Antecedentes
Em 2003 o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) iniciou na América Latina um programa de difusão e formação acadêmica para capacitar e formar professores e estudantes universitários nos campos do direito internacional humanitário, dos direitos humanos e do direito dos refugiados. O projeto recebeu o nome de Cátedra Sérgio Vieira de Melo, em homenagem ao diplomata brasileiro e funcionário de carreira do ACNUR, morto no Iraque.
O principal objetivo do projeto da Cátedra projeto é promover a sensibilização, o conhecimento aprofundado e a afirmação destes temas dentre os futuros dirigentes e tomadores de decisão em diferentes esferas da vida social e política. A iniciativa procura também incorporar a temática do refúgio na agenda acadêmica e se propõe a coordenar ações de formação e divulgação junto a órgãos públicos, instituições e ONG’s.
Neste sentido, o projeto foi inicialmente coordenado pelos escritórios da Costa Rica e da Argentina, e as parcerias com as Universidades propiciou diversos êxitos, como a realização de seminários e a produção de publicações conjuntas. No Cone Sul, a proposta também foi tratada no âmbito do Grupo de Montevidéu, que reúne 18 Universidades do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
No Brasil, acordos de implementação da Cátedra foram assinados com universidades renomadas como a PUC de São Paulo e a PUC do Rio de Janeiro Em janeiro de 2005 por iniciativa da Cátedra na PUC-São Paulo foi trazida pela primeira vez à América Latina a conferência anual da IASFM (International Association for the Study of Forced Migrations), que contou com mais de 300 participantes de todos os continentes e do ACNUR.
Declaração e Plano de Ação do México
Em 2004, no marco do Vigésimo Aniversário da Declaração de Cartagena sobre Refugiados, foi realizada pelo ACNUR, Governos e sociedade civil uma ampla reflexão sobre a situação dos refugiados no mundo e particularmente na América Latina, em virtude das crises humanitárias que ocorrem na região e dos desafios da integração econômica dos refugiados.
Este processo de consultas culminou com a assinatura, por parte de vinte Governos latino-americanos, da Declaração e do Plano de Ação do México (PAM). Estes documentos consolidam a estratégia dos Governos, do ACNUR e da sociedade civil para fazer avançar a proteção dos refugiados no sub-continente pelos próximos anos. Inovando ao inserir formalmente o conceito de solidariedade na agenda internacional, o PAM tem cinco objetivos bem definidos.
O primeiro deles é o Desenvolvimento Teórico, que objetiva promover os estudos aprofundados sobre a proteção dos direitos humanos e dos refugiados no contexto latino-americano, e em especial o seu caráter de vanguarda. O Fortalecimento Institucional prevê a capacitação e sensibilização de oficiais do Governo, a fim de garantir o acesso à proteção internacional de todos aqueles que dela necessitam. Além disso, espera-se fortalecer as relações com organizações da sociedade civil, melhorando a recepção e assistência aos refugiados, especialmente nas zonas de fronteiras.
Os três últimos componentes do PAM referem-se às soluções duradouras para os refugiados. As Cidades Solidárias buscam alternativas de integração auto-suficiente dos refugiados na sociedade. As Fronteiras Solidárias tratam do desenvolvimento das comunidades nas zonas limítrofes às regiões em conflito, bem como a garantia de proteção e assistência aos refugiados, dado o caráter de porosidade das fronteiras na América Latina. Por fim, o Reassentamento Solidário é um mecanismo proposto pelo Brasil como resposta efetiva ao conflito na Colômbia e às conseqüências deste nos países vizinhos, que recebem o maior número de refugiados, especialmente Equador, Costa Rica, Panamá e Venezuela. Como gesto de solidariedade com o povo colombiano e com estes países, a Argentina, o Chile o Brasil recebem refugiados que continuam ameaçados ou não conseguem integrar-se no país de primeiro asilo.
