VITO ACCONCI
Grande parte do trabalho de Vito Acconci é baseada na ocupação
do espaço. Nos anos 70 começou a explorar o espaço
da exposição, criando instalações com
slides que lidavam com a presença do espectador, como em
Where are We Now (1976). Nos anos 80, sua pesquisa mudou para espaços
domésticos e espaços públicos, de interação
social.
Ele criou novos modelos de habitação e construção
urbana a partir da mitologia da mobile home _ em obras como House
of Cars (1983) e Mobile Linear City (1991). Seus projetos de parques,
playgrounds e antimonumentos, como Park in the Water (1998), evidenciam
uma visão política da arte pública e indicam
uma vontade de transformar o espaço público num lugar
que funcione como um fórum. Daí também seus
projetos para salas de exibição, livrarias e halls,
como os realizados na Documenta de Kassel (1997) e em Haia, Holanda
(1998).
O projeto de Acconci para o Largo do Glicério consiste essencialmente
numa reapropriação de um espaço urbano abandonado.
Mas não se trata de um território simplesmente vazio:
desconfigurado pela implantação de grandes estruturas
viárias e edificações institucionais, ele já
está parcialmente ocupado por uma população sem
moradia. A proposta consiste, portanto, em criar um dispositivo urbano-arquitetônico
para essa ocupação informal. Centrado, a princípio,
no esqueleto vazio de uma edificação, construída
para sediar um núcleo do controle municipal do trânsito.
O projeto apresenta três vertentes conceituais básicas:
procura, em primeiro lugar, romper a separação convencional
entre a arquitetura (o construído) e o espaço urbano.
A extensão da "vila" para além da estrutura
edificada e a incorporação de equipamentos urbanos
(os postes de iluminação), dotados de nova função
estrutural, suprime a distinção entre arquitetura
e cidade. Põe em xeque o princípio da fachada. A estrutura
arquitetônica resultante, a "vila", parece expandir-se
tentacularmente pelo espaço urbano, apropriando-se dos elementos
vizinhos. Cria-se uma indistinção generalizada entre
o que é reservado para uso particular e o que é propriamente
equipamento urbano, de uso público. A plena acessibilidade
e a transparência das estruturas suspensas, sem qualquer vedação,
só acentuam essa indiferenciação.
Em segundo lugar, o projeto também suprime, nas estruturas
arquitetônicas, os elementos que convencionalmente constituem
a habitação unifamiliar. Em vez de mascarar a condição
dos usuários, moradores de rua, criando uma privacidade de
que não dispõem, Acconci evidencia a exposição
pública a que estão sujeitos. Os banheiros não
apenas têm paredes de fibra semi-transparentes mas também
projetam-se para fora do edifício, como que tornando públicas
funções ocultadas nas moradias convencionais. Propositadamente
apenas justapostos à estrutura construída, guardando
sua evidente inadequação, os equipamentos remetem
à própria ocupação provisória
por indivíduos em trânsito.
Essa transparência se contrapõe à compartimentalização
e ao confinamento imperantes no espaço doméstico,
reorientando o movimento e o olhar. Uma reconfiguração
estrutural que altera a experiência e a percepção
do espaço construído, como Acconci já propunha
na série Bad Dream House (1984).
Uma rotação da convenção arquitetônica,
permitindo que os orgãos internos da edificação
se expandam para fora, que se anuncia em Houses Up the Wall (1985).
Não se trata apenas da eliminação da fachada,
o princípio instaurador da distinção entre
o público e o privado, como já se podia ver em projetos
de Dan Graham. Aqui o próprio programa da "vila"
trata de subverter esses princípios. Banheiros, dispositivos
de lavar roupa, áreas de refeição e locais
de lazer são, igualmente, coletivos e abertos. Toda a área
transforma-se num local de encontro: o espaço público,
para Acconci, é um sítio que deve operar como um fórum.
O desenvolvimento de intrusões no espaço público,
de modo a reconstituí-los como lugares, base da estratégia
de Acconci para a arte no espaço urbano, encontra na ocupação
informal dos sem-teto um campo ideal. Uma maior densidade urbana
pode ser promovida a partir da própria ocupação
existente, em vez de uma grande estrutura autosuficiente, como as
que caracterizam o atual processo de restruturação
espacial das megacidades. Trata-se de propor configurações
que operem justamente a experiência de rua desta população
sem moradia. De que modo, dadas as dimensões do problema
da população sem teto, pode a arquitetura encontrar
dispositivos que _ no contexto de seu deslocamento e mobilidade
_ lhe dêem abrigo, condições de higiene e socialização?
Estes espaços intersticiais _ ilhas formadas pelas vias
de trânsito, fachadas cegas e áreas excluídas
pela restruturação urbana _ existem à margem
da hierarquia de usos estabelecida pela dominação
social. Eles possibilitam projetos que se oponham à estruturação
do espaço urbano, através de configurações
e usos dinâmicos e moventes. Não por acaso o requisito
da auto-suficiência é outra vertente do projeto. A
proposta de recolher a água da chuva para alimentar as facilidades
da vila não está relacionada à qualquer precariedade
propositada. A intenção é converter em forma
e programa arquitetônicos as condições da vida
na rua, questionando ao mesmo tempo os cânones da habitação
tradicional. Criar um espaço de convivência decididamente
urbano.
A zona é um território refratário a formas arquitetônicas
abrangentes e fechadas. A intervenção de Acconci não
busca impor uma estrutura edificada rígida para a área,
como fazem em geral os projetos de redesenvolvimento urbano promovidos
por interesses imobiliários, necessariamente excludentes pois
erradicam por completo os modos existentes de ocupação
e uso do solo. Ela procura, ao contrário, integrar procedimentos
construtivos e práticas vivenciais transitivas e precárias.
Uma proposta que corresponde ao caráter informe e instável
destas situações. Engendrar configurações
mutantes, que mantenham uma indeterminação programática,
permitindo alterações e mudanças. Campos que
acomodem processos, sem consolidarem-se em formas definitivas. Uma
estratégia, baseada na fragmentação e flexibilidade
espaciais da região, na reconfiguração frouxa
e contínua de seus elementos, própria do terrain vague.
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