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BOLETIM CLÍNICO - número 11 - novembro/2001

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


3. Orientação Psicológica via e-mail - Serviço Oferecido pela Clínica Psicológica "Ana Maria Poppovic" - Rosa Maria Farah / Equipe do NPPI

Introdução

Nesta apresentação destacaremos a evolução da oferta de um novo "Serviço" em nossa Clínica Escola, oferta essa derivada de uma demanda da população, isto é, a partir das solicitações espontaneamente enviadas - via e-mail - pelos internautas visitantes da Home Page da Clínica da PUC-SP.

Será descrito o contexto em que tal trabalho se originou, bem como sua estruturação gradativa. Em paralelo, apresentaremos algumas reflexões feitas no grupo de supervisão sobre as características específicas desta forma de trabalho de orientação. Finalmente apresentaremos alguns números ilustrativos da evolução da demanda por esse novo serviço oferecido à comunidade.

Sobre as primeiras mensagens recebidas

O Projeto de Informatização da Clínica Escola Ana Maria Poppovic iniciou-se no fim de 1995, visando o incremento da comunicação entre a clínica e a comunidade acadêmica.

Inicialmente a proposta consistia apenas na concepção de uma edição informatizada do "Boletim Clínico" . Posteriormente, esse projeto ampliou-se, dando origem a criação da Home Page da Clínica Psicológica, que hoje, além de veicular o Boletim é composta de vários outros itens.

Nessa mesma época estava começando a ocorrer a intensificação do uso da Internet em nosso meio, de forma que, já no início desse trabalho nos demos conta de quão útil e versátil poderia ser a "interatividade" propiciada pelo site que começávamos a montar.

Percebemos, na comunicação via e-mail, uma interessante possibilidade de agilização do diálogo entre a clínica e a comunidade. Porém, a divulgação inicial do link denominado "Fale com a Clínica" visava apenas facilitar a comunicação dos trabalhos de ensino e pesquisa realizados na Clínica-Escola junto à Comunidade Acadêmica e à população em geral.

Assim, quando as mensagens contendo algum tipo de pedido de ajuda psicológica começaram a nos chegar, foram motivo de surpresa para nossa equipe. Essa demanda começou de forma bastante esporádica, porém contendo já alguns elementos que nos preocuparam, conforme será descrito logo mais.

O link citado desde então já remetia o visitante da H.P. ao endereço eletrônico da Clínica, e, simultaneamente, ao formulário no qual poderia digitar e remeter sua mensagem. Nessa época (1999/2000) ainda não havia, dentro do item "Fale com a Clínica", o informativo que agora chamamos de "Perguntas mais freqüentes". Nossa média de entradas na Home Page era de 10 a 12 visitantes/dia e, dentre esses visitantes, aproximadamente 10 % nos enviavam algum tipo de mensagem contendo temas variados*.

Apresentamos, a seguir, um breve levantamento sobre o teor das 78 mensagens recebidas de janeiro a março do ano 2000, segundo algumas das categorias mais comuns:

1. Envio de sugestão ou informação para ser divulgada: 7 mensagens

Algumas pessoas nos enviavam sugestões de informações ou serviços que gostariam de ver presentes na HP, em especial colegas enviando informes sobre cursos ou eventos da nossa área, solicitando a sua divulgação.

2. Pedido de informação de ordem acadêmica: 32 mensagens

Estudantes de várias regiões do país (alguns do exterior) nos escreviam pedindo referências bibliográficas para pesquisas e trabalhos escolares. Nem sempre eram universitários: alguns eram alunos do nível secundário estudando algum tema de Psicologia, psicólogos de várias partes do mundo, em busca de informação sobre cursos de Pós-Graduação, Extensão, Estágios etc.

3. Pedido de contato com profissionais da Clínica: 7 mensagens

Pessoas - em geral profissionais - buscavam a H.P. como forma de entrar em contato com profissionais da Clínica ou da Faculdade de Psicologia, muitas vezes em função das duas publicações virtuais presentes na Home Page: os artigos integrais do "Boletim Clínico" e sumários da "Psicologia Revista".

4. Pedido de informações sobre atendimentos da Clínica: 11 mensagens

Pessoas que nos escreviam pedindo informações sobre como proceder para serem atendidas na Clínica-Escola, ainda que essas mesmas informações já estivessem presentes com certo destaque na própria HP.

