Sumário
 
 
Desafios para a análise do jornalismo internacional.

Fhoutine Marie Reis Souto*


Resumo: O presente artigo tem por objetivo debater os desafios para a pesquisa do jornalismo internacional no Brasil. A análise deste tipo de cobertura deve levar em conta as especificidades do jornalismo internacional brasileiro, como o uso cada vez maior da Internet, entrevistas feitas à distância e a relação dos profissionais que trabalham nessas editorias com as agências de notícias. Por outro lado, o trabalho do correspondente também encontra algumas dificuldades, como a dependência de fontes oficiais e o controle de informações por parte de governos nos casos de conflitos bélicos, como os atentados de 11 de Setembro de 2001 e a invasão do Iraque, em 2003.
Palavras Chave: jornalismo internacional, conflitos bélicos, controle de informação.

Abstract: The present article has for objective to debate the challenges for the research of the international journalism in Brazil. The analysis of this type of covering must take in account the characteristics of the Brazilian international journalism, as the growing use of Internet, long distance made interviews and the relation of the professionals with the agencies of notice. On the other hand, the work of the correspondent also finds some difficulties, as the dependence of official sources and the control of information on the part of governments in the cases of warlike conflicts, as the attempted of 11 of September of the 2001 and invasion of Iraq, in 2003.
Key-words: international journalism, warlike conflicts, informational control.

Introdução

Desde a década de 1990 o os movimentos sociais globalizados começam a ganhar destaque nos meios de comunicação, através das coberturas de manifestações como as de Seattle, Gênova, Florença e Porto Alegre. Nas duas últimas décadas o papel da mídia na formação da opinião pública internacional tem se revelado cada vez mais importante. Conforme define Margarethe Steinberger (2003: 24), a nova ordem internacional é uma ordem internacional midiática. A indústria cultural e os meios de comunicação de massa que têm papel fundamental na batalha por “corações e mentes”, pois a sociedade civil global vem se configurando cada vez mais como um ator político influente do qual as lideranças políticas não podem prescindir do apoio social necessário à consolidação de seus projetos.

O cientista político norte-americano Joseph Nye (2002) chamou este processo de “revolução da informação”, movimento que se baseia nos rápidos avanços tecnológicos da informática, comunicação e softwares que reduziram drasticamente o custo no processamento e na difusão da informação. Esta mudança está modificando a natureza dos governos e da soberania, aumentando o papel dos agentes não-estatais. Isso significa que a política externa está deixando de ser campo exclusivo dos governos, pois a velocidade do tempo da Internet significa menos controle dos governos sobre suas agendas. Ainda que muitos governos controlem o acesso dos cidadãos à rede mundial de computadores, os usuários mais habilidosos conseguem driblar essas restrições. Contudo, a revolução da informação traz em si um paradoxo a respeito do fluxo crescente de informação, o “paradoxo da abundância”.

  A abundância de informação leva à escassez de atenção. Quando confrontados com um volume excessivo de informação, é difícil saber no que devemos nos concentrar. A atenção, não a informação, passa a ser o recurso escasso, e quem adquire poder são os mais capazes de distinguir os sinais valiosos em meio à celeuma. Aumenta a procura por editores, por aqueles que filtram e pelos que selecionam as informações, e esta é uma fonte de poder para os que têm condições de nos dizer em que prestar atenção. O poder não converge necessariamente para aqueles que podem produzir ou reter informação. (...) no fluxo de informação o poder é de quem tem capacidade de editar e validar com autoridade a informação, selecionando tanto o que é correto quanto o que é importante. (NYE, 2002: 121)

A cobertura jornalística realizada em países como o Brasil se vê então diante das possibilidades trazidas pela revolução da informação e por este paradoxo que lhe é inerente. A pesquisa em Comunicação e áreas afins sobre este tipo de cobertura que traduz o mundo para o público brasileiro é importante para compreender a formação da opinião pública sobre eventos cuja repercussão e impactos há muito deixaram de estar circunscritos ao espaço territorial do Estado-nação. A análise do jornalismo internacional deve, então, levar em conta as peculiaridades deste campo e as condições de produção na notícia desta editoria em nossas redações.

