O artigo pretende introduzir o leitor à Psicologia Cultural da Religião, tomando por base o desenvolvimento histórico desta abordagem psicológica na Holanda da primeira metade do século XX até nossos dias. O artigo conecta a Psicologia Cultural da Religião à teoria do self dialógico (dialogical self), assim como o concebem os psicólogos H. J. M Hermans e H. J. G. Kempen, partindo de autores que têm sua origem no pragmatismo, no construcionismo e nas chamadas teorias narrativas. A preocupação central do autor é a de deixar clara a importância da dimensão cultural para a Psicologia da Religião. Neste sentido, ele propõe uma Psicologia Cultural da Religião e mostra como ela vem sendo elaborada na Holanda a partir de impulsos nascidos na Universidade de Nimega.
Palavras-chave: Religião e cultura, Psicologia cultural, História da Psicologia, cultural
This article aims to introduce the reader into Cultural Psychology and Religion by following the historical development of this psychological approach in Holland during the second half of the XX century up to the present. The article connects the Cultural Psychology of Religion to the theory of the dialogical self as conceived by the psychologists H. J. M. Hermans and H. J. G. Kempen and begins with authors who have their origin in pragmatism, constructionism and in the so called narrative theories. A central worry for the author is to point out the importance of the cultural dimension for the Psychology of Religion. In this way he proposes a Cultural Psychology of Religion and shows how it has been elaborated in Holland from the insights born at the University of Nimega.
Keywords: Cultural Psychology of Religion, History in Holland, Religion and Culture
No presente momento o interesse pela Psicologia da Religião vem aumentando não somente entre os estudantes e a população, mas também entre os praticantes e pesquisadores (cf. publicações da APA – Associação Americana de Psicologia). Em menor medida, isto se aplica, também, à Psicologia Cultural da Religião. Há, certamente, maior interesse no campo hoje do que há dez anos. Alguns autores e revistas especializadas associados a essa renovada atenção também se dedicam ao tema. Embora não ligados totalmente à Psicologia da Religião, eles fornecem exemplos ligados à religião que, certamente, fazem com que o tema deixe de ser tabu.
Talvez o mais importante de tudo seja o fato de a aproximação psicocultural nos oferecer a oportunidade de superar o conceito de que a religião faz parte da natureza humana, e que é melhor ser religioso do que não o ser; e também nos livrar de certos estorvos moralizantes que entravam a Psicologia da Religião a da Religião. Quando entendemos religião como um elemento da cultura, necessitamos de conceitos e unidades que nos ajudem a encontrar o nexo entre certa cultura e a pessoa com seus hábitos, ações e narrativas ou histórias. A teorização sobre self dialógico, tal como iniciada por Hermans e Kempens, pode fornecer elementos a esse respeito. Seu trabalho, que é reconhecido pelo movimento internacional em torno da Psicologia Cultural, promete uma analise cultural do fenômeno religioso. É interessante olharmos de perto para esse corpo teórico, já que ele também está inextricavelmente ligado ao desenvolvimento das pesquisas da Universidade Católica de Nimega (Holanda). O self dialógico pode ser visto como resultado tardio de antigas iniciativas de integrar a Psicologia Cultural com Psicologia da Religião na Holanda, um movimento que culminou em 1956 com a instalação do Departamento de Psicologia Cultural em Nimega, embora também tenha ver com a instalação do Departamento de Psicologia Geral. Mas alcança também posteriormente o ideal de que a Psicologia da Religião deve acontecer a partir de uma perspectiva secular. Para corroborar estas afirmações, é necessário lembrar algumas informações históricas. Vou apresentar uma mescla de argumentação histórica e sistemática[1].
Um dos mais aspectos mais atraentes do tema reside no fato de que o self dialógico contempla ao mesmo tempo as mais antigas tradições da Psicologia e as mais atualizadas tendências do momento (EUA). O conceito de self dialógico é o resultado de contínuas conversações entre autores diversos, como Heidegger e Merleau Ponty, enquanto representantes do pensamento fenomenológico, de James e Mead como representantes do pragmatismo americano e de Sarbin e Gergins enquanto representantes de certos movimentos contemporâneos como o Construcionismo e as teorias narrativas. A compatibilidade com movimentos presentes na Literatura e várias outra áreas fica patente na teoria do self dialógico e nas teorias de Hermans e Kempen, como também em Mac Adams e Fogel.
Em seu esforço de conceber a pessoa humana como um self múltiplo, mutante, corporizado e dependente do contexto, Hermans e Kempen claramente contribuem para a Psicologia Cultural tal com esta está sendo presentemente desenvolvida em vários lugares e sob muitas formas, vinculando-se, além disto, a uma longa tradição de Nimega, onde ambos os autores estiveram presentes por cerca de quarenta anos. A diversidade de fatores e fontes em seu trabalho tem sido uma característica forte e, igualmente, um fardo para o departamento de Psicologia Cultural de Nimega. Mas, em primeiro lugar, vamos considerar brevemente o conceito em si.
Hermans e Kempen propõem, inicialmente, a ideia do self como uma multiplicidade de posições relativamente autônomas do EU numa linha imaginária. Seguindo a proposta de Sarbin, de uma narrativa psicológica, e assumindo que na narrativa do self um autor singular conta histórias sobre si próprio como ator, Hermans e Kempen concebem o self como polifônico: um ou o mesmo indivíduo pode e frequentemente vive numa multiplicidade de mundos, cada mundo tendo seu próprio autor contando uma história relativamente independente da dos autores dos outros mundos. De tempos em tempos, os vários autores podem dialogar entre si..
