Sathya Sai Baba; devoção; orientalização do universo religioso ocidental

Abstract

This text constitutes a reflection about the growth of the devotion for Sathya Sai Baba in the western world and particularly in Brazil. Inserted in the context of the intense changes that reached the western religious universe last decades, this devotion is here analyzed from three references on: the singularity of the message and Sai Baba’s purpose into the religious tendencies linked to Hinduism that came to occident in twentieth century; the relation between the acceptation of Sai Baba’s teachings and the phenomenon or orientalization of western religious universe; and the approximation between the devotion for Sai Baba and central aspects of christian devotion.

Key words: Sathya Sai Baba; devotion; orientalization of western religious universe

1. Introdução

A devoção a Sathya Sai Baba é hoje um fenômeno mundial. A organização que recebe seu nome e cuja finalidade é proporcionar aos praticantes de seus ensinamentos uma oportunidade de se dedicar à transformação de si mesmos através do serviço à sociedade, está presente em 135 países e, segundo cálculos da mesma organização, há entre 70 e 100 milhões de devotos em todo o mundo[1].

Venerado pelos seus devotos indianos e de todas as partes do planeta como um Avatar – termo que na tradição hinduísta significa “o divino desce para este mundo e se torna presente numa forma” (D’SA, 1993, p. 92) –, Sai Baba e sua mensagem estimulam interessantes reflexões sobre a integração religiosa entre o Ocidente e o Oriente.

Na perspectiva de ser uma contribuição para os estudos que tratam desse tema, este trabalho constitui uma primeira elaboração das informações coletadas sobre a devoção a Sai Baba no Brasil e no mundo, buscando apreender alguns aspectos da integração de seus ensinamentos, que estão ligados às tradições hinduístas, ao universo religioso brasileiro e ocidental.

Na realização deste estudo nos fundamentamos na extensa literatura produzida sobre Sai Baba e seus ensinamentos[2], no contato e participação com os devotos nas reuniões dos Centro Sai em São Paulo (capital e interior), Brasília e Goiânia, e em reflexões produzidas nas áreas da Teologia e das Ciências da Religião que abordam o tema das atuais relações entre as religiosidades ocidental e oriental.

No intuito de facilitar a exposição do tema, dividimos o texto em três grupos de considerações: no primeiro, apresentamos alguns elementos para a compreensão de Sai Baba, sua mensagem e propósito; no segundo, procuramos estabelecer a relação entre a devoção a Sai Baba e o fenômeno de orientalização do universo religioso ocidental (CAMPBELL, 1997), a partir da tese de Campbell e da reflexão de outros autores sobre o mesmo tema; no terceiro, tecemos nossas considerações sobre as aproximações possíveis entre a devoção a Sai Baba e aspectos centrais da devoção cristã, que podem ser elucidativas sobre a aceitação de Sai Baba e sua mensagem no Ocidente.

2. A devoção a Sai Baba: elementos básicos para compreensão

2.1. Avatar e Vibhuti

Para compreendermos a singularidade de Sai Baba no interior do processo de integração religiosa entre o Oriente e o Ocidente, entendemos ser necessário enfocar primeiro as doutrinas hinduístas do Avatar e do Vibhuti.

Segundo D’Sa (1993, p.92), “ainda que a crença nos avatares não esteja explícita nas escrituras canônicas, ela é parte e parcela da tradição hindu”. Essa concepção foi formulada em diversas versões, nas quais o número dos avatares varia de seis a vinte e três, sendo que a versão considerada clássica é a que estabelece uma seqüência de dez avatares de Vishnu, o membro da trindade hindu responsável pela preservação do universo: Matsya (o peixe), Kurma (a tartaruga), Varaba (o javali), Narasimba (meio-homem e meio-leão), Vamana (o anão), Parashurama (o brâmane), Rama (o rei), Krishna, Buda e Kalki (o cavalo, que ainda está por vir) (BOWKER, 2000, p.26)[3].

Mesmo que possa parecer estranha aos olhos ocidentais, essa seqüência ganha um belo sentido na explicação do filósofo e místico Sri Aurobindo Ghosh:

O cortejo hindu dos dez avatares é em si mesmo uma parábola de evolução. Primeiro vem o avatar do peixe, depois o animal anfíbio entre terra e água, em seguida o animal terráqueo, depois o avatar do homem-leão constituindo a ponte entre o homem e o animal, depois o homem como anão, pequeno, não desenvolvido e físico, mas contendo em si a divindade e tomando posse da existência, depois os avatares rajásico, sátvico e nirguna, levando o desenvolvimento humano do homem rajásico vital para o homem mental sátvico e daí para o super-homem supra-mental[4]. Krishna, Buda e Kalki formam os três últimos estágios, os estágios do desenvolvimento espiritual. Krishna abre a possibilidade da mente superior; Buda tenta projetar para o além, para a libertação suprema, mas esta libertação é ainda negativa, não retornando à terra para completar positivamente a evolução; Kalki está aí para corrigir isto trazendo o reino divino para a terra e destruindo as forças de oposição de Asura. A progressão é fascinante e inequívoca. (D’SA, 1993, p. 92)

A doutrina do Avatar entra na história do Hinduísmo por meio do “Bhagavad Gita”, no qual, no capítulo 4°, Krishna expõe a Arjuna o sentido e o significado de sua presença histórica:

Eu nasci muitas vezes, Arjuna, e tu também muitas vezes nasceste. Conheço todas as minhas vidas; tu não conheces as tuas, ó fustigador do inimigo. Ainda que Eu exista sem ter nascido, que Eu seja eterno, ainda que Eu seja o Senhor dos Seres, recorro à Minha natureza essencial e Adquiro feição externa por Meu próprio poder misterioso. Pois sempre que a retidão se mostra em definhamento, ó filho de Bhárata, e a iniqüidade se manifesta, Meu Espírito aparece na terra. Para a proteção dos bons, e para a destruição dos malfeitores, para dar firme apoio aos justos, Venho a este mundo em todas as eras. Quem conhece meu nascimento e Minhas ações maravilhosas como realmente são, ao deixar o corpo, ele não volta para renascer; é para Mim que ele vai, Arjuna! (ELIADE, 1995, p.347)