Para analisar o produto do jornalismo é preciso, em primeiro lugar, ter a noção de campo social que esta área representa, com suas relações de força, lutas internas e estratégias. O campo jornalístico deve ser visto, como sugere Bourdieu (1997), como um microcosmo que possui leis próprias e deve ser compreendido a partir de suas especificidades e não a partir de fatores externos. Se o discurso deve ser lido em sua superficialidade, como afirma Foucault (2005) 1, a análise das singularidades que marcam o campo jornalístico, em especial o jornalismo internacional produzido no Brasil, ajuda a entender as condições de produção de tal discurso.

A cobertura internacional nos jornais brasileiros

•  “Da redação”

Um problema que atinge a imprensa latino-americana em geral é o fato dos jornalistas da área internacional na maioria das vezes não terem acesso direto aos fatos que relatam. Com o número de correspondentes pequeno e a maior parte do trabalho sendo feito da redação, as “fontes” acabam sendo as agências internacionais de notícias, especialmente na mídia impressa (STEINBERGER, 2003). Deste modo, o trabalho nas editorias que cobrem assuntos internacionais consiste basicamente na reciclagem da informação para convertê-la aos padrões de cada veículo.

  No cotidiano de nossas redações, a ‘checagem' das informações nas fontes primárias é praticamente nula, e sua reciclagem por outro lado, é intensa; em geral, a Internet, as rádios e a televisão tomam a dianteira, ficando os jornais com mais tempo para ‘cozinhar' os fatos, isto é, contextualizá-los e interpretá-los (STEINBERGER, 2003:30).

Além do processo de contextualizar e reinterpretar os fatos, as grandes empresas jornalísticas costumam dar preferência a articulistas e comentaristas estrangeiros que assinam textos em grandes jornais e revistas como The New York Times , Newsweek , etc. Steinberger acrescenta que os editoriais dos jornais brasileiros acrescentam muito pouco e que faltam fontes alternativas de informação. Outra característica deste tipo de cobertura é a dependência das fontes oficiais, como assessorias de imprensa de governos e agentes envolvidos nas notícias.

  Ao ler os jornais, é fácil identificar o reflexo desses discursos institucionais na cobertura do noticiário internacional. No tratamento dos fatos as matérias refletem claramente essas fontes discursivas institucionalizadas. Há os interesses da política externa dos países envolvidos no fato, que se expressam através dos discursos da diplomacia; há os interesses econômicos, que se expressam através das autoridades governamentais da área; há opiniões supostamente independentes dos “observadores” internacionais; e, na eventualidade de guerra, há avaliações da ordem estratégico-militar (STEINBERGER, 2003: 27).

A participação de correspondentes e enviados especiais existe, mas é restrita aos grandes veículos e a algumas ocasiões (Olimpíadas, Copa do Mundo, eleições). Há três décadas O Estado de S. Paulo mantinha uma equipe de dez correspondentes internacionais permanentes; a Folha , sete. Os problemas financeiros das empresas jornalísticas surgidos nos anos 80 (que se arrastam até os dias atuais) tiveram como conseqüência imediata a redução desses efetivos. Uma parcela maior das tarefas necessárias à produção e ao fechamento das editorias de política internacional passou a ser feita por jornalistas que atuam dentro das redações.

As mudanças econômicas e as inovações tecnológicas das últimas décadas promoveram transformações significativas no cotidiano das redações e perfil do profissional jornalista. A alta rotatividade de profissionais nas redações e o advento da Internet, somados ao endividamento progressivo dos jornais desde a década de 1970 deram origem a outro tipo de profissional e a outro tipo de cobertura. Ao mesmo tempo em que houve a diminuição de salários e a saída dos profissionais mais velhos e melhor remunerados, aumentou a exigência pela qualificação dos jornalistas que ingressam nas redações. Segundo Natali (2003), esse processo fez com que as empresas passassem a exigir mais dos redatores das editorias internacionais, levando a uma demanda crescente por melhor qualificação dos profissionais que atuam nesta editoria. A Internet teve papel fundamental neste novo jornalismo internacional, fazendo com que “o redator abandonasse seu papel passivo diante dos telegramas das agências”, dando a ele “um poder de intervenção inimaginável na elaboração mais pessoal de um texto noticioso” (NATALI, 2003: 57). Se as agências internacionais pensam em um cliente abstrato ao redigirem seus despachos, a competência jornalística consistiria em “colocar uma linda cereja no bolo” antes de servi-lo ao leitor.