Além disso, o self conceituado, como uma novela polifônica, tem a capacidade de comportar as noções das narrativas e diálogos imaginativos. Em sua ideia de self, Hermans e Kempen não estipularam um EU geral que administrasse os vários constituintes do MIM, tal com fez William James. Ao invés disto, o caráter espacial do self leva à suposição de uma multiplicidade descentralizada de posições do EU que funcionam como vários autores relativamente independentes, contando cada qual a história de seu respectivo MIM como ator. Em suas publicações iniciais, os dois psicólogos explicitam que sua visão difere da visão de muitos autores ocidentais. Em contraste à percepção do self como individualístico, o EU se move em um espaço imaginário que lhe permite ter várias perspectivas a partir das quais vários e mesmo contrastantes ângulos são vistos. Em segundo lugar, o self dialógico é social, o que não significa que um indivíduo total (self-contained) entre em contato com outra pessoa do lado de fora de si, e sim que o Outro ocupa posições neste self de múltiplas vozes. A outra pessoa é uma posição que o EU ocupa e cria numa perspectiva alternativa no mundo (incluindo o self). Finalmente, a concepção do self dialógico se opõe ao ideal do self como estrutura de equilíbrio centralizada. Hermans e Kempen não estipulam o self como o centro de controle. As diferentes posições do EU no self representam diferentes pontos de ancoragem que, dependendo da natureza da interação, podem acionar as outras posições da organização do EU num dado momento no tempo.
Tendo delineado o self dialógico, tentarei mostrar a importância desse conceito dentro da Psicologia Cultural e, especialmente, no que tange a uma Psicologia da Religião sensível à cultura. Um breve excurso histórico do contexto intelectual em que nasce o conceito nos levará à conclusão de que o self dialógico é o resultado tardio de uma reorientação final da programação da Psicologia Cultural e da Psicologia da Religião que havia sido postulada já desde antes da II Guerra Mundial. Tentarei começar buscando resposta a uma questão sobre em que momento começou o interesse de Nimega por uma Psicologia atenta à cultura, o que acabou levando ao estabelecimento de uma cadeira ou disciplina um tanto original de Psicologia Cultural (transformada depois em departamento). Em uma segunda etapa de observação do passado, tentarei compreender o incomum desejo de Nimega de juntar Psicologia Cultural e Psicologia da Religião; na sequência do texto, vou contextualizar um pouco o desenvolvimento e fundamentar e situar algumas das conclusões que serão expressas por mim.
A ideia de estabelecer uma cadeira professoral veio de Rutten (1899- 1980), o professor que construiu o Departamento de Psicologia em Nimega. Precisamos considerar três fatores se quisermos compreender o que o motivou sua evolução profissional (2.1), seu contexto pessoal, personalidade e estilo e (2.2) sua visão de Psicologia (2.3)
Primeiramente, Rutten foi indicado para lecionar no contexto das Ciências da Educação, com o objetivo de treinar professores católicos romanos. Ele sucedia seu professor de Psicologia F J. M. Roels (1887-1962), de quem havia sido assistente por vários anos. Naquela época, a Psicologia empírica era um tema raro nas universidades holandesas. A Psicologia teórica já vinha sendo ensinada havia várias décadas por professores de Filosofia, mas a introdução à Psicologia como disciplina trabalhada empiricamente estava atrasada, especialmente em comparação com os países vizinhos. Roels parecia ser realmente a pessoa mais indicada para ser professor de Psicologia por tempo integral em uma universidade holandesa. Ele lecionava antes em Utrecht (1918)[2]. Em Nimega (fundada em 1923), o Padre Hoogveld (1878-1942) era o responsável pela parte pedagógica. Ele queria seguir o exemplo da Universidade Católica de Leuven (Bélgica), onde foi dado à Psicologia um espaço no currículo pedagógico. Ele recrutou Roels para trabalhar meio período em Nimega porque esse último havia estudado Filosofia em Leuven com Michotte (1881-1965), que, por sua vez, havia estudado com Wundt e Külpe. Roels tinha um colega e amigo A.A. Grünbaum (1885-1932), russo que trabalhava na Alemanha e fugiu para a Holanda no final da Primeira Guerra Mundial, tornando-se aí professor honorário de Psicologia do Desenvolvimento em 1928. Grünbaum foi um dos responsáveis pela introdução do movimento fenomenológico na Holanda. Em seu trabalho encontram-se todos os tipos de temas antielementarísticos que eram então elaborados na Alemanha naquele tempo: a intencionalidade (Brentano), a totalidade (Psicologia da Gestalt), a existência (Husserl) e a compreensão da vida fora da vida em si (Dilthey).
Grünbaum desenvolveu uma visão orgânica da consciência, ou seja, uma visão de que a consciência deveria ser considerada uma unidade em si e que esta unidade seria o resultado do envolvimento humano com uma atividade concreta que requer uma ação.