Esse texto, assim como o restante do “Bhagavad Gita”, expõe de maneira clara as características da manifestação divina na dimensão espaço-tempo. Segundo D’Sa, a passagem do Avatar pode ser compreendida a partir de alguns elementos essenciais, constituintes de sua presença histórica: há a afirmação sobre a natureza imutável do divino e a proclamação da sua supremacia, a entrada do divino imutável no campo da mudança (o cósmico) ocorre por sua própria iniciativa, a motivação dessa entrada é a proteção dos bons, a destruição dos malfeitores e restauração do dharma, o objetivo final do Avatar é libertar o crente do renascimento (D’SA, 1993, p.93)

Também é importante na doutrina do Avatar o fato desta introduzir um dado novo no campo da escatologia hinduísta. Se, até a vinda de Krishna, o foco das práticas que levam à libertação do ciclo de renascimentos (moksha) estava numa busca interior que negava ao mundo um sentido positivo, após sua descida a história e a ação histórica, quando vividas dentro do propósito do amor-devoção (bhakti), tornam-se um meio para a libertação:

Já te disse, ó príncipe. Dois caminhos de libertação se abrem diante de ti: o caminho da sabedoria, para os que estão dispostos a meditar – e o caminho da ação, para os que preferem agir sem apego. Entretanto, esses dois caminhos são um só: ninguém se liberta da escravidão do seu agir pelo fato de não agir – e ninguém atinge a perfeição interior só por desistir da atividade externa. Ninguém pode existir um só momento sem agir; a própria natureza o compele a agir, mesmo sem querer; pensar também é agir no mundo mental. Quem é externamente inativo, mas cede a desejos internos, este ilude a si mesmo. Mas aquele que, pelo poder do espírito, alcançou perfeito domínio sobre seus sentidos e realiza todos os atos externos, ficando internamente desapegado deles – esse homem possui sabedoria. Cumpre, pois, o teu dever consoante a lei! Atividade é melhor que inatividade! Até a conservação do teu corpo exige ação; nem há santidade sem ação. Toda ação que não for praticada como um ato de culto divino redunda em escravidão. Pelo que, Arjuna, sê livre do apego e pratica os teus atos como um culto divino! Sejam as tuas atividades atos de adoração! (BHAGAVAD GITA, 2004)

Essa nova compreensão, sem anular ou negar as muitas vias de libertação ou moksha prescritas nas tradições hinduístas – todas centradas na disciplina pela realização em Brahman – acrescenta a presença do próprio divino como nome e forma, ou seja, histórico, participante do processo de salvação humana:

O amor de Krishna não só diz respeito à salvação do homem como também à felicidade do mundo. Também o mundo pode participar de sua graça, também ele pode chegar ao Krishna. Embora sumamente livre e perfeito, Krishna continua a operar em favor do universo, e nós com ele, pois esse serviço generoso não forja cadeias para o espírito. Abre-se aqui a possibilidade para a entrada das almas libertadas nas questões do mundo, surgindo também para o mundo a possibilidade de entrar cada vez mais nas condições de moksha. Uma vez que Krishna desce ao meio de nós, o Fim torna-se presente no processo do mundo; não vem para o eliminar, nem para lhe tirar o bem e o abandonar em seguida ao seu abismo de escuridão; ele vem para dar-lhe um maior ser libertando-o das forças do mal e fomentando as forças da retidão e do crescimento. (RAYAN, 1969, p.104)

É no Bhagavad Gita, portanto, que surge no Hinduísmo a concepção clara de um Deus Supremo, que se relaciona com o homem diretamente, que se revela como um Deus de amor e salvador, mas cuja salvação é moksha, a libertação do estado de homem cativo da paixão, da ignorância e da miséria.

Daí em diante, o hinduísmo torna-se claramente monoteísta, embora não sem um certo sabor panenteísta. Se bem que a graça e o amor divinos sejam insinuados nos Upanishads, é nos Bhagavad Gita que eles se tornam explícitos e salientes. O homem não se sente mais abandonado, lutando sozinho na escuridão para atingir o seu fim, isto é, a libertação final. A ajuda dum Deus salvador é-lhe garantida para a caminhada que o há de levar à união final com ele. (DHAVAMONY, 1976, p. 8)

Aliada à crença no Avatar, outra crença importante na tradição hinduísta e que também está presente nas manifestações de Sai Baba é a que estabelece a presença do poder divino como Vibhuti.

Há outra maneira em que o divino é experimentado nas tradições hindus que é conhecida como vibhuti. [...] Em todas as coisas e em todo lugar deve ser discernida a atuação da presença divina: não apenas no bom e no grande, no bravo e no belo, no altivo e no poderoso, mas também no óbvio (como o vento e a água) e no duvidoso (como os dados do jogo e o desejo). Nada é omitido, nem mesmo a morte “que tudo destrói”. [...] Um vibhuti não é simples lembrança de que o mistério divino está atuando na carne, na flor e no fruto. É um convite a um encontro com a presença divina na e através da sacramentalidade da dimensão cósmica da realidade. Um vibhuti é – para usar uma expressão sagrada dos cristãos – um sacramento e, como todo sacramento, convida-nos a cultivar a mentalidade sagrada em relação ao universo. (D’SA, 1993, p. 96 e 98)

No sentido acima apresentado, o Vibhuti é o poder divino em constante dispensação, sem distinção de seres, fatos e qualificações, é a expressão do poder imanente e intrínseco, que toma formas específicas no meio humano para desvelar a ilusão de que somos separados e revelar a unidade essencial de todas as coisas.

