Este artigo trata de uma fonte da dinâmica do Catolicismo a relação entre o regime religioso e o regime secular ao qual ele está vinculado - e centra-se sobre o papado como núcleo institucional do transnacionalismo católico e sobre as relações com o regime secular externo. Os atuais processos de globalização oferecem a um regime religioso transnacional como o Catolicismo, o qual nunca se sentiu de todo confortável em meio a um sistema de Estados-nação territoriais soberanos, oportunidades únicas de se expandir, de se adaptar de forma rápida ao novo sistema global emergente e, talvez, até mesmo de assumir um papel proativo na formação de alguns aspectos desse novo sistema. O presente texto explora as mudanças no caráter do papado como núcleo transnacional do Catolicismo, particularmente em termos da relação do papado com três tipos diferentes de regimes seculares, a saber, o sistema medieval da cristandade, do qual o papado era um dos núcleos institucionais; o sistema moderno de Estados-nação soberanos, em relação ao qual o papado se tornou, de certa forma, marginal e inseguro; e um novo sistema global indefinido que vem surgindo, dentro do qual o papado está alcançando novamente um papel estrutural central.
Palavras-chave: Catolicismo, globalização, Estado-nação, Papado
The present essay only addresses one source of Catholic dynamics - the relationship between the religious regime and the worldly with which it is linked - and thus focuses on the papacy as the institutional core or Catholic transnacionalism and on the relations to the external worldly regime. Ongoing processes of globalization offer a transnational religious regime like Catholicism, which never felt fully at home in a system of sovereign territorial nation-states, unique opportunities to expand, to adapt rapidly to the newly emerging global system, and perhaps even to assume a proactive role in shaping aspects of the new system. This text explores changes in the character of the papacy as the transnational core of Catholicism, particularly in terms of the papacy's relation to three different types of worldly regimes - namely, to the medieval system of Christendom of which the papacy was one of the core institutions: to the modern system of sovereign nation-states to which the papacy became rather marginal; and to a newly emerging and still undefined global system within which the papacy is attaining once again a central structural role.
Keywords: Catholicism, Globalization, Nation-State, Estado-nação, Papacy
Como regime religioso, o Catolicismo antecedeu o sistema mundial de Estados-nação, e é provável até mesmo que perdure além dele. O caráter transnacional do Catolicismo quase pode ser considerado indiscutível, porém, na História, a natureza e as manifestações de tal transnacionalismo se alteraram de maneira radical, acompanhando as mudanças nos regimes seculares aos quais o Catolicismo esteve ligado (VALLIER 1972)[1]. O próprio atributo transnacional só adquire sentido em relação ao sistema de Estados-nação soberano que surgiu no início da Idade Moderna e acabou por substituir o sistema da cristandade medieval, um sistema que se centrara na relação conflitiva e interdependente entre o papado romano, ou o sistema político dos papas, e o Sacro Império Romano-Germânico (ACTON 1968a). A sinergia dinâmica do novo sistema mundial de Estados soberanos foi tamanha que todas as igrejas nacionais emergentes, uma após a outra, ficaram sob o controle dos regentes cesaropapistas e o próprio papado romano se tornou apenas outro Estado soberano territorial, um tanto marginal e inseguro. A partir do momento exato em que os Estados Papais foram incorporados ao Reino da Itália e o papa foi, enfim, compelido a renunciar às exigências de soberania territorial, o papado pôde reconstituir-se como núcleo de um regime religioso transnacional, dessa vez sobre uma base de fato católica, isto é, ecumênica.
Os processos contínuos de globalização oferecem a um regime religioso transnacional como o Catolicismo (o qual nunca se sentiu de todo confortável em meio a um sistema de Estados-nação territoriais soberanos) oportunidades únicas de se expandir, de se adaptar de forma rápida ao novo sistema global emergente e, talvez até mesmo, de assumir um papel proativo na formação de alguns aspectos desse novo sistema. Por outro lado, uma análise da transformação atual do Catolicismo pode oferecer algumas pistas, como a direção dos processos contemporâneos de globalização (ROBERTSON 1991; ROBERTSON & CHIRICO 1985). Desde meados do século XIX até os dias atuais, é possível traçar, de modo progressivo, a reconstrução, o ressurgimento ou o fortalecimento de todas aquelas características transnacionais da cristandade medieval que quase tinham desaparecido ou se enfraqueceram de forma significativa no início da Idade Moderna: a supremacia papal e a centralização e internacionalização do comando da Igreja; a convocação de concílios ecumênicos; núcleos religiosos transnacionais; a atividade missionária; escolas, centros de aprendizagem e redes intelectuais transnacionais; santuários como centros de peregrinação e encontros internacionais; movimentos religiosos transnacionais.[2]
O presente texto explora as mudanças no caráter do papado como núcleo transnacional do Catolicismo, particularmente em termos da relação do papado com três tipos diferentes de regimes seculares, a saber, o sistema medieval da cristandade, do qual o papado era um dos núcleos institucionais; o sistema moderno de Estados-nação soberanos, em relação ao qual o papado se tornou, de certa forma, marginal e inseguro; e um novo sistema global indefinido que vem surgindo, dentro do qual o papado está alcançando novamente um papel estrutural central.
O indicador mais expressivo do restabelecimento da supremacia do papa foi a proclamação do dogma de infalibilidade papal pelo Concílio Vaticano I, em 1870. Apenas no decorrer do século V, quando se concluiu a cristianização de Roma e o sumo pontífice tinha estabelecido sua hegemonia espiritual e temporal na cidade, desenvolveram-se os elementos mais significativos do que se tornaria a doutrina papal:
As igrejas orientais que reconheciam a sucessão apostólica direta dos bispos de Roma a partir de Pedro nunca aceitaram de todo essas reivindicações de Roma, bem como a exigência de uma posição mais alta do papa, acolhendo, contudo a reivindicação de uma autoridade maior em termos de doutrina ou dogmas. A princípio, as reivindicações do papa não surtiam mais efeito no Ocidente, mas a preservação das cartas pontifícias em Roma, Espanha e Gália e, mais tarde, sua compilação na forma de decretos com a adição evidente de falsificações, serviu como base para a invenção de uma tradição de precedentes históricos e para o triunfo da doutrina da supremacia papal nos séculos XI e XII. O crescimento do governo do papa e o estabelecimento do papado medieval como uma instituição política central da cristandade Ocidental foram determinados, sobretudo, por três desenvolvimentos políticos que formariam de forma indelével a autoidentidade e as estratégias geopolíticas do papado para o século XX.
A conquista lombarda do norte da Itália e as ameaças ao Império Bizantino advindas do Oriente, na segunda metade do século VI, criaram, a princípio, as condições geopolíticas para o desenvolvimento da soberania papal sobre a Itália Bizantina, isto é, o centro e o sul da Península Itálica e a Sicília. Isso significava que, assim como é colocado de forma mais sucinta por Bernhard SCHIMMELPFENNIG, “o papado detinha poder onde ele detinha territórios” (1992:71). Desde então, o papado sempre insistiria na necessidade de manter a soberania territorial sobre os Estados Papais a fim de preservar sua autonomia espiritual. Mas a manutenção dessa soberania sempre se mostrou precária.
