conceito situações urbanas escala intervenções pesquisa arte/cidade - zona leste |
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COMO INTERVIR EM GRANDE ESCALA?Como intervir em megacidades? Quais as condições impostas pelo caráter informe e genérico dessas novas espacialidades para qualquer projeto de intervenção? Não há mais como operar apenas com referenciais históricos, locais específicos e formas particulares de ocupação social. As intervenções vão se fazer nessas situações sem contornos nem limites claros, onde não há distinção entre interior e exterior, local e global. Lidando obrigatoriamente com a complexidade dos processos urbanísticos em curso, o caráter poroso das edificações, as interseções das vias de transporte, a indistinção da paisagem. Configurações informes que impedem a consolidação das intervenções a serem realizadas como objetos esculturais alocados no espaço. Em que medida a abrangência territorial pode determinar as estratégias e procedimentos estéticos das intervenções? Como podem se articular? Que mapeamento poderá surgir destas intervenções? Como isso pode determinar a apreensão das intervenções e uma releitura da área? As intervenções estarão disseminadas numa área sem qualquer continuidade e articulação: não há como visar uma plena apreensão do conjunto da região. O próprio recorte urbano proposto indica uma tomada de posição: as dimensões da área urbana a ser abarcada excluem, por definição, toda estratégia que implique uma abordagem apenas local das situações. Qualquer intervenção, se tomada isoladamente, perderia-se na extrema complexidade desta trama urbana. Também os locais escolhidos não permitem, por suas tensões e desconfiguração, abordagens estéticas convencionais, de caráter escultórico. As relações que as intervenções possam estabelecer _ com o edificado, com o entorno urbano imediato e com toda a região, inserida em processos urbanísticos de caráter metropolitano e global _ estão no cerne de Arte/Cidade. Não se trata, portanto, de um projeto de site specific. As situações urbanas são entendidas como pontos numa trama mais vasta e complexa, um modo de traçar novos territórios. Os aspectos particulares _ organização espacial local, história, formas de ocupação _ são aqui elementos de uma configuração e dinâmica mais ampla, que dá à todas as situações seu caráter essencialmente genérico e indistinto, fundado nas suas tensões e rearticulações. É essa dinâmica, perpassando uma terra arrasada, em que múltiplas reconfigurações podem se fazer, que Arte/Cidade procura fazer aflorar. Isto coloca desde logo a questão da escala das intervenções. Cada intervenção estará remetendo não apenas ao entorno direto, local, mas necessariamente a um espaço infinitamente mais vasto. Que relações de escala têm de ter com toda a área, com os processos urbanos que fundam a situação? Não se trata propriamente das dimensões dos projetos, mas de sua capacidade de configurar um campo mais amplo, para além do sítio particular, da localização imediata. No horizonte de Arte/Cidade está a possibilidade de recompor estes terrenos vagos, sítios recortados por viadutos, pátios ferroviários abandonados e áreas de ocupação favelada ou de comércio informal, em territórios mais vastos e complexos. Uma estratégia baseada não na continuidade espacial e histórica, na homogeneidade arquitetônica e social, mas na indeterminação e na dinâmica, na instabilidade de configurações urbanas em processo contínuo de rearticulação. No centro do projeto está a noção de reconfiguração em grande escala. Espaços esgarçados e tensionados, intervalos urbanos, desprovidos de forma e carregáveis de programa. Um campo em que conflitam diferentes forças e processos urbanísticos e sociais. A zona leste funciona como paradigma destas situações de ruptura e restruturação de um espaço feito de vazios e recomposições, em diferentes escalas. É através dessas disjunções e intensidades que se define a região. Arte/Cidade propõe uma nova modalidade de intervenção urbana: partir de toda uma região, compreendendo os processos de restruturação urbana, os elementos arquitetônicos e as formas de ocupação existentes e as operações previstas ou em andamento. Trata-se de uma cartografia urbana intensiva, que evidencie a complexidade e a dinâmica da área, revelando zonas de ação e intervalos de articulação: um território fluído e indeterminado. Explorar as múltiplas combinações possíveis, produzindo contínuas composições. Cada intervenção inscreve-se nesta trama e possibilita novas articulações. Cada intervenção vai ser mais um vetor introduzido neste campo cada vez mais espesso e dinâmico. As intervenções tendem portanto a não ser locais, mas a abranger áreas mais amplas, a partir do território reconfigurado pelos diversos processos urbanos. Trabalhando na interseção desses diferentes vetores, nos intervalos surgidos no tecido fragmentado e nos fluxos descontínuos da megalópole. Provocando rearticulações entre as diversas situações urbanas, amplificando seu significado e impacto urbano, cultural e social. Intensificando a percepção, por parte da população, destes processos. Intervenções em megacidades colocam a questão da percepção de grandes áreas urbanas. Estas várias ações, simultâneas, podem proporcionar uma outra percepção da área urbana? Um outro mapeamento (direções, significado dos locais, rearticulações) surgirá daí? Quais são as questões relativas à apreensão, pelo público, de intervenções nesta escala? Que problemas uma área tão vasta e desestruturada coloca para a percepção do seu traçado e das intervenções ali realizadas? Como a população e os interessados poderão ter acesso às intervenções e a toda a área que estão delimitando? Os paradigmas que se impõem são, necessariamente, mais amplos e complexos, escapando aos parâmetros estabelecidos da experiência e da percepção, da arquitetura e do urbanismo convencionais, da gramática conhecida da arte para espaços públicos. As situações propostas requerem aproximações que não podem mais fazer recurso aos procedimentos estabelecidos, tradicionalmente, pela escultura e pelas práticas artísticas recentes para sítio específico e instalações. A referência à escalas urbanas