Religião e Psicologia: análise das interfaces temáticas

Martha Caroline Henning[*] []
Carmen L. O. O. Moré[**] []

Resumo

O presente artigo tem como objetivo analisar as interfaces temáticas entre Psicologia e Religião nas publicações da Revista de Estudos da Religião - REVER. Para tanto, num primeiro momento analisaram-se 127 artigos, decorrentes da busca inicial através da palavra-chave “Psicologia”. Tendo como referência a metodologia qualitativa e análises de conteúdo, os artigos foram lidos e examinados, eliminando-se aqueles que não exploravam de forma direta ou indireta a temática da religião relacionada à Psicologia. Desta forma, restaram 27 publicações, as quais foram nucleadas em unidades temáticas de análise que resultaram nas seguintes ênfases encontradas: a) traços culturais ligados a religiosidade; b) a religião e a identidade pessoal, o comportamento, sexualidade, saúde e relacionamentos interpessoais dos adeptos; c) características psicológicas e comportamentais de grupos religiosos; d) a influência da religiosidade na Psicologia Clínica.

Palavras-chave: Psicologia, Religião, Cultura, Saúde.

Abstract

This article systematizes and discusses articles on the issues Psychology and Religion published in the Revista de Estudos da Religião – REVER. According to a content analysis of 127 essays initially taken into account 27 were finally considered relevant. In a second step, the latter were sub-organized in the following categories: a) cultural traits related to religiousness; b) religion in reference to personal identity, sexuality, health and inter-relations of adherents; c) psychological characteristics and behavior of religious groups; d) the impact of religiousness upon clinical psychology.

Keywords: Psychology, Religion, Culture, Health.

Introdução

A espiritualidade acompanha o Homem ao longo da História. Enquanto um componente da vida humana, sua influência não se restringe ao âmbito sociocultural, aparecendo também na constituição da subjetividade do indivíduo, expressa em crenças, valores, emoções e comportamentos a ela relacionados. Desta forma, se faz presente nos atendimentos clínicos de Psicologia, trazida como parte da constituição psicológica dos clientes que procuram auxílio profissional para seus problemas.

Entretanto, a religião, como campo de convergência desta expressão ao longo dos tempos, foi colocada em tela na época moderna, principalmente pela dificuldade metodológica da prova da existência em termos concretos da fé, frente a uma cultura de conhecimentos em que as relações precisavam ser quantificadas. A própria Psicologia sofreu efeitos deste paradigma científico, apesar de se constituir como uma ciência humana, o que gerou uma tensão frente à possibilidade de se adotar a Religião como campo ou elemento de estudo.

Gradativamente, as Ciências Humanas voltaram a ser vistas como ciências do espírito, nas quais sua meta passou a ser a compreensão e comunicação, não a previsão e o controle (FIGUEIREDO 1991). Com isso, a religiosidade pôde tornar-se efetivamente um objeto de estudo da Psicologia, e a religião pôde estabelecer uma relação com a mesma, sem sobreposições entre essas diferentes áreas da existência humana. Neste caminho, a religiosidade apareceu nos estudos de diferentes pesquisadores da Psicologia, trazendo publicações que apontam a associação da mesma com aspectos que facilitam e/ou dificultam os processos de promoção de saúde mental.

Considerando a importância da produção científica para a evolução do conhecimento em Psicologia, ascende a relevância de revisar as publicações de revistas especializadas sobre o tema da religião, buscando a relação existente entre ambas trazida por pesquisadores da área. Neste sentido, quando se trata de tais publicações no Brasil, a Revista de Estudos da Religião – REVER emergiu como um referencial de qualidade importante no cenário das publicações científicas do contexto brasileiro.

Assim, este artigo teve como objetivo estabelecer uma relação entre Psicologia e Religião nas publicações da Revista de Estudos da Religião - REVER, visando identificar as interfaces temáticas, com o intuito de analisar o aporte desses campos de conhecimento para a Psicologia enquanto ciência e profissão. Com isso em vista, foi pesquisado o site oficial da revista na Internet de novembro de 2007 até março de 2008, no qual se lançou Psicologia como palavra chave para busca de artigos que cruzassem os temas. Na investigação foram encontrados 127 artigos, os quais foram lidos e examinados, eliminando aqueles que surgiram apenas por citarem a palavra Psicologia, sem, contudo, explorar esta temática ou assuntos relacionados a ela. Desta forma, restaram 27 artigos que exploram questões relacionadas direta ou indiretamente com a Psicologia, até a data em questão.

Assim, procedeu-se a análise dos mesmos, buscando tanto as regularidades temáticas como seus aspectos diferenciais, a partir dos quais se configurou um conjunto de núcleos temáticos os quais se constituíram em parâmetros de referência para análises da temática proposta.

Os núcleos temáticos e suas configurações

Partindo da ideia de que pessoas religiosas compreendem os eventos da vida dentro da estrutura de sua crença, considera-se a religiosidade[1] como um aspecto importante da experiência humana, pois os ensinamentos e atividades religiosas fazem parte da cultura e do sistema de valores e são base de julgamentos, escolhas e comportamentos, sendo um fenômeno social e cultural (MAHFOUD 2001; STADTLER 2002; VALLE 2002; BAIRRÃO 2004; BRUSGAGIN 2004; DALGALARRONDO, SOLDERA, CORRÊA-FILHO & SILVA 2004; EPELBOIM 2006; HEFNER 2007; PAIVA 2007; PERES, SIMÃO & NASELLO 2007).

Além de fazer parte da cultura, a religião é constituída por mitos, rituais e comportamento moral que interpretam o processo cultural, definindo significados de comunidade e influenciando sobre que pode e não pode ser feito, ou o certo e o errado. Assim, move-se entre o que é novo e a sabedoria herdada do passado, sendo desafiada a equilibrar ambas as esferas, como um fator de preservação da cultura (HEFNER 2007). Em concordância com isto, uma das temáticas que se configurou a partir da seleção de artigos para a construção deste estudo, foi a de traços culturais ligados à religiosidade.

Por sua vez, nesse percurso cultural, surge diante do indivíduo um sistema de experiências acumuladas e saberes cristalizados sob a forma de sistemas religiosos, os quais são apresentados na configuração de respostas prontas que podem ser assimiladas ou não (AMATUZZI 1999). Vergote (2001) defende a ideia de que o psicólogo estude as pessoas considerando-as em seu contexto cultural-religioso, tal como fazem os antropólogos. A observação psicológica constituir-se-ia então, em escutar as expressões religiosas e observar os comportamentos que a cultura designa como religiosos para interpretá-los em sua relação, sem ajuizamentos a cerca da verdade de tais convicções. Tendo em vista a influência da religiosidade no comportamento das pessoas, dada sua infiltração em questões socioculturais, desenhou-se os valores e normas religiosas e o comportamento das pessoas enquanto unidade temática de análise.

Entretanto, a influência da religião não se restringe ao âmbito sociocultural e comportamental, aparecendo também na constituição do indivíduo (SENGL 2000). Desta forma, o religioso adquire uma função re-ordenadora da percepção de si (auto-imagem e senso de identidade) e do mundo (sentido e opções de vida). A atitude religiosa não é apenas um sentimento de autopercepção ou uma valorização do objeto religioso, ela envolve a ação de afirmação ou de negação em relação a questões extremamente concretas que chega a modificar a personalidade do sujeito, sendo dela inseparável (VALLE 2002). Assim, as outras unidades temáticas configuradas foram tanto valores e normas religiosas e a identidade pessoal do fiel, quanto as características psicológicas e comportamentais de grupos religiosos.

