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BOLETIM CLÍNICO - número 9 - outubro/2000

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos

6. Fenomenologia do Ficar - Adelma Pimentel

- Você fica ou namora?

- Eu fico, atualmente eu fico, eu nunca namorei muito sério, mas eu acho que você pode interpretar ficar de várias formas. Nem sempre você, você pode ficar e se envolver, mas é sempre uma coisa meio de uma noite, de um momento; acaba sendo meio difícil de você da continuidade praquilo.

- Sempre tem relação sexual?

- Não, não, isso não tem nada a ver

- Você descreve o ficar dessa noite:

- Ficar é por ex., eu to dançando num lugar, eu vejo um cara interessante, ele me acha interessante, a gente se olha, começa a conversar e rola uns beijos, assim, pode rolar um fogo, sabe.

- O que é um fogo?

- Risos, todo mundo sabe o que é um fogo.

- Eu não sei, eu quero saber:

- Ainda rindo, ah, um fogo é assim, uns beijos mais, mais quentes, né, ah, assim..

- Passar a mão um no outro, na...

- Passar a mão, um pouco, nada assim exagerado, mais passar a mão, mas isso não também, não é, não necessariamente. Mais ou menos isso, fogo; e as vezes até transar, mas é menos comum...


(mulher, 19a)

- Essa questão do ficar, ela, na verdade tá muito ligada a questão da geração...no meu período, na minha época a coisa era muito mais complicada, você...tinha todo um ritual; mas por outro lado...eu acredito que..os hábitos e as posturas... e as dimensões comportamentais não mudaram muito... Eu acho que a grande mudança hoje, é que nós estamos vendo a sociedade brasileira com mais transparência, as pessoas estão tendo a, a oportunidade de decidir, optar...

Eu sou de uma geração dos cabarés, ficar, implicava ficar com a prostituta não, ficar por ex. com uma garota que tem uma dimensão clânica; as mulheres que por ex. é, chamava-se, naquela época, de família, eram mulheres pra casar, não eram de, de você fazer hora, não de você ter caso.... hoje as relações entre os jovens, eu acho, apesar deles terem essa suposta liberdade...eu acho que existem grandes complicadores, por ex. a AIDS é um deles, inibidor inclusive dessa suposta liberalização...da implosão dos, chamados valores clânicos e familiares...e também a questão da violência – você, você nunca sabe com quem você ta se relacionando.


- Ficar ou namorar?

- Olha eu já fui casado duas vezes, então é, hoje eu tou pela primeira vez na minha vida exercitando a minha individualidade, não o meu individualismo...Eu acho que hoje, na verdade, eu estaria mais capaz , eu teria muito mais capacidade de exercitar essa minha...essa minha, essa minha individualidade, no sentido de construir com uma outra pessoa, uma relação firme e sólida; nesse sentido, ficar e namorar, as coisas estão muito, muito, muito, muito juntas.


(homem, 45a)

Este é um ensaio de um piloto que intenta vir a ser uma pesquisa mais ampla. Por enquanto conforma-se como um fazer a colheita de falas sobre o tema do “Ficar, namorar, casar...e o amor?”, visando mostrar alguns dos elementos singulares e dos comuns que circundam as vozes dos falantes, todos em graduação e pós-graduação e acessando informações privilegiadas que o conhecimento sistemático e formal oferece.

Os informantes foram 3 moças e 2 rapazes de 19a, 2 senhoras de 40 e 50a, um adulto de 32 a e um senhor de 45a, aleatoriamente abordados nos corredores e no restaurante da instituição, em um belo dia de abril. Quero destacar que aproximei-me das pessoas diretamente perguntando-lhes se podiam falar, ao que todas responderam positiva e francamente. Não me pediram credenciais de identidade aceitando minha fala de quem eu era e o que estava fazendo, o que muito me agradou, sinalizando que ainda temos chance enquanto seres humanos.