5. Relatos envolvendo situações problemáticas ou críticas: 21 mensagens

Finalmente, os casos que mais nos interessam no momento: as mensagens contendo relatos de situações pessoais de grande dificuldade emocional, pedindo ajuda ou solicitando "conselhos".

A proporção dessas últimas mensagens rapidamente aumentou em nossa correspondência, conforme aponta a contagem apresentada acima: mesmo considerando o total de 78 mensagens como um número bastante modesto para a composição de uma amostra, as 21 mensagens contendo pedidos de ajuda correspondiam a aproximadamente 27% do total das mensagens recebidas no período apontado.

As primeiras mensagens contendo pedidos de ajuda começaram a nos chegar em fins de 1999. Nesse primeiro momento a reação da nossa equipe foi de surpresa, e até mesmo uma certa incredulidade diante do alto grau de auto-exposição presente nas mensagens. Nas conversas informais do grupo chegamos a nos perguntar: seriam trotes? Seriam "testes" em relação a nossa postura ou atitude profissional?

Nossa estranheza tendia a se acentuar uma vez que, em nenhum ponto da H.P. era então oferecido qualquer tipo de serviço que envolvesse atendimento, ou mesmo 'orientação' psicológica via e-mail. As informações divulgadas referiam-se essencialmente aos atendimentos presenciais realizados na Clínica.

O aspecto inusitado dessa demanda acabou por condicionar, em certa medida, a maneira com que começamos a lidar com essas solicitações.

Ainda que com certo cuidado, fomos respondendo aos primeiros pedidos, utilizando aquela que nos pareceu a melhor forma, caso a caso. De maneira geral, procurávamos oferecer o encaminhamento que nos parecia ser o mais viável e/ou acessível ao pedido em pauta - na maioria das vezes, oferecendo os recursos disponíveis em nossa Clínica. Quando os pedidos vinham de outros estados ou cidades, procurávamos orientar as pessoas para que procurassem uma ajuda psicológica presencial na Clínica-Escola ou instituição assistencial mais próxima do seu local de origem.

No entanto, mais pedidos com o mesmo teor continuavam nos chegando, fato esse que pareceu exigir uma reflexão maior de nossa parte: Seria esta uma nova forma de demanda a ser atendida? Em caso positivo, de que forma?

Um dado era evidente nessas mensagens: o alto grau de sofrimento psíquico presente na maior parte dos relatos, fazendo com que pudéssemos supor o grande investimento afetivo necessário para que a mensagem fosse redigida e enviada. Assim, colocava-se para nós a questão: qual a melhor forma de acolhimento e resposta a tal tipo de solicitação?

Havia ainda um outro fator a ser considerado: Nessa época, como integrantes do GT-ATMC** , estávamos participando da polêmica discussão sobre a viabilidade da realização de serviços psicológicos via Internet. Assim, sabíamos que não havia sido definida ainda - por parte dos nossos órgãos de classe - a regulamentação que poderia nortear, do ponto de vista ético, a realização deste tipo de atendimento à população***.

SOBRE O TEOR DAS MENSAGENS

Cabe considerar aqui, ainda, o aspecto qualitativo envolvido nos textos das mensagens mencionadas. Com certa freqüência, o e-mail que a pessoa nos escrevia era muito extenso, com relatos muitas vezes sofridos. Mesmo quando mais breves, a maioria deles procurava nos descrever a dificuldade envolvida na situação pela qual estavam passando, e nos pediam ajuda para tentar compreende-la, e/ou "conselhos" (sic) sobre "o que fazer". Algumas pessoas não escreviam em seu próprio nome, mas relatavam situações de parentes ou amigos que - na visão do remetente - necessitariam de ajuda.

Mesmo aqueles simples pedidos de orientação sobre "o que fazer para ser atendido na clínica", por vezes traziam em seu bojo a demanda por uma atenção especial. Um exemplo: está disponível em nosso site um extenso Cadastro de Terapeutas, composto por ex-estagiários credenciados, os quais se dispõem a prestar atendimento nos mesmos moldes da nossa Instituição. Ainda assim, já recebemos mensagem com o seguinte teor: "Já vi o Cadastro, mas quero que vocês me "indiquem" um profissional, pois escolher alguém ali me faz sentir como se eu estivesse escolhendo alguém pela Lista Telefônica" (sic).

Os temas eram variados, porém, recebemos muitos pedidos de ajuda em relação ao luto familiar de uma pessoa próxima. Acreditamos que isso se deva, em parte, ao fato de constar em nossa HP a divulgação do "LELu"**** , um dos Serviços oferecidos em nossa Clínica. A busca por esse atendimento poderia igualmente ser feita via telefone, mas o fato é que freqüentemente a procura pelo LELu tem sido feita por intermédio de mensagens enviadas à H.P.