Dentro das concepções da Psicologia científica daquele tempo, a consciência de um ferreiro trabalhando uma peça de ferro quente deveria ser descrita como sendo um conjunto de sensações, atos de atenção e impulsos do desejo Mas, para Grünbaum, tal descrição se mostrava artificial e contradizia a experiência real do ferreiro, pois este, precisamente, estaria envolvido com o fazer de algo: o complexo de sensações, sentimentos e impulsos estaria carregado pela experiência da situação como um todo, na qual não há separação entre um EU que está reagindo e um meio que está influenciando o EU. O ferreiro não é, separadamente, as sensações que devem ser seguidas por impulsos do desejo, mas está vendo uma ferradura que ainda não tem a forma que ele deseja que tenha. Roels estava fortemente influenciado pelas visões propagadas por Grünbaum. Ele também afirmava que a pessoa é uma unidade. O caráter life–unlike da Psicologia Experimental é resultado dessa preocupação com a consciência em paralelo com o dualismo cartesiano. Roels concordava com William Stern, na hipótese de que o princípio básico da realidade não é o fato de que há fenômenos psíquicos e físicos, mas de que há pessoas concretas. A experiência concreta mostra que o ser humano é uma ”unitas multiplex”: há muitos elementos unidos nele. A consciência não deveria ser vista como separada da realidade e nem do mundo externo. Roels considerava a definição de Psicologia de Watson como sendo o estudo do comportamento como algo unilateral, posto que este autor permanecia no dualismo cartesiano, focando o corpo em um único momento (o do comportamento).
Na visão de Roels, a única definição aceitável de Psicologia deveria ser a de um estudo do ser humano como unidade psicofísica. Roels era bem mais do que simplesmente um teórico; ele tinha uma orientação prática e queria aplicar a Psicologia na busca de soluções para todos os problemas da vida diária. Cria que a Psicologia aplicada era “tão necessária quanto o pão”. Mas, em um notável texto de 1928, teve que reconhecer que a Psicologia do seu tempo tinha muito pouco a dizer quando se tratava de resolver questões práticas.
Uma Psicologia aplicada ou Psicotécnica, na opinião de Roels, era impossível sem uma Psicologia Cultural. A Psicotécnica, em si, registra apenas os elementos a partir dos quais os fenômenos são construídos. A Psicologia da Gestalt havia mostrado que o todo não pode ser construído como somatória das partes. Consequentemente, Roels via como tarefa da Psicologia Cultural a de olhar os fenômenos como momentos constituintes de um significado total.
Essa muito necessária base da Psicologia Cultural faltava quase que inteiramente na Psicologia pedagógica e, também, em todas as visões de mundo das psicologias então vigentes, da Psicologia Social e da Psicologia Econômica.
Rutten adquiriu, portanto, interesse pela Psicologia Cultural de seu professor e padrinho Roels que claramente o adotou, requerendo, mesmo, sua contratação pela Universidade Católica. E fizeram publicações juntos. Quase que imediatamente após a defesa de doutorado de Rutten, Roels saiu de Nimega criando, assim, a possibilidade de Rutten ser seu sucessor. A tese de Rutten, “A transição do tipo popular agrário para o tipo popular industrial”, já atesta seu permanente interesse pelas questões da Psicologia Cultural. De acordo com Harry Kempen, que, a exemplo de Hubert Hermans, também estudou com Rutten, essa teoria só pode ter surgido a partir de seu background autobiográfico. Rutten veio de uma tradicional região rural do sul da Holanda - Limburg -, área subdesenvolvida naqueles tempos. Em função de seus estudos acadêmicos, se mudou para Utrecht, a maior universidade da parte central do país. E então foi dali para Louvain, instituição de língua francesa. A substancial diferença entre esses dois ambientes deve ter chamado sua atenção para a relação entre cultura e comportamento. Como Roels, Rutten estava interessado em desenvolver diferentes psicologias para as diferentes áreas da Holanda. Para aplicar a Psicologia de modo prático, era preciso levar em conta os diferentes mundos dos sujeitos. Estes eram os mundos dos trabalhadores das docas, dos camponeses, dos acadêmicos e dos diversos segmentos religiosos da sociedade.
Quando, mais tarde, (em 1957), viajou para os Estados Unidos, ele se deixou afetar pelos diferentes estilos de seus colegas de lá. Mas parece que percebeu que as diferenças entre a psicologias europeia e americana não eram simples consequência de considerações científicas diferentes; eram, afinal, os diferentes lugares que geravam diferentes psicologias.
A sensibilidade de Rutten para diferentes culturas e subculturas - para usar uma frase heideggeriana - mostrou-lhe o caráter seinsgebunden do conhecimento, também do conhecimento científico. Consequentemente, ele lutou por uma Psicologia de mente aberta, com visão de 360 graus, aberta a várias aproximações teóricas e não restrita a uma única visão. De acordo com pessoas que conheceram bem Rutten, essa luta era uma característica sua. Ele questionava profundamente várias posturas que via na moderna visão ocidental: o racionalismo que invadiu todos os segmentos da vida, o crescente individualismo e o declínio da sensibilidade mítica. Em sua visão, a Psicologia deveria ajudar a balancear essas tendências. Ele se submeteu profundamente aos objetivos da American Psychological Association para a disciplina, mas percebia que a aplicação da Psicologia como meio de promover o bem-estar humano. Necessitava ao menos de um suplemento mais no desenvolvimento da Psicologia contemporânea. A Psicologia que ele encontrou nos Estados Unidos o levou a ser mais restritivo, pois, contrariamente a ela, estava interessado em um tipo de Psicologia universalis que transcendesse o conhecimento localmente válido. A Psicologia Cultural deveria atender a esse interesse e, de 1950 em diante, ele começou, apesar da resistência de vários lados, a batalhar por uma cadeira professoral nessa linha. Em favor das futuras gerações, ele pretendia manter em seu instituto uma visão ampla e diversa. Quando, na década de sessenta do século XX, a Psicologia na Holanda se americanizou, tornando-se operacional e empregando a estatística, Rutten deve ter ficado agradecido a seus assistentes que viajaram para a Índia e a Tailândia para explorar o estilo e a espiritualidade hindu e budista[3].