O tratamento dado aos relatos será o de mostrá-los, e o de pôr em interlocução com as idéias da Gestalt-terapia, no que diz respeito ao sub-tema da relação e do encontro no modo humano, o que significa dizer que considerarei a contribuição da Filosofia do Diálogo de Buber. Levarei também em conta as reflexões de Amatuzzi sobre as características de uma fala autêntica; a atualidade das elaborações de Reich acerca da vivência e normatização da sexualidade para composição deste texto.

O CENÁRIO É MO, PÓS-MODERNO OU MERAMENTE MEDI (OCR) EVAL
A nossa cultura está marcada pelo estabelecimento do capitalismo, desde o rompimento do modo feudal de orientação social, política e econômica, como o princípio norteador das relações sistêmicas destes três planos citados. Tem provocado, neste Séc. XX inúmeros desconfortos e desencontros pela normatização do modo de viver a que “devem” se adequar homens e mulheres, jovens, crianças e famílias...e tudo o que faz parte da organização e do gerenciamento de um ESTADO.

Uma conseqüência deste gerenciamento normativo burguês, tem sido a instalação do antagonismo entre a experiência concreta de uma existência integrada e a prática discursiva de um conceito de existência ajustada e deliberada, por isso subtraidora da singularidade e impositora ao gênero humano dos desencontros intrapessoal e coletivo.

Recortando o cenário abrangente em que o tema do ensaio está circunscrito, privilegiarei aqui uma reflexão sobre as características das relações entre mulheres e homens, focalizando pontos como a posse do próprio corpo; exercício pleno da própria sexualidade; alterações nos papéis sociais e nas formas de contatar.

Para “garantir“ a instalação do Estado como o agente mediador dos atos públicos e para estabelecer a família patriarcal nuclear como a agência mediadora dos atos privados, e respectivamente, delimitar as tarefas de legislar, distribuir recursos e assegurar a perpetuação da circulação destes recursos intragerações de mesmo nível sócio-econômico, foi necessário fazer uso da contribuição da ciência positiva com seus preceitos dualistas, impingindo ao homem o domínio do corpo, do prazer e das práticas sexuais; e para a mulher, o domínio do afeto, dos sentimentos e da fragilidade; sob a égide das verdades biológicas das diferenças anatômicas, e em nome dos psicologismos que prescreviam ao homem uma forma de expressão calcada na virilidade muscular e na força moral; e à mulher, uma expressividade cujo recurso era o romantismo e a doçura.

As permanentes revoluções do capital no plano político, tecnológico e financeiro trouxeram a expansão dos domínios desta ideologia, renomeando-a de imperialismo para globalização, porém mantendo o mesmo significado de perpetuação do poder das opressões e dos desníveis no plano da riqueza e do acesso aos bens materiais que uma cultura produz, já que não há uma distribuição eqüitativa entre todos os membros de uma determinada sociedade.

No âmbito da resistência, a década de 60 fez com que nós, as mulheres, propuséssemos a redefinição do papel feminino, organizando diversos movimentos, o político de expansão dos direitos sociais; o de reapropriação da sexualidade, buscando integrar corpo, afeto e prazer como uma totalidade. As reflexões de uma outra vertente de fazer ciência, a que privilegia o diálogo e o reconhecimento dos fenômenos na clareira do seu acontecer, serviu de contraponto às determinações da ciência positiva.

A resistência deste movimento, entretanto, permeia-se pela inversão, o que não permite uma mudança profunda das estruturas e das dinâmicas das relações sociais entre homens e mulheres, tampouco a instalação efetiva do princípio holista, já que a inversão tem significado dizer que o princípio dual que separou o corpo do afeto, o desejo do prazer, mantêm-se na atitude do movimento feminino, por excluir o elemento masculino do diálogo sobre a (re)construção das identidades e dos papéis de ambos, retificando o isolamento e o autoritarismo da palavra individual, mesmo quando proferida por vários, não com-formando um processo coletivo, amplo, de transformações que abrangem todo o campo da cultura que promovem junto com a liberdade individual, a liberdade coletiva.