Outro aspecto a destacar era o tom de "urgência" presente na maioria dessas mensagens, ou ainda a ênfase sobre a "gravidade" envolvida na situação apresentada, ao menos tal como a situação era percebida pela pessoa que nos escrevia. Nossa primeira impressão era de que o solicitante "contava" realmente com o fato de que alguém estaria lá - do outro lado da máquina - pronto e disponível para lhe enviar uma resposta rápida e eficiente. Eficiência essa que deveria ser proporcional a sua provável necessidade de ajuda!

QUESTIONAMENTOS DO GRUPO

Percebemos de imediato a necessidade de uma maior reflexão a respeito de todos esses aspectos identificados nas mensagens. Para atender a esse propósito, estas questões se tornaram tema de elaboração do grupo de supervisão do NPPI. O primeiro passo desse encaminhamento correspondeu à formulação das seguintes perguntas, propostas pelos próprios estagiários:

1. É dever da clínica responder a esse tipo de demanda?

2. Em caso positivo, isto é, se admitirmos que a Clínica deva responder a esses e-mails, qual será a melhor forma de fazê-lo? Que postura deverá ser assumida pela Instituição ao nortear essas respostas: informar, orientar, encaminhar?

Na discussão grupal, concluiu-se que, se existe um link na Home Page em que é proposto um diálogo com a comunidade, deveríamos atender, de alguma maneira, a esses pedidos. Essa primeira conclusão nos pareceu clara: não poderíamos nos furtar diante da demanda crescente de pedidos de ajuda "on line". Porém, não tínhamos ainda respostas claras para as perguntas que se seguiam. E esta busca, das formas mais adequadas de atendimento a essas solicitações tornou-se desde então objeto de trabalho do grupo de estagiários do Núcleo. Trabalho esse que ainda está em andamento.

Por outro, lado parecia-nos haver apenas um caminho para a realização dessa busca, qual seja: por meio da prática do diálogo com esse nosso visitante, buscando compreender "quem" nos procura dessa maneira, e ainda: "por que" o faz dessa forma. Pareceu-nos que somente esse contato nos permitiria, pouco a pouco, identificar "o que" essa pessoa precisa receber como resposta, para que possa efetivamente ser ajudada.

Ao discutirmos esses assuntos, eles foram nos remetendo a outros, que por sua vez nos remetiam a outros, mas, de certa forma, todos estavam implicados na maneira como responderíamos a esta demanda.

O que segue, portanto, é um breve relato sobre a busca de compreensão deste fenômeno, considerando-se, como parte das referências para essa análise, o próprio fenômeno atual da "virtualidade", propiciador da existência dessa nova forma de comunicação mediada pelo computador.

A BUSCA DA MELHOR FORMA DE RESPOSTA AOS PEDIDOS DE AJUDA

Com base nas questões acima levantadas, iniciamos o processo de construção de uma "grade" de conceitos que pudessem abarcar o atendimento dos pedidos contidos nesta nova demanda. As idéias apresentadas a seguir são fruto das discussões, feitas pelo grupo de supervisão, das respostas aos e-mails recebidos, em torno da prática que começou a ser realizada semanalmente, agora de modo mais sistemático.

Cabe destacar que, a partir da promulgação da Resolução 003 em setembro de 2000, foi colocado na página da Clínica um link referente ao Serviço de Orientação Via e-mail. Paralelamente um horário semanal do trabalho do grupo passou a ser dedicado à supervisão das leituras e respostas aos e-mails recebidos, supervisão esta conduzida pelo Prof. Lorival de C. Novo, um dos professores responsáveis pelo NPPI. O trabalho da supervisão grupal tem sido, desde então, orientado da seguinte forma: ao recebermos um e-mail, levamos para o grupo e o discutimos segundo os moldes de uma sessão de supervisão de caso clínico. Procuramos refletir também sobre as especificidades da comunicação via Internet, além de considerarmos as teorias e procedimentos tradicionais de supervisão.

Ao final da discussão, é elaborada a resposta a ser enviada ao solicitante. Observamos também, sempre que possível, a reação da pessoa frente à nossa resposta.

Relataremos abaixo, de forma sintética, alguns dos questionamentos centrais elaborados no decorrer do trabalho do grupo de supervisão.