A aliança entre os bispos de Roma e a dinastia carolíngia na segunda metade do século VIII possibilitou a emancipação do papado em relação ao Império Bizantino, a libertação das ameaças lombardas e a expansão da supremacia do papa para o norte da Itália e para a Europa Transalpina. No entanto, como patricius Romanorum (“protetor dos romanos”), era agora vez do imperador carolíngio de assumir a proteção do papado. Desse momento em diante, a soberania papal sobre seus territórios sempre requereu a proteção de um chefe político supremo que detivesse grande poder.
A romanização da cristandade ocidental e o triunfo parcial da supremacia do papa durante a Querela das Investiduras nos séculos XI e XII estavam, de diversas formas, ligadas ao monasticismo. Juntamente com a reforma espiritual das estruturas eclesiásticas, o movimento da reforma monástica trouxe a Roma uma maior centralização e internacionalização do governo papal. Mas, a partir de agora, as tarefas díspares de manter o poder espiritual sobre toda a cristandade, o controle político sobre os territórios papais e o equilíbrio geopolítico adequado na política externa se mostraram impossíveis de reconciliar. A preocupação central dos papas do Renascimento com a consolidação do poder principesco sobre a Itália central, sucedendo a experiência negativa do Cativeiro de Avinhão e as cisões subsequentes, levou à perda da supremacia espiritual sobre a maior parte da cristandade e à marginalidade geopolítica do papado dentro do sistema emergente de Estados-nação.
Mesmo antes do triunfo dos princípios erastianos nos países protestantes, os Reis Católicos da Espanha podiam obter do papado uma série de privilégios reais conhecida como Patronato Régio que lhes permitiu transformar a Igreja Católica na Espanha e em suas colônias num órgão de administração estatal (SHIELS 1961). Por toda parte, a aliança entre a hierarquia nacional e o governante nacional tinha o mesmo efeito. O papel do cardeal Richelieu, ao implementar o galicanismo, foi apenas o exemplo mais notável. Contudo, o papa já tinha reconhecido as liberdades especiais da Igreja Gaulesa na Concordata de 1515. Por repetidas vezes, o papado trocou suas reivindicações espirituais de caráter transnacional pela proteção de sua soberania temporal dentro de casa. Desde que os soberanos mantivessem sua confissão católica de forma oficial, um papado debilitado, absorvido por assuntos internos e externos de seus próprios territórios, condescendia.
A condenação tardia, mas, por fim, veemente de Pio VI em relação à Constituição Civil do Clero em 1790, após a maior parte de a Igreja Gaulesa ter expressado sua recusa em fazer o juramento público, é um divisor de águas na tentativa do papado de recuperar sua supremacia sobre os bispos e o clero francês em geral (HALES 1960; CHADWICK 1981). Após as colônias da América espanhola conquistarem sua independência, o papado recusou estender às novas repúblicas os privilégios do antigo Patronato Régio, preferindo retirar o reconhecimento diplomático dos novos Estados e deixar vagas as sés episcopais (MECHAM 1966). Na época dos conflitos sobre o “trustismo” nas paróquias americanas, quando os leigos invocaram o jus patronatum, argumentando que o direito de padroado, tradicionalmente concedido ao príncipe leigo, deveria ser agora concedido ao novo soberano (o povo), Roma contrapôs coerentemente que o patronato nunca fora um direito e sim um privilégio que foi concedido apenas sob circunstâncias especiais (CAREY 1987).
Por ironia, foi a Concordata de 1804 com Napoleão que serviu como modelo para as sucessivas concordatas com governos conservadores de toda a Europa. Por meio delas, a Igreja estabeleceu um modus vivendi com os novos Estados seculares que possibilitou ao papado reconquistar o controle sobre as hierarquias nacionais. Mas, no decorrer do século XIX, à medida que os conflitos com o Estado liberal se tornaram endêmicos por todo o continente europeu e América Latina, ficou cada vez mais evidente que era mais fácil salvaguardar os direitos papais nos países anglo-saxões que institucionalizaram a liberdade religiosa do que em países católicos latino-americanos, mesmo quando o Catolicismo fosse oficialmente protegido como religião do Estado. De fato, países protestantes e anglo-saxões, tais como Holanda e Alemanha, onde os católicos constituíam uma minoria considerável, tornaram-se baluartes da romanização moderna e de uma nova forma liberal de ultramontanismo, diferente do ultramontanismo integralista que estava ligado à restauração das monarquias europeias. (ACTON 1968b; HOLMES 1978; WHITE 1981; COLEMAN 1978; LANNON 1987)
Recentemente, o controle do papa sobre o processo de nomeação de bispos por meio dos núncios provou ser, talvez, o fator isolado mais importante no controle da Igreja Católica transnacional. Mesmo hoje em dia, disputas pelos direitos de nomeação episcopal permaneceram como um dos objetos de contenda mais importantes entre o Vaticano e os regimes autoritários. (CASANOVA 1994; HANSON 1987)
Em 1870, o papado perdeu seu último vestígio de soberania temporal, a província de Roma, bem no momento em que o Concílio do Vaticano I emitiu a dupla proclamação de primazia e infalibilidade papal.[4] A recusa de Pio IX em aceitar a Lei das Garantias Papais de 1871, oferecida pelo governo italiano, e a não resolvida “Questão Romana” fizeram dele e de seus sucessores os prisioneiros virtuais no Vaticano até a assinatura do Tratado de Latrão com Mussolini, em 1929. Não obstante, de sua posição de cativeiro aparente, os sucessores de Pio IX começaram a renovar a tradição papal de falar urbi et orbi com crescente frequência, estabelecendo assim as bases do processo de globalização do papado moderno, um processo que se acelerou desde a década de 1960. (Holmes 1981)
Esse processo de globalização encontra expressão, sobretudo, em três novas direções: na publicação cada vez maior de encíclicas papais que lidam não só com questões relacionadas à fé, à moral e à disciplina católicas como também com assuntos da era e do mundo seculares que afetam toda a humanidade; no papel cada vez mais ativo e opinativo do papado em conflitos internacionais e em questões relacionadas à paz, à ordem e à política mundiais; e na visibilidade pública do papa como sumo sacerdote de uma nova religião civil universal e como primeiro cidadão de uma sociedade civil global.