mais amplas é indispensável. Quando as cidades estão adotando estratégias de monumentalização, voltadas para o marketing, a promoção imobiliária e o turismo, Arte/Cidade procura evitar a espetacularização inerente a esses processos. As dimensões das intervenções é determinada não pelas considerações de um objeto isolado, demarcando uma posição ou evento. Não tem função de marco, característica da escultura tradicional. Visam, ao contrário, introduzir novas possibilidades de percepção das situações, através das relações com as diferentes escalas envolvidas e com os diversos processos urbanísticos e sociais implicados, as sucessivas restruturações espaciais e as distintas formas de ocupação. Cada intervenção leva em consideração múltiplas relações entre diferentes escalas urbanas, várias implicações sociais e políticas e múltiplas possibilidades de apreensão e leitura, desde a visitação local até a informação por meios de comunicação.
Arte/Cidade propõe-se a discutir e atualizar as questões colocadas pelos projetos mais recentes de intervenção em espaço urbano. Uma tentativa de decantar e sistematizar a gramática e os procedimentos desenvolvidos por estas experiências. É preciso evitar uma adequação intuitiva, em geral estetizante, aos locais. Aqui também procura-se romper com os procedimentos hoje cristalizados em projetos para sítio específico. Evitar que as locações sirvam apenas de contexto, pano de fundo para obras apenas alusivas, simples comentários das situações. Operar em escala megaurbana requer desenvolver um repertório estético e técnico adequado: pesquisas urbanísticas para a escolha dos locais de intervenção, conversão das propostas individuais em projetos, equacionamento das questões técnicas, políticas (relações com as comunidades e poderes públicos envolvidos) e orçamentárias colocadas para sua implantação. Um repertório, desenvolvido pontualmente por artistas e arquitetos, desde a land art até as modalidades mais recentes de intervenção e crítica dos dispositivos urbanos, que demanda ser consolidado. MAPEAMENTO DAS SITUAÇÕES URBANAS O processo de delimitação da área urbana do projeto Arte/Cidade e o mapeamento das possíveis situações de intervenção prolongou-se por vários anos. O procedimento adotado foi o de identificar usos, fluxos e dinâmicas importantes na área, explicitando-os por meio da escolha de situações urbanas específicas. Tendo como ponto de partida uma leitura da configuração dessa região dentro da metrópole paulistana, tratava-se de evidenciar nas situações apontadas a espacialidade resultante da incidência dos processos de reestruturação sobre o espaço urbano, tão turvo e caótico à primeira vista. Esta pesquisa teve de levar em consideração escalas mais amplas, fatores não imediatamente visíveis, mas determinantes na reorganização da região. Cada uma das situações apontadas refere-se a este processo de reformatação da espacialidade local, em função de processos de escala metropolitana e global. Difícil de perceber em escala local, pedestre e rasteira. O levantamento obedeceu a certos critérios básicos: situações que apresentassem tensões espaciais ou sociais, configurações complexas e desorganizadas pela implantação de vias de transporte, a realocação de atividades produtivas e serviços, a desativação de equipamentos industriais e a ocupação informal. A escolha dos locais de intervenção foi baseada na complexidade estrutural (espacial e social) apresentada por cada situação. Deste modo, os locais apontados exibem características determinadas por processos mais amplos, referentes à reinsersão da Zona Leste no contexto metropolitano e global. São exemplares do impacto local da reestruturação urbana de toda a área, em função da consolidação de um novo modo de espacialização em grande escala. Foram excluídos, intencionalmente, interiores, situações urbanas mais homogêneas e equilibradas e formas de ocupação e convivência comunitária tradicionais _ estruturas urbanas e sociais que se explicitam basicamente em escala local _, privilegiando os setores de configuração espacial tensionada (por vias de transporte e por projetos de reurbanização) ou ocupação social desorganizada (sem-tetos, comércio de rua, cortiços). São áreas que se desenham entre viadutos, à beira de vias de trânsito expresso e estações, em espaços abertos tomados por atividades comerciais informais e habitação clandestina. Todas as situações são configurações ou resíduos produzidos pela implantação de sistemas de trânsito ou de novos pólos de atividades, apresentando uma organização espacial desconfigurada pelo desenvolvimento de grandes operações de reurbanização. Buscou-se portanto não locais circunscritos, unidades arquitetônicas (estações, fábricas, vilas), mas situações urbanas mais complexas, indicadoras das rupturas e tensões (trânsito, funções sobrepostas e contraditórias, desarticulação do tecido urbano, ocupação social diversa e conflitiva) resultantes da brutal readequação de uma organização urbana tradicional num espaço metropolitano muito mais vasto e dinâmico, em processo de reconfiguração como parte da rede de cidades globais. Configurações em que as construções componham com o entorno edificado e os dispositivos de trânsito um campo mais amplo e complexo. Situações que, por suas dimensões e articulações, sua complexidade estrutural ou urbanística, possam ser relacionadas ao conjunto da região. Configurou-se portanto um novo modo de escolha das situações de intervenção. Não se buscam mais "sítios": as locações não são entendidas como autônomas, mas remetem a processos urbanos mais amplos. A noção de sítio não é adequada para apreender essas situações urbanas mais complexas. A escolha dos locais específicos de intervenção não foi então feita pelos artistas e arquitetos participantes a partir de um recorte urbano geral, como nos projetos anteriores de Arte/Cidade, por causa da escala e da complexidade apresentadas. Ela foi mediada por este mapeamento, cabendo aos participantes então optar por uma das situações apontadas. Por outro lado, eles contribuíram com importantes aportes ao longo do trabalho, sugestões de leituras e novas situações, que alteraram substancialmente o mapeamento