Independentemente do credo, a experiência religiosa marcante possui consequências na forma como a pessoa vive, sendo constantemente associada ao maior desapego das coisas, à aquisição de um senso maior de fraternidade com empenho na solução dos problemas humanos, além de um sentimento de alegria mais profundo (AMATUZZI 1999). Ao estudarem a experiência religiosa aliada ao crescimento pessoal de católicos, Baungart & Amatuzzi (2007) afirmam que a experiência religiosa dos participantes contribuiu para uma mudança subjetiva com consequente modificação de comportamentos, tais como: maior tolerância nos relacionamentos interpessoais, inserção em grupos sociais, autoconhecimento e empatia. Essas mudanças observadas no contato com esse estudo levaram a considerar outro núcleo temático, que se refere aos valores e normas religiosas e os relacionamentos interpessoais.

Além disso, outro gênero de pesquisa que tem sido publicada atualmente no Brasil trata de relacionar consequências da aderência a religiões específicas em aspectos psicológicos ligados à sexualidade dos fiéis. Existem estudiosos que retratam o prejuízo à saúde vindo da culpa alimentada pela religiosidade quanto à sexualidade (VERGOTE 2001). Carvalho (1999), por sua vez, desenvolveu um estudo buscando investigar a influência religiosa no comportamento afetivossexual de adolescentes, no qual constatou que os jovens sem afiliação religiosa se envolvem mais nos relacionamentos do tipo namoro, relação sexual e carícias avançadas; os religiosos, por sua vez, alegaram que demoram mais para envolver-se nesse tipo de relacionamento por atribuírem uma alta significação a isso. Com tais constatações, desenhou-se uma nova temática intitulada valores e normas religiosas e a sexualidade dos fiéis.

A presença do religioso no modo de construir e vivenciar o sofrimento mental igualmente tem sido estudada e descrita. A busca por significação e alívio do sofrimento parece ser algo marcadamente recorrente na experiência religiosa (KOENIG, LARSON & LARSON 2001; PANZINI & BANDEIRA 2005; 2007; DALGALARRONDO 2007; FLECK & SKEVINGTON 2007). Pacientes, profissionais da saúde e pessoas da comunidade em geral afirmam que a religião, a espiritualidade e crenças pessoais formam um dos principais aspectos de sua qualidade de vida (FLECK & SKEVINGTON 2007). Neste sentido, Moreira-Almeida, Lotufo-Neto & Koenig (2006) desenvolveram uma pesquisa em que toda a evidência científica disponível sobre a relação entre religião e saúde mental foi revisada utilizando-se de várias bases de dados científicos. Foi percebido que a maioria dos estudos de reconhecida qualidade científica detectou que maiores níveis de envolvimento religioso estão associados positivamente aos indicadores de bem estar psicológico e a menos depressão, pensamentos e comportamentos suicidas, uso/abuso de álcool/drogas. Encontraram ainda evidências de que o impacto positivo do envolvimento religioso na saúde mental é mais intenso entre pessoas sob estresse, como idosos e indivíduos com deficiências e doenças clínicas. Nesse contexto, a unidade temática relacionada a valores e normas religiosas e a saúde dos fiéis foi a que melhor congregou dados dos estudos.

A despeito da influência da religião na saúde, nas ideias, valores e comportamento das pessoas, alguns psicoterapeutas veem o tema da religiosidade familiar como irrelevante, ou até superficial. Para eles, este seria um assunto que os clientes deveriam abordar apenas no espaço religioso. Contudo, o cliente é um ser total, que ao falar de seus problemas traz suas crenças, inclusive as religiosas (GIOVANETTI 1999; BRUSGAGIN 2004). Sob este ponto de vista, percebe-se a necessidade dos terapeutas estarem mais atentos ao papel das crenças e das práticas religiosas na vida dos seus clientes e na terapia (GIOVANETTI 1999; LIMA 2001; ANGERAMI-CAMON 2002; BRUSGAGIN 2004; BAUNGARTE & AMATUZZI, 2007; PANZINI & BANDEIRA 2007; PERES et alii 2007). Assim, pode-se entender como a Psicologia deve contextualizar aspectos significativos da realidade e da vida das pessoas, tal como a religião. Peres et alii (2007) observaram, através de uma revisão de literatura, que vários estudos internacionais contemplaram o tema da espiritualidade/religiosidade e psicoterapia, demonstrando pertinência dessa interconexão com bons resultados terapêuticos. Defendendo um ponto de vista semelhante, Williams & Sternthal (2007) explicam, também através de uma revisão de pesquisas publicadas na área, que os pacientes australianos desejam que suas clínicas incorporem aspectos referentes à espiritualidade nos tratamentos. Partindo destes dados desenhou-se a o núcleo temático que versa sobre a influencia da religiosidade na Psicologia Clínica.

Analise da temática psicologia e religião

Considera-se que pensar nas interfaces temáticas destes dois campos de conhecimento significa trazer à tona reflexões que contribuam para o enriquecimento dos mesmos e, por consequência, às praticas decorrentes. Os núcleos temáticos evidenciam regularidades de temas presente nos artigos analisados e buscaram uma organização dos dados que favorecessem o entendimento da discussão dos mesmos. No entanto, acredita-se que a real compreensão e sentido dos mesmos se dá no conjunto deles, ou seja, cada ênfase temática trazida pelos núcleos se relaciona e auxilia na contextualização da outro e vice-versa. É sob essa perspectiva que se analisaram e discutiram os mesmos à luz do objetivo proposto.

Traços culturais ligados a religiosidade

Observou-se que nove dos 27 artigos que cruzam os temas Psicologia e Religião versavam sobre traços culturais ligados a religiosidade. São eles: ALBUQUERQUE 2001; BURITI 2001; VALLE 2002; GROISMAN 2004; RIBEIRO 2004; BIDEGAIN 2005; KOCHMANN 2005; KIMBANDA 2006 e HEFNER 2007.

Tendo como parâmetro a afirmação de Hefner (2007) de que a religião faz parte da cultura e a reflete, acredita-se que a relação entre religião e política se torna também indissociável, uma vez que a referência aos preceitos religiosos serve para avançar no contexto das preocupações morais, sociais ou políticas amplas. Pode-se fazer uma analogia ainda com aspectos culturais, uma vez que os processos de construção ou aprofundamento da democratização que disseminaram a forma liberal de pensar, provocando um incremento da lógica pluralista, produziram um efeito no campo da religiosidade e cultura que permite tanto a diversidade religiosa, quanto a vivência individual da espiritualidade[2]. Um efeito contraditório disso é o aprofundamento da experiência religiosa como algo pessoal, individual e íntimo, paralelamente com uma globalização do religioso (BURITI 2001). Assim, diante da diversidade de culturas e credos torna-se difícil determinar um único programa de ética que se aplique a toda instância particular (HEFNER 2007).

Em consenso com essas ideias, Bidegain (2005) explica que a regulação das relações de pares e as regras de conduta sexual atreladas ao universo religioso (vindas, sobretudo do Cristianismo) asseguram que se mantenham os costumes e a ordem social e política. Para a autora, a reprodução da espécie e a formação de lares para educar os filhos foi um meio de socialização da moral e da política.

Entretanto, Ribeiro (2004) constatou em seu estudo que existe hoje uma generalizada redução na prática ritual, na crença e na pertença religiosas dos jovens, em que cada nova geração começa sua religiosidade num nível de prática inferior à da precedente. Uma das razões consideradas pelo autor para esse fenômeno é o distanciamento entre o ensinamento moral das igrejas e a cultura dos jovens (sobre questões familiares e da vida privada, como a sexual, por exemplo).