E O CONTATO?
A palavra digitalizada tem dissociado o uso e as possibilidades comunicativas por privilegiar como meio, como canal de transmissão das mensagens o virtual, o hiper-real, o estético e ilusório, travestindo-a de avanço e qualificando de engajado (no que?) o emissor, fazendo com que este “navegue” eletrônicamente do Pará até Miami e de lá ao Japão, (ou aonde a fantasia permitir), sem apropriar-se da riqueza que o contato aberto pelos sentidos olfativo, gustativo, do toque, intuição, audição, olhar e das trocas concretas e dialogadas propiciam, sobrando para ele (emissor), o estreitamento e a rigidez da fronteira intrapessoal e interpessoal do contato.

Sob a tutela da ilusão globalizada de acessar um mundo reduzido discursivamente, mulheres e homens cada vez mais afirmam o isolamento como forma de contatar, escondendo-se sob o manto do consumismo e dos modismo que impregnam todas as áreas da existência; vivendo o padrão ditado para o comportamento e atitudes; que embora atualizando os significantes na embalagem pós-modernosa e vulgar da Internet, mantêm os significados de querer controlar as pessoas por torná-las a imagem e a semelhança de recipientes despojados de um aparelho digestivo e da consciência.

Anúncios mentirosos de mídias comerciais vendem a massificação dos corpos que devem ser magros; devem ser vistos nos açougues de papel e de áudio e vídeo, hoje tanto de homens como de mulheres nas “Playboy, Íntima, Sexy, MTV, Rede Mulher...”. Uma superexposição do sexo como número de trepadas e de parceiras/os. Sobra a distorção da palavra pela sua apresentação como informação superficial, como falação logorréica que, provavelmente, apenas estimula a elaboração de relações não amorosas entre recipientes passivos, mas “bem informados e atualizados”, sob o ponto de vista da ideologia.

Supostamente as dificuldades em lidar com a própria sexualidade admitindo o corpo nú, o toque e a apreciação das potencialidades humanas já foram superadas pelos programas desenvolvidos na escola sobre a anatomia e fisiologia dos aparelhos genitais feminino e masculino; ou pela cena “picante” da novela das seis, ou...logo, não há mais necessidade de instaurar as condições (de todas as ordens) para que a reciprocidade e o diálogo revelem o pensamento e a fala como igualdade, expressão de uma mesma linguagem, da autenticidade e da criatividade, “abrindo o sujeito para novas possibilidades, isto é, para ouvir algo novo e poder responder então algo também novo, e assim por diante”(2)

Ouvir e responder somente podem ser atitudes de um EU para um TU, e são também as expressões de vivências concretas num dado contexto histórico e social, e não de simbolizações, representações e abstrações prescritas sobre o modo de relacionar-se.

FICAR COMIGO, CONTIGO, CONOSCO
Em 1936, Reich refletindo sobre a "Moral sexual conservadora"(3), já dizia:

"O caráter específico da atmosfera sexual-ideológica é a negação e degradação da sexualidade...Toda ética sexual oficial é, necessariamente sexual-negativa... A pessoa oscila entre a ideologia da castidade e do casamento... A mulher somente se torna feliz com o ato sexual quando a ele se liga a perspectiva de se tornar mãe...a “igualdade real dos sexos” pressupõe condições econômicas trabalhista-democráticas e também o direito[s1] da pessoa sobre o próprio corpo.

Mas com isso o casamento deixa de ser casamento... O homem “instintivamente na maioria dos casos tem vocação poligâmica” (porque só o homem?)... Os impulsos sexuais infantis de exibição e de observação do corpo, costuma ser reprimido desde cedo, sob as condições educacionais de hoje.