O professor que ocupasse a cadeira de Psicologia Cultural criada por Rutten deveria dar atenção especial à Psicologia da Religião. A questão é saber se Roels ou Rutten já tinham concebido a cadeira de Psicologia da Religião como necessariamente associada à Psicologia Cultural ou se isto teria a ver somente com o primeiro – e último – professor da cadeira. Consideremos brevemente a primeira possibilidade. Em geral, a Psicologia da Religião não recebia atenção alguma dos católicos romanos holandeses e, quando isso acontecia, era com intenção profundamente destrutiva. O primeiro a falar sobre o assunto, no sentido de defender tal objeto e postular uma cadeira para a subdisciplina, foi Roels. A Psicologia da Religião foi se perdendo e extraviando devido a parceiros equivocadamente escolhidos, tais como a Teologia Protestante e Filosofia Positivista. Os católicos não deveriam deixá-la só para eles; o que os ambientes católicos esperavam da disciplina era apenas contribuições apologéticas:que comprovassem o quanto a Liturgia era útil à alma ou quão insano é comparar os rituais religiosos com comportamentos obsessivos. Mas Roels não foi nessa direção. Foi muito tempo depois que a Psicologia da Religião falou disso[4].
Em 1937 Rutten ministrou uma palestra no encontro da Sociedade de Filosofia Católica Romana Tomista sobre os domínios da Psicologia da Religião. Em sua exposição metodológica, Rutten distinguiu claramente a perspectiva religiosa e teológica da perspectiva psicológica. De acordo com ele, ambas as perspectivas são legítimas: a Teologia procurando pelos valores religiosos e pela realidade do fenômeno, e a Psicologia investigando suas condições e aspectos psíquicos. Pesquisas científicas sobre o fenômeno religioso não podem nunca apelar para fatores explicativos de tipo sobrenatural. O fator “graça” não pode ser nem explicado, nem refutado pela Psicologia, que deve trabalhar com seus próprios instrumentos teóricos e conceitos. No entanto, Rutten e Roels (1919-1920) não aceitaram a utilização das técnicas de investigação usadas por Girghensohn, que empregava o método külpeano. De acordo com Rutten, a Psicologia deve ser metodologicamente neutra, mesmo quando estuda religião. Por outro lado, fato que ele chama de perplexo, a psicologia da Religião deveria ser realizada por psicólogos que fossem religiosos eles mesmos, já que seria necessário participar intencionalmente do fenômeno para poder compreender sua significação. No texto em que explicita seu pensamento a respeito, Rutten fala brevemente de algo que poderia ter sido inspirado pela Psicologia Cultural. Ele diz que, na medida em que certas formas de comportamento expressam as disposições e o desenvolvimento próprio da pessoa, elas coincidem com certas circunstâncias de tempo e lugar e podem, assim, estar sujeitas a leis psicológicas empíricas. Por “circunstâncias de tempo e lugar” Rutten não queria dizer que se trata de condições manipuladas experimentalmente. Ele menciona, também, as formas de religião transmitidas de pai para filho e as peculiaridades de uma época. São frases que podem ser compreendidas como uma referência a ideias de cultura e história, embora o texto, em si, não tenha sido concebido a partir da perspectiva da Psicologia Cultural. Tal como Roels, também Rutten não aceitava a ideia de um uso apologético da Psicologia da Religião, embora acentuasse que esta Psicologia poderia ser de grande valor para o cuidado pastoral (RUTTEN 1937).
Deve ficar claro que Roels e Rutten nem eram muito francos, nem falavam claramente sobre as formas de aplicação da Psicologia Cultural e da Psicologia da Religião. É de se duvidar, portanto, se eles de fato concordassem com Wundt, para quem a Psicologia da Religião deveria ser estudada via Psicologia Cultural e não via Psicologia individual (BELZEN 2009a) Portanto, a razão pela qual Rutten queria justificar seu interesse pela Psicologia Cultural e pela Psicologia da Religião era bem mais simples. Anos após esta palestra sobre Psicologia Cultural, ele supervisionou um projeto de Han Fortmann (1912-1970), uma tese de doutorado sobre oração. Fortman era um padre católico que estudou línguas clássicas e Psicologia. Assim que terminou sua tese, em 1945, ele se envolveu em um trabalho com jovens em nível nacional de organização e foi um dos editores do “Dux”, primariamente orientado para a juventude e, em um segundo momento, a uma audiência mais ampla. A publicação tratava de assuntos como educação, cidadania, desenvolvimento da fé, vontade, fantasia, consciência, sexualidade etc. Por anos ele manteve contato com Rutten, o que se pode inferir de sua correspondência arquivada no departamento de Psicologia em Nimega. No começo dos anos 50, Rutten se tornou ministro de Estado para Educação e Ciências. Em meados da mesma década, Fortman se juntou a um grupo de católicos romanos modernos que queriam mudar os costumes e a moral com respeito à sexualidade. Um dos membros do grupo era o renomado fenomenólogo F.J.J. Buytendyk (1887-1974) que se tornou presidente da Sociedade Católica Central de Saúde Mental. Num recente trabalho de História, os membros dessa sociedade foram referidos como ‘liberais’. Eles eram profundamente preocupados com a saúde mental dos católicos e percebiam muitos problemas espirituais como sendo causados ou relacionados a problemas mentais. Nesse período, as lideranças católicas suspeitavam da Psicologia, da Psiquiatria e dos cuidados mentais. Muitas vezes essa legendária Comissão Pastoral teve que trabalhar em segredo, pois era vista quase como subversiva. Quando, em meados de 1950, Rutten voltou ao seu trabalho professoral em Nimega, seu aluno Fortmann, então calouro, parecia ser ao pessoa ideal para formar com ele uma dupla de trabalho em certas tarefas que Rutten via como absolutamente necessárias:
Tratava-se de elaborar uma Psicologia Cultural com especial atenção à religião, algo que rapidamente se mostrou amplo demais para o contrato de meio período que lhe fora oferecido em 1956. Por essa, razão, três anos depois a cadeira passou a ser de tempo integral e recebeu o nome de Psicologia da Cultura e Religião Geral e Comparada. Para os propósitos de nossa presente análise, é irrelevante falar agora sobre esta cadeira; é preferível que eu me concentre sobre o tipo de Psicologia Cultural que Fortman tentou desenvolver.