Relacionando culturas de etnias específicas e religiosidade, houve quatro publicações (ALBUQUERQUE, 2001; VALLE, 2002; GROISMAN, 2004; KIMBANDA, 2006). Estudando a religião oriental praticada por brasileiros, Albuquerque (2001) observou a função de preservação do patrimônio étnico e cultural, explicando que pode ser notada a tentativa de resgate de traços culturais pré-modernos através da orientalização. Assim, os praticantes de religiões orientais no Brasil buscam comportamentos ligados à vida comunitária, à rusticidade, à aliança com a natureza, ao contato direto com o sagrado, ao artesanato e à simplicidade. Quanto a isso, Valle (2002) esclarece que a conversão de brasileiros a uma religião oriental supõe desconstruções e reconstruções mais drásticas do que as que acontecem quando ele se converte a uma religião ocidental, pois a pessoa, além de mudar sua religião, muda também questões relativas à cultura de origem.

A pesquisa de Kimbanda (2006) versa sobre o costume africano (bem como de países árabes ou islamizados) da infibulação[3] da mulher na cultura bantu regulando a relação conjugal através deste ritual arraigado em práticas religiosas. Apesar do mesmo se colocar como um problema para a sua saúde física e psicológica, ele reveste-se de significados de morte e renascimento na puberdade, com a nova personalidade que incorpora a idade adulta. Assim, a consciência/experiência que a mulher africana possui de ser pessoa responsável, é obtida por meio da iniciação, o que mostra a importância psicológica disso.

Já a pesquisa de Groisman (2004) estudou a transposição simbólica do Santo Daime do Brasil para a Holanda. Percebeu-se um estilo de conduta comportamental que o Santo Daime como sistema religioso preconiza, com rigidez nas formas, sustentada por uma ideologia de salvação. Assim, o que inspirou a transposição (rito, práticas sociais e ideocosmologia) foi o contexto ideológico, caracterizado por seu caráter de constante experimentação dos sistemas presentes e busca de inovação dos mecanismos de articulações social.

Também versando sobre culturas de etnias específicas e religiosidade, Kochmann (2005), por sua vez, afirma que os movimentos religiosos liberais judaicos, acompanhando as mudanças do papel da mulher na sociedade em geral, permitem a participação igualitária da mulher judia em todos os níveis, inclusive a ordenação de mulheres rabinas, apesar de nem todas as correntes religiosas judaicas estarem prontas para isso.

Pôde-se perceber então, que no que diz respeito a traços culturais ligados a religiosidade, existem práticas e significados que só podem ser compreendidos em relação à cultura na qual estão inseridos, tal o caso do costume africano da infibulação descrito no estudo de Kimbanda (2006). Viu-se ainda, que pode acontecer de as pessoas já partirem em busca de determinadas religiões para que com elas mergulhem em universos culturais que lhe sejam afins (conforme mostrou as publicações de ALBUQUERQUE 2001; VALLE 2002; GROISMAN 2004). Neste percurso, percebeu-se que a referência aos preceitos religiosos liga-se a preocupações morais que alcançam inclusive questões políticas, como é o caso das regras de conduta atreladas ao universo religioso que tentam manter os costumes e a ordem social da cultura na qual estão inseridos. Também se constatou que, na contramão desses fatos, os adolescentes acabam iniciando sua religiosidade num nível de prática inferior à da geração precedente, justamente por estarem inseridos em uma cultura jovem que não encontra ajuste com seus hábitos e exercícios, o que traz preocupações a grupos religiosos que acabam tentando modernizar algumas de suas práticas em vista desta evolução cultural.

Assim sendo, sem fugir de uma possível concordância com as demais divulgações sobre o assunto aqui tratado, Hefner (2007) conclui que a influência cultural exercida pela religião nas crenças e valores dos indivíduos vai do ritual à prática. Desta forma, os mitos descrevem como as coisas devem ser; já os rituais são conjunto de ações simbólicas que fazem certa mediação entre o mito e a prática; e a prática, por sua vez, é a transformação das ações simbólicas em comportamentos fora dos locais sagrados. Coaduna-se com o autor acima mencionado, no sentido de que a religião é incorporada nos sistemas de valores culturais e passa a influenciar decididamente as ideias e comportamentos daqueles que a praticam, conforme se explicitou em cada uma das publicações, de um modo ou de outro.

Valores e normas religiosas e o comportamento das pessoas

Nesta categoria, foram nucleados os dados de sete artigos, que versavam sobre valores e normas religiosas e o comportamento das pessoas. São eles: HARVEY 2002; VALLE 2002; GROISMAN 2004; RIBEIRO 2004; BIDEGAIN 2005; GOMES 2006; HEFNER 2007.

A maioria dos artigos em questão (cinco de sete) considera primeiramente a influência da religião na cultura e nas tradições do meio no qual o fiel se encontra para, a partir disso, passar a influenciar seu comportamento, modificando-o (VALLE 2002; GROISMAN 2004; BIDEGAIN 2005; GOMES 2006; HEFNER 2007). Neste sentido, o comportamento sexual surge como alvo de estudos da influência religiosa (BIDEGAIN 2005; GOMES 2006), assim como a prática do exorcismo (GOMES 2006), o rigor de atitudes vinculadas ao universo religioso na busca de salvação (GROISMAN 2004) e a religiosidade conseguindo (HARVEY 2002; VALLE 2002; HEFNER 2007) ou deixando de conseguir (RIBEIRO 2004) influenciar propositalmente o comportamento dos fiéis de maneira geral. Entretanto, com a liberdade de adesão religiosa, pode-se perceber subjetivamente em alguns estudos, que ao mesmo tempo em que a religião encoraja determinados comportamentos, os fiéis podem também se identificar com tais preceitos mostrando, muitas vezes, um ajuste de ideias entre religião e indivíduo (HARVEY 2002; VALLE 2002; RIBEIRO 2004).

A tentativa de regulação e a influência no comportamento afetivossexual das pessoas (em especial das mulheres) pode ser percebida no artigo de Bidegain (2005), que mostra como as normas de conduta sexual atreladas ao universo religioso asseguram que se mantenham os costumes e a ordem social, política e econômica. Sobre isso, Gomes (2006), ao estudar as representações sociais a respeito do comportamento sexual de protestantes, percebeu que as crenças e ideias religiosas são fatores determinantes para sua prática sexual. Além disso, a crença do corpo como habitação do demônio libera a consciência de suas responsabilidades e subordina ao exercício do exorcismo como um comportamento religioso.

Percebeu-se ainda, um estilo de conduta comportamental rígida preconizada pelo Santo Daime enquanto sistema religioso, sendo sustentada por uma ideologia de salvação (GROISMAN 2004). Já Hefner (2007) enfoca questões relativas à doença, tratamento e prevenção, assegurando também, que as interpretações teológicas interferem nos comportamentos de seus adeptos, uma vez que estes, motivados por preceitos religiosos, aderem a práticas que visam cuidados especiais com a saúde.

O estudo de Valle (2002) sobre conversão a religiões orientais chama a atenção para pesquisadores interessados neste assunto, no sentido que não se pode deixar de considerar as consequências da troca de religião e as mudanças de comportamento derivadas desta adesão, bem como às buscas da pessoa, além de atentar-se aos aspectos conscientes e inconscientes do psiquismo de cada convertido, levantando as características (inclusive psicoafetivas) do grupo ao qual a pessoa se afilia e observando as circunstâncias sociais (macro e micro).

