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“Viva Oxalá” e a subversão do discurso imagético-cultural neopentecostal e católico na TV.

Marcus Ramúsyo de Almeida Brasil*

Resumo: O presente trabalho promove uma análise sobre o programa “Viva Oxalá”, veiculado na TV Maranhense, emissora afiliada à rede Bandeirantes, domingo, 08 horas da manhã, entre os anos de 2007 e 2008. Produção midiática religiosa de umbanda, sob a liderança do Pai de Santo e ex-vereador Sebastião do Coroado, o programa subverte sobremaneira a cultura midiática dos programas televisivos neopentecostais e católicos veiculados massivamente nas redes de televisão de alcance local e nacional. Analisaremos as sessões do programa, as políticas de representação social inscritas na simbologia dos rituais e no formato do programa, as negociações e as estratégias empregadas para maior inserção midiática e menor perseguição religiosa. Questiona-se a re-magicização das imagens ritualísticas e religiosas afrodescendentes no contexto televisivo, sob o risco de perder seu caráter de revelação.

Abstract: The present study analyzes the TV show “Viva Oxalá”, broadcast by TV Maranhense, filiated to Bandeirantes Network, Sundays, 08 am, between 2007 and 2008. “Viva Oxalá” is an umbanda (afro-descendent religion) midiatic production that runs under the leadership of Sebastião do Coroado, “ Pai de Santo ” (spiritual leader of some afro-descendent religions, including the umbanda cult) and former city-deputy. The program subverts the midiatic culture of neopentecostal and catholic tv shows massively disseminated on television networks of local and national spread. Program sessions were analyzed, as also were the social representation politics implied in the ritual symbologies and in the tv program format, the negotiations and strategies employed in favor of a bigger midiatic insertion and of a reduction in religious persecution. We question the re-magicization of afro-ritualistic and religious imagery in the tv context, under the jeopardy of losing its revelational characteristics.

 

Bloco 1

 

Imagens aéreas percorrem a imensidão dos lençóis maranhenses, passando pelas infinitas dunas brancas e lagoas azuis reluzentes ao sol equatorial da região. O som do toque dos tambores faz o background da imagética, juntamente com cânticos de umbanda destinados a encantados. Aproximadamente 100 segundos de contemplação em imagem e som. Corta. Em plano meio aberto surge um homem de túnica vermelha, olhar impávido, postura altiva, numa mão um cajado, a outra espalmada ao ar. O batuque continua, o homem está ao lado de uma piscina de água limpa e transparente. Em um movimento forte e bradando palavras que não são ouvidas, pois o som da cena é o ponto de batuque, o homem direciona seus braços, cajado e tronco em direção à piscina, todo líquido dela transmuta-se da cristalina transparência para o mais encarnado dos vermelhos. Sebastião transforma água em sangue. Corta. Uma mulher é filmada em contra-plongé com ar exasperado e aflito, tem um pano branco com um orifício no meio sobre a barriga. Noutro take mais aproximado aparecem as mãos de Sebastião friccionando a barriga da mulher em meio a um pouco de líquido vermelho que provavelmente seria sangue. Repentinamente essas mãos retiram um sapo enrolado num algodão do orifício no pano que está sobre a barriga da mulher, a imagem é impressionante, o som intermitente dos tambores ritmam e proporcionam forte pulsação ao desencadear das imagens que marcam o primeiro bloco do programa. Corta. Pessoas em fila indiana, aparentemente em transe, atravessam lenta e tranquilamente com os pés descalços uma fogueira de brasas vivas. Fim do primeiro bloco.

 

Viva Oxalá: o Programa

 

Este artigo propõe uma discussão sobre a ocupação do espaço midiático pela religião umbanda na mídia maranhense. Para tanto, propõe-se uma análise do programa “Viva Oxalá”, exibido entre 2007 e 2008, único representante do gênero no Maranhão, em meio a tantos outros produtos midiáticos religiosos, em sua grande maioria, neopentecostais e católicos. Textos de Sodré e Flusser, que analisam o poder do Bios Virtual na sociedade contemporânea e sua relação com as imagens mágicas serão contemplados na tentativa de desvelar esse objeto, que a primeira vista causa tamanha estranheza, e que ao mesmo tempo suscita campos de significações complexos em seus engendramentos religiosos, políticos, midiáticos e culturais.