  Até o início dos anos 90, a receita pra incrementar esse bolo tinha limitações de ingredientes. Eram anuários ou almanaques com dados políticos, econômicos e históricos de cada país, era a leitura de grandes reportagens ou artigos de fundo em publicações estrangeiras que tinham um custo elevado de assinatura e chegavam com grande atraso às redações daqui, eram arquivos de recortes ou bibliotecas. A Internet traz tudo isso. E traz bem mais (NATALI, 2003: 57).

Natali afirma que o uso da Internet não substitui a existência de uma boa rede de correspondentes, o problema pode ser compensado por profissionais familiarizados com os múltiplos recursos disponíveis na rede mundial de computadores. Ele acrescenta que essa “reviravolta qualitativa” beneficiou também outras editorias do jornal, embora as editorias de política internacional tenham diante de si um potencial infinitamente maior. Nesta mesma linha, Buarque (2008) afirma que diante da falta de acesso direto aos acontecimentos cotidianos, o bom jornalismo internacional brasileiro deve se concentrar no diferencial, a análise fundamentada, apresentar aos leitores a opinião dos temas em discussão. Sem sair da redação, a forma de se ter acesso a essas pessoas é por Internet ou telefone.

  No mundo ideal, nos manuais de jornalismo usados nas faculdades de comunicação e redações, o repórter deve ter tempo para apurar uma reportagem, pesquisar o assunto, sair à rua e entrevistar as pessoas envolvidas no tema (...). No mundo real, (...) são poucos os repórteres que saem de suas mesas de trabalho. Há, é verdade, repórteres especiais de jornais e revistas dedicados a uma apuração mais profunda (...) Mas a maioria dos jornalistas de redação quase nunca sai à rua e acaba apurando tudo do escritório, com acesso a telefone e computador (BUARQUE, 2008:13).

O autor considera que a apuração feita à distância pode até ser algo que prejudique a reportagem factual, que precisa de observação, porém não é algo que impossibilite o jornalismo de análise, no qual o foco está apenas nos entrevistados e no que eles têm a dizer. Ele acrescenta que a prática do jornalismo lida com uma série de desafios e dificuldades que normalmente são ignorados pela teoria dessa forma de comunicação social e pela crítica acadêmica. No dia-a-dia, sob pressão de prazos, acúmulo de tarefas, cobranças variadas, impossibilidade de locomoção e mesmo falta de recursos muitas vezes é impossível fazer o ideal. Os profissionais da comunicação realizam seu trabalho da forma possível.

b) O front externo

O jornalista que tem acesso direto aos fatos que relata também encontra limitações como o controle de informações promovido por governos. Há algumas décadas o controle da cobertura de conflitos internacionais passou a fazer parte das estratégias dos países envolvidos nas disputas. Paula Fontenelle (2004) explica que a guerra do Vietnã foi uma linha divisória na história da participação da mídia em guerras, moldando em diversos países os investimentos em relações públicas e propaganda. A divulgação de número de mortos e descrições a respeito dos resultados das operações do exército gerou grande impacto na opinião pública. O governo norte-americano responsabilizou a imprensa e desde então o controle da mídia em situações semelhantes passou a ter destaque nos Estados Unidos e em outros países. A expressão “Síndrome de Vietnã” se tornou uma referência ao “medo que um governante tem de não convencer a população devido a uma cobertura contrária da mídia” (FONTENELLE, 2004: 26).

Uma nova fase do controle da cobertura jornalística em conflitos foi inaugurada na Guerra do Golfo, em 1991. Neste período o controle dos jornalistas foi tão intenso que a operação de mídia ficou conhecida como “Operação Mordaça no Deserto” (uma referência ao plano militar “Tempestade no Deserto”). A campanha de mídia empreendida pelo governo estadunidense visou minimizar as iniciativas de cobertura independentes e toda a informação repassada aos correspondentes vinha dos militares.