A criança desenvolve dois tipos de sentimento: o de fazer algo rigorosamente proibido, quando apesar de tudo cede à sua ânsia, com o que produz sentimentos de culpa e a conversão da contemplação em curiosidade lasciva... posteriormente, ocorrerá ou o aparecimento de uma atrofia da vida amorosa e de sintomas neuróticos, em virtude da manutenção da repressão do exibicionismo, ou então a irrupção de uma perversão do exibicionismo... a educação sexual até hoje tem consistido exclusivamente em valorizações negativas da sexualidade ..."


Em 2000 os entrevistados dizem:

. Qual é o estado civil de vocês?


1. Eu sou casada.

2. Casada, tenho 4 filhos e esse negócio de ficar, eu não entendo muito bem. Pra mim ficar é ficar conversando, ficar...mas não pra eles, é outra coisa, né, é namorar por um dia só, ficou.

1. Quer dizer, transou, sei lá, ficou.


. Seus filhos fazem isso já?

1. Eu mato um deles se eu souber (rindo).

. Qual é a idade?

2. tem 9 anos, 7; mas aí daqui há 10 anos vão tar com 16 anos, e aí não é mais ficar, sei lá o que é que é ( risos)

1. Eu vou contar a estória rapidinho. Tenho 3 filhos, 2 moças no Japão. Isso de ficar, eu nunca aceitei e aconteceu com as minhas filhas; elas estão tendo uma vida, é, como se fossem casadas, e não são, no japão.

Então esse ficar que pra mim, na minha geração, na minha cabeça, não é normal, e não faz parte da minha estrutura; de ficar, Ter um relacionamento e não Ter um compromisso pro jovem de hoje é descomplicado, fica hoje e amanhã se não der certo, tudo bem, tchau; não deu na minha concepção, mas na deles tá certo.


. Pra você é namorar ?

1. Pra mim seria namorar, noivar, casar e viver juntos até morrer (rindo); não é o que ta acontecendo mais, então hoje nós já somos vistas como quadrada, antiquada.

2. A própria concepção de conceito de família ta mudando hoje em dia..

1. E de valores, né, os valores mudaram. Então hoje, o que antigamente representava a mulher casada, o marido, é a pessoa que realmente, é, trabalhava e contribuía com tudo, é, hoje, a mulher tem uma independência, ela tem uma profissão e ela sai pra trabalhar e o marido fica em casa cuidando da casa. Então mudou realmente a forma de, a forma de relacionamento...

(Duas mulheres, de 40 e 50 a)

No discurso delas convivem dois caminhos educativos, o do mundo da velha moral sexual conservadora, descrito por Reich, e o de um mundo novo para configurar papéis e identidades, cujos instrumentos socializatórios precisam ser substituídos e ressignificados, a partir do contato com as próprias necessidades e como propôs Reich, de uma educação afirmativa.(4)

Uma fala afirmativa

. O que é ficar?

- Ficar é uma gíria estranha porque na questão das relações que eu estabeleço, o ficar não faz parte da minha história pra eu entender a questão das relações.

. Você prefere namorar?

- Pra mim tem um sentido mais interessante o namorar.

. O que é namorar pra você?

- É pra mim um sentido de permanência, um sentido de mais consistência na relação, eu levo por esse lado. Nessa coisa do ficar, outro dia eu até tava comentando com um grupo de, de, alunos, um pouco dessa dimensão do ficar. O que é o ficar pra eles.

. O que você descobriu?

- Pra eles não tem sentido, que hoje eles buscam alguma, a questão de um compromisso, mas o ficar é a questão da moda, é o descompromisso.

. Quer dizer que os teus alunos não concordam com o ficar?

- Alunos adolescentes, é, não concordam mas ficam. Aí é uma coisa pra eles trabalharem, eles não concordam , mas é a forma que eles tem de se relacionar.

. Você descobriu porque é que eles não concordam mas ficam?