Em relação a Sai Baba esse conceito é essencial, pois uma das marcas de seu poder como avatar de Shiva (que veremos adiante) é a materialização da cinza sagrada chamada Vibhuti, a qual teria propriedades purificadoras e curativas para o corpo e para o espírito. Segundo as palavras do próprio Sai Baba:

O vibhuti é o objeto mais precioso, no verdadeiro sentido espiritual. Vocês sabem que Shiva queimou o deus do desejo ou Kama, chamado de Manmatha (pois agita a mente e aumenta a confusão já existente nela) até transformá-lo num monte de cinzas. Depois Shiva adornou-se com essas cinzas e, assim, brilhou em sua glória como o conquistador do desejo. Quando Kama foi destruído, o Amor (Prema) reinou absoluto. Quando não existe o desejo para deturpar a mente, o amor pode ser pleno e verdadeiro. Que maior oferenda podem fazer a Deus para glorificá-lo do que a cinza, que simboliza o triunfo de vocês sobre o desejo atormentador? [...] Portanto, queimem sua astúcia, seus vícios e seus maus hábitos e adorem a Shiva, tornando-se puros em pensamentos, palavras e ações. (SANDWEISS, 2002, p.196)

2.2. A singularidade da mensagem e do propósito

Quando falamos da singularidade de Sai Baba no interior do processo de integração religiosa entre Ocidente e Oriente, nos referimos à presença de diversos gurus indianos, ligados às muitas tradições do Yoga e da meditação, que aportaram no Ocidente no século XX, transmitindo seus conhecimentos e fundando organizações destinadas a expandir seus ensinamentos e práticas entre os buscadores ocidentais. Entre estes destacamos (sem estabelecer nenhuma ordem de importância): Yogananda, Muktananda, Krishnamurti, Maharishi, Osho, Iogi Bhajan, Prabhupada[5], que mobilizaram milhões de pessoas a rever seus valores e condicionamentos diante da instigante proposta da auto-realização e do encontro do divino em si mesmo e em todas as coisas. Além destes, outros grandes mestres da espiritualidade hindu, como Ramana Maharishi e Sri Aurobindo, permaneceram na Índia e receberam em seus ashrams milhares de ocidentais à procura dessa mesma experiência.

Todos esses mestres, mesmo sendo seres já auto-realizados[6], em nenhum momento se posicionaram como encarnações da divindade, como avatares, restringindo sua ação à transmissão do conhecimento e das práticas que levam à liberação. Sai Baba, no entanto, por suas próprias afirmações e pelas manifestações extraordinárias de milagres e de compaixão relatadas por seus devotos – seja nos livros ou nas conversas individuais – coloca-se como continuador da tradição dos avatares.

Porém, mesmo dentro dessa tradição, Sai Baba apresenta-se de forma bastante singular, informando ser o segundo de uma tríplice encarnação avatárica e dentro da linhagem de Shiva e Shakti[7]. O primeiro avatar desta seqüência foi Shirdi Sai Baba, que viveu na Índia entre a segunda metade do século XIX e o início do XX, e que seria a encarnação de Shiva; o segundo é o atual Sathya Sai Baba, que nasceu em 1926 e vai permanecer na terra até completar 95 anos, e que seria a encarnação de Shiva e Shakti juntos; e o terceiro será Prema Sai Baba, que retornará oito anos após a partida de Sathya Sai e será a encarnação de Shakti. (SANDWEISS, 2002, pp.114 e 115)

Em muitos dos seus discursos, como o pronunciado em 23 de novembro de 1968, no seu 43º aniversário, Sai Baba afirma sua condição de avatar, com todos os poderes atribuídos ao divino, e cuja missão é restaurar o caminho que conduz a Deus e iniciar uma nova Era de Ouro[8] na Terra:

Para a proteção dos virtuosos, para a destruição dos malfeitores e para o firme restabelecimento da justiça, Eu encarno de tempos em tempos. Sempre que a desarmonia (ashanti) dominar o mundo, o Senhor encarnará sob a forma humana para instituir as maneiras de se obter a Paz Suprema (Prashanti) e para reeducar a comunidade humana nos caminhos da paz. [...] O Avatar se comporta como se fosse humano para que a humanidade possa sentir afinidade com Ele, mas eleva-se a alturas sobre-humanas para que a humanidade possa aspirar a alcançá-las e, através dessa aspiração, chegar verdadeiramente a Ele. A missão para a qual Ele vem sob a forma humana é levá-los a compreender o Senhor como motivador dentro de cada um de vocês. [...] Continuem adorando o Deus de sua escolha, da maneira que lhe é familiar e, então, descobrirão que estão se aproximando cada vez mais de Mim, pois todos os nomes são Meus e todas as formas são Minhas. Não há necessidade de renunciarem ao Deus que escolheram e adotarem um novo, depois de Me terem visto e ouvido. [...] Cultivem no coração a proximidade Comigo e serão recompensados, pois assim adquirirão também uma fração deste Amor supremo. Está é uma grande oportunidade. Confiem em que todos serão libertados. Saibam que estão salvos. Muitos hesitam em acreditar que as coisas vão melhorar, que a vida será feliz e plena de alegrias para todos e que a Idade de Ouro ressurgirá. Asseguro-lhes que este corpo divino, este Dharmaswarupa, não veio em vão. Ele terá êxito em acabar com a crise que se abateu sobre a humanidade. (SANDWEISS, 2002, pp.100-106)

Na essência de sua mensagem está a recusa da dualidade e a afirmação categórica do monismo ou unidade essencial de todas as coisas, revelado pelas escrituras sagradas hindus. A partir dessa posição, realiza a crítica da visão estreita de muitas religiões, mas defende a existência e continuidade das mesmas, porém purificadas do preconceito e da idéia de superioridade.