Com a assinatura do Plano de Ação do México, foi verificada a necessidade de se reformular a Cátedra Sérgio Vieira de Melo. O principal ponto desta nova vertente da Cátedra é o trabalho direto com os refugiados. O desenvolvimento acadêmico continuará a ser estimulado, mas o atendimento solidário aos refugiados será priorizado.
Áreas de contribuição das Universidades no marco do Plano de Ação do México
- Desenvolvimento Teórico
A instituição de uma Cátedra em uma Universidade corresponde sobretudo à promoção da pesquisa, difusão e capacitação em uma determinada temática. A Cátedra Sérgio Vieira de Melo, instituída pelo ACNUR, tem como objetivo incentivar a pesquisa e produção acadêmica sobre o direito nacional e internacional dos refugiados, bem como suas relações com o direito humanitário e os direitos humanos.
A pesquisa será incentivada no maior número possíveis de áreas do conhecimento que afetem a integração dos refugiados e o entendimento das questões correlatas ao tema. Poderão ser realizados, assim, estudos nas áreas de saúde, ciências sociais e humanas, além de levantamentos demográficos e populacionais.
Dentre as iniciativas previstas no âmbito do Desenvolvimento Teórico destacam-se:
Fortalecimento Institucional
A incorporação das Universidades, como consciência crítica da sociedade, no espaço de fortalecimento institucional exerce um papel fundamental na garantia de tratamento humanitário e apropriado àqueles que chegam buscando a proteção.
As Universidades, especialmente aquelas em zonas de fronteiras, podem participar na organização de eventos conjuntos com o ACNUR de sensibilização e capacitação de agentes da Polícia Federal, promovendo a aplicação efetiva do direito de refúgio. Outros segmentos do Governo e da sociedade civil também podem ser inclusos em programas de capacitação, tais como secretarias de direitos humanos, prefeituras, igrejas e ONGs, dentre outros. Uma outra atividade importante é a difusão e gestão para incorporação de novas Universidades na iniciativa da Cátedra Sergio Vieira de Melo.
Cidades Solidárias
A população latino-americana vive de maneira geral em um contexto de dificuldades econômicas e difícil acesso ao mercado formal de trabalho. No sub-continente não há situações de campos de refugiados, e estes, sejam urbanos ou rurais, estão dispersos em meio à população local. Neste cenário, os desafios enfrentados para se alcançar sua integração auto-suficiente são ainda maiores, devendo ser enfrentados de maneira conjunta pelos Governos, a comunidade internacional e a sociedade civil.
A comunidade universitária pode contribuir de forma efetiva, naquilo que lhe é próprio, no processo de integração dos refugiados. Os refugiados são sobreviventes de situações de profundo estresse, e chegam no país de refúgio com seqüelas como carências médica e nutricional. Além disso, na maioria das vezes não conhecem o idioma ou qualquer pessoa no país, necessitando de apoio para reconstruir sua vida.
O Brasil tem uma legislação específica sobre o refúgio (Lei 9474 de 1997), na qual são definidos os direitos dos refugiados no país. Eles têm direito à documentação e de serem atendidos nos sistemas públicos de saúde e educação. Contudo, sabe-se que devido à super-lotação ou sucateamento, o acesso a estes serviços é dificultado mesmo para os nacionais.
Assim, aproveitando-se as capacidades já instaladas das Universidades, as seguintes atividades em prol dos refugiados podem ser oferecidas:
Nem todos os refugiados têm formação acadêmica ou profissional, e outros não conseguem aproveitar suas aptidões profissionais no Brasil. As universidades podem possibilitar o acesso dos refugiados a uma nova profissão, disponibilizando vagas aos refugiados em seus cursos de graduação.