  NA estimativa é que cerca de dois mil correspondentes foram enviados ao Golfo, dos quais mil e duzentos eram americanos. A maioria foi retirada do Iraque antes do início da guerra. O Pentágono estabeleceu que dois grupos de dezoito repórteres fariam a cobertura, mas as organizações de mídia pressionaram o governo, que acabou acrescentando onze grupos de sete jornalistas para acompanhar os acontecimentos. De início, apenas as duas maiores equipes tinha acesso aos campos de batalha (FONTENELLE, 2004: 28).

Durante a guerra contra o Iraque os governos americano e britânico conduziram uma campanha de comunicação que envolvia repórteres enlistados 2 – que acompanhavam as tropas nos campos de batalha, correspondentes no Centro de Mídia do Comando Central, em Doha, Qatar, e bases nacionais para coordenação da campanha. Em algumas situações os militares forneciam informações inexatas aos repórteres deliberadamente para “levantar a moral dos soldados; abalar a confiança do governo iraquiano ou simplesmente criar uma situação que fortaleceria sua campanha de guerra” (FONTENELLE, 2004: 54). Havia também normas estabelecidas pelo Departamento de Defesa Americano e Ministério de Defesa Britânico sobre o tipo de informação que não poderia ser revelada na cobertura, como número de tropas, navios e aviões; nome e localização de instalações militares ou imagens que as identificassem; informações sobre táticas e operações futuras; imagens de prisioneiros de guerra que possibilitassem identificação.

Para José Arbex Júnior (2001), a cobertura do conflito foi marcada pela “espetacularização” da notícia ou o “showrnalismo”, ou seja, o uso das mesmas táticas dos shows midiáticos na formatação das notícias. A possibilidade de crítica ou apontamento de possíveis falhas no combate dos soldados estadunidenses foi totalmente eliminada pelo governo daquele país pela criação de pool de controle da mídia e dos repórteres presentes no Iraque. O pool consistia na censura de imagens e reportagens com soldados ou em locais considerados zona de guerra. Os jornalistas podiam entrevistar apenas oficiais instruídos e visitar instalações previamente escolhidas pelo Pentágono.

A cobertura do 11 de Setembro também passou pela estratégia de informação do governo dos Estados Unidos, demonstrando a relação entre o governo norte-americano e as empresas de mídia. Arbex ressalta que a mídia daquele país, que costuma se apresentar como defensora dos valores democráticos da civilização ocidental pouco comentou a destruição militar das instalações da rede árabe de televisão Al-Jazeera em Cabul tão logo as tropas americanas entraram no Afeganistão.

  Logo após o atentado, a grande mídia inteira, da CNN às redes brasileiras, começou a fazer uma campanha pela guerra. A primeira vinheta da CNN dizia “America Under Attack” (América sob ataque), dando a impressão de que se tratava de uma guerra convencional (...) No dia 12 de setembro os jornais exibiam fotografia de página inteira de soldados americanos empunhando a bandeira dos Estados Unidos (como fizeram no Brasil praticamente todos os veículos da “grande imprensa”) (ARBEX, 2001: 8).

Arbex afirma que a atuação da mídia foi fundamental para a criação de um “clima patriótico” que posteriormente foi aproveitado pela extrema-direita daquele país para aprovar a concessão de “poderes ilimitados” ao presidente a fim de combater o terrorismo. Esta visão é partilhada por Dorneles (2002), que considera a cobertura do pós-11 de Setembro o episódio “mais censurado, autocensurado e distorcido” de que se tem notícia na história da imprensa em frontes de guerra.

  Logo depois da divulgação do primeiro vídeo com pronunciamentos de Bin Laden, a assessora de Segurança Nacional, Condoleezza Rice, conversou com diretores das redes de tevê e dos principais jornais e revistas. Todos se comprometeram a não divulgar na íntegra os vídeos seguintes. Conforme matéria publicada pelo jornal francês Libération, a CNN ‘prometeu até aconselhar-se com as autoridades no futuro' (DORNELES, 2002: 20).

Com base em um estudo das matérias publicadas em quatro grandes jornais ( O Estado de S. Paulo , Folha de S. Paulo , O Globo e Jornal do Brasil) e três revistas nacionais ( Veja , Época e IstoÉ ) durante o período de um ano após os atentados de 11 de Setembro, o jornalista afirma que pouca coisa foi publicada na imprensa brasileira sobre o controle de informações veiculadas pela mídia que estava sendo feito pelo Pentágono. O fato foi condenado pela organização Repórteres Sem Fronteiras, que classificou os Estados Unidos como um dos países que prejudicam a liberdade de imprensa, declarando que desde o 11 de setembro se constatava esta ameaça devido à “censura oficial de imagens e opiniões e à autocensura motivada pelo patriotismo” (DORNELES, 2003: 26).