Quem pode afirmar que Deus é isso ou aquilo? Quem pode afirmar que Deus é tal forma ou possuidor de tal atributo? Cada um pode adquirir da vasta extensão do oceano somente o quanto pode ser contido no vasilhame que levar até a praia. A partir dessa quantidade, pode-se conhecer um pouquinho daquela imensidão. Cada religião define Deus dentro dos limites que demarca e então alega conhecê-Lo todo. Como os sete cegos que falavam do elefante como um pilar, um abanador, uma corda ou um muro, porque eles entravam em contato com apenas uma parte e não podiam compreender o animal inteiro, similarmente, as religiões falam de uma parte e afirmam que essa visão é completa e total. Cada religião esquece que Deus é todas as Formas e todos os Nomes, todos os atributos e asserções. A religião da Humanidade é a soma e a substância de todas essas fés parciais; portanto, existe somente uma Religião e essa é a Religião do Amor. (SANDWEISS, 2002, p. 217)
Deixem que existam diferentes religiões, deixem que floresçam, deixem que a glória divina seja louvada em todos os idiomas do mundo. Respeitem as diferenças entre religiões e reconheçam-nas como válidas, sempre que estas diferenças não tratem de extinguir a chama da irmandade do homem e a paternidade de Deus.[9]

Mesmo se posicionando a partir dos ensinamentos das Escrituras Sagradas do Hinduísmo (Vedas, Mahabharata, Puranas, Upanishads, etc.), Sai Baba afirma, ainda, sua independência e o caráter universal de sua vinda:

Vim para acender a chama do amor em seus corações, para que ela brilhe dia a dia com mais esplendor. Não vim em benefício de alguma religião em particular. Não vim em nenhuma missão de publicidade para qualquer seita, credo ou causa, nem vim reunir seguidores para nenhuma doutrina. Não tenho planos para atrair discípulos ou devotos ao meu rebanho ou a algum outro rebanho. Vim para falar-lhes desta Fé Unitária Universal, deste Princípio Divino, deste Caminho de Amor, desta Ação de Amor, deste Dever de Amor, desta Obrigação de Amor.[10]
Este Sai veio para cumprir a suprema tarefa de unir toda a humanidade em uma só família através do vínculo da fraternidade; afirmar e iluminar a realidade átmica de cada ser, a fim de revelar o Divino, que é a base sobre a qual repousa todo o Universo; e instruir a todos no sentido de reconhecerem a herança divina comum que liga os homens entre si – a fim de que o homem possa libertar-se da condição animal e ascender à Divindade que é a sua meta. (SANDWEISS, 2002, p. 220)

Esse caráter universal é afirmado inclusive dentro da própria Índia, onde Sai Baba realiza – por meio da organização que leva seu nome – diversos tipos de empreendimentos voltados ao bem-estar material da população pobre[11], ultrapassando os limites e preconceitos do antigo sistema de castas, que, apesar de ter sido excluído da Constituição do país, ainda deixa suas marcas em muitas regiões da Índia.

Essa universalidade de propósito é também o lema principal de seu ensinamento:

Só há uma casta, a da humanidade!
Só há uma linguagem, a do coração!
Só há uma religião, a do Amor!
Só há um Deus, e Ele é Onipresente!

2.3. A Organização Sri Sathya Sai

Dentro do propósito estabelecido em seus discursos, Sai Baba estimulou a criação de uma organizaçação na qual seus ensinamentos possam ser conhecidos, aprofundados e praticados, levando os devotos a assumir uma disciplina de devoção e serviço.

Essa organização foi criada na Índia na década de 1960 e hoje, como já afirmamos na Introdução, se faz presente em 135 países. Na Índia, a Organização Sri Sathya Sai é responsável tanto pelas atividades devocionais e de serviço à comunidade como por grandes investimentos – provenientes das doações recebidas – nas áreas de educação, medicina e abastecimento de água. Já em outros países, como o Brasil, a organização vem se estruturando e implantando atividades como: o Projeto de Acampamentos Médicos, o Projeto de Atendimento a Comunidades, e o Projeto Sathya Sai de Educação em Valores Humanos.[12]

Administrativamente, a Organização no Brasil encontra-se plenamente consolidada, tendo equipes nacionais e regionais atuando em todas as áreas estabelecidas para o seu funcionamento. Ao todo são 27 Centros Sai Baba e 42 Grupos Sai Baba espalhados por todas as regiões do país.

Segundo o site oficial da Organização no Brasil, o foco central do trabalho dos devotos é difundir a mensagem de Sai Baba sem procurar atrair novos adeptos; mas aqueles que se interessam espontaneamente em participar da Organização “são incentivados a perseverarem em sua religião, praticando fielmente os ensinamentos por ela preconizados e a utilizarem a mensagem de Sathya Sai Baba para se firmarem definitivamente rumo à meta espiritual mais elevada.”[13]

3. A orientalização do universo religioso ocidental: um contexto favorável

Ao propor a tese de que a teodicéia que fundamentou a experiência religiosa ocidental nos últimos dois mil anos está sendo substituída por outra que é essencialmente oriental em sua natureza, Campbell (1997, p. 5) apontou um aspecto importante da atual conjuntura religiosa do Ocidente que, para o nosso propósito, merece ser recordado e comentado.

