josé resende
 
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A região circunscrita pelo pátio do Pari e a zona cerealista, configurada ainda quando da estruturação ferroviária da cidade, apresenta exemplarmente todos os elementos típicos das metrópoles em transição, onde a aceleração das transformações urbanas convive com a inércia do material residual.

Nas mesmas situações, coexistem as forças invisíveis do capital financeiro e das políticas urbanas governamentais com antigos dispositivos de ocupação do solo e transporte, reduzidos a um estado de completa anomia. Processos de amplitude e alcance incomensuráveis, impossíveis de serem deduzidos a partir do que se vê imediatamente, no local.

A operação concebida por José Resende para o pátio concentra-se, basicamente, nas suas grandes dimensões. O terreno plano, sem referências visuais próximas, e a presença de inúmeros vagões desativados, bloqueando a visão, dificultam a apreensão da configuração do lugar. É difícil desenhar os contornos dessa vasta e indistinta extensão, inserir esse imenso vazio na cartografia da cidade, perceber o seu papel latente na restruturação espacial em escala global de São Paulo.

Resende não toma os vagões propriamente como objetos, formas escultóricas, mas como elementos para configurar um espaço muito mais amplo: o pátio ferroviário e seus arredores. Ao dispor os vagões na área, ele está estabelecendo uma organização peculiar do espaço: uma conformação que não se pode imediatamente ver. A observação deve ser, a princípio, necessariamente peripatética. Um percurso ao redor do desenho traçado pelas composições.

Mas essa intervenção não se esgota obrigatoriamente na instalação de uma grande escultura, cuja extensão e opacidade exigiriam uma visão em deslocamento. Ao percorrer este itinerário, o observador está percebendo não apenas a disposição dos vagões. O trajeto _ num dispositivo que faz lembrar Spiral Jetty, de Robert Smithson _ também descortina a paisagem entrópica ao redor. O mato, as construções em ruínas, o entulho e os componentes ferroviários abandonados. Os portões de ferro e os muros que separam o pátio das áreas adjacentes e do resto da região. Por fim, os marcos arquitetônicos que aparecem à distância.

O projeto de Resende consiste, a partir da disposição dos vagões na área, em inclinar para o alto alguns deles, através de cabos de aço e pesadas travas, de modo a apoiarem sobre os outros. Potentes guindastes e mão-de-obra especializada, cedidos pela companhia ferroviária (CPTM), devem viabilizar a difícil operação.

Estes vagões desativados, condenados ao sucateamento, são restos da antiga dinâmica da área, subjugada pela imersão na desarticulação entrópica. Um espaço intersticial engendrado pela proliferação do informe e da indiferenciação perceptiva. O dispositivo de tensionamento criado para suspender as composições introduz, então, novas relações de força, novos vetores, neste espaço dominado pela pela horizontalização e pela inércia.

A suspensão dos vagões também trabalha no sentido de possibilitar uma apreensão das grandes escalas envolvidas. O erguimento destes volumes extremamente pesados, inacreditavelmente sustentados, introduz um forte elemento de verticalização, capaz de se contrapor à avassaladora horizontalidade da área e remeter ao poderoso skyline da cidade, ao longe. As imensas massas envolvem proporções de peso e procedimentos de estruturação para os quais usualmente não temos parâmetros. Elas nos fazem dar conta da enorme complexidade e extensão das intervenções urbanas que devem, a partir daquele ponto, alterar por completo a configuração espacial da metrópole.