A megacidade instaura configurações
que são mais do que nunca invisíveis à percepção.
Configurações dinâmicas implantadas em grande
escala que escapam à intuição. Irredutíveis
à experiência individual, ao mapa mental dos seus habitantes.
A zona leste de São Paulo é um destes espaços
que, ao contrário de uma estrutura, é feito só
de linhas, de direções moventes. Um plano em contínua
extensão e variação, sem contornos nem limites.
Os sucessivos processos de reestruturação da área
dissolveram todos os traços do desenho urbano tradicional,
os parâmetros de localização e pertencimento.
Como no deserto ou no mar, aqui se está sempre em movimento,
no meio.
Um espaço fluído constituído por intensidades,
relações de forças, diferentes ritmos sem medida.
Um campo de turbulência onde não há identidade
e lugar, mas apenas movimento e relações: acontecimentos.
A intervenção de Carmela Gross é uma reflexão
sobre o devir do indivíduo nestes espaços sem forma,
traçado por mapas abstratos. "Eu sou Dolores" _
seu verdadeiro nome _ surge como afirmação paradoxalmente
anacrônica: no preciso momento histórico em que a própria
Carmela, como todos nós, perde os traços do rosto
para dissolver-se na paisagem. Agora uma individuação,
diz Deleuze, é feita de longitude e latitude, um conjunto
de velocidades e lentidões de elementos não formados.
Não por acaso a inscrição é um painel
luminoso, feito em néon. Um elemento atmosférico,
no limite do imaterial, do informe. Um dispositivo iconográfico
recorrente, constitutivo de uma paisagem urbana desprovida de referências,
indicando uma individualidade que ganha consistência pelo
trânsito. Uma intensidade que opera no intervalo, na zona
de articulação entre o interior e o exterior. Um vetor
que dissolve os contornos estruturais, ampliando e intensificando
o espaço da metrópole.
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