A Rerum Novarum (1891) de Leão XIII inaugurou uma tradição impressionante da moderna Doutrina Social da Igreja, que tem sido constantemente enriquecida e reformulada por encíclicas posteriores – a Quadragesimo Anno (1931) de Pio XI; a Mater et Magistra (1961) e a Pacem in Terris (1963) de João XXIII; a Populorum Progressio (1967) e a Octogesima Adveniens (1971) de Paulo VI; e a Laborem Exercens (1981) e a Centesimum Annum (1991) de João Paulo II. É certo que as primeiras doutrinas estavam permeadas por uma visão paternalista das relações sociais de produção e pela afinidade católica em relação à hierarquia pré-moderna e às organizações políticas e sociais corporativistas. A ilusão de uma terceira via católica entre o capitalismo e o socialismo serviu para obscurecer a complexidade dos mercados impessoais e das sociedades diferenciadas modernas. Contudo, em retrospecto, essa tradição surge como uma das tentativas mais sólidas, abrangentes e sistemáticas de enfrentar os problemas das sociedades industriais modernas. (Calvez & Perrin 1961; Moody 1953; Camp 1969,1991)
Críticos de esquerda menosprezaram com frequência essa prática, tachando, na melhor das hipóteses, as encíclicas de paliativos moralizantes e impotentes da inevitável luta de classes entre o capital e o trabalho, e, na pior delas, de propaganda antissocialista mal disfarçada sob uma suposta crítica imparcial do capitalismo e do socialismo. Todavia, considerando, no pós-Segunda Guerra Mundial, a institucionalização do Estado de bem-estar social sobre a base de um compromisso entre capital e trabalho e a crise do socialismo como solução viável para a moderna “Questão Social”, pareceria que a Doutrina Social da Igreja esteve mais próxima do marco histórico do que os críticos esquerdistas queriam reconhecer. De fato, nos dias atuais tais críticos costumam receber bem as encíclicas como uma das poucas vozes restantes que criticam a injusta divisão de trabalho e os efeitos desumanos do capitalismo, enquanto defensores radicais do liberalismo econômico, na direita, como costumam fazer, só ignoram as cartas papais como marxismo repetido. (McCARTHY & RHODES 1991)
A reformulação mais importante da Doutrina Social da Igreja esteve ligada à apropriação por parte de João XXIII da moderna doutrina dos direitos humanos e à ampliação da visão papal visando abarcar também as relações conflitivas entre Ocidente e Oriente e entre Norte e Sul. Paulo VI e João Paulo II continuaram e levaram além essa tradição. Os pronunciamentos papais vêm apresentando com frequência a proteção dos direitos humanos de todas as pessoas como a base moral de uma ordem política e social justa; a substituição de confrontos violentos pelo diálogo e pela negociação pacífica como meio de resolver conflitos e injustiças entre povos e Estados; e a solidariedade humana universal como alicerce para a construção de uma divisão do trabalho, em âmbito tanto nacional quanto internacional, justa e equitativa, e de uma ordem mundial íntegra e legítima. (HEBBLETHWAISTE 1985; HOLLENBACH 1979, 1981) Além disso, enquanto as primeiras encíclicas costumavam se destinar à fé católica, a partir da Pacem in Terris de 1963, os papas vêm apresentando uma tendência a direcionar seus pronunciamentos ao mundo inteiro e a todas as pessoas.
Além de seu poder de consagrar governantes e, dessa forma, conferir ou retirar a legitimidade, de arbitrar disputas entre poderes, e, por fim, excomungar governantes, libertando-os assim de seus juramentos de fidelidade, o papado medieval também desempenhou as funções históricas de tribunal internacional de arbitragem e apelação, avalista em conflitos internacionais e apaziguador. Na verdade, o Código de Direito Canônico e as decisões jurídicas papais serviram como a única autoridade reconhecida nas relações internacionais durante a Idade Média.
Com certeza, o papado só poderia desempenhar esse papel de modo eficaz sob a condição de que não fosse uma das partes envolvidas nos conflitos e se demonstrasse alguma imparcialidade. As exigências teocráticas do papa e o duplo papel do papado como governante temporal e espiritual, no entanto, tornaram a tarefa mais difícil. Os abusos frequentes do poder espiritual para alcançar objetivos temporais se somaram ao descrédito do papado no período do século XIV ao XVI. (TIERNEY 1964; THOMSON 1980)
Numa época em que governantes temporais estavam apenas preocupados com a expansão, consolidação e centralização do poder estatal interno e externo, duas reivindicações da Igreja soaram particularmente ofensivas: o poder de conceder às pessoas o direito de resistência a um governo ilegítimo e a novit ille, ou a exigência do papa de ter o direito a uma parte em tratados internacionais anuais ou de libertar uma das partes de seu juramento sagrado para poder honrar o tratado. No Congresso de Westfália (1648), os príncipes católicos e protestantes de toda a Europa (com exceção da Espanha) concordaram em não apenas excluir o papado de ter uma parte no tratado como também em negligenciar todos os protestos papais contra os Tratados de Münster, Osnabrück e Westfália. Esse esforço conjunto de governantes seculares afastou com sucesso o papado dos assuntos internacionais europeus. (ECKHARDT 1937:20)
No Tratado de Latrão (1929), Mussolini arrancou do papado a aceitação da perda definitiva da soberania temporal e a promessa de que ele não levaria adiante uma política externa papal independente e nem sequer interferiria na política externa da Itália. O Artigo 24º declara, contudo, que a Santa Sé “em qualquer caso, se reserva o direito de exercer seu poder moral e espiritual” (apud ECKHARDT 1937:244). O primeiro papa moderno que tentou exercer tal poder foi Bento XV. Eleito logo após a eclosão da Primeira Guerra Mundial, numa época em que o povo, intelectuais, líderes políticos e o clero de toda a Europa foram envoltos na euforia da guerra e no furor jingoista, o papa se tornou um dos porta-vozes mais eloquentes a favor da paz.[5]
Mas as intercessões do papa caíram em ouvidos moucos. Ambos os lados viam-nas como um canto de sereia que interferia em seus sagrados interesses nacionais e em seus objetivos de vitória militar. O sumo pontífice foi acusado por ambos os lados de ajudar o inimigo e de tentar solapar as decisões nacionais. Sua resposta - de que ele estava apoiando a causa da humanidade, em vez das causas das partes beligerantes - não foi benquista. No final das contas, assim como a solidariedade proletária transnacional, a solidariedade católica ou humana provou ser mais fraca do que a solidariedade nacional ou a devoção e obediência cega ao Estado.[6]
Apesar do aparente insucesso imediato, as intervenções de Bento XV formam a base para o aumento do prestígio internacional e, o que é irônico, do reconhecimento diplomático do papado no século XX. O papel de seus sucessores, Pio XI e Pio XII, durante a ascensão do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, bem como durante a Segunda Guerra Mundial, é muito mais polêmico. Pelo menos a posteriori, as intercessões papais e, o que é mais danoso, o fracasso do papado em enfrentar os ditadores e em condenar de público o Holocausto nazista, da forma mais explícita possível, revela-se como uma grave falha moral. Isso é assim da perspectiva dos princípios éticos que ganharam aceitação global depois da Segunda Guerra Mundial, a saber, os direitos humanos e a defesa da sagrada dignidade da pessoa humana, princípios que o papado cada vez mais vem tomando para si. (LEWY 1964; RHODES 1973).
Podem-se oferecer várias explicações para o curso da ação papal:
Mas, acima de tudo, o rumo da ação tomado pelo papado pode ser mais bem explicado em referência a seu princípio norteador tradicional, a saber, a proteção da libertas Ecclesiae. Após a Revolução Francesa e a expansão global do moderno Estado secular, a política transnacional do Vaticano iniciada com a Concordata de 1804 com Napoleão e desde então seguida de forma constante, tem sido, pelo menos até bem recentemente, a de extrair de todo e qualquer Estado, por meio da assinatura de concordatas, as condições mais favoráveis possíveis para proteger a liberdade da Igreja. O Vaticano presumiu de forma correta que seria possível obter de Mussolini uma concordata mais favorável para a Igreja do que qualquer outra com um Estado liberal. O Tratado de Latrão, de 1929, compreendia tanto um tratado internacional entre o Reino da Itália e o Estado da Cidade do Vaticano, que terminava definitivamente a Questão Romana, quanto uma concordata entre a Igreja Católica e o Estado italiano.
