Sumário
 
 
Alice no País da Tecnologia.
Maria Luiza de R. e C. Andrade*


As histórias de Lewis Carroll, desde o começo do século XX, servem bem à linguagem cinematográfica. No afã de transformar em realidade as aventuras de Alice seja através de mundos irreais, personagens ou a atmosfera de sonhos, o cinema produzirá diversas versões de Alice no País das Maravilhas e Alice através do espelho, utilizando para tanto todo o arsenal tecnológico disponível em cada época.

Para André Bazin, o cinema cumpre a função de adicionar o tempo na realidade criada pela fotografia, a excelência máxima do real projetado pelo homem. O critico francês observa que a humanidade possui desde os primórdios a obsessão pelo real, e as artes plásticas seguidas dos meios mecânicos de produção artísticos “não são mais que um desejo puramente psicológico de substituir o mundo exterior pelo seu duplo” 1. No caso de histórias fantásticas trata-se do ensejo de ver materializado sonhos escritos.

Em 1903, temos a primeira versão de Alice no País das Maravilhas 2. Com a câmera ainda estática temos através de trucagem com o negativo e de cenários a sensação do aumento e da diminuição de Alice através da história. É possível imaginar o êxtase provocado pela câmera cinematográfica ao possibilitar a criação do irreal.

Em 1951, já com a linguagem cinematográfica consolidada, Lou Bunin, famoso titeriteiro e pioneiro em efeitos especiais para o cinema, cria sua versão para a famosa história de Carroll 3. A narrativa evolui através das imagens, pois Bunin opta por não trabalhar com diálogos, apenas com trilha sonora clássica. Seus pequenos marionetes dão vida aos improváveis personagens do mundo maravilhoso enquanto Alice é vivida por uma atriz real. Representar um coelho falante, uma lagarta fumante de narguilé e um exército de copas com atores reais é criar um pacto com o espectador de que nada do que se passa é real, trata-se de fantasia. Entretanto, no momento em que é possível criar estas criaturas começamos a acreditar no irreal, os marionetes se tornam personagens concretos.

Com relação à narrativa, a melhor adaptação é a dos estúdios Disney, lançada um pouco depois da versão de Bunin. Alice da Disney consegue transpassar para película toda a discussão lógica criada por Carroll, sua história sobre o tempo, a existência e o poder. Pela primeira vez Alice não se trata apenas de deslumbramento de imagens e possibilidades inventivas e as questões relevantes levantadas pelo autor inglês ganham força em Technicolor, a grande novidade da industria cinematográfica da época.

Passados mais de cinqüenta anos da versão em desenho animado, o estúdio norte-americano aposta em nova roupagem, desta vez mais sombria devido ao currículo de filmes de Tim Burton, diretor de filmes imaginativos e igualmente soturnos. Por conseguir equalizar de maneira brilhante o cinema de entretenimento e o cinema mais de autor, a expectativa para o longa era muito grande, entretanto Burton acaba por decepcionar não só os seus fãs, como também o publico leitor de Carroll.

Alice no País das Maravilhas se passa mais de dez anos após a primeira viagem da personagem ao mundo encantado. Agora ela está prestes a se juntar a um aristocrata boçal em um casamento de conveniências. O pai de Alice, grande empresário visionário, faleceu e no rígido período vitoriano o matrimonio é seu único destino. No dia do noivado Alice, que é vista por todos como uma garota dispersa e imaginativa, seguirá o coelho e cairá no buraco de sua toca rumo ao desconhecido. A partir deste momento teremos uma história que em nada se assemelha a de Lewis Carroll. Se nas histórias do autor inglês o que prevalece é a lógica e experiências novas, no longa de Tim Burton elas serão ausentes. Personagens antes dúbios, agora são divididos entre o Bem e o Mal.

No desejo de criação de um mundo de maravilhas mais perfeito do que qualquer um jamais feito e de se aproximar do grande publico consumidor contemporâneo, Burton e os estúdios Disney transportam para tela a linguagem do vídeo game enterrando por completo a história do século XIX. Alice foi chamada ao país das Maravilhas porque é a única capaz de matar com uma espada mágica o dragão da Rainha Vermelha, usurpadora do trono real. O porquê da escolha da menina como salvadora ou o porquê do golpe da Rainha Vermelha não é explicado. A narrativa é pobre e se faz através de objetivos: fugir de um exército, salvar o Chapeleiro Maluco, encontrar a espada mágica, ir até a Rainha Branca, finalmente matar o grande monstro.

Cinematograficamente o longa não surpreende. Sendo lançado com grande novidade, o formato 3D, era de se esperar que estivesse sido pensado para as implicações que este impõe, entretanto os planos quase todos americanos não possibilitam uma grande exploração do recurso que propicia ao espectador de maneira radical a falsa substituição do real de que fala Bazin,ou seja a criação de uma profundidade de campo muito grande fazendo com que os personagens e cenário consigam se libertar da moldura da tela como se ganhassem vida. A opção por tais enquadramentos limita a expansão da imagem,pois ficamos encerrados ao corpo do ator, quando os planos gerais entram a perspectiva entre os personagens e o cenário criam a sensação d vermos ao vivo a cena se desenrolar.

A estética de vídeo game está além da história, está na luz artificial e escura, na escolha de planos – como por exemplo na batalha final: todos em um grande tabuleiro de xadrez de pedra e com um skyline ao fundo, a câmera faz rente ao chão um grande travelling atravessando o campo de soldados de baralhos estilizados de jogos de guerra e pára em um contra-plongé ao encontrar o dragão, muito parecido com os de jogos eletrônicos situados na idade média – e nos cenários estáticos.

Os estúdios Disney, um pouco antes da estréia do longa, lançaram para Nintendo Wii, Iphone e PC o jogo de Alice no País das Maravilhas 4 . O objetivo do jogo é ajudar Alice a derrotar a Rainha Vermelha e o dragão através dos avatares de seus amigos, o Coelho, Chapeleiro Maluco, Lebre de Março. Absolutamente tudo se assemelha ao produto cinematográfico. O transporte de um suporte para o outro é evidente, na estética, na condução da história, das cenas a única diferença é que o espectador transforma-se em participador nesta versão .

O vídeo game superou em muito o faturamento da industria cinematográfica, e enquanto esta segue perdendo terreno para dvds, downloads irregulares, encontrou na tecnologia 3D uma inventiva maneira de manter as salas de cinema cheias, a indústria de games só cresce. Cada vez mais sofisticados, e (novamente!) reais, eles ganham adeptos de todas faixas etárias.

Outrora era o vídeo game que procurava se assemelhar ao cinema criando um deslumbramento com a tecnologia empregada para conquistar o publico, mas com Alice no País das Maravilhas assistimos a uma mudança de rumo. Resta saber se será algo produtivo artisticamente ou apenas um bom negócio para a indústria de entretenimento.

Notas

* Graduada em História pela USP, pós-graduanda em Estéticas Tecnológicas pela PUC-SP.

1 BAZIN, André, “Ontologia da Imagem Fotográfica”. In: Ismail Xavier (Org), A Experiência do Cinema . Rio de Janeiro, Graal,2003.p 123

2 Link : http://www.youtube.com/watch?v=zeIXfdogJbA

3 Link : http://www.youtube.com/watch?v=HFTTMoivg-U&feature=player_embedded

4 Link : http://www.youtube.com/watch?v=GKopCYnZuGY&feature=related
                http://www.youtube.com/watch?v=JNPJDk0jVlQ&feature=related



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