Estudando o Satanismo, Harvey (2002) observou que esta religião tem por intenção reforçar o interesse racional no self do indivíduo. Para eles, Satã é uma imagem útil que encoraja o individualismo e hedonismo objetivados como comportamentos ideais, no que se refere à oposição e não-conformidade. Assim, o autor mostra a influência deste movimento religioso na conduta de seus adeptos, encorajando-os a ceder honestamente aos seus desejos.

O estudo de Ribeiro (2004), por sua vez, mostra o efeito contrário: como a religião deixa de lograr seu intento de influenciar o comportamento dos jovens justamente por seus preceitos morais estarem na maior parte das vezes distantes da realidade cultural atual.

Conclui-se então, a partir das ênfases temáticas encontradas nos artigos que versavam sobre valores e normas religiosas influenciando o comportamento das pessoas, que não se pode fugir deste fato. Mesmo quanto ao estudo de Ribeiro (2004), pois há que se considerar o distanciamento dos jovens do universo religioso, já como um comportamento motivado pelas regras religiosas que por eles são consideradas muito rígidas ou ausentes de seus contextos. Constatou-se ainda que as crenças religiosas são fatores determinantes para a prática sexual, na qual a ideologia da salvação acaba por sustentar ou motivar estas e outras condutas rigorosas.

Neste contexto, cada grupo religioso com suas pregações específicas acaba por adquirir características comportamentais que lhe são peculiares, evidenciando a conformidade de ideias existentes entre o indivíduo e o grupo de sua afiliação. Surge então a necessidade de discutir a categoria referente aos valores e normas religiosas influenciando a identidade das pessoas.

Valores e normas religiosas e a identidade pessoal do fiel

Oito dos 27 artigos analisados apontam valores e normas religiosas e a identidade pessoal do fiel: ALBUQUERQUE & SOUZA (2002); HARVEY (2002); STADTLER (2002); VALLE (2002); RODRIGUES (2003); BESSA (2006); KIMBANDA (2006); MASSIH (2006).

Para Valle (2002), a questão religiosa adquire uma função reordenadora da percepção de si (autoimagem, senso de identidade) e do mundo (sentido e opções de vida). Conceitos relacionados a sentimento de pertença, grupos de referência, identidade e personalidade religiosa, socialização religiosa e até mesmo crise religiosa (dentre outros) só podem ser entendidos se postos em uma perspectiva psicossocial mais integrada, que considere simultaneamente o social e o psicológico. Indo ao encontro dessas ideias, Stadtler (2002) afirma que o ponto inicial das alterações cognitivas é ser convencido por um novo sistema de ideias que, além de promover uma identidade forte, é mais poderoso para explicar as adversidades da vida cotidiana. Essas alterações têm origem nas mensagens religiosas poderosas cuja assimilação desobstrui a cognição na direção do sistema ideativo do grupo.

Neste sentido, a identidade católica refere-se com frequência a ideias de respeito, amor ao próximo e libertação humana. Os fiéis também se identificam afetivamente com a religião, que lhes proporciona fortes experiências emocionais, convívio social, sentido existencial, encontro consigo e com Deus, paz e equilíbrio para a vida cotidiana (RODRIGUES 2003).

Já no caso do Satanismo, este é assim denominado porque Satã é uma imagem útil para encorajar o individualismo, sendo que os que assim se assumem gostam de passar uma atmosfera assustadora. Assim, por trás desta máscara de maldade, os fiéis são encorajados a ceder aos seus anseios, assumindo uma personalidade hedonista. Além disso, é para parecer mais interessantemente sinistras que algumas pessoas começaram a usar o rótulo de “satanista” (HARVEY, 2002).

Bessa (2006) percebeu que a negação e a hipervalorização do corpo são duas possibilidades de expressão do feminino nos contextos neopentecostais em que está presente o movimento de batalha espiritual. Assim, o feminino fica preso na identidade masoquista (negação da sexualidade e postura submissa) ou histérica (onde a rebelião é condenada e vira objeto de exorcismo).

A Perfeita Liberdade (PL), por sua vez, oferece uma alternativa à identidade feminina moderna, pois as mulheres encontram possibilidades de reformulação de seus papéis através de um modelo mais tradicional (ALBUQUERQUE & SOUZA 2002).

Existem também ritos de iniciação influenciando a identidade de fiéis, como é o caso da cultura bantu, que pratica rituais revestidos de significados de morte e renascimento para uma nova personalidade a ser incorporada na idade adulta. A autoconsciência que a africana possui, de ser madura e responsável, é obtida por meio destas iniciações (KIMBANDA 2006).

Ainda no que tange à influência religiosa para a identidade pessoal do fiel, ao estudar o comportamento homossexual pedófilo de um padre católico, Massih (2006) ressalta a importância de analisar a constituição da sexualidade do sujeito e a relação da mesma com a sua religiosidade, levando mais em conta a singularidade das pessoas do que teorias gerais do desenvolvimento.

Com tudo isso em vista, percebe-se que os processos de aquisição de crenças religiosas interferem tanto na autoimagem do fiel quanto na percepção que ele tem do mundo e dos eventos que o envolvem, influenciando, portanto, sua personalidade. Em virtude desta influência, e diante das restrições sexuais impostas por algumas doutrinas às mulheres em especial (a exemplo das neopentecostais, conforme BESSA 2006), surge a identificação masoquista para aquelas que negam sua sexualidade, ou as saídas histéricas para as que a supervalorizam. Por outro lado, oferecendo uma alternativa mais tradicional para a identidade feminina moderna, viu-se que religiões como a PL conseguem adeptos justamente por apresentar um modelo diferenciado de feminilidade para suas identidades.

Defendeu-se ainda a ideia de que o sentido existencial e as experiências emocionais e sociais aliadas ao universo religioso proporcionam uma identificação afetiva com a religião (RODRIGUES, 2003). Em contrapartida, há quem escolha religiões que defendem o hedonismo e encorajam o individualismo, mostrando que de fato a identidade dos adeptos tanto é influenciada pela escolha da filiação religiosa, quanto a influencia, já que alguns dos fiéis escolhem denominar-se satanistas na intenção de passar uma aparência mais sinistra nos relacionamentos sociais, por exemplo. Desta forma, a influência da religiosidade na identidade das pessoas chega ao extremo de oferecer rituais de passagem para uma nova identidade, como mostrou uma das publicações em questão (KIMBANDA 2006).

Uma vez que os valores e normas religiosas acabam por influenciar a identidade de seus adeptos, considerou-se então a possibilidade de também os grupos religiosos congregarem características psicológicas e comportamentais do grupo como um todo, conforme pôde ser observado na unidade de análise que segue abaixo, emersa dos dados encontrados.

Características psicológicas e comportamentais de grupos religiosos

Uma vez que está clara a influência religiosa na identidade pessoal do fiel, foi constatado que, dos 27 artigos que versam sobre Religião e Psicologia, cinco tratam de apontar características psicológicas e comportamentais de grupos religiosos específicos: no Seicho-no-ie e na Perfect Liberty (PAIVA 2002), no Judaísmo (KOCHMANN 2005), no Catolicismo (MORANO 2006; VALLE 2006) e até mesmo de pessoas que se declaram sem religião (RODRIGUES 2007).