- Não, não cheguei a me aprofundar nessa questão, mas assim mesmo o ficar, eu vejo hoje um pouco contraditório porque você percebe a impressão que ao mesmo tempo que você tem um ficar, você tem uma demarcação de território de um outro lado, por conta das alianças de compromisso, de namoros, assim, um mês eles já querem demarcar o território por causa das alianças de compromisso; então eu não sei se entre o ficar e o namoro ou um compromisso tem tido um outro movimento hoje, nesse sentido.

. Você ve diferença entre o ficar do menino e o da menina?


- Tem; eu acho na fala deles tem. Se bem que os meninos hoje tão meio assustados, né, porque o assédio tem se dado de uma outra forma, por conta das mulheres.

. As meninas vão lá e...

- Vão, vão, tão indo pra cima e, eles ficam muito assim – “poxa, pera aí né, o que é que eu falo, qual é que é o meu papel hoje de caçador, aonde ta sendo levada essa coisa né” – eles tem ficado bem assustados, e não sei como tão trabalhando essa nova relação com o feminino.

. E na tua experiência, como você tem se sentido em relação ao feminino?

- Eu tenho sentido um assédio, uma inversão em relação a minha adolescência, por ex.

. Assusta também?

- Não assusta, não no sentido de assustar, mas de você repensar um pouco a questão, hoje, do seu papel, a questão do papel da mulher, como é que essa relação tem se dado; assustar não, eu tou tranqüilo .

. E seu papel hoje como homem, qual é? Quantos anos você tem?

- Tenho 32; olha ta sendo um barato, porque eu tenho uma trajetória demarcada por fases na vida, de uma convivência extremamente num ambiente machista, que eu trabalhei muito tempo em fábrica, tudo; e de uns anos pra cá, duns 8,9 anos, eu já tinha um incômodo da questão desse machismo em relação, no ambiente de fábrica, e de lá pra cá tem sido muito interessante a reconstrução do encontro ou da relação com o feminino.

. Com a tua mulher, como é que ta sendo?

- Um período de muito diálogo dessas questões. Quer dizer, o que é que você faz, como você faz, como nós estamos construindo a nossa relação, qual é o papel de cada um na relação, sabe tem sido, enriquecedor pra nós, tá esse momento fascinante, eu tenho adorado essa questão você botar a cara pra bater, você ouvir e você falar e ter que ouvir e se deixar ouvir.

Acho que o grande elemento, a dificuldade pro homem é muito por essa questão, é você ter que ta preparado pra ter que ouvir o desejo do outro também, daí é uma coisa extremamente complicada pra nós. Eu tenho me sentido gratificado, poder abrir um espaço pra mim nisso aí, de ouvir o desejo do outro, de ver qual a minha relação com o desejo do outro e os meus desejos também.

Há movimento nesta fala, possibilitado pela ampliação da experiência de estar sendo homem, pela autoexposição e pela reformulação de aprendizagens que estão ocorrendo no contexto que trouxe mudanças para as significações da identidade feminina, demonstrando a necessidade de focalizar a identidade masculina e o relacionamento como uma construção coletiva.

Revela também o equívoco interpretativo muitas vezes generalizado de que o ficar é apenas um ato episódico, demonstrando-o como construção ideológica que prescreve para o adolescente moderno e/ou pós-moderno um modelo de comportamento e atitude; e a resistência, mesmo que desajeitada, do jovem que busca preservar a originalidade dos sentimentos experenciados, o que provoca o reconhecimento do falso papel introjetado por meio dos agentes socializadores, apontando em direção à libertação.

A fala confirma que a falta de diálogo autêntico mantêm a comunicação como mera retórica informativa e denuncia que a não decodificação dos códigos fundadores da elaboração dos significados e sentidos, em uma cultura, somente afasta mães, pais, filhos, jovens, homens, mulheres e velhos uns dos outros.

