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Quem foi Ana Maria Poppovic

Ana Maria Poppovic, nascida a 22 de março de 1928 na Argentina, veio para o Brasil aos 6 anos de idade. Naturalizou-se brasileira, deixou de usar o sobrenome Belotti, de batismo, para ser Poppovic após casar-se, e aqui construiu toda sua vida.

Em 1949 formou-se em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae, em São Paulo. Mas sua relação com a psicologia se evidencia desde o início dos anos 50, ao organizar e fundar a Sociedade Pestalozzi de São Paulo para atendimento a crianças excepcionais em 1953 e, no ano seguinte, fundar a Clínica Psicológica desta Instituição, da qual foi diretora por 4 anos. No mesmo período, entre 1954 e 1957, trabalhou como psicóloga no Abrigo Social de Menores com crianças abandonadas.

Obteve o título de especialista em Psicologia Clínica pela Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae em 1957, ano em que publicou seus dois primeiros artigos. Um ano depois, Poppovic foi convidada pelo Dr. Enzo Azzi, diretor do Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (IPPUC-SP), a empreender o projeto de instauração da Clínica Psicológica desse Instituto e assumir sua direção. Em 1959 a Clínica é inaugurada, logo tornando-se referência por seu pioneirismo em atendimento aberto ao público e por ter sido o primeiro centro especializado no diagnóstico e tratamento da disfunção cerebral mínima (DCM).

Poppovic cuidou da organização da Clínica desde a reforma do prédio que a abrigaria até na obtenção ou construção dos aparelhos, como ilustra Rosa Maria Macedo, sua ex-aluna e colega de trabalho na PUC-SP, que desenhou com ela o esboço do primeiro espelho da Clínica - recurso existente, até então, somente nos Estados Unidos.

Sob a direção de Ana Poppovic, além dos avançados equipamentos e material psicotécnico, dos quais a Clínica era muito abastada, era desenvolvido um trabalho multidisciplinar, tornando muito conhecidas as reuniões científicas das quintas-feiras, que se estendiam pela madrugada, na discussão de casos, de pesquisas ou com palestras proferidas por convidados, como o professor Quirós, da Argentina.

Enzo Azzi, Aniela Ginsberg, Aidyl Ramos e Ana Poppovic organizam em 1959 os Cursos de Especialização em Psicologia Clínica, Psicologia da Educação e Psicologia do Trabalho da Faculdade São Bento, de dois anos de duração e com um semestre de estágio supervisionado. Entre 1960 e 1964, Poppovic é responsável por duas disciplinas do Curso de Psicologia Clínica : Técnicas do Exame Psicológico e Estudos de Casos.

Em 1962, com a regulamentação da profissão de psicólogo pela Lei 4.119 e com o Parecer 403/62 fixando o currículo mínimo para cursos dessa área, a Faculdade São Bento elabora seu curso de Psicologia tendo a participação de Poppovic em sua organização. Paralelamente, ela passa a ser diretora do Departamento de Psicologia Aplicada à Educação do IPPUC-SP, função que exercerá até o ano de 1971 quando se desvincula desta Universidade. Neste Departamento funcionavam as seguintes subsecções : de provas objetivas e medidas escolares; de orientação psicopedagógica; de pedagogia terapêutica; de ginástica terapêutica e de terapia ocupacional.

O fato de desempenhar concomitantemente atividades de ensino e atendimento de casos na Clínica, de certo modo, torna-se situação favorável para Poppovic realizar pesquisas em que objetiva melhor compreender e caracterizar os problemas com os quais se defronta na realidade prática do atendimento clínico e que são também objeto de sua atividade docente. Nos estudos desenvolvidos entre 1963 e 1964 (publicados entre 1964 e 1965), ao mesmo tempo em que apresenta instrumentos e técnicas para o diagnóstico por meio de exames psicológicos, Poppovic contribui para o conhecimento sobre os fenômenos que, na época, já demonstravam seu interesse pelas, assim denominadas, disfunções relativas à alfabetização.

Particularmente no período de 1963 a 1966 há uma intensa e diversificada gama de atividades desenvolvidas por Poppovic. Publica seis artigos e um livro; traduz e adapta para a população brasileira a Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (1964); apresenta trabalhos e realiza palestras num total de sete congressos e seminários, tanto nacionais como internacionais; cursos e conferências marcam sua presença em doze instituições, dentre elas: universidades argentinas, secretarias municipais de educação, centros de pesquisas educacionais, etc.

Também figuram nestes anos um estágio no Instituto Oral Modelo de Buenos Aires, visando estudar métodos para reeducação de surdos e afásicos, bem como visitas aos serviços de foniatria e fonoaudiologia da equipe do Professor Júlio Bernaldo de Quirós em Buenos Aires - campo de trabalho inédito na América do Sul. Visitou, ainda, instituições de reeducação de disléxicos no Uruguai, e contatou órgãos governamentais e associações de amparo a excepcionais nos Estados Unidos para elaborar um trabalho encomendado pelo Ministério da Educação e da Cultura.