O programa Viva Oxalá é uma produção independente, sendo portanto, um espaço midiático pago pelos seus idealizadores e realizadores. O programa é do Pai de Santo Sebastião do Coroado. Residente no bairro do Coroadinho, o líder religioso é tão influente na comunidade que foi vereador por duas ocasiões. No pleito de 2008 candidatou-se ao terceiro mandato para vereador da cidade de São Luís – MA pelo DEM: não foi eleito. Os espaços de representação política e midiática são essências para a constituição de políticas de representação social, principalmente para grupos historicamente alijados dos espaços públicos de realização sócio-cultural e das representatividades políticas.

O programa que vai ao ar aos domingos, 08 horas da manhã possui sessões bem definidas, que são basicamente três:

A primeira parte é a palavra do Pai de Santo, em que são mostradas várias encantarias, como, por exemplo, a transformação da água de uma piscina em sangue, a extração de um sapo da barriga de uma mulher. Noutro momento, pessoas em estado de transe atravessam uma fogueira com os pés descalços enquanto ele banha num barril ladeado por fogo, tudo isso ao som dos toques de percussão e da voz do Pai de Santo, que, por ter um problema de laringe, que lhe obrigou a fazer um traqueotomia, possui um tom extremamente gutural e marcante.

A segunda parte do programa é a parte do transe dos filhos de santo que, ao toque dos tambores de percussão entram em estado de transe e recebem suas entidades. Está parte é formada exclusivamente pelo som da percussão e pelo bailado dos fiéis, que rodopiam e incorporam seus orixás, não contendo nenhuma fala. É sem dúvida o momento mais lúdico do programa, no qual a primazia é dada ao som, ao corpo e ao terreiro em que se dá o ritual.

A terceira parte é a sessão das cartas dos telespectadores, em geral pessoas com algum problema de saúde, sentimental, profissional, etc. A leitura das cartas dos telespectadores inicia-se com as iniciais de quem escreve, sucedida pela verbalização dramatizada pelas apresentadoras que lêem as correspondências. Posterior à leitura do texto, o Pai de Santo Sebastião do Coroado revela qual a causa do problema e propõe a solução indicando produtos religiosos como incensos, águas de banho, essências, defumadores, entre outros, à venda no próprio terreiro.

Importante frisar que ao anunciar o programa Viva Oxalá, a assinatura proferida pelas apresentadoras é a de que o programa trata de “ astrologia, medicina vegetal e espiritismo ”.

 

Política e Religião na Mão de Sebastião

 

Dentro do contexto afro religioso e político da capital maranhense, destacam-se dois pais de santo: Sebastião do Coroado e Astro de Ogum. A relação entre religião e política desde sempre gera várias imbricações, tais como, o controle sobre a natureza humana, a cristalização de poder baseada em pressupostos e leis, e a figura carismática do líder popular que acena com uma possibilidade de superação do real sentido. Neste sentido, compreende-se a relação entre essas duas dimensões como:

  “Princípio religioso que permite compreender o sair de si que constitui toda a vida em sociedade. Se é verdade que ‘tudo começa no místico e tudo termina no político' (Charles Peguy), podemos também concordar quanto à reversibilidade dessa fórmula (...) O político, no seu aspecto religioso, assegura de uma parte, pelo viés da liderança, a ligação com o meio natural; reforça, de outra parte, pelo sentimento coletivo e pela emoção partilhada, o estar-junto necessário a toda vida social. Mas, em ambos os casos, esse político-religioso é estruturalmente plural.” (2005, pp. 34-35).

No caso de Sebastião do Coroado é mantida uma extensa rede de devotos, adeptos, clientes e funcionários que são elencados pelo pai de santo como capital eleitoral em potencial para os pleitos em que concorre. Dentre as estratégias de marketing político estão a disponibilização de moradias na rua do onde se localiza o terreiro, esta intitulada rua São Sebastião. Outra importante estratégia são as previsões de fim de ano, na qual o líder religioso promove revelações sobre economia, catástrofes naturais, política, artistas e famosos que vão morrer ou adoecer, etc. Assim como os analistas e cientistas políticos e econômicos das retrospectivas de fim de ano, que realizam projeções para o ano vindouro, o pai Sebastião do Coroado também profere análises, que são gravadas e posteriormente mostradas se confirmadas. No livro “A ordem do discurso” , o teórico francês Michel Foucalt (2001) levanta a questão de que os engendramentos sócio-culturais e políticos que definem as formas de organização da sociedade e as relações entre os diferentes grupos que a compõem, vão sendo desenhados por duas características que permeiam a consciência e a condição humana: o poder e o desejo. A vontade de poder e o desejo de saber são os dínamos que vão impulsionar a imbricação da religião com a política no contexto da umbanda, doutrina de Sebastião do Coroado, conjuminada com a dimensão midiática de seu terreiro, operacionalizada pelo programa de televisão.