Mussolini concedeu praticamente tudo que a Igreja queria: a confessionalidade do Estado, a primazia do Direito Canônico em questões relacionadas à religião e ao casamento, o ensino religioso obrigatório em todas as escolas e o reconhecimento de escolas e universidades religiosas pelo Estado, o pagamento de salários pelo governo a bispos e padres, a abolição da legislação contrária às ordens religiosas e reconhecimento legal das congregações religiosas, o reconhecimento dos feriados religiosos como oficiais, a liberdade para nomear bispos e livre comunicação entre o papa e os bispos de todo o mundo, e a promessa de tratamento privilegiado e liberdade para todas as atividades não políticas da Ação Católica.[8]
Considerações semelhantes marcaram as relações do Vaticano com o regime de Hitler. De modo geral, os nazistas não tinham obtido grande êxito em atrair os votos católicos do Partido do Centro Alemão. Os bispos católicos alemães tinham condenado repetidas vezes a ideologia pagã nazista e proibido os fiéis de votarem nos nazistas. Mas em março de 1933, sob aparente pressão de Roma, visto que as negociações para uma concordata começaram, houve uma mudança de planos. Os bispos revogaram a proibição dos católicos aderirem ao partido nazista e permitiram que o Partido do Centro Alemão e o Partido Popular da Baviera votassem em Hitler, dando-lhe a maioria de dois terços necessária para realizar a revolução de forma legal. Uma vez que a concordata foi assinada, o Partido do Centro Alemão e o Partido Popular da Baviera concordaram em se dissolver como sinal de boa vontade em relação ao novo regime.
É verdade que a Igreja acabou por condenar a Estadolatria e a adoração pagão do Estado propagadas pelo fascismo e no processo desenvolveu uma crítica consistente do totalitarismo moderno. Mas as condenações públicas só vieram depois que ficou evidente que aqueles regimes estavam tolhindo a liberdade da Igreja e os direitos privilegiados dos católicos que a Igreja tinha arduamente negociado. A Non abiamo bisogno (1931), encíclica dirigida ao fascismo, veio depois que os fascistas começaram a reprimir a Ação Católica e organizações juvenis. A Mit brennender Sorge (1937) escrita após uma petição dos bispos alemães, era mais uma crítica das políticas anticatólicas do regime nazista do que uma condenação direta do nazismo.[9]
Poucos dias após a publicação da Mit brennender Sorge, Pio XI também publicou suas condenações ao comunismo, na Divini Redemptoris, e ao regime mexicano No es muy. Pareceria que o mais importante na mente do papa não era tanto uma crítica imparcial do totalitarismo comunista e fascista, com os apologistas tendem a argumentar, mas sim uma crítica comum das políticas anticatólicas daqueles regimes ateístas militantes. Apenas a partir da perspectiva da falta de liberdade da Igreja e da redução dos direitos dos católicos o regime mexicano poderia ser colocado numa paridade com os regimes nazista e stalinista.
Há um indicador ainda mais expressivo e censurável de que a Igreja via como sua tarefa a proteção dos direitos particulares dos católicos e não a defesa dos direitos humanos universais. Enquanto negociava a concordata com o Terceiro Reich, o secretário de Estado, cardeal Eugenio Pacelli, tentou escrever uma cláusula que garantisse a judeus batizados o mesmo status negociado para católicos alemães. Mas o cardeal Pacelli só obteve uma promessa verbal de que judeus batizados seriam tratados como cristãos e não estigmatizados como judeus.
A aceitação definitiva por parte da Igreja durante o papado de João XXIII da doutrina moderna dos direitos humanos tem alterado de maneira radical a dinâmica tradicional das relações entre a Igreja e o Estado e o papel tanto nacional quanto transnacional da Igreja. Ela abriu caminho para um realinhamento nas relações entre regimes religiosos e seculares. A pedra fundamental do processo é a Declaração Dignitatis Humanae do Concílio Vaticano II, sobre a liberdade religiosa. De modo significativo, as vozes mais eloquentes no debate crucial dentro da sala durante o Concílio vinham de coligações opostas: dos bispos norte-americanos, que defendiam unânimes a liberdade religiosa não apenas em termos de vantagem prática mas também em termos teológicos fornecidos a eles por seus peritos, o grande teólogo norte-americano John Courtney Murray e o cardeal Karol Wojtyla da Cracóvia, o qual tinha aprendido da experiência de tentar defender a liberdade da Igreja durante o comunismo que a melhor linha de defesa, tanto em termos teóricos quanto práticos, era a defesa do direito inalienável da pessoa humana à liberdade de consciência. Em termos teológicos, isso obrigava a transferência do princípio da libertas Ecclesiae (que a Igreja guardara de forma tão zelosa através dos séculos) para a pessoa humana individual, a libertas personae. (MURRAY 1964; WEIGEL 1992:70-74)
Dali por diante, a forma mais eficaz de o papado proteger a liberdade da Igreja ao redor do mundo não seria mais assinar concordatas com Estados individuais, procurando extrair tanto de regimes amistosos quanto não amistosos as condições mais favoráveis possíveis para assuntos católicos, mas, em vez disso, proclamar urbi et orbi o direito sagrado de toda e qualquer pessoa à liberdade religiosa e lembrar a todos os governos, não por meio de canais diplomáticos discretos, mas em público, de sua obrigação em proteger tal direito humano sagrado. No processo, o papa poderia deixar de ser o Santo Padre de todos os católicos para se transformar no pai comum dos filhos de Deus e porta-voz autodesignado da humanidade, o defenser hominis. Finalmente, o papado poderia se libertar dos ornamentos pós-medievais de soberania territorial que historicamente tolhiram tanto sua liberdade de de movimento. O que o papado e as igrejas nacionais precisavam para cumprir sua missão espiritual não era a regência protetora de chefes supremos que sempre acabavam por restringir a liberdade de movimento da Igreja, mas, em vez disso, uma sociedade civil global livre.
Naturalmente, a voz do papa só poderia ter seu efeito se três condições fossem cumpridas: se a voz pudesse se infiltrar, atravessar as fronteiras do Estado e ser ouvida por toda parte; se o papado pudesse utilizar seus recursos transnacionais e as igrejas locais para amplificar sua voz; e se a voz do papa pudesse na verdade juntar-se e adicionar volume e prestígio aos coros de vozes de todos os lugares já existentes, até que as muralhas do Estado viessem a baixo. A globalização da meios de comunicação de massa e o uso assaz efetivo pelo papado desses meios cumpriram a primeira condição. A centralização e homogeneização do Catolicismo conquistadas pelo Concílio Vaticano II e pelo processo geral de aggiornamento para a modernidade cumpriram a segunda. A terceira condição também foi cumprida, porque, ao questionar os princípios da soberania de Estado e a raison d’État, as duas pedras fundamentais do sistema moderno de Estados-nação, a Igreja só se juntava a um conjunto inteiro de forças sociais locais e instituições, organizações e movimentos sociais de caráter transnacional, trabalhando em direção ao estabelecimento de sociedades civis autônomas e em direção à constituição de uma sociedade civil global livre.[10]
Particularmente naquelas sociedades em que a voz do papado carregava um peso especial, esse esforço civil conjunto teve efeitos dramáticos. De repente, as doutrinas dos direitos humanos podiam ser utilizadas para questionar ao mesmo tempo o Catolicismo nacional do regime de Franco, as doutrinas de segurança nacional de regimes autoritários e burocráticos da América Latina, a corrupta ditadura oligárquica de um caudilho da Guerra Fria como Ferdinand Marcos e as mentiras oficiais de democracias populares na Polônia e em qualquer outra parte[11]. Aqueles que levaram a voz do papa mais a sério – padres e freiras, agentes pastorais e leigos engajados – estavam no primeiro plano de uma nova revolução democrática mundial.