original. Robert Smithson promoveu, no final dos anos 60, diversas "expedições de seleção de sítios", itinerários através de áreas industriais de subúrbio ou grandes espaços desérticos, que contaram com a participação de artistas como Robert Morris, Claes Oldenburg, Carl Andre, Michael Heizer, Donald Judd, Nancy Holt e Dan Graham. As visitas aos locais eram feitas à pé. Para todos esses artistas, é fundamental caminhar para adquirir a experiência de um lugar específico, a apreensão dos arredores e um sentido intensificado de presença individual que transcende a percepção visual. O efeito fenomenológico de percorrer à pé o espaço. Mas estes mesmos artistas já percebiam as limitações deste procedimento, assentado na experiência da visão, ao combinarem estas expedições com operações mediadas pela cartografia e a observação em grande escala. Estas excursões foram descritas por Smithson em diversas publicações (1). Passaic é uma narrativa documental, na forma de ensaio fotográfico, sobre esta área de New Jersey. Remete às narrativas de viagem, com suas descrições factuais de antigos monumentos, mas invertendo sua sensibilidade pitoresca. Smithson faz um tour por esta paisagem para retratá-la devastada pela industrialização e o crescimento urbano. Um mundo sem passado convetido numa conformação geológica em colapso. Uma mapa de desagregração e esquecimento. Nenhum dos monumentos citados por Smithson são lugares aos quais seus habitantes atribuiriam qualquer significado. Ele não faz referência à história ou à antiga configuração urbana da região. Estes canais poluídos e estacionamentos erodidos são vazios numa malha urbana sem nexo. As expedições levariam a uma descoberta de novas configurações espaciais, complexas e tensionadas, e grandes escalas, totalmente desconhecidas pelo repertório artístico da época. Elas podiam ter por objetivo a escolha de locais para futuras intervenções, mas eram essencialmente a base de uma complexa operação cartográfica, que Smithson denominava "não-sitios". As áreas percorridas nestes itinerários caracterizam-se pela extensão horizontal suburbana e industrial, desprovida de qualquer centralidade urbana. Uma paisagem em transição marcada pelo monotonia e a dilapidação. Ele recolhia amostras de terra e pedras, acrescentando fotografias, desenhos cartográficos e mapas que, expostos em galerias, configuram o não-sitio daqueles sítios. Uma abordagem que lida com a convergência de informação geológica e topográfica. Desenhos cartográficos que usam mapas, recortados e removidos do contexto e transformados em novas composições. O dispositivo dos não-sitios serve para estabelecer uma estratégia para abordar situações tão complexas e desfiguradas que não há como focar em algum aspecto, como retratar de modo articulado. O não-sitio opera como dispositivo de enquadramento, como parâmetro, enquanto o sitio fica à margem, onde se perde o sentido das distâncias e dos limites. A relação sitio / não-sitio serve para orientar o observador para uma situação altamente complexa, que não pode ser equacionada pelos registros. Ele acumula informações e níveis de significado até o ponto em que emerjam possíveis sentidos. Os sítios visitados são tomados mais pelo que têm de disfunção e pulverização, pela sua descontinuidade em relação ao entorno, do que como paisagem. O observador de fato nunca vê o sítio, a percepção é tornada esquemática e abstrata. Tanto as expedições quanto as intervenções posteriores são operações que envolvem processos de sinalizar ou mapear situações e que poderiam ser denominadas de práticas espaciais (2). Smithson definiria alguns princípios para a escolha de situações: a investigação de um sítio específico é uma questão de extrair conceitos de informações existentes através da percepção direta. Percepção antecede a concepção, quando se trata de seleção de locais. O procedimento é essencialmente estético: as áreas desconhecidas de um sítio podem ser melhor exploradas por artistas. A investigação de grandes e complexas situações pode render inesperada informação estética, pela extração do sítio de aspectos que permanecem invisíveis no quadro das leituras convencionais. Estas estratégias de seleção foram sendo desenvolvidas, posteriormente, através da prática de outros artistas. O minimalismo estabeleceria novos parâmetros para as intervenções no espaço. Ele não apenas rejeitaria a base antropomórfica da escultura tradicional como recusaria sua desvinculação do sítio. Agora, a escultura é entendida na sua relação com o entorno e redefinida em termos de lugar (3). Richard Serra e Robert Morris redefiniriam os princípios da arte para lugar específico (site specificity) redimensionando sua escala: o espaço da cidade e o observador, e não mais o objeto, tornam-se as referências (4). A obra passa a configurar uma situação espacial ampla e complexa. Nesta operação, o observador deixa de contar com um ponto de vista privilegiado, sendo obrigado a deslocar-se através da situação espacial reconfigurada pela obra. O caminhar introduz a experiência temporal da obra: a apreensão é o resultado de uma multiplicidade de visões. A situação não se desvela de imediato ao olhar, ela requer uma confrontação com a paisagem urbana intrincada e opaca (5). Mas o minimalismo considera a percepção em termos estritamente fenomenológicos, como que fora da história, linguagem e poder. O sítio era entendido como específico apenas em termos formais, tendendo a ser abstrato e estetizado. Daí as dificuldades em mapear as determinações sociais e políticas dos locais e as implicações das próprias intervenções. A controvérsia sobre as funções políticas da arte pública, aflorada no processo que redundou na destruição de Tilted Arc, de Serra, evidencia essas limitações. Ali estava em jogo não apenas a vinculação da obra ao lugar, de modo que removê-la implicaria em destruí-la, mas o fato da obra se contrapor às estratégias do planejamento urbano governamental, interesses imobiliários e corporações. Atendo-se à argumentos puramente estéticos, seus defensores tenderam a também estetizar a situação urbana, desconsiderando os conflitos sociais e políticos que regem o espaço público (6). Outros aspectos, desconsiderados