Antes, porém, de serguirmos esse caminho, convém estabelecermos claramente o papel da teodicéia para o indivíduo. Acompanhamos aqui o pensamento de Peter Berger:

A teodicéia afeta diretamente o indivíduo na sua vida concreta na sociedade. Uma teodicéia plausível (que, é claro, requer uma estrutura de plausibilidade apropriada) permite ao indivíduo integrar as experiências anômicas de sua biografia no nomos socialmente estabelecido e o seu correlato subjetivo na sua própria consciência. Essas experiências, por penosas que possam ser, ao menos têm sentido agora em termos que são tanto social como subjetivamente convincentes. É importante salientar que isto de modo algum significa necessariamente que o indivíduo esteja agora feliz ou mesmo satisfeito ao passar por tais experiências. Não é a felicidade que a teodicéia proporciona antes de tudo, mas significado. E é provável [...] que, nas situações de intenso sofrimento, a necessidade de significado é tão forte quanto a necessidade de felicidade, ou talvez maior. Não resta dúvida de que o indivíduo que padece, digamos, de uma moléstia que o atormenta, ou de opressão e exploração às mãos de seus semelhantes, deseja alívio desses infortúnios. Mas deseja igualmente saber por que lhe sobrevieram esses sofrimentos em primeiro lugar. Se uma teodicéia responde, de qualquer maneira, a essa indagação de sentido, serve a um objetivo de suma importância para o indivíduo que sofre, mesmo que não envolva uma promessa de que o resultado final dos seus sofrimentos é a felicidade neste mundo ou no outro. Seria, por esta razão, um equívoco considerar as teodicéias unicamente em termos do seu potencial “redentivo”. Aliás, algumas teodicéias não são portadoras de nenhuma promessa de “redenção” – a não ser pela segurança redentora do próprio sentido. (BERGER, 1985, p.70)

A substituição de uma teodicéia por outra – pleiteada por Campbell – supõe, segundo a definição acima, uma profunda crise de sentido, na qual as experiências anômicas, individual e coletivamente vivenciadas, não são mais facilmente integradas, exigindo, por parte de cada ser que experimenta, a busca de uma ou mais explicações plausíveis para a angústia existencial.

Essa grande crise de sentido é explicada por Berger, assim como por outros autores (MARTELLI, 1995 pp. 271-335), como resultado do processo de secularização da sociedade ocidental, processo esse que foi determinante para que as religiões tradicionais perdessem sua autoridade, tanto em nível de instituições como em nível da consciência humana (BERGER, 1985, p.119). Esse fato trouxe como efeitos mais importantes a privatização da religião – que passou para a esfera das escolhas individuais e das realizações pessoais – e o pluralismo religioso – que instalou na sociedade um regime de concorrência (ou situação de mercado) entre os diversos agentes religiosos (MARTELLI, 1995, p. 290).

Analisando o pensamento de Berger, Martelli afirma que este vê, nos fenômenos do pluralismo religioso e da privatização e subjetivação da religião, uma condição que obriga todos a serem hereges, isto é, a realizar uma livre escolha entre as religiões e concepções de mundo existentes em uma dada sociedade. Esse imperativo herético constitui – dentro do atual quadro de ofertas religiosas – um impulso essencial para a reestruturação do campo religioso ocidental, podendo levar a uma “síntese ecumênica entre as religiões monoteístas do ramo semítico e aquelas místicas do extremo oriente” (MARTELLI, 1995, p. 294).

Síntese ecumênica (Berger) ou substituição (Campbell), ambas as possibilidades indicam a inevitabilidade do confronto ou diálogo entre as teodicéias do Ocidente e do Oriente como solução para a crise de sentido que se abateu sobre a sociedade ocidental.

O aspecto importante apontado por Campbell – e que apenas sugerimos no início deste tópico – é o que se refere à sua análise sobre o trabalho de Ernest Troeltsch, no qual este afirma que uma religião espiritual e mística seria a mais provável de florescer no mundo moderno, superando as religiões de igreja e de seita (1997, p.11). Esta nova religião, segundo Campbell

[...] vê a experiência religiosa como expressão verdadeira daquela consciência religiosa universal que está baseada em um fundamento divino último; uma visão que leva à aceitação de um relativismo religioso em relação a todas as formas específicas de crenças e à doutrina do polimorfismo, na qual a verdade de todas as religiões é reconhecida. Daí, não apenas são toleradas visões largamente diferentes das verdades centrais do Cristianismo, mas todas as formas de religião são vistas como idênticas. (1997, p.12)

Ora, se voltarmos ao pensamento de Berger, o veremos afirmar que uma religião mística oferece a possibilidade de desalienação em relação à realidade social e à própria religião (BERGER, 1985, p. 110). Nos dizeres de Martelli – ainda em sua análise sobre o pensamento de Berger – a mística, “pondo em relevo a limitação intrínseca de qualquer obra ou instituição humana diante da perfeição da transcendência, permite ao homem criticá-las e superar suas pretensões de imodificabilidade”. (MARTELLI, 1995, p. 289)

É justamente o caráter místico das mudanças que sustenta a tese de Campbell, quando este afirma como “indiscutivelmente oriental” a adoção de uma concepção do divino como imanente e não transcendente, que leva os ocidentais ao abandono da visão de um “mundo dividido entre matéria e espírito e governado por um Deus criador, pessoal e todo-poderoso, que tenha colocado suas criaturas acima do restante da criação” e a aceitação da noção de que a humanidade é parte da “entrelaçada teia de vida espiritual e sensitiva”. (1997, p.20)

Nessa sintonia que pode ser estabelecida entre os pensamentos de Berger e Campbell vemos um dos pontos-chave para a compreensão da integração religiosa entre o Ocidente e o Oriente, à medida que a experiência mística é patrimônio comum a todas as tradições religiosas e aponta sempre para um caminho compartilhado, no qual a meta espiritual é indiscutivelmente mais importante que divergências teológicas ou rituais.

3.1. O Brasil no contexto da orientalização

No Brasil, o quadro do universo religioso, além de não contradizer a perspectiva até aqui demonstrada, parece apontar para uma dinâmica particular de aceitação da subjetivação da religião e do pluralismo religioso, na qual também está presente a inclinação a uma tendência mística.

