avery preesman
 
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A área ocupada pelo SESC ladeia, por um dos seus vértices, o Cemitério da 4a Parada. Criado na virada do século, quando das epidemias que assolavam a várzea do Tamanduateí, este cemitério popular é uma densa concentração de túmulos recobertos por fotos, esfinges de santos, flores de plástico em vasos coloridos e outros objetos decorativos. Uma acumulação de elementos construtivos e imagéticos da cultura popular, disseminados também nas lojas e feiras da região.

Avery Preesman, artista holandês proveniente da Guiana, propõe trabalhar nesta paradoxal interface criada pela torre leste, uma edificação em concreto de linhas retilíneas, segundo os padrões industriais da área, e o cemitério. A intervenção consiste em estabelecer, na fachada da torre, uma relação _ material e estrutural _ com o universo que se descortina do outro lado da rua.

Trata-se de uma armação, de madeira e aço inoxidável, que deve cobrir completamente uma grande área da fachada da torre, à vários metros do chão. Essa estrutura é recoberta por diversos materiais _ tecido, cimento, gesso, cola, tinta _ agregados em camadas, de modo a formar um volume denso e informe. Uma imensa protuberância que brota da fachada em direção à rua, rompendo por completo a linearidade da edificação moderna.

Essas diversas substâncias se aglutinam, mas sem alcançar uma completa composição. Os materiais não aderem por completo à estrutura, parecendo estar sempre à ponto de desprender-se e cair. A mescla improvável dos materiais, de modo aparentemente improvisado, cria uma espécie de craca, incrustada na lateral do prédio. Uma excrescência que parece avolumar-se descontroladamente na edificação. Como se um abcesso fizesse verter o conteúdo do prédio por um dos seus lados. Uma bolha que absorve e expele toda a matéria, o entulho, do entorno. O resultado é uma espacialidade enrugada que vai se desdobrando e assimilando o prédio a tudo o que existe em seu interior e exterior.

A operação não é, porém, cenográfica, metafórica. A intervenção trabalha esta virtual impossibilidade: sua evidente instabilidade é levada, tecnicamente, ao limite. A instalação de uma armação em balanço, muito pesada devido a sobreposição dos diversos materiais, coloca problemas de sustentação. Equacionar o suporte de uma estrutura suspensa de dimensões tão grandes, sobrecarregada ao extremo, foi um dos maiores desafios do projeto.

Mas o problema da sustentação não aparece aqui como questão arquitetônica. Não se evidenciam cabos, pontos de apoio e equilíbrio. A sobreposição de materiais constitui uma massa indistinta onde não se pode estabelecer relações entre seus componentes. Trata-se de uma conformação que diz mais respeito à dinâmicas entrópicas e não pode ser equacionada pelo repertório convencional dos processos construtivos. É anti-arquitetura.

O questionamento dos procedimentos arquitetônicos, particularmente os modernos, vai além dos aspectos formais. É estrutural. Ele remete à dificuldade da arquitetura em dar conta, através da edificação, de espaços tão dissociados e carregados de diversos elementos. Sempre muita coisa excede, transborda, irredutível aos limites do construído.

A tumba, assim como a casa, o templo e a prisão, são em geral entendidas como a origem da arquitetura. Os grandes monumentos que organizavam o espaço e disciplinam os indivíduos. Poderia-se pensar, pergunta Bataille, um espaço anterior ao sujeito, ao sentido, à organização -
uma arquitetura contra ela própria? Não por acaso Avery Preesman toma por referência um
cemitério popular: seu procedimento remete, pelo excesso, a certos métodos construtivos populares, à justaposição indiscriminada de materiais. A despesa, a desmedida, que configuram uma espacialidade desprovida de arquitetura, dominada por intensidades e acontecimentos.