A mídia atualmente é considerada o quarto poder pela força que possui em influenciar e sobredeterminar outras instâncias de poder. Pela capacidade de, por vezes, fazer ver e fazer crer, fala-se na sacralização das mídias como dispositivo primordial na construção de ideologias e na transmissão de valores. É sobre as articulações entre religião e mídia, tendo como objeto o programa “Viva Oxalá”, que abordaremos os universos das imagens sagradas e técnicas.

A Religião e o Novo Bios

  “O interruptor do aparelho de TV faz nascer uma ordem sintética: o mundo da “língua tevê”, a “geografia tevê”, a “comunidade tevê”. A televisão cria , assim, um espaço social – que é, entretanto, de uma outra ordem que a simples melhoria da vida familiar ou da comunidade. Não há aí, antes de qualquer coisa, uma influência sobre a realidade, mas ao contrário a constituição de uma realidade”. (SIMMEL Apud SODRÉ, 2006, p. 99)

O Bios Virtual é um termo cunhado por Sodré para designar as dimensões lineares e em rede da comunicação midiática, a qual ele categoriza como “uma espécie de comunidade afetiva de caráter técnico e mercadológico, onde impulsos digitais e imagens se convertem em prática social”. (2006, p. 99)

Para o autor, o principal problema desse novo Bios é a desintegração do espaço e do tempo nas práticas de interação social nelas inscritas e que dela se utilizam como espaço de representação social. O mundo quadridimensional do vivido, é suprimido a uma representação bidimensional da experiência sensorial real. Ou seja, perde-se em profundidade, visto que a espacialidade é reduzida ao sentido da visão e também a temporalidade sofre mudanças perceptivas na medida em que é mediada por dois tempos que se fundem: o tempo presente vivido e o tempo recuperado no VT ou re-temporalizado noutro espaço-tempo, como no caso de uma transmissão ao vivo de um evento do outro lado do mundo.

No caso dos rituais afrodescendentes, a relação da dança ligada à re-espacialização e da música relacionada à re-temporalização da vida, frente às violências físicas e simbólicas sofridas historicamente são elementos essenciais na formação das identidades culturais e das estratégias de enfrentamento ao modelo europeu de identidade e cultura.

  “A dança gera espaço próprio, abolindo provisoriamente as diferenças com o tempo, porque não é algo espacializado, mas espacializante, ou seja, ávido e aberto à apropriação do mundo, ampliador da presença humana, desestrturador do espaço-tempo... Ritmo é precisamente a disposição, ou a configuração assumida pelo ser capaz de mover-se e transformar-se”. (SODRÉ, 2002, pp. 134-135)

Dentre as várias negociações travadas pelos afrodescendentes brasileiros para promover suas práticas culturais, percebemos a incorporação dos santos da igreja católica sincretizados com os orixás. A ocupação dos espaços públicos nas festas e rituais religiosos ao longo dos séculos no Brasil são bons exemplos dos enfrentamentos e negociações simbólicas realizadas por negros e mestiços para buscar representatividade e espaços de realização como sujeitos. A ocupação do espaço midiático, desse Bios Virtual , constitui-se como importante forma de política de representação sócio-cultural. O programa Viva Oxalá, neste sentido, é um importante elemento de fortalecimento da cultura da imagem negro-religiosa na sociedade maranhense. Porém, o espaço midiático do terreiro de umbanda perde em essência ritualística e sinérgica com os adeptos quando, na esfera das mídias eletrônicas, desestrutura-se o tempo-espaço em representação bidimensional do ritual. Sobre esta última assertiva que discorreremos a seguir.

 

Re-Magicização Televisiva da Imagem

 