naquele período inicial, passariam a ter importância nas estratégias artísticas contemporâneas de configuração de situações urbanas. Nos últimos anos, uma série de projetos artísticos internacionais têm ocupado cidades, optando por espaços urbanos em vez de museus ou galerias. Isso implicaria um novo redirecionamento das práticas para sítio específico. A dispersão da exposição pela cidade engendra um tráfico pelos espaços urbanos, a visita ao museu sendo substituída por uma série de itinerários pela cidade. O espetáculo da cidade é conformado pelos novos padrões de percepção, que valorizam a experiência e o percurso, adquiridos pelo contato com a arte minimalista e para sitio específico (7). Ao mesmo tempo, um tipo predominante de lugar vai ser proposto ao percurso dos espectadores: o local exótico. Edifícios abandonados e monumentos de arqueologia industrial são a contrapartida do deserto, contexto das intervenções da land art. São lugares que permitem a dupla experiência do presente e do passado. Uma tensão que, porém, mobilizando o potencial pitoresco das edificações, contribui para reprivatizar essa experiência. As propriedades metafóricas dos lugares são desenvolvidas como tema para as intervenções. Espaços industriais ou públicos são convertidos, apesar de sua escala monumental, em espaços privados, às vezes íntimos (8). Ocorre então uma corrida por estes locais ainda não ocupados pela arte. Mas a pretensa originalidade destes projetos, na visão de diversos críticos, residiria antes no caráter bizarro destes lugares residuais, redundando em exposições precipitadamente montadas sobre fundações precárias ou inexistentes. O que provaria que, nestas estratégias de escolha de sítios, não se pode contar sobre o "gênio" de um lugar (9). No que se converteu hoje a prática do in situ? Como são determinados os lugares? Agora o curador decide, para cada obra específica para um sítio, onde este começa e termina e quais são os parâmetros básicos que estimulam o trabalho. A noção de sítio é ampliada e estratificada, para incluir não só a materialidade de uma estrutura particular como também a sua categoria genérica e funcional. O sítio pode então se estender da edificação para o bairro, a cidade, o país. Esta extensão da definição de sitio, sua expansão de um lugar localizável à algo tão vasto ou distante, implica em mudanças no conceito de especificidade da locação. Ele deixa de ser um contexto demarcado pela obra para tornar-se apenas um conteúdo, uma referência local a ser comentada. As operações de mapeamento, que acompanham as práticas artísticas para lugar, tenderam a mudar de direção: mapear na arte mais recente voltou-se para aspectos sociológicos e antropológicos. O recorte etnográfico e social de uma comunidade ou instituição tornou-se hoje a forma dominante de arte para o espaço urbano (10). Os locais escolhidos são entendidos como resistentes ao desenvolvimento econômico, na medida em que este tende a erodir suas especificidades, as bases da vida comunitária tradicional. À intervenção artística caberia então tornar novamente particulares, histórica e socialmente enraizados, estes espaços cada vez mais abstratos. Uma vocação redentora, revitalizadora, que já aparecia nos projetos de Smithson e Morris para recuperação de minas. Valores como autenticidade e singularidade, próprios de uma visão extremamente localizada da vida urbana, problemáticas num período de metropolização e globalização, passam a determinar a escolha das situações de intervenção. Hoje, a arte orientada para o espaço ocupa conjuntos habitacionais, prisões, hospitais, igrejas e escolas, além de se infiltrar nos espaços da mídia, como jornais e a Internet. Mais do que uma expansão na cultura, a relação da obra com sua efetiva locação passa a ser subordinada a um sítio determinado discursivamente por diversas disciplinas (sociologia, política, crítica, urbanismo, etc). Em última análise, o sítio de intervenção não é mais necessariamente delimitado pelas circunstâncias locacionais. Ele é agora estruturado mais intertextualmente do que espacialmente. Seu modelo não é um mapa, mas um itinerário, uma seqüência fragmentada de ações através de espaços, articulada pela passagem do artista (11). A demanda crescente por estas abordagens mais abrangentes tem implicado na mobilização dos artistas para desenvolver projetos para diferentes cidades ao redor do mundo. Artistas são comissionados por instituições para desenvolver pesquisas relativas às particularidades da cidade (história, estrutura social e urbana, sítios) que serão depois consolidadas em trabalhos ou documentação. A seleção de sítios é substituída por operações de negociar, entrevistar e organizar, serviços prestados à comunidades e instituições ou à administração da cidade. A arte em espaços urbanos pode proporcionar grande visibilidade para grupos sociais marginalizados e possibilitar a descoberta de lugares descartados pela cultura dominante. Mas isso também pode significar extrair dimensões sociais e históricas de lugares para satisfazer perfis sociais institucionais ou preencher necessidades fiscais de uma cidade. Ocorre uma apropriação deste tipo de arte para a valorização de identidades urbanas, hoje fortemente dependentes de publicidade e marketing. A arte para sítio específico atribui um caráter distinto aos lugares, identidade locacional, qualidade indispensável na promoção das cidades no competitivo processo de reestruturação da hierarquia econômica global. As metrópoles promovem extensas operações para qualificar núcleos empresariais internacionais. Em alguns casos, são definidas áreas para conservação das tradições arquitetônicas e restauração da coerência urbana. Os programas de desenvolvimento urbano estabelecem estratégias de recorte e leitura das situações: apreciação estética do desenho urbano-arquitetônico da área, visando a restauração da história do lugar. Uma estética que pode ser utilizada pelas poderosas forças que determinam o uso, aparência e propriedade dos espaços urbanos. Estratégias que desconsideram o destino das populações de baixa renda deslocadas pelos custos crescentes da propriedade imobiliária, causados pela reestruturação urbana (12). Os monumentos têm papel fundamental na preservação da paisagem arquitetônica tradicional, em função das políticas dos grandes empreendedores imobiliários. As esculturas reforçam a aparência de estabilidade cultural, continuidade histórica e valores universais requeridos por estes investimentos. A apresentação estética da área de desenvolvimento é, portanto, indissoluvelmente ligada à busca de lucros nos processos de renovação urbana. Colocada nestes espaços reestruturados, a arte pública contribui funcional e esteticamente para formatar os ambientes urbanos, encorajando os projetos imobiliários e a revitalização das áreas. A intervenção artística pode auxiliar a garantir aceitação para a reestruturação, forma contemporânea da urbanização capitalista. Além de reforçar, ao ordenar praças e átrios corporativos, a privatização dos espaços públicos. Ela contribui para criar a coerência do sitio, para ocultar seus conflitos sociais constitutivos. A arte pública desenha a paisagem da reestruturação urbana. Na fase mais recente de reestruturação das cidades globalizadas, tende a alterar-se o modo pelo qual a arte insere-se no processo: em vez de obras concebidas para o espaço urbano, tem-se a predominância de grandes espaços expositivos. Os maiores museus do mundo transformam-se em franquias e sua instalação nas diversas cidades, demandando fortes investimentos locais, passa a ser importante fator em projetos de redesenvolvimento. Diretamente relacionados à estratégias administrativas de fomento ao turismo cultural, esses grandes empreendimentos redefinem a posição das localidades na hierarquia internacional das cidades. Eles terão também papel importante na configuração dos novos enclaves globais, proporcionando a qualidade de vida requerida pelos funcionários das corporações ali instaladas. Aumenta sensivelmente o peso institucional da arte. A produção artística deve passar a incorporar novos fatores: obras feitas ou expostas nas enormes estruturas arquitetônicas dos novos museus ou nos vastos ambientes criados pelos projetos de desenvolvimento. Elas também tendem à mudar de escala, correspondendo à monumentalidade dessas situações. Como resultante, alteram-se as opções para projetos de intervenções artísticas. A nova paisagem urbana tende a ser inteiramente desenhada e controlada. A mobilização da arte em programas de revitalização deve perder importância. Os projetos de intervenção voltam-se, então, para as vastas áreas, extraordinariamente complexas e dinâmicas, informes, excluídas dos processos de desenvolvimento urbano. URBANISMO E ARTE NA METRÓPOLE GLOBAL A mecânica e o sentido das intervenções urbanas têm-se alterado consideravelmente nas diferentes fases do processo de restruturação capitalista das metrópoles. Em São Paulo, o período moderno, iniciado nos anos 40, foi marcado por grandes ações governamentais, orientadas por um planejamento centralizado de abrangência metropolitana. Elas consistiram principalmente em grandes obras de infraestrutura viária (pistas expressas e metrô), implantadas sobre um tecido urbano tradicional que se expandia rapidamente, dificultando o acesso e a eficiência do parque industrial. Essas intervenções seriam acompanhadas pela implantação de importantes equipamentos de cultura e lazer, em geral ligadas às novas autovias. Como o Parque do Ibirapuera (com o edifício da Bienal), às margens da Av. 23 de Maio, concebida nos moldes das parkways. Projetos arquitetônicos modernos, voltados para a arte de vanguarda, inseriam-se no ideário de uma cidade planejada, pontuada à percepção por estes novos monumentos. A restruturação viária visava a integração metropolitana, articulando os diversos setores da mancha urbana. Mas a instalação desses vastos sistemas de trânsito, muitas vezes sobre ruas e praças, tendeu a desconfigurar o traçado urbano existente. Os espaços públicos da cidade tradicional, fundamento da identidade, do passado e da vida social, foram sacrificados em função do deslocamento. O princípio do movimento se impôs ao lugar. Para alguns observadores, a decadência das áreas centrais, com forte presença de cortiços e desinvestimento do setor imobiliário, está associada à perda de qualidade introduzida por projetos urbanos de grande escala. A destruição dos espaços centrais estaria em relação direta com a escala adquirida pelo território metropolitano. Fruto das exigências da mobilidade e da acessibilidade de conteúdo metropolitano, a estruturação viária exige novas escalas de intervenção. A implantação de um sistema de vias expressas acabaria, então, rompendo o processo de organização urbana da cidade. Deste ponto de vista, a escalada das intervenções exigidas pela restruturação metropolitana interfere na estrutura das regiões próximas ao centro, acarretando um vasto ataque aos espaços públicos, deteriorados pelo uso abusivo. A procura permanente de articulações de nível metropolitano, em função do novo padrão de circulação, cria travessias estratégicas, transformando os espaços (praças e avenidas) em suportes contingentes. Além disto, esses grandes projetos, inadequadamente assentados numa densidade de uso e funções, criam espaços que não revelam suas vocações. A indistinção torna-se então um impedimento para sua legibilidade por parte do usuário, introduzindo uma dimensão abstrata na trama urbana (13). A "crise da cidade", nos anos 70, resultante das estratégias planificadas, alteraria por completo o programa das intervenções urbanas. Em reação ao caráter extensivo e homogenizador das práticas anteriores, instaura-se o princípio de intervenções locais, em pequena escala. Trata-se de uma tentativa de reconstruir o desenho urbano tradicional, os locais de convivência, o espaço público, desagregados pela política urbana intervencionista. Restaurar o contexto urbano, os lugares do passado e da memória, capazes de sustentar a percepção e a visualização do espaço urbano. Esta política de requalificação baseava-se no conceito de lugar _ situações dotadas dos elementos e da memória da experiência social e da vida comunitária, referências visuais reconhecíveis _, em contraposição aos espaços de passagem, indícios da crescente abstração espacial da