Analisando a ascensão dos novos movimentos religiosos (NMR) no Brasil, Guerriero afirma que, em nosso país:

A privatização do sagrado, que se refugia na realidade da vida individual, sempre foi característica brasileira, fazendo- nos pensar que a oficialidade religiosa por aqui nunca foi a mesma que em outros países e que a secularização guarda marcas distintas, enfatizando esse aspecto da privatização. (GUERRIERO, 2004, p.169)

Na sua visão, a conversão total e irreversível a qualquer sistema religioso é uma exceção no Brasil, país cuja cultura religiosa já tem arraigada a experiência das múltiplas vivências em nível pessoal. Essa característica teria contribuído para a explosão das novas espiritualidades em nosso país.

É como se o campo já estivesse predisposto com as condições necessárias para que, em termos culturais e religiosos, e num dado estágio de desenvolvimento da sociedade, os novos movimentos religiosos (NMR) pudessem emergir e desenvolver-se plenamente. (GUERRIERO, 2004, p.169)

Numa outra perspectiva, mas que complementa a visão de Guerriero, Brandão utiliza, como tipo emblemático da realidade religiosa brasileira, o personagem Riobaldo Tatarana, do livro “Grande Sertão: Veredas”:

O que mais penso, texto e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é salvação-da-alma...Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio... Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão católico, embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me suspende. (BRANDÃO, 1994, p.27)

Nesse personagem, a partir das reflexões do autor, podem ser encontrados alguns elementos básicos da religiosidade brasileira: a) a religião é a cura para o corpo e para a alma, e essa cura é a garantia contra a perda de sentido (“desendoidecer”); b) todas as religiões são verdadeiras, mas nenhuma delas esgota a plenitude da verdade, todas tem poder, ou seja, contém verdade, valor, virtude e valia; c) cada sujeito religioso pode realizar seus próprios recortes de crenças, encontrar sua própria lógica de fé, seu próprio imaginário da crença; seu próprio código de virtude. (BRANDÃO, 1994, pp. 27-29)

Na trilha dessas características é possível distingüir uma recriação moderna do misticismo, a partir do qual o indivíduo deixa de recorrer à religião tradicional como exclusiva ao longo dos tempos de sua biografia, para assumir a tarefa de conferir sentido à sua existência e o compromisso de trabalhar pelo aperfeiçoamento de si mesmo. Esse seria o caminho para a aquisição das virtudes essenciais como ser humano e divino:

Conhecer-se até onde for possível, dissolver-se na ordem mística de um cosmos vivo, mas à condição de fazê-lo trabalhando a plenitude de sua própria pessoa, do corpo às possíveis e várias dimensões espirituais de si mesmo. (BRANDÃO, 1994, p. 31)

Em síntese, podemos afirmar que um componente místico está implícito na busca espiritual do brasileiro, pois sua perspectiva sobre encontrar Deus, mesmo nas opções mais sectárias do neo-pentecostalismo, pressupõe o desejo de integração religiosa a uma ordem transcendente, tanto na submissão total de sua vontade às diretrizes da religião escolhida, como na procura incessante de si mesmo pelos mais diversos caminhos religiosos que se abrem ao seu conhecimento.

4. A devoção a Sai Baba e a aproximação com a devoção cristã: uma via essencialmente mística e integrativa

Enfocamos separadamente o tema da orientalização e destacamos o seu aspecto fundamental, que é a presença de um forte elemento místico, para retomarmos aqui a devoção a Sai Baba e a integração, que esta estimula, de aspectos do Hinduísmo ao universo religioso brasileiro e ocidental.

Entendemos como certo que o componente místico que está presente em todas as tradições religiosas – mas que é limitado pelas instituições no seu desejo de manter sob controle a experiência de fé do fiel (EICHER, 1978; CATTIN, 1994) – encontra-se nesse momento libertado de seus grilhões pelas possibilidades abertas pelo pluralismo e pela subjetivação. Forçado a olhar para si mesmo pelo processo de secularização e a buscar o próprio caminho, o homem ocidental volta a desejar compartilhar com toda a criação o sentimento de pertencer a um cosmos sagrado.

Nesse sentido, a mensagem de Sai Baba e os conceitos do Hinduísmo que são mais freqüentemente utilizados em seus ensinamentos, constituem uma opção bastante atrativa, pois direcionam-se sempre a conduzir o ouvinte ou leitor à experiência da unidade e à transcendência da noção do ego como entidade separada e autônoma.

Palavras como: sadhana (disciplina), thapas (austeridade), vairagya (desapego, renúncia), bhakti (devoção), sradha (fé), seva (serviço desinteressado), japa (repetição de mantras e orações), namasmarana (repetição ou lembrança constante do nome e forma de Deus que é da escolha do indivíduo), dhyana (meditação), atmavichara (inquérito sobre a verdadeira natureza do ser e da existência), viveka (discernimento), jivatma e Paramatma (alma individual e Alma Universal), yoga (união), prema (amor) e That thwam asi (mantra no qual o indivíduo reconhece Eu Sou Ele); que constituem o núcleo básico dos ensinamentos (entre muitos outros conceitos cujo significado é esclarecido nos muitos livros publicados[14]), enfatizam o caminho espiritual como a percepção cada vez mais profunda do próprio ser como intrinsecamente divino e de toda criação (outros seres humanos e os reinos animal, vegetal e mineral) como uma unidade em que Deus é presença imanente.

Entretanto, não é o fato de pertencerem à religiosidade hinduísta – que a maior parte dos devotos ocidentais de Sai Baba desconhece[15] – que atrai nesses ensinamentos. Não é uma religiosidade nova que está sendo buscada. É o foco das mensagens numa disciplina que leva ao amor incondicional a Deus e ao próximo que parece ser a principal força de atração dos ensinamentos de Sai Baba – tema que também é central na devoção cristã.

Se tomarmos trechos importantes da mensagem do Novo Testamento como: “Ame ao Senhor seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma, e com todo o seu entendimento [...] Ame ao seu próximo como a si mesmo”[16]; “Quando foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso e fomos te visitar? [...] Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram”[17]; “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim”[18]; trechos esses que poderiam ser multiplicados, teremos aqui a essência mística do Cristianismo, que também preconiza a redução das atividades do ego, a entrega total a Deus, o reconhecimento d’Ele no outro e o amor como fonte dessa atitude de desapego em relação ao próprio ego.