Por ironia, o poder diplomático do papado também tem aumentado à medida que o tamanho do Estado do Vaticano tem diminuído e ao mesmo tempo em que a Santa Sé concordou em “permanecer alheia a todas as disputas temporais entre nações e a congressos internacionais”. O número de países que vêm estabelecendo relações diplomáticas com o Vaticano aumenta continuamente: eram quatro em 1878, à época da morte de Pio IX; catorze em 1914, quando Bento XV começou o seu papado, e vinte e cinco em 1922, na época de sua morte; em 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, o número era trinta e oito, e alcançou setenta em 1973. Finalmente, em 1984, superando sua inclinação antipapista, a proibição do Congresso dos Estados Unidos de 1867 no tocante a relações diplomáticas com o Vaticano foi suspensa e o governo Reagan estabeleceu relações diplomáticas plenas com o Vaticano. O colapso do sistema soviético de Estados e a desintegração da União Soviética adicionaram um número significativo de países ao corpo diplomático do Vaticano. Em 1993, 144 países tinham establecido relações diplomáticas com o Vaticano. (CATHOLIC ALMANAC 1993)
É claro que o motivo pelo crescimento da relevância diplomática do Vaticano não se deve ao fato de a cidade do Vaticano ser um Estado soberano poderoso. Na verdade, a Igreja Católica se tornou uma organização transnacional tão importante no sistema mundial emergente que nenhum Estado pode dar-se ao luxo de ignorá-la. No campo público aberto de uma sociedade civil global, as divisões militantes do papa e os seus aliados mostraram-se mais eficazes e com maior liberdade de movimento do que as unidades de controle de multidões e as divisões de tanques mecanizados, reunidas por príncipes e políticos maquiavélicos, seguindo as regras obsoletas de engajamento da realpolitik. No mundo de hoje, o poder não vem exclusiva ou essencialmente do cano de uma arma, em particular quando Estados agarrados ao monopólio da violência não possuem qualquer legitimidade na sociedade civil e não têm a determinação moral ou política para utilizar armas contra civis desarmados.
A imagem surpreendente de um imperador penitente em Canossa, submetendo-se à autoridade espiritual superior de um papa com o fito de recuperar sua legitimidade e seu poder temporal, sempre serviu como expressão simbólica paradigmática da autoridade medieval do papa. Em décadas recentes, imagens de governantes aparentemente poderosos rendendo seu poder sem resistência a formas superiores de autoridade, ao “poder do povo” ou ao “poder dos sem poderes” têm-se repetido com maior frequência. Quando os direitos humanos e os assuntos internos dos Estados soberanos passam a dizer respeito a todos, sendo constantemente monitorados por governos, pelos meios de comunicação de massa e por organizações governamentais e não governamentais de caráter transnacional, e quando a opinião pública global e a Organização das Nações Unidas não respeitam mais o princípio de não interferência nas questões internas de Estados soberanos, torna-se cada vez mais difícil para governantes absolutistas soberanos erigirem um Muro de Berlim ou protegerem suas fronteiras de uma sociedade civil em constante expansão.
Sobretudo, esse processo de globalização e a capacidade do papado de explorar as oportunidades criadas por esse processo, realçando com isso seu papel e prestígio no sistema mundial emergente, têm suas origens na Segunda Guerra Mundial e em suas consequências. A Guerra Fria e a política de contenção do comunismo ofereceram à Igreja Católica, aos países católicos e às minorias católicas dentro de países protestantes, a possibilidade de realinhá-los e de se unir ao centro do sistema capitalista protestante do Atlântico Norte, do qual eles foram alienados ou marginalizados desde a Contra-Reforma. A aliança Washington-Roma se tornou um dos eixos-chave na contenção ao comunismo (HANSON 1987). Os católicos tornaram-se sócios majoritários de uma aliança do Atlântico Norte e do Ocidente democrata-cristão. Os católicos da Democracia Cristã orientaram o processo de integração da Comunidade Europeia. O Concílio Vaticano II teve que ser convocado precisamente a fim de ratificar oficialmente o processo de aggiornamento para a modernidade que já estava bem em andamento na Europa Ocidental católica. Uma vez reunido, no entanto, o Concílio criou uma dinâmica totalmente inesperada de transformação e globalização católica.
A centralidade do papado no novo sistema global foi reconhecida até pelos soviéticos quando Nikita Krushchev recebeu bem a mediação de João XXIII durante a crise dos mísseis cubanos e solicitou que tal mediação pela causa da paz e dos sagrados valores da vida humana não devesse limitar-se a momentos de crise. Quando as superpotências e o mundo inteiro viram-se à beira de uma guerra nuclear, um princípio superior de mediação devia ser encontrado. Uma vez que não podia mais ser subestimada, a sobrevivência das espécies tinha que se tornar um esforço conjunto e consciente de toda a humanidade. A segurança da humanidade e do planeta devia ter precedência sobre a segurança do Estado e da nação. Depois disso, a Ostpolitik do Vaticano e a política dos Estados Unidos de détente tomaram rumos paralelos (DUNN 1979; STEHLE 1981). Entretanto, o Vaticano foi zeloso em cultivar uma imagem de mediação acima das superpotências. De fato, ele afirma representar os interesses do sistema internacional como um todo. Desde o apoio entusiástico de Bento XV à Liga das Nações, os papas têm sido advogados firmes das organizações internacionais do mundo inteiro, do Tribunal Internacional de Justiça à ONU, as quais limitariam a soberania de Estados absolutistas, arbitrariam disputas internacionais e representariam os interesses de toda a família de nações.[12]
O papado também assumiu ansiosamente o papel vago de porta-voz da humanidade, da dignidade sagrada da pessoa humana, da paz mundial e de uma divisão mais justa de trabalho e poder no sistema mundial. O papel foi naturalmente para o papado, já que está de acordo com suas reivindicações tradicionais de autoridade universal. De certa forma, o papado tem tentado recriar o sistema universalista da cristandade medieval, mas agora numa verdadeira escala global. A diferença fundamental é que, todavia, a espada espiritual não pode mais buscar a proteção da espada temporal para apoiar sua autoridade contra regimes religiosos rivais a fim de conquistar o monopólio da salvação. O reconhecimento oficial do princípio da liberdade religiosa significa que a Igreja aceitou o desafio de competir em um sistema global de regimes religiosos relativamente aberto. Dada sua estrutura altamente centralizada e sua imponente rede transnacional de recursos materiais, institucionais e humanos, a Igreja pode assumir de forma racional que possui uma vantagem competitiva.
Considerando o fato de que, durante séculos, praticamente desde o início da era moderna, o papado tem estado atado ao Vaticano e, de maneira simbólica, a Roma, é admirável a avidez com os papas recentes têm tentado globalizar sua imagem e se tornar viajantes do mundo. Os meios de comunicação de massa modernos deram ao papado a oportunidade de se comunicar diretamente com católicos e não católicos ao redor do mundo. Em particular, João Paulo II utilizou esse contato direto com as massas de fiéis de maneira extremamente eficaz como um apoio de tipo plebiscitário popular a sua autoridade e suas políticas, utilizando-o sempre que necessário para impressionar líderes seculares, evitar hierarquias nacionais ou verificar tendências discordantes das elites católicas.