Para antecipar a história, Fortman nunca conseguiu realizar totalmente a tarefa que lhe foi confiada talvez também porque tenha morrido relativamente jovem, aos 57 anos, em 1970. Os dois domínios Psicologia da Religião e Psicologia Cultural só bem aos poucos apareceram em seus trabalhos e nunca foram totalmente sintetizados. Isto se torna mais evidente em sua “Introdução à Psicologia Cultural”, na qual ele presta pouquíssima atenção à Religião. E, do outro lado, na esfera da Psicologia da Religião - na qual publicou mais do que na Psicologia da Cultura -, não há muito material escrito a partir da cultura. Embora o subtítulo de seu principal trabalho (“Als ziende de onzienlijke” 1964-1968) seja um estudo psicocultural sobre percepção religiosa e a chamada projeção religiosa, tratava-se mais de uma frase programática que de um projeto realizado. Em seu quarto volume, Fortman colocou em destaque o debate sobre religião como projeção, que acontecia na Holanda no final dos anos sessenta. Ele forneceu sínteses de importantes participantes desse debate e mesmo de precursores como Marx, Freud e outros. Partindo de uma bem fundamentada posição fenomenológica, ele argumenta que não existe uma projeção no sentido de algo interno que é projetado no mundo externo.
Para uma breve caracterização: “Alz ziende de onzientiyke” é um tratamento em profundidade do assunto, em nível mais teórico. Leva em consideração noções de várias disciplinas (incluída a Teologia), mas pouco se refere à cultura e consagra atenção limitada a antropólogos culturais como Lévy Bruhl e Lévy-Strauss. Além disto, a parte III-b (do Volume 4) é inteiramente dedicada ao relacionamento entre saúde mental e religião, mas não essencialmente a partir de uma perspectiva psicocultural. O volume, portanto, está de acordo com a aspiração de Rutten por uma psicologia crítica da cultura contemporânea mas não com o próprio desenvolvimento do insight de Forman sobre a predominante importância do fator Cultura na regulação e constituição da experiência e da ação humana. Em seus maiores trabalhos no campo da Psicologia Cultural e da Psicologia da Religião o que se vê é um Fortman ainda preparando seu projeto de integrar ambas as disciplinas e colecionando materiais para um futuro programa. Sua vasta orientação o impedia de enfocar uma única ou apenas poucas perspectivas; ele tentava se familiarizar com os vários ângulos das múltiplas abordagens e estava em busca de uma bibliografia que pudesse provar ser útil para uma futura Psicologia Cultural da Religião. Quando ele deu início a essa empreitada não havia muito em que pudesse se orientar e apoiar. Os antigos psicólogos da religião de orientação americana dificilmente se afinavam com os interesses culturais de Fortman. A Psicologia germânica da religião quase se extinguiu após a Segunda Guerra Mundial, e a metodologia experimental de seu mais importante representante pré-guerra, Girgensohn, não era considerada por Fortman como aplicável Quanto à Psicologia psicanalítica da Religião, Fortman suspeitava dela e assim permaneceu sempre. Seu descontentamento com a Psicologia vigente pode tê-lo encorajado a adotar uma nova abordagem: a da Psicologia Cultural. Mas surgiam de novo perguntas: em que tipo de Psicologia Cultural ele poderia se escorar naqueles dias? De acordo com Harry Kempen, que se tornou o primeiro assistente de Fortman no campo da Psicologia Cultural (e não da Psiologia Religiosa), Fortman tinha que se orientar principalmente para teorias não-psicológicas. Vindo da Psicanálise, havia somente o trabalho orientado para a sociedade do primeiro Freud, de Jung e da escola de Frankfurt; da Antropologia Cultural havia a escola cultura e personalidade com trabalhos de Benedict, Halowell, Kardiner, os Kluckhohns, Linton, Margareth Mead e Whitings. Finalmente o velho Durkheim, uma fonte sociológica de inspiração.