Mas não é apenas essa aproximação que pode ser feita entre a mensagem de Sai Baba e a experiência cristã. Além do foco no amor incondicional a Deus e ao próximo, Sai Baba propõe o serviço desinteressado (sem a expectativa de reconhecimento e sem o apego ao resultado) como prática essencial para o exercício desse amor, aproximando-se do ideal cristão da caridade.

Há na mensagem de Sai Baba a exigência da moralidade e da retidão de caráter como atitudes necessárias para se realizar o caminho espiritual, o que, sem dúvida, faz parte também da mensagem evangélica.

A mensagem de Sai Baba, considerando-se o fato deste se auto-afirmar um avatar, atualiza a expectativa escatológica cristã, fundamentada na possibilidade da construção do reino de Deus aqui e agora: um reino de paz e de amor. A afirmação de Sai Baba sobre a chegada de uma nova Era de Ouro alimenta o desejo de trabalhar devotadamente para este objetivo.

Não há como deixar de evidenciar aqui que os milagres atribuidos a Sai Baba – tanto os que são relatados nos livros como os que foram vivenciados por devotos brasileiros que estiveram em sua presença (materializações por exemplo) – aproximam Sai Baba de Jesus Cristo, fato que se enquadra na tradição dos avatares, pois Jesus pode ser incluído nesta tradição, conforme ocorreu entre muitos devotos de Vishnu na Índia, ao tomarem contato com os missionários cristãos (RAYAN, 1993).

Por fim, Sai Baba une em sua mensagem os conceitos de libertação e salvação, característicos das tradições religiosas hinduísta e cristã, relevando a necessidade da disciplina interior para alcançar o estado de união com Deus (conforme é caracterizado pela seqüência de palavras que separamos há pouco), mas afirmando a participação ativa de Deus nesse processo de elevação espiritual do ser humano: “Dê um passo em direção a Deus e Ele dará cem em direção a você”.

É importante ressaltar que os devotos brasileiros de Sai Baba, assim como aqueles de outros países que deixaram seus testemunhos nos livros, são pessoas envolvidas com essa perspectiva religiosa. Todos são religiosos, tanto no sentido de que pertencem ou pertenceram a alguma forma institucional de religião, como pelo fato de procurarem algo além do ritual, algo que os motive a encontrar em todos os seus atos e atitudes um sentido religioso, uma ligação com um propósito transcendente.

5. Considerações finais

A crise de sentido que se abateu sobre o universo religioso ocidental, motivada pelo processo de secularização, ao mesmo tempo que limitou o poder das instituições religiosas tradicionais, abriu caminho para a explosão de novas possibilidades de busca de orientação espiritual.

No aprofundamento desse processo, Campbell enxergou a derrocada da teodicéia cristã – que regeu a vida no Ocidente nos últimos dois mil anos – e a sua substituição por outra caracterizada por conceitos e crenças muito mais próximos à teodicéia existente no mundo oriental. Esta orientalização, como a chamou este autor, é marcada muito menos pela importação das tradições religiosas e culturais orientais (que também ocorrem), do que pela emergência, no próprio Ocidente, de um profundo interesse por experiências religiosas e culturais que foram silenciadas – às vezes, massacradas – pela visão cristã dominante.

Dentro desse despertar espiritual, destacamos o renovado interesse pela experiência mística, como campo propício para uma fecunda integração espiritual entre o Ocidente e o Oriente, à medida que, independentemente da tradição cultural e religiosa, a visão mística tende a levar ao entendimento e à percepção de que há uma unidade por trás de toda diversidade aparente.

É no contexto dessa integração espiritual entre o Ocidente e o Oriente que situamos o crescimento da devoção a Sathya Sai Baba, o qual creditamos às aproximações existentes entre a mensagem de Sai Baba e os aspectos centrais da devoção cristã.

Procuramos demonstrar, dentro da lógica interna da tradição hinduísta dos avatares, as perspectivas apresentadas por Sai Baba (como possível presença do Deus libertador e salvador na humanidade) que reafirma categoricamente em seus discursos a possibilidade de libertação e salvação espiritual pela disciplina interior, pela devoção a Deus e pelo serviço desinteressado à humanidade.

Sintetizamos alguns aspectos de sua mensagem que se harmonizam profundamente com a devoção cristã e evidenciamos o fato de que que não se preconiza a substituição de uma religião por outra, mas o reavivamento e integração entre as diversas religiosidades pela compreensão de que há um único Deus motivador dentro de cada indivíduo.

A proposta espiritual de Sai Baba – se considerarmos o núcleo central de seus ensinamentos e a estrutura e finalidade da organização que leva seu nome – aponta para um projeto de ampla integração religiosa destinada a despertar no homem a consciência do amor, da paz e da fraternidade que é patrimônio de todas as religiões, quando despojadas das noções de superioridade e de exclusividade sobre a posse da verdade e do conhecimento espiritual.

O mais interessante, talvez, da perspectiva que construímos neste texto, é que ela poderá ser acompanhada em seus desdobramentos históricos, tornando-nos testemunhas desse passo a passo da integração religiosa entre o Ocidente e o Oriente.

Bibliografia

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SAI BABA, Sathya. Sadhana: o caminho interior. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Record: Nova Era, 1999.

Notas

[*] Doutor em História pela Unicamp e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG) – Unidade Universitária de Morrinhos.

[1] Site oficial da Organização Sri Sathya Sai no Brasil: http://www.sathyasai.org.br. Acesso em: 31.08.06.

[2] Encontramos 38 títulos publicados, dos quais consultamos 15.

[3] O autor sugere, para o estudo da relação entre Vishnu com o universo e sua atividade dentro dele, a consulta ao Vishnu Purana.