No seus livros “O Mundo Codificado” (2007) e “Filosofia da Caixa Preta” (2002), Flusser (2007) discorre sobre a imagem ao longo do processo civilizatório. Na análise do autor, as imagens do paleolítico são fruto de um mundo mágico no qual as imagens serviam justamente para estabelecer uma relação entre o homem e a natureza mágica, divina. A representação do mundo através das imagens possui um caráter de “revelação adquirida graças a um afastamento do mundo”. (Flusser, 2007, p. 157) Esse aspecto essencial da imagem para o homem é fundador da relação do homem com o metafísico, com o divino, e consequentemente com as práticas religiosas ao longo dos tempos. O segundo tipo de imagens categorizada no texto fala das imagens históricas, características da humanidade desde a invenção da escrita, que começa com a pictografia. Este tipo de imagem serve para promover a consciência histórica dos homens. Esse tipo de imagem é preponderante principalmente para a ciência e para a racionalidade técnica, que pode a partir dela esmiuçar e esquematizar textos escritos, lineares, em representações imagéticas, totais e históricas, como os mapas. Já o terceiro tipo de imagem denominada pelo filósofo de “pós-industriais”, são para ele tão mágicas quanto às da caverna do paleolítico, porém, a diferença é que a magicidade destas está justamente no caráter tecno-lógico dos programas geradores de imagens. A forma de materialização dessas imagens só é entendida e “revelada” aos programadores “iniciados” na construção dos dispositivos das imagens midiáticas. A mágica está em ninguém, a não ser especialistas técnicos, que possuem o poder de materializarem tais imagens. Da mesma forma opera o ritual de transformar a água da piscina em sangue, poder esse simbólico, de pulsão de vida e morte, contida na encarnação da água, elemento vital da natureza, com o sangue, elemento vital do homem. Poder esse que Sebastião do Coroado, líder espiritual e político revela às lentes do seu programa, na conjuminância de natureza e homem, assim como as primeiras imagens mágicas do homem primitivo.

Porém, no caso das imagens mágicas da umbanda veiculadas televisivamente no Viva Oxalá, perde-se a natureza reveladora do primeiro tipo de imagens mágicas, exatamente porque as imagens mágicas “pós-industriais” são imagens tecno-lógicas, frutos da racionalização e da técnica, que por sua vez, negam a essência cíclica e sagrada das imagens mágicas dos primeiros tipos de representação. As imagens do candomblé na televisão perdem em profundidade, pois a pulsão coletiva só pode ser alcançada corporalmente vivenciando o jogo das representações simbólicas do terreiro.

Nas formas de organização afro brasileira que engloba tanto as festas quanto as religiões “o que está em jogo é a pulsão coletiva, uma multiplicidade de forças que permite à existência advir, isto é, instalar-se... é o próprio princípio de constituição da cultura” (SODRÉ, 2002, p. 103). Neste sentido a pulsão é “a força psíquica que pulsa constantemente nas bordas do corpo, tem um alvo imutável, a satisfação” (FUKS, 2003, p. 14). No caso do programa não se encontra aí a experimentação da pulsão coletiva do vivido. A forma de sinergia entre Sebastião do Coroado e os fiéis ou telespectadores casuais é na hora das leituras das cartas, sessão na qual ele diz o que deve ser feito e usado para solução de determinado problema. Nesse mesmo momento, passam as imagens dos produtos à venda e o endereço e telefone de onde podem ser comprados. Com a finalidade de vender os produtos religiosos, o programa aproxima-se da mesma lógica dos programas neopentecostais. Mudam-se os símbolos, continuam os fins.

No entanto, há uma grande diferença entre os programas católicos, neopentecostais e o Viva Oxalá. Para tanto, comparamos programas religiosos maranhenses, no intento de encontrar qual o principal traço distintivo no formato de cada um deles.

Os programas católicos são dois: “A missa do Padre”, veiculado na TVE Maranhão, às 06 horas da manhã, e o programa “Clay Vianna na TV”, sábado às 11 da manhã na TV São Luís, retransmissora da Rede TV no estado, cuja assinatura é: “ Um programa totalmente católico ”. Nesses dois programas o ponto alto é o momento da liturgia do padre, no qual ele lê dois trechos da bíblia, geralmente, e posteriormente profere a homilia. Os programas neopentecostais locais também são dois: o “Nação dos 318” na TV Difusora, retransmissora do SBT, que vai ao a partir das 11:30 da manhã e o “Fala Que Eu Te Escuto”, veiculado a 01 da manhã. Ambos são da Igreja Universal do Reino de Deus. Como foi percebido na análise dos programas e constatado noutros trabalhos (Guibson, 2007), a grande força do programa televisivo neopentecostal é o testemunho. A verbalização imaginada do fiel ungido pelas bênçãos alcançadas consagram um enorme poder de afetividade instrumentalizada e gerada pela espetacularização das imagens do testemunho, que, por vezes vêm entrecortados por dramatizações ficcionais, reconstituições e intervenções do pastor.