Enquanto o jovem Durkheim concebia a sociedade como uma coisa existente anteriormente ao indivíduo e que, portanto, não poderia ser estudada de uma perspectiva psicológica, o segundo Durkheim abandonou este sociologismo e percebeu que a sociedade existe no e através dos indivíduos. Os conceitos que fazem a mediação entre ator e sociedade tornam-se representações coletivas, antecipando o conceito de representações sociais de Moscovici. Em seus anos tardios, como fica claro em suas publicações póstumas (“Introdução à Psicologia Cultural”, de 1971) Fortman também provou ser o primeiro holandês a receber o –primariamente francês - movimento estruturalista na Psicanálise (de Lacan) e da teoria literária (de Barthes). Uma crítica branda ao trabalho teórico de Fortman é que muitos dos seus escritos teóricos têm o caráter de resumos de importantes publicações, é como se ele fosse colecionando as pedras para construir a estrutura pela qual chegaria a um design arquitetônico. No entanto, tal design - sua visão não totalmente explicitada da Psicologia da Religião - não foi muito compreendido e, após sua morte, seu Departamento se dividiu em três secções: Psicologia Cultural, Psicologia da Religião e Psicologia da Personalidade, que não eram integradas nem prática nem teoricamente. Os psicólogos do Departamento ou se orientavam pela Sociologia, ou pela Psicologia Social ou pela Psicologia Clínica. Contudo e em grande medida, os psicólogos continuaram se orientando pelo estilo de Fortman. Eles liam muito, eram teoricamente pluralistas, mas para que as pesquisas continuassem e pudessem ser concluídas, não se limitavam à perspectiva de nenhum protagonista teórico em especial, nem à aplicação de métodos e técnicas-padrão. O número de abordagens teóricas cresceu, acrescentando às de Fortman ainda as seguintes visões:
No Departamento, foi especialmente Harry Kempen quem continuou a explorar a Psicologia contemporânea e outros corpos teóricos à procura de abordagens que pudessem contribuir para a futura síntese que não foi desenvolvida no Departamento de Psicologia Cultural.
Instigados por Fortman e ideologicamente limitados pela ausência de uma cadeira de Psicologia Cultural e Psicologia da Religião - cadeira esta dividida no começo dos anos oitenta, já que ninguém apto foi encontrado para ela -, as diversas secções do Departamento permaneceram mal conectadas entre si. Era preciso um input externo para se chegar a um pensamento desconstrutivo. Este pensamento chegou na pessoa de Hubert Hermans, velho amigo e colega de Harry Kempen e também aluno tanto de Rutten quanto de Fortman, mas que havia ganhado uma cátedra em Psicologia da Personalidade em outro departamento. A estratégia de Hermans era diferente da de Kempen: ele publicou seus trabalhos rápida e amplamente e, influenciado pelas mesmas orientações fenomenológicas (entre outros, de Merleau Ponty) herdadas de Buytendijk e Fortman, desenvolveu uma abordagem original baseada em seu bem-sucedido trabalho sobre Psicologia da Motivação (HERMANS 1967; 1971; e também 1970).
Hermans concebeu o self como motivado por um número de valores coerentes, porém diversos; uma ideia que ele trabalhou empiricamente construindo uma elegante pesquisa técnica: O Método de confrontação do self (HERMANS 1974; 1981; HERMANS-JANSEN 1995). A amizade e o diálogo continuo com Kempen levaram ao desenvolvimento da ideia do self dialógico, que é claramente compatível com e que representa uma contribuição à mesma, quaisquer que sejam os valores em torno aos quais o Self se organiza, pois os valores são sempre resultantes de um contexto cultural e desenvolvidos em interação com pessoas do mesmo contexto. Hermans e Kempen concebem o Self como nascido da uma cultura, estruturado por elementos que dela decorrem e como múltiplo e mutante referente de uma história pessoal tecida dentro de uma cultura em dado estágio sócio-histórico.
Elegantemente adotando várias técnicas da Psicologia Cultural e combinando-as com a teoria de inspiração fenomenológica de William James (1890) e com ideias baktinianas (BAKTIN 1929/1973), Hermans e Kempen apresentam o Self como uma multiplicidade de vozes, como uma descentralizada multiplicidade de posições do EU, contando histórias a respeito dos seus respectivos MIM.
Como meu objetivo não é o de fazer uma apresentação completa desta teoria, mas simplesmente fornecer reflexões sistemáticas sobre ela, peço que me deixem continuar afirmando de que modo o pensamento de Hermans e Kempen se alinham ao dos que fazem parte da linha iniciada por Rutten e Fortman e, mais importante, de que modo isto é visto como um avanço no desenvolvimento da área. É com este tópico que lidarei nos parágrafos seguintes (Desconfessionalizando a Psicologia da religião e Em direção à Psicologia Cultural da Religião). Nesta exposição, seremos confrontados com outros exemplos claros do “embebedamento cultural” da ciência psicológica, um importante e tradicional tópico na agenda de pesquisa da Psicologia Cultural.