A estratégia do governo norte-americano para conquistar o apoio mundial incluía três escritórios batizados de Centros de Influência Estratégica que funcionavam em Washington, Londres e Islamabad. Eles tinham a incumbência de disseminar dados de interesse dos Estados Unidos e de reagir imediatamente às declarações de Bin Laden. Dorneles relata ainda que o cinco meses após os atentados o presidente Bush anunciou a criação do Escritório de Comunicações Globais, que de acordo com o então porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer, buscaria “explicar o que é a América e os motivos pelos quais ela faz o que faz”. Um dos resultados disso é que os jornais e revistas publicaram matérias muito parecidas, baseadas em agências e notícias e utilizando informações do Pentágono e de fontes oficiais.

Conclusão: o jornalismo e a construção de universais

Mayra Rodrigues Gomes afirma que assistimos na imprensa a uma perpétua “procissão de verdades, sempre em dissonância”. Contudo, por muitas que sejam as verdades o que importa é ver que cada uma delas funciona em seu tempo e lugar para a construção do verdadeiro, dando a impressão de que existe uma verdade em sua plenitude. Os discursos se constroem como fundamento e justificativa para as regras, enquanto as expressam também as legitimam.

  O que a mídia faz ao reunir o seu coro de verdades que no fim vão soar em uníssono – a verdade da norma jurídica, da religião, do saber técnico-científico – como uma apresentação do mundo nos moldes em que este deve ser vivido, o que passa necessariamente por uma educação dos sentidos, valores e da razão (GOMES, 2003:44).

Tendo como ponto de partida a idéia de que nomear é isolar campos e não um instrumento de “representar o mundo como ele é”, o conjunto de nomeações tem então como efeito o desenho de um mundo a ser visto. Nesta configuração de mundo chama atenção a constância com que algumas palavras aparecem nos noticiários. A reincidência não ocorre como efeito simples de uma realidade vivida, mas como repetição incessante do que é necessário reter e fixar.

No caso do jornalismo internacional é importante estar atento, não apenas à constância com que algumas palavras aparecem no noticiário, mas como a seleção de pauta desta editoria mantém em evidência alguns assuntos entre uma infinidade de outros possíveis. Ainda que falte ao jornalista acesso direto a muitos dos fatos que relata, sobram informações de diversos países, inclusive sobre América Latina, oriundas das agências internacionais de notícias. Porém uma rápida olhada nas páginas dedicadas aos assuntos de política internacional já mostra que o mundo a ser visto concentra-se nos países mais ricos do globo, uma opção que é feita talvez inconscientemente pelos editores e redatores diante o enorme fluxo de informações em que são imersos diariamente.

De acordo com Deleuze e Guattari (1997), a filosofia da comunicação se esgota na procura de uma opinião universal liberal como consenso. A comunicação não cria conceitos; ela é feita de opinião. Toda opinião é política no sentido que exprime funções gerais em estados particulares. A opinião é em sua essência vontade de maioria e, portanto, só pode falar em nome de uma maioria: será verdadeira a opinião que coincida com a do grupo ao qual se pertencerá ao enunciá-la (DELEUZE & GUATTARI, 1997: 190).

Para eles, não falta comunicação em nossa sociedade, nem falta uma outra comunicação. A comunicação está sempre em excesso. O que nos é falta é resistência ao presente para não nos agarramos a idéias prontas. E é precisamente por meio das idéias prontas que operam os meios de comunicação. Os jornais procedem por redundância, pelo fato de nos dizerem o que é “necessário” pensar, reter, esperar. A linguagem não é informativa ou comunicativa, mas a transmissão de palavras de ordem. A linguagem não é feita para transmitir informações ou mesmo para que se acredite nela, mas para obedecer e fazer obedecer.