metrópole, impossíveis de serem apreendidos e mapeados por seus habitantes (14). Em contraposição às rápidas mudanças, a obsolescência e a destruição, indícios da dinâmica urbana, os monumentos têm permanência. Signos da vontade coletiva expressa através da arquitetura como pontos fixos na dinâmica urbana (15). Tentativa de restaurar uma escala local, altamente problemática diante dos processos de restruturação metropolitana e global. Essas intervenções em escala reduzida são necessariamente pontuais. O espaço urbano, extenso e complexo demais, irreversivelmente fragmentado, escapando à todo esforço de organização e controle, passa a ser visado do interior, de suas partes dotadas de poder simbólico e regenerador. A estratégia consiste em revitalizar por reverberação, a partir destes lugares que, dotados novamente das condições de vida comunitária e instalações culturais agregadoras, irradiem-se pelo entorno urbano, promovendo melhorias no comércio e nos serviços, erradicação de atividades informais e ilegais, revalorizando os imóveis e incentivando reformas no construído. Intervenções pontuais que, disseminadas numa região, constituam uma rede de espaços públicos, restabelecendo o traçado urbano da cidade como o lugar da vida pública e da arte (16). Essencial, nesta estratégia de intervenções pontuais, é o papel dos centros culturais. A conversão de edificações históricas ou industriais em centros de cultura foi, neste período, um procedimento recorrente das práticas patrimonialistas. Mas há um diferencial fundamental, com relação à fase anterior: a arquitetura e a arte agora deixam de ser entendidas, como no modernismo, como experimentação, criação de novas formas e novos parâmetros para a experiência e a percepção, para serem inseridas na noção generalizante de cultura, à serviço da integração social, da convivência e do lazer. Uma estratégia que pressupõe a cultura como a argamassa capaz de sedimentar mais uma vez o tecido da vida comunitária, rompido pela escala metropolitana da cidade e pela abstração crescente dos processos urbanos e relações sociais. A arte pública é, então, direcionada pelas referências estéticas historicamente dominantes, valorizando as práticas escultóricas tradicionais, e pelos códigos perceptivos já consolidados. Uma política que, muitas vezes, é complementada pelo restauro dos monumentos e esculturas tradicionais, geralmente referentes à história oficial da cidade, dos grupos que perpetuam sua dominação sobre o espaço urbano, em oposição à história das populações que compartilham aqueles lugares. Esta política preservacionista seria, porém, rapidamente capturada por diferentes forças e direcionada em função de interesses imobiliários e estratégias de promoção das cidades. A preocupação com a identidade, a preservação do passado, tende a se tornar cada vez mais importante na medida em que se aceleram as transformações no espaço urbano provocadas pela dinâmica econômica capitalista. Os programas de reinvestimento em áreas degradadas demandam referências que sustentem a sua reapropriação, remanejando os usos e as populações ali instaladas. A idéia da cidade como comunidade, a recuperação de uma suposta vida local, de lugares dotados de qualidades, tornou-se central nas estratégias de redesenvolvimento. A arquitetura então é mobilizada para, através do ecletismo, da citação histórica e do ornamento, construir essa ficção de lugares coletivos. Uma arquitetura do espetáculo para encenar lugares públicos, uma teatralização da vida pública, na verdade evacuada destes espaços regidos pelo poder político e pelos interesses corporativos (17). Quando implementadas pelo Estado, as intervenções urbanas localizadas tendem _ na medida em que se carece de políticas públicas mais diversificadas, abrangendo iniciativas da sociedade civil e das comunidades _ à reforçar o caráter oficial das antigas áreas centrais, relacionado à presença dos símbolos e orgãos do poder político e administrativo. Em São Paulo, essa estratégia de intervenções pontuais ganhou sua forma mais coerente e sistemática no projeto de revitalização da área central, coordenado pelo Procentro (Programa de Revalorização do Centro). Com o apoio principal do Governo do Estado, ele tem promovido a criação ou o restauro de diversos centros culturais, como a Pinacoteca, a Estação Júlio Prestes, o Centro Cultural Banco do Brasil (na rua da Quitanda) e o Centro Cultural dos Correios (no Vale do Anhangabaú). Estratégia que culmina com a proposta de transferir de volta para a área a sede do Governo estadual (para a antiga escola Caetano de Campos, na Praça da República) e a ala residencial (para o Palácio dos Campos Elísios, na Av. Rio Branco). Esse projeto de ações locais seria completado por iniciativas de empresas privadas, principalmente as conduzidas pela Associação Viva o Centro, que produziu propostas de revitalização da área central baseadas na renovação arquitetônica e na requalificação das atividades comerciais e de serviços. É muito forte, neste caso, a ligação entre essa promoção e os interesses imobiliários dos setores financeiros que a animam, importantes proprietários na região. É também questionável o poder revitalizador, para não falar do papel na criação artística, destes espaços públicos e instalações culturais, cuja função primordial foi contribuir para a tentativa de evacuar os camelôs e a população sem-teto da área. Dadas suas premissas, porém, o projeto de revitalização do centro é, sem dúvida, a única proposta, articulada conceitualmente e implantada sistematicamente, de intervenções urbanas desde as grandes obras viárias da restruturação metropolitana. A mais acabada formatação das políticas urbanas surgidas nos anos 80/90. Outras iniciativas consistiram, em geral, na edificação de prédios corporativos, com átrios dotados de diferentes equipamentos culturais e de lazer. Concentrados na região da Av. Paulista, que se consolidou como distrito financeiro em contraposição à antiga área central, eles pertencem basicamente à bancos e entidades patronais: Centro Cultural Itaú, Espaço Cultural Real, Salas Unibanco, Centro Cultural FIESP e SESC. A lógica que governou a criação dos centros culturais nesta região é