Fronteiras Solidárias
Dada a porosidade das fronteiras terrestres na América, e em especial na região amazônica, muitas pessoas em situação de refúgio (isto é, vítimas de perseguição) vivem no Brasil de maneira irregular, sem acesso à proteção legal a que têm direito ou à assistência por parte do Governo, do ACNUR ou da solidariedade da sociedade civil. Buscando contornar esta situação, as Universidades podem engajar-se nas seguintes iniciativas:
Todas as iniciativas no marco das “Cidades Solidárias” igualmente podem ser implementadas nas zonas fronteiriças, incentivando as possibilidades de integração local nos pontos de chegada. Isto evita o deslocamento dos refugiados aos grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro, onde já existe uma maior concentração de imigrantes e refugiados, as taxas de desemprego são maiores e o acesso aos serviços públicos mais difíceis.
Reassentamento Solidário
Muitas vezes os refugiados continuam sendo vítimas de perseguição no primeiro país de asilo, já que os agentes perseguidores (em geral grupos armados) também conseguem cruzar a fronteira. Em outros casos, o país onde eles estão não os concede direito à documentação, impossibilitando sua integração social e econômica. Por fim, em países onde há um grande fluxo de refugiados, eles podem ser discriminados pela população local, devido à pressão econômica e social que ocorre. Em todos estes casos, a integração dos refugiados no país de primeiro asilo é impraticável, e eles devem ser reassentados para um terceiro país.
Como resposta ao conflito na Colômbia e seus impactos nos países vizinhos, o Cone Sul tem implementado o programa de Reassentamento Solidário. O Brasil já recebeu mais de 150 refugiados nesta condição desde 2004, estando estes, por enquanto, localizados nos estados de Goiás, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo. Os principais casos recebidos pelo Brasil são de mulheres em risco, ou seja, mulheres chefes de família ou sobreviventes de tortura e violência.
No marco do Reassentamento Solidário os núcleos de estudos que se formam a partir das Universidades podem se dedicar à pesquisa de novas práticas e enfoques sobre a integração local e assistência aos refugiados reassentados, contribuindo para a abertura de novas áreas de reassentamento em outros estados do Brasil.
Os refugiados que chegam ao país pelo programa de Reassentamento Solidário têm os mesmos direitos que qualquer outro, conforme estabelecidos na Lei 9474/97. Desta forma, todas as iniciativas colocadas no tópico das “Cidades Solidárias” também podem ser desenvolvidas para facilitar a integração dos refugiados reassentados.
Conclusão
A promoção da proteção internacional dos refugiados é um dos reflexos do comprometimento de uma sociedade com a democracia, o respeito aos direitos humanos e a cultura de paz. A proteção e assistência aos refugiados devem ser promovidos e praticados por diferentes atores dos Governos, da sociedade civil e da comunidade internacional.
Os refugiados assistidos aqui, e principalmente aqueles que puderam aprender um novo idioma e uma nova profissão, ao retornarem aos seus países de origem poderão contribuir com a reconstrução de locais devastados pelas guerras. A solidariedade e espírito humanitário com que foram recebidos no Brasil certamente serão ecoados em uma nova comunidade, uma contribuição certa para toda a humanidade.
O Brasil por sua vez ganhará com a diversidade cultural e o trabalho daqueles que se integram. Grandes artistas, políticos e intelectuais da história, como Albert Einstein, por exemplo, foram refugiados, comprovando que eles sempre trazem algo para acrescentar e fazer crescer a sociedade que os acolhe.
Como centro formador de opinião e de massa crítica, as Universidades devem estar envolvidas neste processo, não apenas promovendo a produção acadêmica, como também disponibilizando seus serviços e estrutura para os refugiados como população vulnerável.
O ACNUR reconhece o esforço e o importante trabalho das Universidades brasileiras em prol dos refugiados, seja através do apoio cotidiano às atividades desenvolvidas, seja através da concessão do título de “Universidade Solidária Amiga do Refugiado”, um incentivo moral oferecido anualmente àqueles que se destacam na proteção e na ação solidária com os refugiados.
ACNUR – Brasil
Fevereiro
Realização