A Universidade Católica de Nimega foi fundada com o objetivo específico de fornecer um treinamento não dominado pelo pensamento positivista e nem contrário aos ensinamentos católicos romanos. A razão estava no fato de a Ciência Natural e a filosofia de vida - não só dos acadêmicos, mas também das pessoas comuns - atacarem a Igreja, daí porque a necessidade de se proteger os jovens dessa visão (unilateral). A Psicologia, que naqueles dias estava se tornando experimental e científica, orientando-se pelas Ciências Naturais e se emancipando da Filosofia – era olhada com suspeita. Quando Rutten foi indicado professor de Psicologia empírica, o bispo de Den Bosch (Monsenhor Diepen), que era responsável pela Universidade, convocou Rutten e exigiu que ele explicasse como iria proceder. Rutten não pôde realmente tranquilizar o bispo, que lhe pediu que ficasse atento pois era muito jovem e inexperiente e o proibiu de discutir tópicos como ”livre vontade” em suas palestras. Monsenhor Diepen prometeu a Rutten rezar por ele, pelo bom resultado de um empreendimento tão arriscado quanto falar de Psicologia Experimental. No entanto, como vimos, Rutten, embora católico devoto, não desenvolveu sua Psicologia segundo a Filosofia Católica, mas empiricamente. Ele tentou criar uma espécie de espaço livre para a Psicologia, mesmo quando ela se voltava para o fenômeno religioso. Psicólogos não deveriam ser aptos a fazer julgamento do fenômeno religioso, mas, na medida em que estes são fenômenos humanos, eles poderiam ser investigados pela Psicologia. O fator teológico da graça não poderia ser negado pela Psicologia, uma vez que tal fator não pertence à sua perspectiva. Ademais, para salvaguardar os fenômenos religiosos de uma análise psicológica hostil, Rutten afirmou a necessidade de o psicólogo da religião ser uma pessoa religiosa. Em consequência, mesmo sendo a Psicologia da Religião metodologicamente não-confessional, ela deveria ser reservada aos religiosos e somente aos psicólogos católicos romanos. Deste modo, os resultados da Psicologia da Religião deveriam também ser úteis para atividades religiosas como o trabalho pastoral e a orientação espiritual. Também Roels havia, inicialmente, defendido uma posição similar, mas em relação a Rutten assumiu uma visão mais liberal. Para ele, a Psicologia da Religião não era um instrumento apologético de defesa do Catolicismo Romano, mas tão somente uma fonte potencial de insights gerais para uso no ministério pastoral. Fortmann fez uma distinção a mais e separou a Psicologia da Religião da Psicologia Pastoral, recrutando diferentes membros das equipes desses campos divergentes.
Com Fortman, a Psicologia da Religião se tornou uma pesquisa sobre a religiosidade, a contrapartida humana da religião. Fortman se manteve na mesma linha de Rutten, no sentido de criticar manifestações de defesa da religiosidade católica (e não da religião católica em geral) e da supervalorização da religiosidade católica. Sendo sacerdote e vivendo em uma universidade católica antes da grande secularização da Holanda, os tópicos que ele estudava eram os católicos e ele era claramente reconhecido como autor católico. A Psicologia da Religião era um empreendimento católico dentro da Psicologia secular de Nimega[5]. No período seguinte ao de Fortman, esta se tornou uma característica de Nimega. Por um longo período, o Departamento era conhecido como a “esquina católica” do edifício, pois a maioria dos membros da equipe pertencera ou ainda pertencia ao clero. De modo crescente se apresentava um interesse em geral pela Religião. Em muitas publicações de autores de Nimega, podia-se perceber um suave tom apologético. Em dias de desinteresse ou mesmo de desprezo pela religião como tema da pesquisa psicológica, eles tentaram mantê-la como tópico na agenda da Psicologia, usando argumentação clínico-psicológica, baseando-se no fato de que a Religião seria parte inerente - e, portanto, benevolente - da natureza humana. Mesmo que os membros da equipe não tentassem mais usar a Psicologia para elevar os costumes e a espiritualidade católica (já que desde os anos setenta tais elementos haviam deixado de ser dominantes e de ter visibilidade na sociedade), eles usaram a linguagem supostamente neutra da Psicologia para mostrar o quanto a religião pode ser positivamente relacionada com a saúde mental e que impacto religioso e outros fatores pode ter na psicoterapia. Tentaram ainda detectar as condições favoráveis ao desenvolvimento da fé e mostraram que os novos movimentos religiosos não representavam um risco. Os fundos para essa pesquisa vinham sempre de fontes católicas. A atitude geral era que a religião pode ser um monstro, mas se apropriadamente compreendida e praticada, ela enriquece a vida humana. Em outras palavras: acompanhando os acontecimentos da sociedade, houve uma forte desconfessionalização no Departamento de Psicologia de Nimega desde os dias de Roels. Rutten libertou metodologicamente a Psicologia empírica do patrocínio católico e reduziu ao mínimo seu objetivo apologético; Fortmann lutou por uma Psicologia da Religião como empreendimento neutro de pesquisa, embora permanecesse focado em temas católicos romanos. Depois de Fortmann, também tópicos não-católicos foram investigados, e embora a benevolente inclinação para a religião fosse dominante, foram desenvolvidos esforços para participar em pesquisas psicológicas comuns, sem limites religiosos e se buscaram também recursos não-religiosos de financiamento e publicações em meios não-religiosos.
No entanto, é somente com o conceito de self dialógico que uma perspectiva original não motivada ou legitimada religiosamente foi sendo desenvolvida, uma teoria que pode ser aplicada em pesquisas tanto religiosas quanto não-religiosas e que, mais importante, não pressupõe qualquer superioridade em ser ou não religioso. O conhecimento do self dialógico, de que o ser humano vive em múltiplos mundos sociais, habitados por outros tanto “reais” quanto “imaginários”, pessoas conhecidas, do passado ou das histórias que foram vividas. Se a pessoa é religiosa ou, ao menos, se é familiarizada com algum tipo de religião, pode travar relacionamentos com deuses, espíritos, santos e/ou autoridades religiosas, e pode conduzir um diálogo com todos esses sujeitos e eles podem todas fazer parte de uma construção narrativa do mundo (HERMANS e KEMPEN, 1993 e 2003). É importante, no entanto, perceber que o conceito de self dialógico não pressupõe que o relacionamento com esses “outros” religiosos deva fazer parte do self; tal pressuposição é um apriori teológico e razões ou avaliações teológicas são, em si, estranhas ao self dialógico enquanto conceito psicológico.