Na discussão de características psicológicas envolvidas na adesão às novas religiões japonesas (Seicho-no-ie e Perfect Liberty), Paiva (2002), valendo-se dos conceitos lacanianos de imaginário e simbólico, discrimina a natureza dessa adesão. Explica a existência de dois grupos: o Grupo Imaginário, que mantém a articulação simbólica de origem (católica), acrescentando-lhe elementos do imaginário (Seicho-no-ie ou Perfect Liberty); e o Grupo Simbólico, que inaugura uma articulação simbólica nova (Seicho-no-ie ou Perfect Liberty), retendo apenas imaginariamente elementos do Catolicismo. Nas entrevistas, observou-se que os adeptos da Seicho-no-ie tendem a manter o simbólico católico e os adeptos da PL a assumir o simbólico da Perfect Liberty. A razão dessa diferença reside no caráter doutrinal das duas novas religiões: a Seicho-no-ie refere-se explicitamente a Cristo, a sua missão e às escrituras cristãs; a Perfect Liberty não tem nenhuma palavra acerca de Cristo ou das escrituras bíblicas. Por isso, o contato de católicos com a Seicho-no-ie permite a manutenção da referência simbólica católica modificada. Ao contrário, o contato com a Perfect Liberty leva à adoção de uma referência simbólica sem lugar para o simbólico cristão.

Para Kochmann (2005), o lugar da mulher dentro do Judaísmo deve ser analisado à luz do contexto histórico em que se desenvolveu, pois ele variou segundo a conjuntura histórica, social, política e religiosa. Como hoje se tornou desagradável para a mulher judia ouvir as bençãos matinais em que os homens agradecem por não terem nascido mulher, muitos livros de orações substituíram os agradecimentos por não ser mulher, por agradecimentos por ter sido feito à imagem e semelhança de Deus. Além disso, como citado anteriormente, muitas judias reclamaram o direito de estudar a fim de se formar rabinas, o que foi acatado pelos movimentos mais liberais, retratando mudanças tanto nas características psicológicas quanto nas comportamentais dos adeptos dessas correntes.

Quanto ao Catolicismo, Morano (2006) transcorre sobre as dificuldades ligadas ao celibato pela impossibilidade de contrair matrimônio e pelas histórias fantásticas que a mídia tem contado sobre infidelidade e abuso. Apesar disso, o autor traz a sublimação como o mecanismo de defesa através do qual se torna possível uma vida plena no celibato, a despeito da necessidade de manter-se a virgindade/castidade.

Valle (2006), por sua vez, discorre sobre os posicionamentos da Igreja Católica ante a homossexualidade e o auxílio que julga necessário por parte da Psicologia. Explica que o problema da homossexualidade entre seminaristas, religiosos (as) e sacerdotes não pode ser ocultado. Compreender melhor o fenômeno homossexual em todas as suas dimensões pede um trabalho mais consciencioso nos relacionamentos e procedimentos formativos dos mesmos. Para isso, segundo o autor, os psicólogos e formadores de seminaristas não deveriam esperar passivamente que as instruções cheguem de cima indicando qual a prática a ser seguida.

Pesquisando as características dos que se dizem sem religião, Rodrigues (2007) constatou que apenas parte dos entrevistados é de ateus ou descrentes; outra parte é de pessoas de fé e com espiritualidade, porém apenas desvinculadas de instituições religiosas. Criticando algumas delas, os sujeitos da pesquisa apresentavam um profundo descontentamento com o sistema vigente, com seus líderes religiosos e suas normas, mostrando que os dogmas já não são mais tão facilmente absorvidos, nem as regras acatadas. Dentre as críticas presentes em ambos os grupos de entrevistados estão o excesso de normas, manipulação, fanatismo, intolerância, hipocrisia, falsidade, incoerência.

A partir dos artigos que versavam sobre características psicológicas e comportamentais de grupos religiosos, constatou-se que enquanto a religião influencia a identidade de seus fieis, é comum que os grupos religiosos acabem por adquirir características que lhe são peculiares, como é o caso do descontentamento com o sistema, com líderes religiosos e suas normas apresentado pelo que se dizem sem religião. Da mesma forma, surgem como vivências destacadas tanto o homossexualismo quanto as dificuldades vindas da impossibilidade de casar-se para os grupos de celibatários católicos; ou, ainda, a evolução conquistada pelas adeptas quanto ao reconhecimento da mulher no Judaísmo, por exemplo.

Ao mesmo tempo em que a religião influencia a identidade dos seus fiéis e constrói com isso características grupais que se tornam típicas daquele sistema, incentiva comportamentos que acabam por influenciar os relacionamentos interpessoais de seus adeptos, como pode ser observado na próxima categoria de análise emersa das publicações estudadas.

Valores e normas religiosas e os relacionamentos interpessoais

Dentre as publicações desta revista que deliberam sobre Psicologia e Religião, quatro trataram de valores e normas religiosas e os relacionamentos interpessoais. São elas: STADTLER (2002); VALLE (2002); BIDEGAIN (2005); BAUNGART & AMATUZZI (2007).

Stadtler (2003) constatou que a conversão ao Pentecostalismo provoca alterações na socialização dos fiéis, influenciando a formação de vínculos, o sentimento de pertinência, a execução de papéis, e até mesmo a percepção do mundo. Assim, ao ir transformando o modo de pensar dos fiéis, acaba gerando mudanças nas formas de interação de seus seguidores com o mundo ao redor.

Em consenso com os resultados encontrados por Stadtler (2003), Baungart & Amatuzzi (2007) constataram que a experiência religiosa dos participantes de sua pesquisa contribuiu para uma mudança subjetiva com consequente modificação de comportamentos, provocando crescimento pessoal através da maior tolerância nos relacionamentos interpessoais, da inserção em grupos sociais, do autoconhecimento e desenvolvimento da empatia.

Para Valle (2002), o universo religioso exerce uma função de inserção e/ou reinserção do indivíduo em um grupo, um meio sociocultural motivador e dotado de sentido. O estabelecimento da monogamia cristã, por exemplo, implicou na consolidação do processo de aculturação (família como pedra angular da sociedade), bem como na adoção de padrões ocidentais de organização social, elemento crucial das relações sociais (BIDEGAIN, 2005).

Assim, percebe-se que enquanto Bidegain (2005) e Valle (2002) consideram a influência religiosa nos relacionamentos de uma forma mais ampla e indireta (através da cultura cristã ocidental), Stadtler (2003), Baungart & Amatuzzi (2007) o fazem considerando esta influência de uma maneira mais focada e direta, em que os próprios ditames religiosos são incorporados nos sistemas de valores pessoais e a partir daí influenciam relacionamentos e comportamentos interpessoais.

Desta forma, pôde-se vislumbrar o alcance da influência que valores e normas religiosas têm sobre os relacionamentos interpessoais. Percebeu-se que com a internalização de dogmas que pregam o amor ao próximo aumentam a empatia e a tolerância nos relacionamentos, ao mesmo tempo em que participar de grupos religiosos insere a pessoa em um contexto de socialização com outros que possuem ideias afins.

Valores e normas religiosas e a sexualidade dos fiéis

Encontraram-se dez trabalhos que versam sobre valores e normas religiosas e a sexualidade dos fiéis. São eles: ALBUQUERQUE & SOUZA (2002); RODRIGUES (2003); BIDEGAIN (2005); PIMENTEL (2005); BESSA (2006); GOMES (2006); KIMBANDA (2006); MASSIH (2006); MORANO (2006) E VALLE (2006).

Vergote (2001) já havia apontado para a utilização da culpa pela sexualidade como argumento para o posicionamento de profissionais que defendem a ideia de que a religião é nociva à saúde mental (VERGOTE 2001). Neste sentido, apenas um estudo publicado pela REVER aponta exclusivamente os prejuízos trazidos pela religiosidade à saúde e à sexualidade (BIDEGAIN 2005). Em contrapartida, também apenas um estudo frisa apenas os benefícios da religiosidade para o funcionamento sexual e da saúde pessoal (ALBUQUERQUE & SOUZA, 2002).