inteiramente distinta daquela que preside a revitalização da área central. No centro, a implantação deste tipo de equipamento obedece ao histórico das edificações e ao desenho urbano tradicional: visa restaurar o espaço público. Estes novos equipamentos, ao contrário, condicionados pelo marketing das corporações, instalados muitas vezes com recursos públicos, através de incentivos fiscais usufruídos pelas empresas, tendem à concorrer com os espaços culturais tradicionais da cidade. Com seus átrios protegidos, contrastando com o abandono e a violência que assombram as ruas e praças da cidade, configuram uma tendência, que só viria a exacerbar-se, à apropriação privada do espaço público (18). A mobilidade dos capitais financeiros internacionais acirram a competição entre as cidades por investimentos, levando à criação de políticas (desregulamentação, dedução de impostos, instalação de infra-estrutura) para atrair projetos corporativos de desenvolvimento urbano. A imagem da cidade torna-se assim um elemento fundamental para o marketing administrativo nesta competição para atrair capital. Imagem que vai ser forjada pela produção de espaços adequadamente dotados de exotismo local, com suas edificações históricas restauradas, mas organizados e sustentados por instalações e equipamentos propícios às atividades corporativas (19). Os recentes megaprojetos de redesenvolvimento vão implicar uma concepção do espaço urbano e estratégias de intervenção inteiramente distintas. A amplitude das áreas desinvestidas geradas pela desindustrialização e o processo de restruturação permitem que se conceba a cidade como um conjunto fragmentado de grandes regiões. Novas atividades colonizam segmentos espaciais exclusivos que se conectam através da cidade, isolados do restante do tecido urbano, que é desestruturado pelo processo de reorganização seletiva (20). O espaço urbano não é mais entendido apenas como aquele integrado ou imediatamente adjacente às instalações corporativas. Estes projetos vão agora reconfigurar regiões inteiras, com múltiplos programas e instalações, concentrados em megaestruturas mas também abarcando toda a área ao redor. A rede de lugares públicos, concebida anteriormente como resultante da força simbólica e irradiadora destes sítios, é substituída por um enclave urbano, praticamente autônomo, implantado de uma só vez, sem obedecer ao perfil e localização dos lugares tradicionais. São estabelecidas configurações inteiramente novas, sem qualquer relação com os hábitos e mapas mentais dos habitantes. Consolida-se aqui o processo, já anunciado na fase anterior, de museificação e espetacularização da cidade, através da construção de grandes museus e centros culturais totalmente orientados para o turismo cultural (21). Mas ocorre uma mudança de função: os novos locais de exposição são megaestruturas que têm papel determinante na restruturação das cidades e sua inserção na economia global. Como resultante, tem-se uma mudança nos padrões de gerenciamento, com a valorização dos acervos através de sua contínua circulação, em superfícies cada vez maiores (22). Implicando também em alterações na sistemática das exposições, engendrando um circuito de exposições concebidas para se viabilizarem financeiramente através de itinerância internacional. As instituições culturais e artísticas locais passam a ligar-se diretamente ao circuito internacional dos museus e exposições. A produção artística adquire a mesma mobilidade de circulação do capital financeiro. Na fase mais recente de reestruturação das cidades globalizadas, tende a alterar-se o modo pelo qual a arte insere-se no processo, com a predominância de grandes espaços expositivos. Os maiores museus do mundo transformam-se em franquias e sua instalação nas diversas cidades, demandando fortes investimentos locais, passa a ser importante fator em projetos de redesenvolvimento. Diretamente relacionados à estratégias administrativas de fomento ao turismo cultural, esses grandes empreendimentos redefinem a posição das localidades na hierarquia internacional das cidades. Eles terão também papel importante na configuração dos novos enclaves globais, proporcionando a qualidade de vida requerida pelos funcionários das corporações ali instaladas. Este novo dispositivo faz aumentar sensivelmente o peso institucional da arte. A produção artística deve passar a incorporar novos fatores: obras expostas nas enormes estruturas arquitetônicas dos novos museus ou nos vastos ambientes criados pelos projetos de desenvolvimento. Elas também tendem à mudar de escala, correspondendo à monumentalidade dessas situações. É paradigmática deste novo papel das instituições culturais e artísticas na restruturação global das cidades a exposição Brasil 500 Anos, recentemente realizada em São Paulo. Ela indica a tendência à implantação, na cidade, de projetos que relacionam arte e renovação urbana em escala global. A área de intervenção, o Parque do Ibirapuera, é a mesma criada quando da restruturação metropolitana da cidade. Mas a configuração visada agora é inteiramente outra. A exposição serviu para ampliar área utilizada no parque e recuperar diversas edificações, recondicionando-as para uso artístico permanente. Instalações adequadas, por causa de suas dimensões e aparato técnico, para abrigarem megaexposições internacionais. A itinerância por vários importantes museus do mundo ganha papel relevante, em função da economia de custos. Não por acaso os dispositivos cenográficos passam aqui à prevalecer sobre as próprias obras expostas. Uma criação de universos artificiais, como nos parques temáticos, totalmente desvinculados da realidade urbana imediata. Não é apenas a necessidade de atrair um enorme público, em função do alto custo do empreendimento, que determina esta transformação. Ela se dá na própria maneira como se concebe a inserção da arte no espaço. Não há mais qualquer tentativa de relacionamento com as estruturas arquitetônicas, totalmente ocultas sob os cenários, que abrigam a exposição, nem muito menos com a paisagem urbana. Importa a difusão, internacional, de uma imagem _ essencialmente publicitária _ do país ou do lugar. Tudo, principalmente as obras de arte, é absorvido