Uma garota lá no parágrafo de traz disse... ”eu acho que você pode interpretar ficar de várias formas..nem sempre tem relação sexual“, como os pais temem e pensam que há; também não é um movimento de “desamor”, só o é quando o amor é entendido na sua significação pasteurizada, romântica e associado a manutenção de casamentos de aparência entre coisas e não entre um Eu e um Tu.

Ficar e namorar são etapas da experiência integrada do amar a si mesmo e ao outro, que leva homens e mulheres a saírem da posição estática de viver de aparências e de exploração das fraquezas mútuas, visando interesses econômicos; da falta de receptividade à comunicação do outro; do rompimento dos mitos familiares e da sensação de que só se pode ser feliz sendo casada/o pra vida toda...enfim, da desconstrução do “caráter ilusório da teoria comercial do amor”(5)

FENOMENOLOGIA DO FICAR
O ficar, significante contemporâneo, aponta para a expansão da fronteira de contato corporal. A autora relaciona dois movimentos, o ficar do adolescente, em que o crescimento físico é associado às descobertas do prazer no ciclo de desenvolvimento; e o ficar do adulto.

O intervalo etário adolescente abrange entre os 12 a 22 anos, reiterando que é, sempre, fundamental tomar como referência contextual o cenário ocidental e, principalmente, as grandes cidades com mais de 3 milhões de habitantes e suas influências culturais, pois como observara o depoente de 45 anos - no ethos Nordestino não há tão marcada incidência do ficar. O intervalo etário do ficar do adulto, corresponde aqueles que tem de 35 a 50 anos.

A autora desdobrará a seguir, a complexidade do ficar adulto, que considera permeada entre outras, pelas limitações:

_ Experiências anteriores de casamentos frustrados.

As vezes realizados por diversas conveniências, como continuidade da vivência do conforto e cuidados, similares ao do lar materno-paterno; busca da afirmação da identidade masculina, torpedeada pela perda dos papéis de provedor, garanhão e autoridade; efetivação de uma parceria que, quando necessário, permite à mulher retomar a identidade anterior em que podia ser “sustentada” materialmente pelo esposo...

- Medo de errar novamente;

- Vivência da mercantilização do prazer como consumo de corpos e prática da ética do divertimento;

- Valorização da divulgação massificada de um estilo de vida ermitão;

que não cultiva o desenvolvimento da solidariedade, da confiança, da emoção como suportes concretos para o estabelecimento de relações humanas e afetivas;

- discursividade sobre as mazelas afetivo-sociais é maior que o volume dos encontros;

Estes indicadores apontam para a vivência de conflitos na interação nova, especialmente se os pares conseguirem passar de cinco encontros no espaço de um mês. Diferentemente dos adolescentes que geralmente ficam uma vez com o mesmo parceiro.

Este volume não indica, entretanto, mudança na nomenclatura da interação, permanece o título ficar, já que não há a explícita e verbalizada presença de direitos-deveres por não haver comprometimento entre os pares.

Os adultos vivenciam uma dissonância entre se deixar guiar pelas sensações agradáveis e pelo desejo de constituir vínculo, e a reiteração de uma feição da restrição do interesse pelo outro.

Uma estratégia que usam para solucionar a confusão íntima é distanciar para mais ou menos duas semanas o intervalo entre os contatos telefônicos e ao vivo, como forma de auto-proteção do sentimento de amar.

A autora hipotetiza que ao envolverem-se com vários/as ao mesmo tempo, os pares estarão nutrindo a necessidade de amor sem estarem aprisionados, pois a dependência psicológica, ainda, é uma das significações conferidas pelos pares à constituição do amor, somada na atualidade à busca de independência financeira.

No plano psicológico, estar subjugado, controlado será um temor real enquanto a educação informal e formal não propiciar o florescer de sujeitos livres. Liberdade significando aprender a ouvir, se dar, escolher, participar, partilhar, reformular a distribuição de renda permitindo o acesso geral da população aos bens culturais e materiais de uma sociedade...

Continuação...