  Isso pode ser percebido nos informes da polícia ou do governo, que pouco se preocupam com a verossimilhança ou com a veracidade, mas definem muito bem o que deve ser observado e guardado. (...) A linguagem não exige mais do que isso. (...) A informação é apenas o mínimo estritamente necessário para a emissão, transmissão e observação das ordens consideradas como comandos (DELEUZE & GUATTARI, 2007: 12).

Esses aspectos não se situam na lingüística. Eles remetem diretamente à política, à necessidade de verificar como a política trabalha a língua por dentro, fazendo variar não apenas o léxico, mas a estrutura e todos os elementos de frases. É importante frisar que esta proposição metodológica nada tem a ver com ideologia, pois para estes autores não existe nem nunca existiu ideologia. A literatura, considerada um agenciamento, está em conexão apenas com outros agenciamentos e escrever nada tem ver com significar, e é antes disso, cartografar regiões. O que a imprensa faz são recortes do mundo a ser visto, sem, contudo, que esses recortes caracterizem a dominação de uma classe sobre a outra ou um projeto de manipulação que precisa ser “descoberto” nas entrelinhas do texto jornalístico.

Endossando esta percepção acerca da comunicação e da linguagem, proponho que a análise do jornalismo internacional seja feita considerando as regras imanentes do deste campo, as limitações que fazem parte do cotidiano desta editoria e que aos poucos produzem um desenho de mundo a ser visto. Nesta proposta de trabalho o que mais interessa é o como da notícia e não a busca de sentidos ocultos no texto jornalístico, algo que estaria por trás da notícia. Mais importante é verificar como os jornais são produzidos, como trabalha o jornalista na redação ou no exterior, como se dá a seleção de pauta independente dos limites do cotidiano das redações.

Notas

* Jornalista, mestre em Ciências Sociais e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Arte Mídia e Política (NEAMP). E-mail: fhoutinemarie@uol.com.br

1Em um trabalho anterior (SOUTO, 2009) apresentei uma proposta de análise do discurso jornalístico a partir de Michel Foucault. Essa concepção diz que o discurso deve ser analisado pelo que se manifesta em sua superfície por meio de procedimentos de exclusão, interdição e rarefação. Não caberia ao pesquisador descobrir um sentido oculto no discurso, mas o que nele está expresso: quem são os sujeitos que falam, quais são os assuntos que ganham visibilidade na mídia, o tipo de saber que é reforçado. Contudo, acredito que a noção de como os discursos são produzidos é importante para este tipo de análise, uma vez que os sujeitos falantes no jornalismo internacional estão sujeitos aos limites do cotidiano das redações, como a dependência das agências de notícias, dependência de fontes oficiais de informações e outros fatores.

2Em inglês, a palavra usada para designar esse tipo de repórter é embedded , que numa tradução próxima significaria “acamado”. A idéia era de correspondentes que dormissem e acordassem com os soldados. Havia 700 jornalistas enlistados nas tropas dos exércitos britânico e norte-americano.

Bibliografia

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BUARQUE, Daniel. Por um fio – O mundo explicado por telefone. Rio de Janeiro: Multifoco Editora, 2008.

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia Vol. 2 . São Paulo: Editora 34, 2007.

_____________. O que é a filosofia? São Paulo: Editora 34, 1997.

DORNELES, Carlos. Deus é Inocente: a imprensa, não . São Paulo: Editora Globo, 2002.

FONTENELLE, Paula. Iraque – A guerra pelas mentes . São Paulo: Sapienza, 2004.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural pronunciada no Collège de France em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Loyola, 2005.

GOMES, Mayra Rodrigues. Poder no jornalismo: discorrer, disciplinar, controlar. São Paulo: Hacker : Edusp, 2003.

NATALI, José Batista. Jornalismo Internacional. São Paulo: Contexto, 2003.

NYE, Joseph S. O Paradoxo do Poder Americano. São Paulo: Editora UNESP, 2002.

SOUTO, Fhoutine. Depois da queda das torres: os atentados de 11 de setembro nos jornais O Estado de S.Paulo e Folha de S. Paulo. Dissertação de mestrado. PUC/SP, 2009.

STEINBERGER, Margarethe Born. Discursos geopolíticos da mídia – jornalismo e imaginário internacional na América Latina . São Paulo: Editora Cortez-Fapesp, 2005.



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