num painel geral sobre a cultura do lugar ou do país. A cultura, que já fundamentava os procedimentos anteriores, é transformada em grande espetáculo. Mas, por outro lado, a exposição Brasil 500 Anos implicou uma mudança de patamar institucional, ao introduzir novos parâmetros organizacionais e de financiamento. Agora uma entidade privada, regida por princípios gerenciais, voltada à valorização dos investimentos efetuados, possibilitou a viabilização de uma operação _ adequação de grande área urbana, a maior mostra de arte já produzida no país e itinerância internacional _ que as instituições culturais tradicionais jamais poderiam realizar. Uma estratégia distinta daquela que vigorou no período anterior, baseada em centros culturais, instalados em áreas centrais e industriais e ligados à esfera local da produção cultural. Alteram-se a escala, a concepção de espaço e a natureza das exposições. Antes buscava-se apenas um impacto espacial localizado, agora visa-se inscrever São Paulo na rede internacional das cidades culturais. Em decorrência, alteram-se as opções para projetos de intervenções artísticas não comprometidos com os processos urbanísticos e culturais dominantes. A nova paisagem urbana tende a ser inteiramente desenhada e controlada e a mobilização da arte em programas de revitalização deve perder importância. Os projetos de intervenção voltam-se, então, para as vastas áreas, extraordinariamente complexas e dinâmicas, informes, excluídas dos processos de desenvolvimento urbano. Projetos de intervenção podem apontar para alternativas à ocupação, por megaprojetos de desenvolvimento imobiliário, adensadores e estruturantes, de áreas hoje desinvestidas. Indicando, ao invés, programas que correspondam à indeterminação dinâmica destes territórios intersticiais. Propostas de configurações e usos de infraestrutura que intensifiquem e diversifiquem as articulações na trama metropolitana. Diante desta nova relação entre arte e desenvolvimento urbano, quais são as alternativas que se abrem para projetos de intervenção nas metrópoles em processo de restruturação global? Eles poderiam se integrar a um novo padrão de políticas públicas, próprio da era de investimentos privados maciços no espaço urbano. Isso significaria a possibilidade de ampliar o espectro das políticas públicas, diversificando o repertório de ações do planejamento urbano. Um contraponto aos programas institucionais de desenvolvimento e revitalização, pautados em geral em obras de infraestrutura e investimentos em espaços tradicionais e consolidados. Este tipo de projeto pode proporcionar um repertório crítico e experimental que a prática do planejamento não possui. Intervenções potencializadoras de situações urbanas, em relação direta com as comunidades. Distintas de obras ditadas pelo desenho existente da cidade e pelos interesses econômicos e sociais dominantes. Uma possibilidade de introduzir novas estratégias urbanas. No que a escolha de situações de intervenção pode indicar nesta direção? Ela não pode ignorar esta crescente complexidade, engendrada tanto pelo atual processo de restruturação das metrópoles quanto pela proliferação de estratégias de atuação no espaço urbano. Cada situação escolhida comporta não apenas sua configuração espacial concreta como tem de ser articulada em escala metropolitana e global, onde se revela o sentido das alterações na ocupação, usos e conexões destes locais. Mais: cada uma destas situações contem dimensões sociais, políticas, econômicas e institucionais determinantes, mas nem sempre visíveis espacialmente. As estratégias de determinação destas situações têm portanto de atentar para os próprios processos que atualmente configuram as cidades. As relações de proximidade e afastamento, as diferenças e intervalos, entre as locações no espaço reestruturado da metrópole global. As contínuas rearticulações entre elementos e dinâmicas díspares, demandando uma sobreposição de escalas distintas na conformação destas situações complexas. notas 1. R. Smithson, A Tour of the Monuments of Passaic e A Sedimentation of the Mind, in ed. N. Holt, The Writings of Robert Smithson, NYU Press, NY, 1979. 2. J. Kastner / B. Wallis, Land and Environmental Art, Phaidon, Londres, 1998. 3. R. Krauss, Sculpture in the Expanded Field, in The Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths, MIT Press, Cambridge, 1991. 4. R. Morris, Continuous Project Altered Daily, MIT Press, Cambridge, 1995. Também D. Crimp, Redefining Site Specificity, in On the Museums Ruins, MIT Press, Cambridge, 1993. 5. Y-A Bois, A Picturesque Stroll around Clara-Clara, in October, 29, 1984. 6. R. Deutsche, Evictions, MIT Press, Cambridge, 1996. 7. J. Lamoureux, Architecture Recharged by Art, in Anyplace, MIT, 1997. 8. J. Lamoureux, The Museum Flat, in R. Greenberg / B. Ferguson ed., Thinking about Exhibitions, Routledge, Londres, 1996. 9. B. Fibicher, Cloaca maxima expositio minima, in L art exposé, Cantz Verlag, 1995. 10. H. Foster, The Return of the Real, MIT, Cambridge, 1996. 11. M. Kwon, One Place After Another: Notes on Site Specificity, in October, 80, Spring 1997. 12. R. Deutsche, Evictions, op. cit. Ver também R. Deutsche, Alternative Space, in B. Wallis ed., If You Lived Here, Dia Art Fondation, Bay Press, Seattle, 1991. 13. R. Meyer, A construção da metrópole e a erosão do seu centro, in Urbis, 14, 1999. 14. K. Lynch, The Image of the City, MIT, Cambridge, 1960. 15. A. Rossi, La arquitectura de la ciudad, ed. Gustavo Gilli, Barcelona, 1975. 16. G. C. Argan, História da arte como história da cidade, ed. Martins Fontes, São Paulo, 1992. 17. D. Harvey, The Condition of Postmodernity, Blackwell, Oxford, 1990. 18. D. Graham, Corporate Arcadias, in Rock My Religion, MIT, Cambridge, 1993. 19. S. Sassen, The Global City, Princeton UP, NJ, 1991. 20. M. Castells, The Informational City, Blackwell, Cambridge, 1989. 21. B. Mari, Muntadas: City Museum, in Sites, NY, 1993. 22. R. Krauss, The Cultural Logic of the Late Capitalist Museum, in October, The Second Decade: 1986-1996, MIT Press, Cambridge, 1997.
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conceito situações urbanas escala intervenções pesquisa arte/cidade - zona leste |