Enquanto Bidegain (2005) enfatiza o prejuízo à sexualidade devido à repressão, falando da religião cristã como forma de controle social, político e econômico (e caracterizando-os quase como uma imposição ou, se não isso, um automatismo), Albuquerque & Souza (2002) enfatizam benefícios à sexualidade falando da religião PL como uma alternativa aos papéis femininos modernos através de um modelo mais tradicional (caracterizando-o mais como uma escolha ou possibilidade). Para Bidegain (2005), através da repressão à sexualidade feminina e do casamento monogâmico e heterossexual promovidos pelo Cristianismo, a formação de lares para educar os filhos foi um meio de socialização da moral e da política, e, portanto, um núcleo fundamental das relações de poder. Já Albuquerque & Souza (2002) acreditam que os processos de racionalização da modernidade têm sido insuficientes para fornecer realização de metas sociais, abrindo espaço para religiões que, como a PL, oferecem alternativas aos papéis femininos modernos.

Por outro lado, oito publicações efetuaram o discurso antagônico, apontando tanto os benefícios quanto os malefícios da religiosidade à saúde e sexualidade (RODRIGUES 2003; PIMENTEL 2005; BESSA 2006; GOMES 2006; KIMBANDA 2006; MASSIH 2006; MORANO 2006; VALLE 2006).

A história da moral cristã mostra especial dificuldade em situar o lugar ético e antropológico do prazer sexual. As formas de enxergar a sexualidade negam qualquer espaço e valor à sexualidade. Todavia, compreender melhor questões como, por exemplo, o fenômeno homossexual, pede um trabalho mais consciencioso nos relacionamentos, podendo-se agir com respeito, sem ferir o que igreja pede (VALLE 2006).

Além disso, foi percebido que algumas mulheres apresentam uma lacuna entre a orientação da igreja sobre sexualidade e suas condutas sexuais efetivas. Essas orientações foram questionadas pelas seguidoras e adaptadas às suas realidades, apesar de terem sido mantidas orientações católicas a cerca de outros valores morais e éticos (a fortificação espiritual, o acolhimento social e a comunhão, que lhes trazem sentido de vida). Entretanto, para chegarem nesse estado, passaram por um processo conflitante a fim de ampliar a consciência, integrando a sexualidade de forma saudável, sem perderem a identidade religiosa (RODRIGUES 2003).

Já no que diz respeito à repressão da sexualidade feminina feita pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), esta mostra que a submissão à vontade masculina é a regra geral para as mulheres, sendo comum que elas sejam vistas como "porta de entrada do mal”. Além disso, por acreditarem na ação do demônio, podem alienar-se pela projeção da culpa em algo externo; por outro lado, observando as fiéis, fica claro o fato de que por mais que isso retire da pessoa a culpa sobre seus atos, não tira a responsabilidade que ela tem de libertar-se. Assim, o exorcismo traz a chance de encontrar alívio para os conteúdos opressores através da projeção na figura do demônio e da catarse proporcionada pelo ritual (PIMENTEL, 2005).

Em concordância com estas ideias, Bessa (2006) explica que o movimento da batalha espiritual na IURD repreende não apenas a sensualidade da mulher, como também comportamentos ligados à feminilidade (não somente por suscitar o desejo, mas por levar o homem à tentação). Entretanto, ao demonizarem a histérica, as líderes dos movimentos de batalha espiritual tornam-se semelhantes a ela (talvez sublimando esses traços numa possibilidade de externá-los não como sexualmente sedutoras, mas como religiosamente sedutoras), pois assim elas impõem seus desejos, demandam atenção e exigem uma escuta a seus argumentos, o que possibilita sua sexualidade e expressão.

Indo também ao encontro desta forma de avaliar a postura dos grupos protestantes, pois Gomes (2006) defende o pensamento de que as crenças religiosas determinam as ideias sobre o corpo humano e a prática sexual. Assim, o conceito do corpo como habitação do demônio é comum, o que libera a consciência de responsabilidades éticas e morais, subordinando o fiel ao exorcista. Porém, o autor esclarece que existem diversos tipos de vivência religiosa, algumas patológicas e outras formadoras de personalidades sadias.

Morano (2006), como visto anteriormente, transcorre sobre as dificuldades ligadas ao celibato pela proibição da prática sexual concomitante com a divulgação de histórias de abuso. O autor traz a sublimação como o mecanismo de defesa através do qual se torna possível uma vida plena no celibato, a despeito da necessidade de manter-se a virgindade/castidade. Entretanto, fala também da existência de celibatários que caem no que ele chama de enfermidade do idealismo, criando discursos sobre virgindade e celibato que deixam ver um fundo mórbido e obscuro, fazendo pensar mais em uma sexualidade negada e corrompida do que em sublimação propriamente dita.

No caso de pedofilia de um padre católico analisado no artigo de Massih (2006), fala-se do contato do sujeito com ambientes religiosos (seminários) onde lhe ensinaram a lidar com o problema através de penitências e de rituais de autoflagelação. Desta maneira, ao sentir que tudo isso era insuficiente para abrandar a força de suas pulsões, desenvolveu comportamento defensivo com rituais obsessivos. Apesar disso, a formação religiosa que recebeu lhe foi útil para instituir um modo reparador que ativou seu potencial, fazendo-o desenvolver modos humanitários de relação, o que vem ao encontro do pensamento de que, se por um lado a religião pode dificultar a promoção de saúde no quesito sexualidade, por outro lado ela pode facilitar.

Já a infibulação da mulher na cultura bantu é um costume africano, bem como de países árabes ou islamizados que se acha arraigado em práticas religiosas, evidencia uma visão da sexualidade feminina num lugar de características machistas, regulando, assim, a relação conjugal homem/mulher. Neste sentido, a adulta que não é iniciada torna-se um indivíduo não apreciado que permanece excluído da sociedade, o que deixa claro que, se por um lado a prática causa um prejuízo para a sexualidade, por outro traz benefícios sociais (KIMBANDA, 2006).

Assim, foi possível observar com estas publicações que a maior parte dos estudiosos aborda tanto os prejuízos, quanto os benefícios das normas impostas à sexualidade de pessoas religiosas. Da mesma forma, pelo menos a metade deles trata destas questões enfatizando o alcance disso para o gênero feminino (ALBUQUERQUE & SOUZA 2002; RODRIGUES 2003; PIMENTEL 2005; BESSA 2006; KIMBANDA 2006), embora nenhum tenha justificado ou transcorrido sobre uma possível influência concomitante da cultura paternalista/machista, além da religiosa.

Como os valores e normas religiosas influenciam comportamentos e práticas, alcançando a identidade e sexualidade de seus adeptos, nota-se também a importância de evidenciar publicações que discorrem igualmente sobre o alcance dos mesmos na saúde dos fiéis.

Valores e normas religiosas e a saúde dos fiéis

A REVER publicou cinco artigos sobre valores e normas religiosas e a saúde dos fiéis: PIMENTEL (2005); GOMES, 2006; KIMBANDA (2006); SILVA (2006) E HEFNER (2007), a maioria destes já mencionado anteriormente em virtude de tratar de mais de um assunto ao mesmo tempo, tais são os exemplos de Pimentel (2005), Gomes (2006) e Kimbanda (2006), que falam também de sexualidade; ou ainda de Hefner (2007), que fala de traços culturais ligados a religiosidade e influência religiosa no comportamento dos adeptos.