[4] Para uma melhor compreensão desta explicação de Sri Aurobindo é importante conhecer o ensinamento hinduísta sobre os Gunas, ou atributos de tudo o que existe. Tamas (que não é citado) significa sombra, ignorância, lassidão, apatia, preguiça, maldade, etc.; Rajas significa paixão, ambição, vontade, inquietação, ansiedade, dinamismo, etc., daí o homem rajásico vital indicado no texto e personificado por Parashurama; Sathwa ou Satva significa sabedoria, inteligência, bondade, luz, etc., daí o homem mental sátvico, personificado por Rama. Já nirguna, é o aspecto de Deus que não pode ser visto com os olhos físicos, mas que pode ser percebido internamente como luz e experimentado como conhecimento universal e sabedoria. Este aspecto está presente em Krishna, Buda e Kalki, que, como afirma o autor, mostram o caminho para o super-homem supra-mental.

[5] Yogananda viveu 30 anos no Ocidente e fundou a Self Realization Fellowship, com sede em Los Angeles – Califórnia; Muktananda viveu nos EUA de 1970 a 1982 e fundou a Siddha Yoga International; Krishnamurti deixou uma fundação com seu nome, além de escolas e do Instituto Cultural Krishnamurti; Maharishi Mahesh Yogi propôs, a partir da década de 1950, o Movimento Mundial de Regeneração Espiritual que seria efetivado através da disseminação da prática da Meditação Transcendental por todo o mundo; OSHO ou Bhagwan Shree Rajneesh, deixou a OSHO International Foundation; Iogi Bhajan é o fundador da 3HO ou Healthy, Happy, Holy Organization, que se dedica ao ensinamento da Kundalini Yoga; e Prabhupada é o fundador da ISKCON ou Sociedade Internacional da Consciência de Krishna.

[6] Na Índia, a princípio, só é considerado um verdadeiro Mestre ou Guru aquele que já percorreu todo o caminho da auto-realização, qualquer que seja a tradição que ensine.

[7] Shiva é o terceiro Deus da trindade hindu e representa o aspecto destruidor da energia divina (Brahma é o criador e Vishnu o preservador). Sua ação é essencialmente transformadora: destrói para que haja o renascer. Na vida espiritual indica a destruição das limitações que impedem o homem de alcançar a meta. Cada um dos deuses da trindade hindu tem sua Shakti, que é a personificação da energia cósmica em sua forma dinâmica, ou seja, é a força da criação em Brahma, da preservação em Vishnu e da destruição e regeneração em Shiva. Shakti é considerada também como Mahadevi (Grande Mãe) e aparece ao lado dos três deuses como suas consortes. No caso de Shiva são três as consortes e estas representam os três aspectos de sua natureza: como Parvati é a energia materna, cuidadora; como Kali é a energia destruidora, que devora todos os demônios, mas é também o tempo, no qual ocorrem as mudanças; como Durga é a energia da vitória do bem contra o mal, a regeneração. Ver: BOWKER, John. Para entender as religiões. 2ª Ed. São Paulo: Ática, 2000.

[8] Segundo a doutrina dos Yugas ou idades, um ciclo completo da existência da sociedade humana, ou Mahayuga é dividido em quatro partes. O Krta Yuga ou Idade Realizada – ou ainda Idade de Ouro –, é a época beatífica, na qual reinam a justiça, a felicidade e a opulência, e o dharma é respeitado em sua integridade. Já na Treta Yuga, ocorre uma regressão e apenas três quartos do dharma é respeitado. Na Dvapara Yuga apenas metade do dharma é respeitado e os vícios e desgraças aumentam. Na Kali Yuga, a idade ruim ou das trevas, apenas um quarto do dharma é respeitado. Nessa época, somente a propriedade confere a posição social, a riqueza torna-se a única fonte de virtude, a paixão e a luxúria são os únicos laços entre os esposos, a falsidade e a mentira a única condição para o sucesso na vida, a sexualidade o único meio de prazer, e a religião exterior, unicamente ritualista, é confundida com a espiritualidade. Após o crepúsculo da última idade – no caso a Kali Yuga, da qual estamos atravessando a fase final – inicia-se a aurora de um novo Mahayuga, ou seja, uma nova Krta Yuga ou Idade de Ouro é instalada. Ver: ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos: ensaio sobre o simbolismo mágico religioso. São Paulo: Martins Fontes, 1991, pp.56-62.

[9] Site oficial da Organização Sri Sathya Sai no Brasil: http://www.sathyasai.org.br. Acesso em: 31 de agosto de 2006.

[10] Ibid.

[11] Foram construídos: escolas de ensino fundamental e médio (usando aqui a terminologia brasileira), três faculdades, escola de música, dois hospitais de super-especialidades (um com 300 e outro com 336 leitos e com atendimento totalmente gratuito), dois projetos de tratamento e abastecimento de água que beneficia mais de três milhões de pessoas, e, ainda, os acampamentos médicos, nos quais seus devotos ligados a atividades nas áreas médicas atendem voluntariamente as regiões mais pobres do país. Ver: Site oficial da Organização Sri Sathya Sai no Brasil: http://www.sathyasai.org.br. Acesso em: 31 de agosto de 2006.

[12] Site oficial da Organização Sri Sathya Sai no Brasil: http://www.sathyasai.org.br. Acesso em: 31 de agosto de 2006.

[13] Ibid.

[14] Recomendamos aqui o livro: Sadhana: o caminho interior. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Record: Nova Era, 1999.

[15] No dia 18/08/2006, foi comunicado aos centros e grupos Sai do Brasil, o início do estudo dos Vedas. Site oficial da Organização Sri Sathya Sai no Brasil: http://www.sathyasai.org.br. Acesso em: 31 de agosto de 2006.

[16] Cf.: Mateus 22, 36 e 39.

[17] Cf. Mateus 25, 38 a 40.

[18] Cf. Gálatas 2, 20.