Do contato com o professor Quirós e sua equipe multidisciplinar, Poppovic propôs ser desenvolvido no Brasil trabalho semelhante, através da implementação de um curso de fonoaudiologia na PUC-SP, além de instaurar no IPPUC-SP a área de estudos em psiconeurologia e trazer convidados daquele Instituto argentino para ministrarem cursos na Faculdade São Bento.

Nesta época, entre 1963 e 1965 mais precisamente, Poppovic desenvolve um profundo estudo para adaptar e padronizar o Teste Metropolitano de Prontidão (1965), teste este que servirá como referência para muitas das pesquisas que desenvolverá futuramente. Inclusive, será utilizado como critério na escolha das escolas públicas em que, a partir de 1977, será aplicado o Programa Alfa, já que a escassez de recursos para produzir o material necessário impossibilitava atingir a totalidade das escolas públicas, tanto no estado de São Paulo como no restante do país, sendo necessário optar por aquelas com maiores índices de evasão e repetência.

Pelas diversas pesquisas que realiza com este teste, Poppovic pretende viabilizar sua aplicação para medir o grau de prontidão para a alfabetização em substituição ao emprego do Teste ABC, de Lourenço Filho, que tinha a mesma finalidade, porém, com a desvantagem de não ser possível sua aplicação coletiva, ao contrário do que proporcionava o Teste Metropolitano.

Segundo Poppovic, assim como o Teste ABC, o Metropolitano forneceria os elementos necessários para diferenciar os grupos de crianças que clinicamente apresentavam determinadas dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita distintas de outros distúrbios como dislexia, quadros de audimudez (ou afasia de evolução), disfunções cerebrais mínimas ou síndromes psicomotoras.

Por meio das atividades clínicas e de pesquisa realizadas neste período, Poppovic passou a se interessar especialmente pelos casos que chegavam às clínicas psicológicas apresentando problemas escolares não relacionados com deficiências mentais, problemas sensoriais, etc, ou seja, que transcendiam "o âmbito das clínicas psicológicas (...), tomando uma amplitude de caráter educacional e social." [Poppovic, 1968 : 11]
O ano de 1966 é marcado, entre outras atividades, pela participação de Poppovic em trabalhos que, em relação aos anteriores, abrangem uma amplitude maior no que se refere ao alcance populacional e atestam um envolvimento crescente com projetos governamentais. Faz parte da Comissão para Restruturação do Sistema Educacional de Urubupungá (cidade piloto próxima ao município de São Paulo), é membro do Grupo de Trabalho da Comissão do Ministério da Educação para estudos sobre deficiência mental e da Comissão de Seleção de Psicólogos do Departamento Estadual de Administração de São Paulo. Denota-se em anos posteriores de seu percurso profissional que este tipo de trabalho, de grandes proporções, torna-se mais freqüente como é o caso de uma série de assessorias que desenvolve, por exemplo, junto a órgãos governamentais estaduais e federais.

Sua tese de doutoramento, "Disfunções Psiconeurológicas da Aprendizagem da Leitura e da Escrita", cuja originalidade se atestava tanto no plano teórico como no metodológico, foi defendida em 1967 na PUC-SP para, no ano seguinte, ser publicada com o título de "Alfabetização : disfunções psiconeurológicas". Sua originalidade teórica se pronunciava pela caracterização e conceituação do quadro das disfunções psiconeurológicas.

O estudo se mostrava metodologicamente inovador pelo tratamento interdisciplinar de coleta e análise dos dados, além de oferecer uma detalhada e precisa descrição dos procedimentos, naqueles anos considerados fora dos padrões usuais por optar pelo estudo em profundidade de poucos casos (50 crianças) ao invés de amostras mais quantitativamente significativas, que estariam melhor conformadas aos conceitos estatísticos válidos na época.

Este trabalho lhe conferiu uma valorização especial de seu orientador, o Dr. Enzo Azzi, como pode se averigüar por suas palavras ao tecer comentários sobre o conteúdo do livro que expunha, em 1968, o trabalho desta pesquisadora :

"O IPPUC-SP, refúgio natural dos não conformistas, com sua atmosfera viva e inquieta, orgulha-se desse trabalho original e estimulante, diretamente voltado para os problemas reais do nosso país. Na qualidade de diretor desse Instituto estou confiante que o exemplo da autora será seguido por muitos outros." [Azzi, 1968, na "orelha" do livro de Poppovic.