Como a religião faz parte da cultura, as interpretações teológicas sobre doença interferem nos comportamentos e concepções de tratamento e prevenção, sendo que às vezes entram em contradição com a imagem de um Deus bom. Embora as enfermidades sejam ocorrências naturais, pergunta-se como o mal e o sofrimento estão relacionados com Deus, que é bondoso e o único criador, na visão cristã ocidental? Na melhor das hipóteses, o saber cristão afirma que o mal é consequência de outras intenções divinas, enquanto a cura possui um caráter sacramental, no qual se exercita a intenção de Deus de que o ser humano seja completo (HEFNER, 2007).

Silva (2006) afirma que estudos históricos sobre as contribuições para as Ciências Humanas da antiga Companhia de Jesus (1540-1775) no que diz respeito a opiniões e práticas psicológicas têm mostrado sua influência na cultura ocidental. A maioria deles analisa as discussões teóricas e as aplicações práticas da Psicologia, demonstrando que na primeira modernidade já havia a preocupação com questões de saúde mental e satisfação do trabalhador por parte de religiosos.

Existem também práticas religiosas que influenciam a saúde de maneira mais direta, tal é o caso da infibulação, e dos rituais de exorcismo analisados em algumas produções da revista. Já foi mencionado que embora cresça a consciência de que a infibulação da mulher se põe como um problema para a sua saúde física e psicológica na cultura bantu, essa prática garante a inclusão social das mesmas, caracterizando que existem tanto prejuízos quanto benefícios à saúde psíquica das fiéis desta religião (KIMBANDA 2006). Já no sentido da promoção de saúde, o exorcismo praticado na IURD traz a chance de encontrar alívio para os conteúdos opressores através da projeção na figura do demônio e da catarse proporcionada pelo ritual (PIMENTEL 2005).

Pode-se perceber então, que existem três possibilidades de concepção da religiosidade, uma benéfica e duas prejudiciais à saúde: das prejudiciais, uma é legalista, essencialmente proibitiva e correspondente a uma estrutura (neurótica) de personalidade perfeccionista ligada ao rigor do superego bíblico; outra de dependência, correspondente a uma estrutura de personalidade (neurótica) de medo da liberdade e de conflitos com tendências compulsivas. Por fim, existe uma terceira possibilidade: a religião do espírito, em que a crença religiosa, longe de ser sufocante ou dissociadora, unifica as tendências, os sentimentos, as ideias e centraliza a atitude do indivíduo no amor pelo próximo; esta é, portanto, benéfica (GOMES 2006).

Desta forma, é possível observar que as publicações da REVER que abordam a temática da influência dos valores e normas religiosas na saúde dos fiéis versam tanto sobre o auxílio nos processos de promoção de saúde (PIMENTEL 2005; GOMES 2006; KIMBANDA 2006; SILVA 2006), quanto sobre casos em que o impedem ou dificultam (GOMES 2006; KIMBANDA 2006). Além disso, houve um artigo que versou sobre as interpretações religiosas para os processos de saúde e doença (HEFNER 2007).

A influência da religiosidade na Psicologia Clínica

Embora tenham sido encontrados apenas cinco artigos publicados (SILVA 2001; VALLE 2001; STADTLER 2002; CAMBUY, AMATUZZI & ANTUNES 2006; PAIVA 2007) na REVER sobre a influência da religiosidade na Psicologia Clínica, existem outros autores que defendem a necessidade de maior investimento da comunidade científica visando uma melhor compreensão da associação entre a religiosidade e a saúde mental (tais como RAZALI ET ALII 1998; CAMBUY ET ALII 2006; MOREIRA-ALMEIDA ET ALII 2006; PANZINI & BANDEIRA 2007; PERES ET ALII, 2007; WILLIAMS & STERNTHAL 2007). Além disso, devido à relação direta existente entre ambas e o conhecimento sobre o potencial de influência benéfica da religiosidade na saúde, os mesmos consideram a possibilidade de aplicação de tais informações na prática clínica da Psicologia.

Sabe-se que as religiões (das mais primitivas às mais sofisticadas) surgiram na medida em que os mecanismos neuropsicológicos humanos se apuraram e assumiram as características do sentir, do agir e do pensar propriamente humanos. São características que se vinculavam ao senso de si e dos outros em um mundo e natureza percebidos como necessários e de alguma forma relacionados com forças ou entidades transcendentes. Essa evolução da religião durou milhares e milhares de anos. Nas formas históricas de religião tudo se desenrola com muita clareza. Elas se vestem de vários conceitos e rituais, mas indicam e visam estados e percepções bem semelhantes. Entretanto, a experiência religiosa subjacente a todas estas religiões tem pontos evidentes de contato no tocante às suas experiências, práticas, rituais e crenças essenciais. Assim, postulando a existência de uma mente mística (aspecto biológico relacionado à religiosidade), após meticulosa descrição do funcionamento do cérebro e da mente, considera-se o fato das funções exercidas pelos mesmos levarem, por si mesmas, a experiências de tipo místico. Desta forma, procura-se ainda demonstrar que no ser humano existem condições intrínsecas para gerar estados místicos e para proporcionar tais vivências (VALLE 2001).

Assim, analisando a existência de uma inteligência existencial/espiritual, Silva (2001), por sua vez, pondera sobre os estudos de dois cientistas (Robert Emmons e Howard Gardner) que discorrem sobre assunto. Para Emmons, existem cinco habilidades que caracterizariam a inteligência espiritual: a capacidade de transcendência; a habilidade de entrar em estados espiritualmente iluminados de consciência; a capacidade de investir em atividades, eventos e relacionamentos carregados com senso do sagrado; a habilidade de utilizar recursos espirituais para resolver problemas na vida e a capacidade de ser virtuoso e de se comportar efetivamente como tal. Já Howard Gardner pensa que não se pode considerar a espiritualidade uma inteligência perfeitamente delineada, pois isso seria prematuro, uma vez que, na opinião do autor, não há embasamento suficiente para tal.

Indo ao encontro dessas ideias, compreende-se que a religião é um fenômeno social e cultural, o qual inclui primeiramente concepções, atribuições e histórias relacionadas com Deus ou deuses; em segundo lugar, sentimentos, afetos e emoções também relacionadas com essas entidades; e depois então, ações, práticas e ritos relativos a essas concepções e emoções. Assim, Paiva (2007) afirma que a Psicologia Evolucionista baseia-se na pressuposição de que a cognição se desenvolveu como os demais órgãos do corpo por via da seleção natural, resolvendo problemas cruciais de sobrevivência e reprodução. Sob essa ótica, procura-se entender tanto os processos cognitivos quanto a consciência religiosa e as ideias relativas a Deus enquanto funções de sobrevivência.

Apesar disso, Stadtler (2002) afirma que os psicólogos foram quase que proibidos de abordar os clientes pela via da religiosidade apresentada pelos mesmos. Para a autora, esse tipo de posicionamento positivista tem causado muitas incompreensões e problemas profissionais devido às pressuposições assumidas sobre a vida mental dos clientes, ao adotar-se o mesmo tratamento para situações que na verdade são bem diferentes: crença religiosa/doença mental, racionalidade/loucura, misticismo/alucinação. Entretanto, dada a influência da religiosidade na cultura e nos valores pessoais, o fenômeno religioso se faz presente nos atendimentos psicológicos, existindo observações clínicas e pesquisas que mostram tanto aspectos saudáveis, quanto psicopatológicos aliados à experiência religiosa (CAMBUY et alii 2006).