Ainda que a Igreja Católica tenha rede própria de meios de comunicação de massa nacional e transnacional, o impacto do papado sobre a opinião pública não provém, a princípio, dos meios de comunicação católicos, mas sim da cobertura proeminente e extensiva que as palavras e feitos do papa recebem na mídia ocidental[13]. Considerando que, desde o final da Idade Média, a imagem do papado tem sido associada a símbolos muito negativos, pelo menos em áreas culturais protestantes hegemônicas modernas, fato de a simples pessoa do papa se ter tornado hoje um evento positivo da mídia é em si uma conquista impressionante, indicadora do nível de prestígio e influência alcançado pelo papado moderno. Sem diminuir a relevância do carisma pessoal de João Paulo II, várias vezes manifestado, nem o papel de um emprego bem orquestrado de administração da imagem carismática pelo Vaticano, pareceria que o papado encontrou um papel adequado que satisfaz as expectativas de um público muito mais amplo do que os fiéis católicos. O papa aprendeu a desempenhar, talvez de forma mais eficiente do que qualquer competidor, o papel de primeiro cidadão de uma sociedade humana católica, isto é, global e universal. Acontece apenas que esse papel está frequentemente em tensão com seu outro papel oficial, como chefe infalível e guardião supremo das doutrinas, leis, rituais e tradições particulares da Igreja Una Santa Igreja Católica Apostólica Romana.
Para validar suas reivindicações à catolicidade, ou universalidade, a Igreja Católica Romana e seu sumo pontífice precisam resolver dois conjuntos de tensões. Há tensões entre o caráter romano, o caráter nacional e o crescente caráter global da instituição eclesiástica. Há uma tensão mais distante entre a particularidade e a reivindicada universalidade dos princípios doutrinais católicos e normas morais. Ambos os conjuntos de tensões estão intimamente relacionados com os processos contínuos de globalização.
Observando o Catolicismo de forma global ao longo do século XX e, em particular, a partir da década de 1960, podem-se visualizar três processos inter-relacionados em tensão dinâmica mútua. Em primeiro lugar, há o fortalecimento da supremacia papal, a centralização administrativa do Vaticano e a romanização do Catolicismo ao redor do mundo. Entre os indicadores nesse processo, é possível mencionar: a convocação do Concílio do Vaticano I e a proclamação da infalibilidade papal, o controle do papa sobre a seleção de bispos, a condenação indiscutível das heresias modernistas e americanistas, a promulgação do Código de Direito Canônico Universal em 1918 e de um novo Código de Direito Canônico em 1983, a expansão contínua da Cúria Romana e dos corpos diplomáticos do Vaticano, o papel proeminente dos núncios nas questões internas das igrejas nacionais e o papel preponderante das universidades, colégios e institutos romanos na educação e socialização da possível hierarquia e de elites clericais nacionais e transnacionais[14]. Principalmente, o Concílio Vaticano II e o aggiornamento geral resultante produziram não apenas centralização doutrinal e administrativa, mas também a homogeneização e globalização da cultura católica, pelo menos entre as elites, ao redor do mundo católico.
Mas, concomitantemente a esse processo de centralização do Vaticano e romanização do Catolicismo, tem ocorrido um processo paralelo de internacionalização das estruturas administrativas de Roma e de globalização do Catolicismo como regime religioso. A Igreja Católica Apostólica Romana deixou de ser uma instituição de predominância romana e europeia. Junto com o aumento na população católica de 100 milhões em 1900 para 600 milhões em 1960 e quase 1 bilhão em 1990, houve um deslocamento considerável da população católica do Velho para o Novo Mundo e do Norte para o Sul. Os quadros episcopais e administrativos da Igreja têm mudado em consequência disso. O Concílio do Vaticano I ainda foi um acontecimento predominantemente europeu, ainda que os 49 prelados dos Estados Unidos já fossem 10% dos bispos reunidos. O Concílio Vaticano II, em contrapartida, foi o primeiro concílio ecumênico verdadeiro. Os 2.500 Padres Conciliares participantes vieram praticamente de todas as partes do mundo. Os europeus não constituíam mais a maioria. A delegação dos Estados Unidos, com mais de 200 bispos, era a segunda maior, embora ainda fosse menor do que o número combinado de 228 bispos indígenas da África e da Ásia ao final do Concílio. O número é significativo considerando-se que apenas durante o papado de Bento XV o Vaticano começou a promover o recrutamento de clérigos indígenas e a formação de hierarquias de povos nativos de outras localidades, abandonado, dessa forma, o legado colonial europeu de considerar as missões como colônias religiosas. Mais significativa ainda tem sido a internacionalização do Colégio de Cardeais e, embora de modo mais vagaroso, a internacionalização da Cúria. Desde a época de Júlio II (1503) não apenas os papas, mas também a maior parte dos membros da Cúria era de italianos. Em 1946, ainda constituíam quase 2/3 de todos os cardeais. Naquele ano, Pio XII criou 32 novos cardeais, dos quais apenas quatro eram italianos e treze não eram europeus. O Colégio de Cardeais que votou por um papa não italiano em 1978 já tinha uma composição muito mais internacional e representativa: 27 italianos, 29 originários do resto da Europa, 12 africanos, 13 asiáticos, 19 latino-americanos e 11 norte-americanos (HOLMES 1981:23-24,187,233). O processo contemporâneo de internacionalização do Catolicismo, além disso, não possui apenas uma estrutura radial com centro em Roma. Nas últimas décadas tem ocorrido um aumento extraordinário em redes transnacionais católicas e mudanças de todos os tipos que entrecortam as nações e regiões do mundo, quase sempre não tocando Roma (LERNOUX 1989; SMITH 1990; HANSON 1987; DELLA CAVA 1992, 1993).
Inter-relacionado a isso, embora em tensão com esse processo dual de romanização do Catolicismo mundial e internacionalização de Roma, também tem ocorrido um processo de “nacionalização”, ou seja, de centralização das igrejas católicas em nível nacional. A institucionalização de conferências nacionais de bispos depois do Vaticano II reforçou a dinâmica do processo de nacionalização que fora empreendido, a princípio, por diferentes formas da Ação Católica, com sua estratégia compartilhada de mobilização dos leigos católicos para defender e promover os interesses da Igreja Católica no que foi entendido como um ambiente secular moderno hostil. Essa mobilização política do Catolicismo tinha sido orientada em direção ao Estado, sendo que seu objetivo era resistir à separação Igreja-Estado ou contra-atacar movimentos e partidos secularistas ligados ao Estado. O reconhecimento católico final do princípio de liberdade religiosa, junto com a mudança de atitude da Igreja em relação ao ambiente secular moderno, levou a uma transformação fundamental das igrejas católicas nacionais. Elas têm deixado de ser ou de aspirar a se tornar instituições obrigatoriamente públicas e têm-se tornado instituições religiosas livres dentro da sociedade civil. Enquanto isso, as igrejas católicas ao redor do mundo se dissociam do Estado e entram em conflito com regimes autoritários, predominantes em muitos países católicos. Essa “separação” voluntária do Catolicismo possibilitou à Igreja desempenhar um papel-chave em transições recentes para a democracia ao redor do mundo católico. (CASANOVA 1993; 1994).
