KRZYSZTOF WODICZKO
A cidade é um espaço compartimentado pelo capital
e pelo trabalho. Mas, movimentos colocam continuamente em xeque
essas repartições rígidas. Processos fluídos
que vazam através dos limites, reconfigurando de outro modo
as situações. Os migrantes _ mas também as
populações sem moradia, os que se dedicam ao comércio
informal e os que ocupam temporariamente edificações
vazias na cidade _ são os agentes destes fluxos, da maré
do indiferenciado que corrói as estruturas urbanas estabelecidas.
O trabalho de Krzysztof Wodiczko consiste em equipar essas populações
para as batalhas pela ocupação dos espaços
intermediários, os intervalos indefinidos entre os enclaves
de habitação e comércio, as grandes estruturas
arquitetônicas que dominam a paisagem urbana.
O migrante, assim como aqueles que atuam numa atividade ou ocupam
uma área de modo informal, operam uma máquina de guerra
contra as políticas urbanas, os sistemas infraestruturais,
os empreendimentos imobiliários que determinam a estruturação
fechada e excludente da cidade. Através de seus deslocamentos
e atividades paralelas, eles constituem territórios moventes
e dinâmicos que se espalham, como uma mancha fluída,
pelas antigas áreas industriais, pelas margens das grandes
vias de transporte, nos terrenos vagos deixados pela especulação
imobiliária. Como uma máquina de expansão e
ocupação do território, eles funcionam nos
interstícios, desenhando de outro modo a metrópole.
Os percursos dos sem-lugar estabelecem um outro modo de organizar
e perceber o espaço. Eles avançam em linhas que variam
continuamente, em zig-zag, criando passagens entre um espaço
e outro, mudando sem cessar a disposição do território
urbano. Trajetos que se fazem entre os pontos, indiferentes à
métrica que preside a apreensão da cidade, aos padrões
de contiguidade e distância. Eles tomam o território
por todos os pontos, através de densificações
e intensificações. São táticas que não
pressupõem retaguarda nem front, mas se distribuir num espaço
aberto e indefinido, ocupar o terreno num movimento turbilhionário
que se espalha em todas as direções.
Ocorre uma inversão da figura do excluído: ele não
está mais no limite, mas no meio. São elementos que
só se distinguem pelo movimento e o repouso, pela velocidade
e a lentidão. Como uma frota naval, estão em mobilidade
permanente, sem referenciais fixos.
O migrante estabelece uma micro-física, definida por passagens,
por linhas de ruptura e conexão, que se opõe à
macro-geometria do sedentário. Estes deslocamentos constituem
um espaço amorfo e informal, transformam o terreno urbano
numa zona. Subordinação do habitat ao percurso, conformação
do dentro ao fora. Esses movimentos imperceptíveis, entre
as coisas, configuram espaços de intervalo, sem recorrer
à formas, à arquitetura.
Para o nômade, trata-se não de medir, mas de deslocar.
Tudo para ele é uma questão de logística: carregar,
guardar, esconder, passar para frente. Daí a relação
do camelô, do favelado, do sem-teto com os materiais improvisados
e descartáveis. Arranjos inexatos contra estruturas arquitetônicas.
O ambulante, o itinerante, como os catadores de papel, seguem o
fluxo da matéria.
Em São Paulo, Wodiczko estabeleceu os princípios
e linhas gerais do seu projeto, a partir de encontros com organizações
de catadores de papel, o IPT _ Instituto de Pesquisas Tecnológicas
da USP _ e com o engenheiro Ary Perez, da equipe de Arte/Cidade.
Na fase de desenvolvimento, dada a impossibilidade de acompanhar
de perto o projeto, Wodiczko atuou como consultor. Além da
confecção dos dois protótipos, o IPT foi um
importante colaborador no desenho do projeto, incluindo a escolha
dos materiais e adequação das soluções
propostas.
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