No Viva Oxalá, o principal momento do programa são as magias feitas pelo Pai de Santo Sebastião do Coroado. Tirar sapo da barriga, andar no fogo, transformar água de piscina em sangue, entrar em tonel cheio de água ladeado por labaredas de fogo. Todas essas revelações mostram os poderes sobrenaturais do líder religioso. Neste sentido, o Pai de Santo, se comparado ao psicanalista, também deve possuir um grande poder de transferência para com quem lhe requere sua intervenção, nos mais diversos tipos de problemas existenciais. A diferença entre os dois provém do fato de que o psicanalista apresenta-se ao seu paciente como o sujeito-suposto-saber, que busca na análise a re-significação do próprio discurso do analisando, no intuito de que ele possa reinterpretar a partir de outros campos simbólicos o sentido. No caso do Pai de Santo, mais especificamente, Sebastião do Coroado, a forma de intervenção é através da condição de sujeito-suposto-poder, que através da re-significação alegórico-simbólica de magias e revelações pode subverter a ordem do real. Como no caso do homem 1 que tinha um problema de menisco no joelho e, em uma sessão teve retirado um quilo de parafuso de seu joelho. Nunca mais sentiu dor no local.

O poder simbólico está em transformar imaginação em realidade. Aí reside a grande diferença entre as imagens mágicas do sagrado e da mídia. As imagens midiáticas transformam realidade em imagens em movimento, imagem e ação, imaginação. O problema é que a imaginação das imagens midiáticas televisivas são reificadas em prol das ideologias de controle social e da proliferação da atual lógica da sociedade contemporânea, na qual “O espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem”. (DEBORD, 1997, p. 25).

 

Considerações:

 

Na contemporaneidade, a inserção de grupos sociais historicamente marginalizados pelos grupos hegemônicos de poder no cognominado Bios Virtual é uma importante estratégia de diminuição das desigualdades nas políticas de representação social. O programa Viva Oxalá apresenta-se como uma experiência de produção midiática extremamente importante para os adeptos da umbanda como política de auto-representação cultural, no sentido de que as religiões de origem africana são constantemente satanizadas por outras religiões, principalmente pelos neopentecostais da Igreja Universal do Reino de Deus, que possuem bastante espaço midiático, inclusive com a concessão de uma rede de televisão de âmbito nacional, a saber, a rede Record. No âmbito político institucional percebe-se que a bancada evangélica no congresso nacional cresce a cada pleito. Outro aspecto importante a ser frisado é o fato de a rede Globo privilegiar as tradições religiosas e culturais do calendário católico, excluindo outras manifestações do foco de suas atenções, optando por passagens rápidas e, por vezes, descontextualizadas acerca de outras práticas religiosas igualmente históricas e importantes para socialização de grupos sociais.

Do ponto de vista da experiência do religari oportunizada pelas práticas religiosas, a transmissão televisiva do ritual do terreiro de umbanda, tomando como exemplo o programa Viva Oxalá, faz com que se perca o caráter sinérgico comunicativo que só pode ser vivenciado presencialmente através da pulsão coletiva, alcançada no bailado, na possessão e nos toques dos tambores percussivos, que propõem uma reordenação do real, para re-espacializar o mundo e re-temporalizar a vida. No caso da experiência televisiva do programa, o telespectador não pode, como tal, modificar simbolicamente o espaço-tempo, pois o Bios Virtual , diferentemente do terreiro, não enseja subverter o status quo , apenas reafirmá-lo em sua ordem linear.

O caráter mágico das imagens sagradas das encantarias realizadas pelo Pai de Santo é perdido, pois quando re-presentificadas na televisão em canal aberto, tais imagens são objetualizadas pela redução dimensional causada pela perda da profundidade espacial e da temporalidade. Essa é uma das principais características das imagens “pós-industriais” de âmbito televisivo: a superficialidade advinda de sua função teleológica mais marcante, a mercantilização capitalista dos fluxos de imagens e informações tele-vividos em vez do viés agonístico das imagens mágicas do sagrado que reordenam a experiência do real no corpo.

Notas

*

1 O homem em questão é um adepto da religião umbanda, que ao comentarmos sobre o programa de televisão objeto do trabalho, nos contou sua experiência de cura num terreiro. Ele não quis que sua identidade fosse revelada no artigo.

Bibliografia

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo . Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

 

FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

 

______________. Filosofia da caixa preta . São Paulo: Relume-Damara, 2002.

 

FOUCALT. Michel. A ordem do discurso . São Paulo: Loyola, 5 ed., 2001.

 

FUKS, Betty B. Freud e a cultura . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

 

GUIBSON, José D. Neopentecostais e as mediações culturais: o comportamento dos telespectadores diante dos programas televisivos das igrejas neopentecostais. Recife: Livro Rápido, 2007.

 

MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político : a tribalização do mundo. Porto Alegre: Sulina, 3 ed., 2005.

 

SODRÉ, Muniz. As estratégias sensíveis: afeto, mídia e política. Petrópolis: Vozes, 2006.

 

____________. O terreiro e a cidade . Rio de Janeiro: Bahia Prosa e Poesia, 2002.

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