DISCUSSÕES INICIAIS DO GRUPO DE SUPERVISÃO

As novas formas de expressão do homem moderno - o mundo virtual

A Internet apareceu no Brasil a partir de 1995. Em pouco tempo, ela se tornou uma ferramenta muito importante, um meio de comunicação muito difundido, pelo qual - através do computador - podem ser estabelecidas novas formas de relações humanas, bem como novos modos de relações com o saber.

O computador e a Internet como ferramentas do ser humano

O que ocorre primeiro: A criação da ferramenta ou o surgimento da necessidade da ferramenta? Cremos que seja a necessidade da ferramenta, uma vez que o ser humano pode criá-la no intuito de atender a uma demanda que a utilize. Nesse sentido, o ser humano deste momento reuniu condições para que graus de virtualidade e de simbolização pudessem ocorrer. Essa disponibilidade mental permitiu a concepção da ferramenta computador.

Essa ferramenta tem algumas características específicas: por exemplo, a quebra dos padrões de tempo e espaço até então vigentes, bem como a possibilidade de interagir com outros humanos sem estar concretamente em sua presença; traz a possibilidade dos humanos acessarem informações antes inimagináveis, numa velocidade nunca vista antes na história da humanidade.

Abre possibilidades novas de como se relacionar, de como fazer negócios; traz a possibilidade de experimentar jeitos diferentes de ser, sem que isso seja perigoso para a pessoa; traz a possibilidade de fantasiar de uma forma totalmente nova.

Essas possibilidades só se abrem diante de um campo novo, criado pela informática: o ciberespaço, ou seja, o mundo virtual. Vamos partir desta hipótese de trabalho para incursionarmos sobre algumas idéias sobre a virtualidade e a presentificação.

O ser humano desenvolveu uma tolerância emocional a virtualidade, ou seja, ele pode compreender e apreender um mundo de matéria não palpável, mas que é visível. Desta forma, é que se concebeu uma ferramenta como o computador, que pode tornar mais tolerável um campo de relacionamentos que prescinde de uma presentificação.

É bom que se diga que não estamos comparando qualitativamente o que ocorre no campo da virtualidade, que é mediada pela informática, com o campo da relação presentificada, mas sim criando situações mais possíveis, de uma outra ordem, que alicerçam o que acima chamamos de virtualidade.

Queremos destacar o provável surgimento de um plus de capacidade emocional que o ser humano contemporâneo adquiriu para instrumentalizar o que antes só poderia ser feito mediante a presentificação de uma relação. É como se a relação humana hoje pudesse prescindir, por conquistas do processo de simbolização, da concretude da presença.

Tendo em vista as considerações expostas acima, podemos propor a retomada de nossas questões: a primeira, Quem é este sujeito que nos escreve o e-mail? - e a segunda, Porque o sujeito expressa suas emoções (e seu pedido de ajuda) desta forma (virtual)?

QUE SUJEITO É ESSE QUE SE EXPRESSA?

Em nossa pequena amostragem de e-mails, recebemos alguns curiosos. Tratavam-se daqueles em que a pessoa descrevia uma situação como se esta fosse vivida por um amigo ou conhecido, mas, ao termino da leitura do e-mail, ficava claro que se tratava de uma vivência do próprio redator da mensagem.

Diante disso, começamos por indagar: quem é esta pessoa? Temos necessidade de conhecê-la antes que possamos enviar-lhe uma resposta?

Nos deparamos então com alguns dos limites da comunicação mediada pelo computador. Só dispúnhamos de um texto que nos fora mandado, e nos parecia ainda muito difícil elaborar uma orientação sem saber se os fatos relatados eram verdadeiros, e a quem se referiam. Será que o usuário realmente tinha a idade que dizia ter? Talvez devêssemos tomar cuidados diferentes, se a resposta fosse destinada ao próprio redator ou se fosse dirigida a alguém de seu conhecimento? Seria necessário que o paciente se identificasse com nome, idade, estado civil, etc?

Enfim, percebemos estar presente no grupo toda uma gama de preocupações referentes a aspectos "objetivos" presentes (ou ausentes) nas mensagens lidas. Porém progressivamente fomos optando por um outro posicionamento frente a esse tipo de "realidade".

Por exemplo: Logo percebemos que a questão da exigência da identificação poderia inibir a expressão do sujeito, e então optamos por não exigir identificações, a não ser em casos específicos. Todo pedido é tratado como sendo "verdadeiro". Só pedimos dados adicionais quando são necessários, por exemplo, para o encaminhamento do caso para alguma instituição. Levamos em conta também que esta questão não poderia ser generalizada, pois a maioria dos sujeitos que nos pediam ajuda costumavam identificar-se espontaneamente, incluindo seu nome completo e/ou telefones de contato.

