Sumário
 
 

Nota dos Editores

    

Entendemos que a arte deva ser uma interpretação poética do mundo. Ao fazê-la, o artista convida os homens ao pensamento. Haveria uma forma de distinguir arte e mídia, considerando a arte uma comunicação especial, capaz de fazer refletir, de causar enlevo. A mídia, de forma geral, nas conversas de botequins e nos discursos dos revolucionários, ocupa o lugar de grande vilã. É ela quem produz e reproduz uma vida alienada, incapaz de recobrar a consciência aos homens. Sem querer entrar nesse debate sobre o caráter vilanesco da mídia, há uma nova situação criada pelos avanços tecnológicos da comunicação que permitiu ampliar as possibilidades da arte e de se avaliar essa questão.

A discussão trazida pelos frankfurtianos, a respeito da perda da aura da obra de arte por conta da sua reprodutibilidade, ganha novos contornos com a artemidia . Walter Benjamin já intuía em seu clássico ensaio que a técnica deveria alterar as potencialidades da arte. Mesmo Horkheimer e Adorno, ao avaliarem as conseqüências da Indústria Cultural, também reconheciam a presença da informação no cotidiano dos homens ocupando um espaço de reflexão que somente a arte legítima poderia repor. Se tomarmos os argumentos dos filósofos críticos acabaremos no mesmo niilismo que os inspirou, identificando todo o processo que se caracteriza pelo divertimento raso e por uma relação vertical entre os produtores e emissores da informação e os receptores e espectadores. Para aqueles que se conformam com essa tese, ou mesmo têm preguiça de aprofundar um debate com tantas perspectivas, salta aos olhos uma nova variável. Trata-se de reconhecer que algumas manifestações artísticas contemporâneas passaram a contar com a abrangência da mídia, aumentando as possibilidades de expressão e ampliando a quantidade de acesso às pessoas.

As Novas Tecnologias de Informação e Comunicação têm propiciado uma nova relação entre emissores e receptores, entre produtores e consumidores e entre artistas e cidadãos. Haveria então uma nova realidade a ser debatida, que se localiza na fronteira entre a arte e a mídia, que faz da comunicação de massa algo capaz de fazer pensar, de convidar ao pensamento.

No fundo dessa questão, dentre tantas, pulsa uma inquietação. Dentro da realidade do consumo, será possível um reconhecimento do mundo que não seja fabricado, industrializado? Haveria ainda espaço para expressões livres, que não estejam já impregnadas pela racionalidade autoritária de que nos falavam os frankfurtianos?

A Revista Aurora , nesse número, quis reunir reflexões de artistas e pesquisadores sobre a arte e as novas mídias digitais, acreditando ser um tema relevante em um contexto de rápido crescimento da Internet e dos usos que se faz dela. A professora Jane de Almeida, reconhecida pesquisadora desse tema, concedeu uma breve entrevista apresentando pistas sobre as produções artísticas contemporâneas.

As novas tecnologias, de maneira geral, criam espaço para novas manifestações artísticas, mas também para novas relações sociais e políticas. A coluna de Silvana Martinho reflete sobre a apropriação das mídias digitais pela arte a partir das histórias em quadrinhos. Fábio Oliveira Nunes, artista e professor da UFRN, apresenta em seu artigo uma discussão sobre a forma com que a artemidia é capaz de desenvolver trabalhos críticos, capazes de movimentar o receptor. Trata especialmente do artista pioneiro Perry Hoberman. O artigo de Henrique Z. M. Parra, docente da UNIFESP, em uma perspectiva semelhante, avalia as possibilidades políticas propiciadas pelas novas tecnologias. O autor seleciona algumas imagens com forte conteúdo político, analisa as transformações propiciadas pela tecnologia e aponta elementos identitários que persistem e que são utilizados como capital expressivo.

O texto de Tatiana Giovannone Travisani versa sobre a imagem digital em movimento. Tatiana mostra como os artistas contemporâneos consideram as ferramentas presentes nas mídias eletrônicas para criar suas obras. Para tanto, analisa algumas experiências e aponta a forma como as mídias foram sendo apropriadas pelos artistas propiciando a desmaterialização da arte, a amplitude de acesso pela rede e a reapropriação da obra, adquirindo novas estéticas e potencialidades.

O artigo de Carlos Rogério Duarte Barreiros e Tiago Barizon toma o exemplo da canção popular e a forma com que a Internet tem sido usada como meio de divulgação de certas expressões musicais. O artigo avalia uma questão bastante recente, a da música independente, e a relaciona ao uso das novas tecnologias, mostrando como esse elemento apresenta-se no centro da relação entre o público, o artista e o produtor. As tecnologias aparecem aqui como elemento central, pertencentes à estrutura de produção e criação artística. O artigo de Pablo Pietro, professor da Universidad Rey Juan Carlos de Madrid, com um propósito distinto, trata de mapear os condicionantes estruturais dos meios de comunicação, fornecendo elementos metodológicos para a compreensão de diferentes mídias, avaliando suas possibilidades de comunicação, e reconhecendo a Internet como um espaço que permite a coexistência de diferentes variáveis de expressão.

Nesta edição da revista, ainda trazemos o artigo de João Pedro Silva e José Carlos Venâncio, professor da Universidade da Beira em Portugal e professor visitante das Universidades de Macau e Salamanca, tratando da produção artística cabo-verdiana, especialmente a obra de Manuel Figueira. Também Luiz Fernando Zulietti discorre sobre a obra de Goeldi e seu processo criativo. Diego Bis analisa a experiência habitacional de Cajueiro Seco em Pernambuco e Ana Keila Mosca Pinezi, professora da UFABC, faz uma bela análise do infanticídio e suicídio presente entre os índios Suruwahá ou Zuruahá.

Aurora traz ainda a poesia de Jairo Pereira, Fugindo do terremoto , além de uma resenha sobre o filme de Tim Burton, adaptação de Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll. Na seção imagens, fotografias de Jayr Pimentel, realizadas durante sua passagem pela Etiópia; e o ensaio visual de Laurita Salles, realizado a partir dos frames do vídeo O olhar e a distância , produzido pela artista para a TV Minuto, circuito interno instalado nos trens do metrô de São Paulo.


Rafael Araújo
Silvana Martinho
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