A partir dessa compreensão, o self dialógico se tornou a primeira contribuição de Nimega para o raciocínio psicológico cultural. Baseada em teorias que estavam na moda em Nimega, a teoria formula um original e elegante insight do relacionamento entre self e cultura. Informado pela herança psicológica e cultural, o conceito se opõe à ideia de um self unificado, centralizado e separado. Apresenta o self como evocado e estruturado por um setting cultural diversificado e as visões do self como um conjunto de relacionamento com outros “reais” bem como com outros “imaginados” vindos de diferentes domínios da História, de algum passado pessoal, mas também de uma experiência mística ou de um domínio espiritual.do passado. A pessoa pode manter relacionamentos com pessoas realmente encontradas, mas também com pessoas conhecidas a partir de histórias, da televisão, de imagens ou estátuas de templos ou de outros espaços de encontro religioso. Portanto, Hermans e Kempen representam o self como um corpo de posições múltiplas do EU em histórias tornadas possíveis e disponíveis nos vários contextos culturais. Na medida em que a pessoa é religiosa ou está familiarizada com discursos e práticas religiosas, familiarizar-se-á com histórias sobre deuses, espíritos e santos. Em outras palavras, para tal pessoa serão familiares significantes religiosos com os quais poderá ou não interagir. Detectar se, porque e em que medida um ou vários relacionamentos com significantes religiosos constituem uma parte essencial da construção da narrativa de mundo de alguém; que lugar ocupam na organização mais geral do self ; porque e quando tais posições do EU se desenvolverão e para onde se moverão são questões empíricas que podem ser examinadas por uma Psicologia da Religião baseada na teoria do self dialógico.
Qualquer Psicologia da religião que empregue a teoria do self dialógico será uma Psicologia culturalmente sensível e, em tal condição, um exemplo do tipo de abordagem psicológica da religião que Fortmann tinha como objetivo. Portanto, posso concluir dizendo que esaa teoria representa uma quebra em dois sentidos: é a primeira contribuição de Nimega para Psicologia da Religião e é uma integração da Psicologia da religião com a Psicologia Cultural, duas abordagens que desde a morte de Fortman estavam separadas. A teoria do self dialógico é um valioso tributo à herança dos velhos professores de Hermans e Kempen: Rutten e Fortman, os iniciadores da Psicologia Cultural na Holanda.
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[*] Universidade de Amsterdã/ Holanda - J.A
[1] Nota pessoal: Kempen morreu subitamente em 26 de março de-2000. Ele foi meu – e de todo psicólogo cultural holandês – professor. Mais do que isso, foi meu colega e vizinho de sala. No departamento de Psicologia Cultural nossas salas eram próximas e nos tornamos muito amigos. Por muitos anos tivemos muitas conversas no dia-a-dia, nas quais partilhamos todo tipo de assunto, incluindo temas de relevância particular. O presente paper se baseia substancialmente nessas conversações, nossas ‘mil horas’ (como eu costumava chamá-las).
[2] Para ser historicamente exato e usar os termos adequados, Roels começou como assistente de C. Winckler (1855-1941), professor de Psiquiatria e Neurologia na Universidade de Utrecht. Em 1916 ele se tornou professor não oficialmente contratado (livre docente) da Faculdade de Filosofia e Humanidades. Foi indicado como conferencista em Utrecht em 1918 e como professor em 1922. Mais tarde, a função de conferencista ou palestrante foi mudada para a professoral. Nenhuma dessas duas funções existe mais.
[3] Quando, em 1975, no início de seu instituto, Rutten publicou um pequeno artigo em que sugeria que os psicólogos lessem a grande literatura. Ele dizia aí que, como psicólogos, somos capturados por certa maneira histórica de pensar. A linguagem profissional que nos foi ensinada e os métodos e técnicas com que aprendemos a lidar orientam a maneira como percebemos o comportamento. Há um perigo real de que a especialização que recebemos obstacularize nosso desenvolvimento.
[4] Neste texto de Psicologia da Religião, cerca de 10 anos depois, Roels fez apenas uma pequena referência à religião. “Um começo foi fortemente feito com a psicologia das visões de mundo, que explora as diferentes estruturas psicoespirituais e as atitudes internas como geradoras de diferentes visões de mundo (1928). Isto parece absolutamente casual bem como seu inicial pedido por esta subdisciplina. Mas não se pode inferir que ele abandonou os objetivos apologéticos que perseguia com a Psicologia da Religião. O texto de 1919 era dirigido a uma audiência católica romana enquanto que o de 1928 vem de uma publicação para o Laboratório de Psicologia da Religiosidade da Universidade Estatal de Utrecht. Permanece pouco claro a qual Psicologia das visões de mundo ele se referia. Talvez se referisse a Jaspers.
[5] É claro, a influência do Catolicismo romano pode bem ser detectada no forte interesse da Psicologia fenomenológica em Nimega., uma Psicologia que tentou ser não científica por natureza e, portanto, de acordo com muitos psicólogos católicos, deveria ser mais apta para investigar a psique. Relações entre Catolicismo e Fenomenologia podem ser bem apontadas entre autores /professores bem conhecidos de Nimega como Strasser e Buytendijk.