Os temas e a forma de proceder os estudos denotam, nesses anos, um movimento de Poppovic da Psicologia Clínica para a Psicologia Educacional. Prefaciando seu livro, demonstra ser sua preocupação fundamental colocar a Clínica a serviço da sociedade, para sua melhoria, especialmente na área educacional em que urgia um atendimento que viesse a fornecer-lhe, na medida do possível, condições ou soluções para os seus graves e alarmantes ou - como qualifica a própria autora - trágicos problemas no que se refere, mais precisamente, à alfabetização.

Ainda em 1968, na PUC-SP, quando da realização de um currículo experimental criado em resposta ao movimento estudantil de maio, Ana Poppovic coordena projetos de pesquisa com os alunos. Visando uma maior integração entre alunos e professores, o curso foi planejado a partir de temas que, a um só tempo, oferecessem condições de cumprir com as exigências curriculares - necessárias para a formação em psicologia - e oportunizassem a realização de pesquisas pelos alunos. Com isto, uma Comissão Paritária, composta de professores e alunos, definia a escolha das temáticas e organizava o currículo.

Ana Maria Poppovic, Lídia Rosemberg Aratangy e Neyde Solitto desenvolvem o tema A Criança Culturalmente Carente, gerando duas pesquisas de campo realizadas pelos alunos, cujos títulos são : "Evolução de Funções Psiconeurológicas em Idade Pré-Primária : influência no nível cultural" e "Carência Cultural : definição e efeitos em estudantes de ginásio".

No bojo desses trabalhos se apresenta de forma cada vez mais evidente a conjunção de três aspectos importantes na trajetória profissional desta pesquisadora, quais sejam : a) a preocupação com uma determinada faixa etária, ou melhor, com o período imediatamente anterior ao início da alfabetização; b) as imbricações entre ambiente cultural e funções psiconeurológicas e, finalmente, c) um posicionamento sócio-institucional em relação ao fracasso escolar que num primeiro momento se fazia presente pelos estudos sobre carência cultural para, mais tarde, vir a se designar como marginalização cultural.

Entre 1968 e início de 1971, Poppovic é docente da disciplina Estudos de Casos do Curso de Psicologia da Faculdade São Bento dando prosseguimento, junto a seus alunos, aos estudos em psicologia voltados para solução de problemas educacionais, notadamente os que envolvem dificuldades na aprendizagem. Em termos de publicações mais significativas deste período, além do já citado "Alfabetização : disfunções psiconeurológicas", no mesmo ano é editado o "Manual de Instruções do W.I.S.C.", traduzido e adaptado por Poppovic.

Destaca-se, ainda em 1968, a apresentação de duas pesquisas na 20ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência); uma delas versava sobre os estágios evolutivos das noções espaciais em pré-escolares. Voltada também para crianças deste nível de ensino, a segunda era um estudo comparativo sobre a diferença do nível de influência de duas variáveis, inteligência e maturidade cognitiva, na aprendizagem da leitura.

Além das atividades de ensino e pesquisa na PUC-SP, marcam os anos de 1969 e 1970, respectivamente, a participação de Poppovic na organização da Faculdade de Psicologia da PUC-SP - fruto da junção dos cursos de psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da São Bento e do Instituto Sedes Sapientiae - e sua assessoria ao Serviço de Ensino Primário da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo para a realização de dois projetos envolvendo alfabetização.

No início do ano de 1971, em decorrência de restrições e imposições por parte da Reitoria, envolvendo particularmente a produção em pesquisa, Poppovic deixa a PUC-SP para tornar-se pesquisadora sênior da Fundação Carlos Chagas. O vínculo com esta instituição de pesquisa somente será interrompido com o acidente fatal de Poppovic em 1983, na Av. Sumaré, onde hoje um jatobá e uma praça com seu nome demarcam a homenagem e, sobretudo, o agradecimento pelo que esta pesquisadora realizou em prol da melhoria da educação e do desenvolvimento da psicologia.

Fontes:
Atas de reuniões, documentos impressos, fitas cassete e de vídeo do arquivo da Fundação Aniela e Tadeuz Ginsberg (FATG), sediada na PUC-SP.

Pesquisas realizadas pela FATG, acerca do Instituto de Psicologia da PUC-SP.

Revista de Psicologia Normal e Patológica, publicação do Instituto de Psicologia da PUC-SP.
Dados biográficos em documentos encontrados na Biblioteca "Ana Maria Poppovic" da Fundação Carlos Chagas

Para maiores informações, contatar a autora Alessandra Pimentel, pelos telefones:
(0**11) 67-2396 (res)
(0**11) 873-3081 (Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação da PUC-SP)

Nota: O perfil de Ana Maria Poppovic foi elaborado por Alessandra Pimentel, mestranda em Psicologia da Educação pela PUCS-SP, com base em pesquisa que realizou sob o título "Ana Maria Poppovic: um estudo de caso da relação entre Psicologia e Educação.