A posição e a atitude tradicionais da Igreja Católica em relação aos regimes políticos modernos foram de neutralidade em relação a todas as “formas” de governo. Contanto que as políticas daqueles governos não interferissem de maneira sistemática nos direitos corporativos da Igreja de liberdade religiosa, libertas Ecclesiae, e no exercício de suas funções como mater et magistra, a Igreja não questionaria sua legitimidade. A hipótese da doutrina moderna dos direitos humanos acarreta, contudo, mais do que a aceitação da democracia como uma “forma” legítima de governo. Implica no reconhecimento de que a democracia moderna não é apenas uma forma de governo, mas um tipo de regime baseado de forma normativa nos princípios universalistas de liberdade e direitos individuais. À medida que as igrejas nacionais transferem a defesa de seus privilégios particularistas para a pessoa humana, o Catolicismo se mobiliza novamente, dessa vez para defender a institucionalização dos direitos universais modernos e o simples direito de uma sociedade civil democrática existir.
À medida que as conferências nacionais de bispos assumem um papel ativo ao definir questões nacionais, surge uma tensão dinâmica entre a centralização nacional e a romana. Tal tensão considera tanto a globalização de uma posição católica em várias questões quanto reflexões particulares que a posição geral católica assume em qualquer contexto nacional. Mas, à medida que as conferências de bispos assumem uma posição “católica”, uma tensão entre a particularidade Católica Romana e a universalidade católica se torna evidente. É surpreendente, em pronunciamentos papais e episcopais recentes, em particular nos relacionados a questões de moralidade pública, o fato de que eles não são direcionados aos católicos como membros fiéis da Igreja, obrigados a seguir regras específicas da tradição moral católica, mas sim para qualquer indivíduo como membro da humanidade, obrigado a seguir as normas humanas universais que derivam dos valores humanos universais de vida e liberdade. O fato de tais normas e valores supostamente universais estarem vinculados a uma tradição religiosa particular está, com certeza, fadado a afetar a recepção dessas reivindicações universalistas por parte dos não católicos. Mas, ao mesmo tempo, em lugares onde essa tradição religiosa está viva provavelmente servirá para santificar e legitimar as normas e valores modernos como cristãos.
Mas, dadas as condições estruturais modernas, se a Igreja Católica deseja manter suas reivindicações universalistas, precisará aprender a viver com o pluralismo social e cultural tanto fora quanto, em especial, dentro da Igreja. A fim de manter sua eficácia como uma religião pública nas sociedades civis modernas, suas intervenções públicas terão que ser e parecer não partidárias e não congregacionais; isto é, elas terão que ser emolduradas numa linguagem universalista. Isso, de nenhuma maneira, elimina uma “opção preferencial pelos pobres” ou uma continuação da oposição católica tradicional ao aborto. De fato, a Igreja Católica atual está apresentando suas intervenções públicas não como a defesa de um grupo específico ou de uma tradição moral particular, mas na base de sua obrigação moral, como uma Igreja universal para proteger a vida humana e a sagrada dignidade da pessoa humana e para exigir acesso ao discurso, à justiça e ao bem-estar. Isso significa que, seja qual for a posição ou a opção assumida, a Igreja terá que justificá-la por meio de discurso racional e aberto na esfera pública da sociedade civil. A lição das intervenções públicas dos bispos estadunidenses indica, além disso, que a Igreja terá que aprender a deixar todos os fiéis participarem da elaboração e reformulação constante de suas doutrinas normativas e considerar diferentes julgamentos práticos, como o modo de interpretar essas doutrinas normativas em circunstâncias concretas.[15]
Roland Robertson argumentou de forma convincente sobre a natureza dual dos processos contínuos de globalização, sobre o surgimento da humanidade global e sobre o aparecimento de um sistema global de sociedades. Estes acarretam a relativização da identidade pessoal do eu em relação à humanidade como um todo, a relativização do conjunto de membros de qualquer sociedade específica em relação à humanidade global, e a relativização das sociedades nacionais particulares da perspectiva do sistema mundial de sociedades. (ROBERTSON & CHIRICO 1985:242).
A combinação da globalização, da nacionalização, do envolvimento secular e da separação voluntária do Estado têm levado a Igreja Católica a uma mudança significativa de orientação de Estado-nação para sociedade civil. As Igrejas nacionais deixaram de ver a si mesmas como cultos comunitários integradores do Estado-nação e adotaram uma nova identidade global transnacional que lhes permitiu confrontar de maneira profética o Estado e a ordem social estabelecida. Entre os desenvolvimentos mais significativos das décadas recentes esteve a crise dos princípios absolutos de soberania do Estado e da raison d’État e o surgimento da dinâmica global da democratização. O colapso do sistema de Estados socialistas, a derrota global das doutrinas de segurança nacional, a crise do princípio estabelecido de não interferência nos assuntos internos dos Estados-nação, a crise dos modelos de desenvolvimento e modernização econômica guiados pelo Estado estão todos relacionados à nova dinâmica de formação da sociedade civil em nível tanto intrassocial quanto global. Regimes religiosos transnacionais estão reagindo aos novos desafios e estão desempenhando um papel essencial tanto na revitalização de sociedades civis específicas quanto no surgimento de uma sociedade civil global. Em particular, a Igreja Católica, que resistiu tanto tempo e de maneira ineficaz ao aparecimento do sistema moderno de Estados-nação, está agora respondendo com êxito às oportunidades oferecidas pela crise de soberania territorial de Estado e pela expansão de uma sociedade civil global.[16]
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[*]
Título original: Globalizing Catholicism and the Return to a
‘Universal’ Church. In:
RUDOLPH, Susane; PISCATORI, James
(eds.): Transnational
Religion and Fading States,
Boulder: West View Press 1997, pp. 201-225. Tradução:
Rodrigo Andrade da
Silva.
[**] Professor de Sociologia e coordenador do Berkley Center's Program on Globalization, Religion and the Secular, Universidade de Georgetown, EUA.
[1] Bax apontou que a dinâmica dos regimes religiosos se origina de três fontes, a saber: “A relação entre o regime religioso e o regime secular ao qual ele está vinculado; sua relação com outros regimes religiosos; e as tensões e polaridades internas entre o que pode se chamar ‘regime religioso dominante’ e ‘regime dominante’” (BAX 1991: 11). Este artigo trata apenas da primeira fonte da dinâmica do Catolicismo e, portanto, centra-se sobre o papado como núcleo institucional do transnacionalismo católico e sobre as relações com o regime secular externo. Se buscasse tratar das outras duas fontes da dinâmica católica, então este artigo deveria focalizar de maneira mais sistemática as relações mutáveis entre papado, episcopado, ordens religiosas e leigas, e, sobretudo, focalizar os concílios ecumênicos da Igreja. Ao longo de sua história, foi principalmente por meio dos concílios locais, regionais e ecumênicos que a Igreja Católica definiu suas doutrinas hegemônicas “oficiais” e seus anátemas; o que considera como “erros”, ao reagir a desafios relacionados à “heresia” e à “dissidência”; e a condição externa de “infiéis” e “pagãos”. Tradicionalmente, essas quatro categorias – “dissidência”, “heresia”, “infidelidade” e “paganismo” – têm servido para determinar os limites externos e internos do Catolicismo como regime religioso.
[2] O afloramento da atividade missionária que acompanhou a colonização ultramarina empreendida pelos Estados europeus ocidentais no início da Idade Moderna e a afirmação dos jesuítas como uma ordem militante ultramontana a serviço do papado para contra-atacar a Reforma, bem como o sistema emergente de Estados-nações, são duas exceções significativas. Entretanto, o Catolicismo colonial logo ficou, numa extensão maior até mesmo do que as igrejas nacionais territoriais, sob o controle cesaropapista de chefes de Estado seculares que romperam qualquer ligação direta das igrejas coloniais com o Vaticano. A expulsão dos jesuítas de todos os domínios da Igreja Católica Romana durante a segunda metade do século XVIII e a supressão final da ordem por meio de decreto papal em 1773 assinalam os pontos altos do cesaropapismo católico e da adaptação do papado à soberania dos Estados absolutistas (BOXER 1978; HOLLIS 1968; CALLAHAN & HIGGS 1979).