Quanto à consideração da "veracidade" do conteúdo das mensagens, procuramos estabelecer um paralelo com o processo que ocorre na terapia presencial. Quando o paciente chega frente ao terapeuta falando de seus pais ou de seus amigos, esperamos que lá se apresentem seus pais e amigos, ou assumimos como "real", "a visão" que o paciente relata sobre estes personagens?

Por exemplo, em terapias presenciais temos acesso ao relato do paciente sobre sua vida e suas impressões, ou seja, as construções que ele faz em cima da realidade tal qual a percebe. Se o que ele fala é "verdadeiro" ou não, não temos como verificar, porém partimos sempre do relato do sujeito, independente do fato deste relato poder ser 'enviesado' pela sua subjetividade.

De forma análoga pode ser encarado o nosso redator de e-mail. O sujeito se manifesta segundo sua própria ótica, segundo sua performance, compreensão e evidentemente, segundo seus conflitos. São as suas referências de apresentação através da Internet. A pessoa que está escrevendo vai selecionar e escolher termos que atendam à sua visão, e à sua compreensão dos fatos.

O grupo chegou assim à conclusão que não seria possível saber se o fato relatado é verdadeiro ou não, do ponto de vista objetivo, mas que tal "veracidade" realmente não chega a ser importante, frente à necessidade de atendimento da demanda tal qual foi criada pelo usuário que solicitou o serviço.

PORQUE ALGUÉM NOS ENVIA UM PEDIDO POR E-MAIL?

Em nossas discussões, inevitavelmente chegamos à seguinte questão: porque recebíamos um pedido de ajuda por e-mail? Que fatores levariam alguém a escolher essa via para sua busca de ajuda psicológica? Várias hipóteses foram levantadas, e aos poucos fomos elaborando a nossa compreensão deste aspecto do fenômeno.

1. A questão do anonimato propiciado pela Internet

Frente a essa questão uma das primeiras hipóteses levantadas no grupo de discussão foi a possibilidade de "anonimato" propiciada pela Internet.

Será que estas pessoas que nos escreviam teriam algum tipo de dificuldade (vergonha, medo, etc.) quanto à procura por um psicólogo pessoalmente? Porque pessoas, residentes em São Paulo - por vezes bem próximas à Clínica - pediriam ajuda on line e não presencialmente? Essa preferência se tornava ainda mais intrigante se essa mesma pessoa fazia esse contato por meio do mesmo veículo que contém as informações referentes às várias modalidades de atendimentos psicológicos presenciais, acessíveis e pertinentes ao seu caso!

Nossa hipótese é de que essa possibilidade de anonimato propicia condições favoráveis para que o sujeito nos envie um e-mail, seja a partir de seu real endereço de correspondência eletrônica ou de um endereço temporário, que facilmente pode ser criado para essa finalidade. Não necessitamos ver seu semblante, nem ele necessita nos ver. Ninguém vai "vê-lo" entrando numa clínica psicológica...

Talvez, o antigo estigma popular de "Quem procura psicólogo é louco" possa estar atuando, ainda que de uma forma sutil, quando somos procurados pela Internet. De qualquer maneira, o sujeito procura expressar seus sentimentos e suas emoções, utilizando-se do computador para pedir ajuda.

Talvez a preferência por este tipo de expressão reforce a ilusão de um pseudocompromisso, um pseudo-anonimato, uma pseudoliberdade de expressão... Que perante si próprio deixam marcas de compromissos mais autênticos, e disso não há como escapar, isto é: inicia-se um processo intrapsíquico de outra ordem, quem sabe mais conseqüente do que qualquer outro.

Para o sujeito fica a impressão de que não está compromissado com o que fala, mas, intimamente, ele "sabe" que está. E, mais cedo ou mais tarde, como um bumerang, ele será atingido pela sua atitude, aparentemente tão descomprometida, trazendo-lhe conseqüências aparentemente como qualquer outra feita nesses moldes, qual seja, de negar a subjetividade num processo interativo.