Desta forma, para Cambuy, et al (2006) mostram que existe a necessidade de facilitar a emergência da experiência religiosa dos clientes no setting terapêutico, atravessando a linguagem dogmática e ajudando-os a chegarem ao âmago do vivido, desenvolvendo atitudes profissionais e referenciais teóricos para abordar esta temática na Psicologia Clínica. Assim, os autores propõem que seja tarefa do psicólogo, com suas atitudes e técnicas e dentro de seu referencial teórico, permitir esta re-ligação do Homem consigo mesmo, entendendo que o sagrado é uma dimensão subjacente ao humano. Para isso, o profissional deverá ser capaz de facilitar a emergência da experiência religiosa em sua pureza e originalidade próprias.

Com isso, constataram-se temáticas ligadas à influência da religiosidade na Psicologia Clínica que ponderam sobre um aspecto biológico relacionado ao tema (VALLE 2001; SILVA 2001; PAIVA 2007), o que corrobora para a relevância de considerar o fenômeno na prática clínica da Psicologia, buscando tanto compreender o cliente em sua complexidade quanto desenvolver atitudes profissionais e referenciais teóricos para abordar esta questão.

Conclusão

Partindo da ideia de que a religiosidade das pessoas é um aspecto importante a ser estudado pela Psicologia, dada sua influência em questões de identidade pessoal e grupal, comportamento, sexualidade e saúde, percebe-se que hoje há o reconhecimento de estudos que retratam esta realidade. Fugindo de posturas excessivamente positivistas, e sem deixar o rigor científico de lado, foram encontrados 27 estudos dentre as publicações da REVER que retratam ligações (diretas ou indiretas) entre Psicologia e religião.

Tanto se pode afirmar que as religiões estão inseridas na cultura, quanto que elas contêm traços culturais em sua constituição. Assim, foi possível observar que os costumes religiosos, além de influenciarem a cultura das pessoas, são eles próprios influenciados pela conjuntura histórica, social e política do momento.

Partindo da informação de que o indivíduo constrói o autoconceito no social e continua fundindo parte do seu eu com os grupos aos quais se agrega ao longo da vida, identificando-se com noções, valores e práticas para poder pertencer aos mesmos, percebeu-se nos estudos encontrados a influência da religiosidade na identidade pessoal e grupal de seus seguidores. Pôde-se constatar que, ao ser convencido por um sistema de ideias de um dogma religioso, o fiel integra valores e práticas como parte de seu cotidiano, tornando isso tudo como que componentes de sua identidade pessoal. Ao mesmo tempo, os grupos religiosos adquirem uma identidade própria, assumindo traços que os caracterizam como únicos e os diferenciam das demais correntes religiosas existentes.

Por outro lado, foi verificado que em diversas religiões há pontos evidentes de relação no tocante às suas experiências, práticas, rituais e crenças. Assim, a pré-existência de funções da religião na psique passou a ser considerada em concordância com os estudos sobre aspectos biológicos relacionados à religiosidade.

Sobre a influência de valores e normas religiosas no comportamento das pessoas, a maioria dos artigos encontrados considera primeiramente a influência da religião nas tradições da cultura da qual a pessoa faz parte, para a partir disso passar a influenciar seu comportamento, edificando ou modificando-o. Os comportamentos influenciados por doutrinas religiosas que foram tratados nas publicações envolvem práticas sexuais, rituais, rigidez de atitudes na busca de salvação e comportamentos sociais sustentados por ideologias religiosas. Como existem evidências de que a religião envolve crenças, valores e práticas, é possível concluir que o comportamento de um fiel está sob influência de sua religião tanto quanto de sua cultura ou família. Lança-se, assim, uma hipótese de que essa influência seja maior na medida em que se aumente a adesão da pessoa àquela religião.

Uma vez que o comportamento está vinculado à religião, esta influência alcança também os relacionamentos sociais. Isso acontece em meio a vários sistemas, considerando-se desde macroalcances (sociedade), até microabrangências (dogmas específicos). Em um sentido mais abrangente, foi possível observar com esta pesquisa que os relacionamentos são influenciados através do alcance que valores religiosos têm na cultura de forma geral, como é o caso da tradição cristã em incentivar os relacionamentos familiares como centro da organização social. Num sentido mais privativo, pôde-se perceber que dogmas específicos podem influenciar a socialização, a formação de vínculos e o desempenho de papéis com base em normas, crenças e valores peculiares àquele grupo em questão. Assim, a influência da religião na sociedade e desta nos relacionamentos interpessoais existe de maneira mais indireta, enquanto que dogmas religiosos específicos influenciam a forma de seus adeptos se relacionarem de maneira mais direta.

No que diz respeito à sexualidade, apesar das muitas condenações/restrições que algumas religiões fazem a respeito, a maior parte das pesquisas analisadas retrata tanto os prejuízos quanto os benefícios da religiosidade. Dentre os prejuízos mais comuns estão a culpa e a repressão. Já quanto aos benefícios, encontram-se os sociais (aceitação do grupo com a acedência a estes valores), projeção da culpa na influência demoníaca, sublimação da energia sexual no celibato e alternativas mais tradicionais aos papéis da modernidade.

Neste sentido, a religião também é uma influência potencialmente benéfica para a saúde física e mental das pessoas, muito embora existam ainda práticas questionáveis a este respeito, tal é o caso da infibulação exercitada pela cultura bantu. Observou-se nas publicações que nos ambientes religiosos existem preocupações com a saúde física e mental; neles, a cura possui um caráter sagrado. Além disso, foi constatado que tanto algumas práticas ritualísticas quanto o acolhimento do grupo religioso provocam alívio para os conteúdos opressores, centralizando as atitudes da pessoa na empatia pelos semelhantes.

Levando tudo isso em consideração, conclui-se que realmente a religiosidade das pessoas se torna presente no contexto psicoterapêutico, uma vez que é fonte de comportamentos e de valores internalizados como parte do self. Ignorar isto, como se fazia outrora, corresponderia a ignorar parte da vida do indivíduo. Desta forma, em concordância com a opinião expressa em um dos artigos encontrados sobre a influência da religiosidade na Psicologia Clínica (CAMBUY et alii 2006), pensa-se que os profissionais devem possibilitar a emergência da religiosidade/espiritualidade de seus clientes no setting terapêutico, considerando a temática como parte de sua realidade e, por meio do discurso religioso (mas sem ater-se a ele), ajudá-los a chegar ao cerne da questão. Isto pode ser considerado como uma forma de se utilizar a religiosidade a serviço da psicoterapia, partindo da ideia de que ambas são potencialmente capazes de promover saúde e bem estar, desde que sabiamente utilizadas, e sem sobreposição de saberes.

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Notas

[*] Psicóloga. Terapeuta Relacional Sistêmica. Professora de Psicologia da Universidade do Contestado – Campus Mafra – SC. Mestre em Psicologia pela UFSC.

[**] Psicóloga. Mestre e Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Professora de Psicologia da UFSC.

[1] A religiosidade pode ser considerada como crenças associadas a uma seita ou religião específica, caracterizada pela prática de rituais religiosos públicos que são compartilhados com pessoas que possuem as mesmas ideias a este respeito (SOCCI, 2006).

[2] A espiritualidade refere-se a atividades solitárias como crenças pessoais, preces e leituras religiosas. Assim, o termo espiritualidade está mais ligado a vivências intrínsecas ao indivíduo, enquanto que o termo religiosidade expressa vivências mais extrínsecas a ele (SOCCI, 2006). Neste sentido, é comum que a espiritualidade coexista com a religiosidade, embora às vezes isso não aconteça necessariamente.

[3] Trata-se da remoção parcial/ total do clitóris da mulher.