[3] Baseei minha reconstrução do crescimento do papado no final da Antiguidade e na Idade Média sobretudo em SCHIMMELPFENIG 1992; ver também ULLMANN 1962 e BARRACLOUGH 1974.
[4] Por ironia, os fundamentos da doutrina da infalibilidade papal foram, a princípio, lançados no final do século XIII, no apogeu do poder papal, por franciscanos que criticavam o papa Bonifácio VIII. De acordo com Schimmelpfenig, foi “uma tentativa de limitar a competência jurisdicional do papa atando-o a decretos de seus predecessores” (SCHIMMELPFENNIG 1992:194). A formulação moderna da infalibilidade papal, por outro lado, foi uma tentativa de reforçar a autoridade pessoal do papa e seu direito oficial de dizer ex cathedra, numa época em que o papado como instituição e a tradição católica eram alvo de ataques por toda parte.
[5] Enquanto 76 eminentes católicos alemães descreviam a guerra como “a nova primavera da religião”, o papa, de maneira mais sóbria, a via como “a mais negra tragédia do ódio e da loucura humanas”, dizendo aos bispos alemães que ele estava, “sobretudo, obrigado em consciência a aconselhar, sugerir, inculcar nada mais além da paz”. Incansável, ele denunciou a guerra como um “flagelo”, uma “matança horrenda e desnecessária” que estava transformando o mundo num “hospital e num ossuário”, o “suicídio da Europa civilizada”; ele organizou todos os tipos de ajuda humanitária em larga escala, exaurindo de forma generosa seus recursos financeiros e os do Vaticano; exigiu repetidas vezes negociações de paz, trabalhou na prática como um intermediário, buscando acordos, e apelou para que as nações estabelecessem uma paz justa e não uma imposta sobre o derrotado. Ver HOLMES 1981:1-19.
[6] Por toda parte, os padres católicos responderam com entusiasmo ao chamado patriotista às armas. Só na França, apesar da longa história de separações entre o religioso e o secular, de anticlericalismo e de suspeitas arraigadas de deslealdade, 45 mil sacerdotes se reuniram em defesa de la patrie. Sua postura militar, ademais, foi exemplar. Mais de 5 mil padres morreram na guerra, 9 mil receberam a croix de guerre e quase 900 foram condecorados com a Legião de Honra francesa. O que foi mais significativo foi o fato de que membros de ordens religiosas transnacionais que foram expulsos de vários países pela legislação anticlerical voltaram para lutar por suas causas nacionais. Até os jesuítas, a mais transnacional de todas as ordens católicas, se mostraram incapazes de ficar do lado do papa e de resistir ao nacionalismo. Mais de 850 jesuítas franceses e 534 jesuítas alemães voltaram do exílio para tomar parte na guerra como combatentes (uma maioria), capelães militares ou auxiliares. Ver HOLMES 1981:20; HOLLIS 1968:247; ALIX 1962.
[7] Defendendo-se contra as acusações de calúnia em relação ao destino da comunidade judaica europeia, o Vaticano respondeu que, sob as circunstâncias do momento, iniciativas diplomáticas discretas e os esforços humanitários pessoais do papa para ajudar a resgatar e dar abrigo ao maior número possível de judeus mostrar-se-ia mais eficaz do que condenações públicas ao nazismo, que provavelmente arriscaria o sucesso das iniciativas humanitárias. (HOLMES 1981:152-168).
[8] Pio XI expressou com efusividade sua satisfação com a Concordata: “Se não o melhor que possivelmente poderia ser feito, está certamente entre o melhor que foi até agora concebido... por meio dele, trouxemos de volta Deus à Itália e a Itália de volta para Deus.” (apud HOLMES 1981:56).
[9] O meio de publicação de ambas as encíclicas mostra o quão efetivamente a Igreja poderia utilizar seus recursos transnacionais quando quisesse. Ambas foram escritas em idioma vernáculo em vez do costumeiro latim. Para contornar a censura do Estado e o controle totalitário da mídia, a Non abiamo bisogno foi, a princípio, distribuída pelo mundo, e a Mit brennender Sorge foi distribuída em sigilo e lida por toda a Alemanha nos púlpitos católicos no Domingo de Ramos.
[10] Sobre o conceito e sobre a transformação da sociedade civil, ocidental e oriental, do Norte e do Sul, ver COHEN & ARATO 1992. Sobre a sociedade civil global, ver LIPSCHUTZ 1992. Sobre a revolução dos direitos humanos, ver DRINAN 1987.
[11] Para uma análise do papel da Igreja Católica na transição para a democracia na Espanha, na Polônia e no Brasil, ver CASANOVA 1994. Sobre o papel da Igreja na luta pelos direitos humanos na América Latina, ver LERNOUX 1982 e SMITH 1979.
[12] Um levantamento das elites católicas de 103 países que participaram do Congresso do Terceiro Mundo para o Apostolado dos Leigos em Roma, em 1967, mostra atitudes positivas em relação ao “internacionalismo”: 69% apoiaram o desenvolvimento das Nações Unidas como um governo mundial; 84% concordaram que países individuais deveriam abrir mão de parte de seu poder de forma que a ONU pudesse fazer um trabalho melhor; 67% consideraram as cotas de imigração imorais, pensando que qualquer um deveria ser livre para imigrar para qualquer outro país; e 90% declararam que as organizações católicas deveriam ter participação ativa em movimentos pacifistas. A classificação do levantamento a respeito da origem geocultural dos delegados para o congresso de leigos foi a seguinte: África, 11%; América Latina, 19%; países falantes de língua inglesa fora da África e da Ásia, 18%; Europa Ocidental, 26%; Sul e Leste Europeu, 15%. O levantamento evidencia uma homogeneidade relativa e poucas diferenças significativas de opinião entre os grupos geoculturais e mesmo entre os delegados do Terceiro Mundo e outros, sobre estas ou sobre a maior parte de outros assuntos. (VAILLANCOURT 1980:134-167).
[13] A Rádio Vaticano foi utilizada pela primeira vez por Pio XI na década de 1930 como símbolo de independência da Santa Sé. Pio XII a utilizou de maneira mais ampla para se comunicar com os católicos de todo o mundo. O serviço estrangeiro de rádio do Vaticano, que transmite mais de 200 horas de programação por semana em 35 idiomas, tem sido particularmente relevante para católicos perseguidos.
[14] Outros centros transnacionais de aprendizagem católica, como os de Louvain, Paris, Lyon, Friburgo, Innsbruck e outros, têm desempenhado um papel semelhante no processo de homogeneização cultural do Catolicismo e, às vezes, na socialização de contraelites católicas transnacionais de caráter mais liberal. Teólogos oriundos desses centros desempenharam papel fundamental como peritos no Concílio do Vaticano II.
[15] Ver minha discussão a respeito das intervenções públicas dos bispos norte-americanos em políticas nucleares, na economia e na questão do aborto (CASANOVA 1994:184-207).
[16] Não obstante todas as diferenças significativas, a situação atual do Islã é semelhante nesse aspecto.