Esse aparente descompromisso pode envolver uma expressão de defesa frente à impossibilidade do contato com o humano, como em qualquer processo de organização conflitual. Essas pessoas atribuem, ao contato presencial, forças quem sabe dotadas de poderes mágicos, de ataque às defesas conflituais, e se refugiam no contato virtual supostamente acreditando que esse as resguardaria do rompimento de suas defesas. Mas pelo exposto, reiteradamente vimos que ocorre uma revelação subversiva, de si próprio que vai de encontro às angústias do conflito organizado através dessas defesas.

2. Velocidade propiciada pela Internet

Uma outra hipótese levantada pelo grupo foi à questão da sensação de "velocidade" que a Internet propicia. De fato, hoje a Internet nos traz uma comunicação muito mais veloz, se comparada com qualquer outro tipo de comunicação escrita. Na Idade Média, para se receber uma carta era necessário que um emissário a levasse, a pé ou a cavalo, o que poderia demandar dias ou meses. Depois, com a descoberta do Novo Mundo, as cartas eram levadas por navio, que também levavam muitos meses até chegar ao destino. Hoje, em poucos minutos podemos receber uma correspondência enviada do lugar mais distante do planeta.

Acreditamos que esse sentimento de aceleração está se tornando uma característica fortemente presente nos seres humanos da pós-modernidade. Queremos tudo mais e mais rápido, e acabamos por criar uma espécie de intolerância à demora.

Há uma espécie de fantasia de que, tão velozmente quanto a pessoa nos enviou o e-mail, ela receberá a sua resposta. Seria a busca de uma solução rápida ao problema, contrastando supostamente com os atendimentos psicológicos convencionais, que demorariam meses para fornecer "respostas" às necessidades do individuo.

Assim, por e-mail, supostamente não haveria a necessidade de submeter-se a um tratamento longo e demorado. A esperança de que a resposta possa ser muito mais rápida via e-mail envolveria a expectativa da alta velocidade na troca da informação, e tal velocidade nos aponta para um outro possível aspecto: aquele da esperança de uma resposta mágica.

3. A busca da resposta mágica

Continuando com nossas reflexões, começamos a nos questionar sobre que espécie de resposta essas pessoas imaginavam que iriam receber. Será que supunham que nós fornecêssemos soluções do tipo "pronta entrega", na forma de uma espécie de sistema "delivery" terapêutico?

Chamamos aqui de busca de resposta mágica o fato de nos parecer, algumas vezes, que o remetente procurava uma espécie de "receita", para que pudesse seguir, e assim resolver o problema. Alguma coisa como "entendemos seu problema e mandamos aqui a receita de como resolvê-lo", sem que o sujeito tivesse que dispender grande esforço para resolver suas dificuldades. É como se a expectativa implícita fosse a de que pudéssemos, por e-mail, remeter uma formula mágica, que o interlocutor apenas recitaria e "num passe de mágica", estaria livre de seus conflitos.

4. Catarse terapêutica através da máquina - relação do redator com o computador.

Uma outra hipótese levantada foi a de que o redator da mensagem estivesse estabelecendo dois níveis de relação: o primeiro, com o leitor do e-mail, ao qual ele se refere, e o segundo, com o próprio computador.

Deste modo, imaginamos que o sujeito que nos escreve possa por vezes estabelecer uma forma de relação com a máquina onde esta pode ser usada como um anteparo para que se possa realizar uma verdadeira catarse afetiva.

É como se a ferramenta Internet fosse um anteparo que torna possível um contato mais tolerável do que seriam as vivências geradas pela presentificação. Guardadas as devidas proporções, a máquina seria o equivalente ao divã, para a técnica psicanalítica, no que tange a associação livre aparentemente descomprometida, que é sugerida ao analisando, ou à dramatização de papéis, para as técnicas psicodramáticas.

Assim, a máquina se prestaria a intermediar uma série de ritos e condutas, ou ainda modos de viabilização de um "approach" para a complexidade de um relacionamento entre dois ou mais seres humanos.

A Internet, ainda que não forneça ao remetente a certeza da rapidez da resposta, lhe "garante" - ao menos supostamente - que sua mensagem já foi enviada. A pessoa procura escrever, no e-mail, tudo o que sente, mesmo que haja a possibilidade deste e-mail não vir a ser lido. Ao menos ele já foi escrito e enviado. E este fato pode ter uma função terapêutica importante, ao criar condições para que o sujeito se expresse, de uma nova forma antes inviável.

De uma certa forma, é possível que, para o remetente a suposição de que um psicólogo possa estar lendo o que ele escreveu, sobre si ou sobre os outros, já seja um tipo de contato e um pedido de ajuda, mesmo que posteriormente ele não retorne a nos escrever.

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