A palavra “habilidades” parece ser especialmente propícia para pensar-se sobre o assunto aqui abordado porque estabelece naturalmente uma conexão entre a prática docente que conhecemos no contexto do ensino de línguas e as práticas docentes que precisaremos desenvolver como resposta às demandas do informacionalismo . Se no ensino de línguas a palavra “habilidades” está ligada ao uso da língua-alvo, em suas diferentes modalidades, de maneiras específicas e em eventos de comunicação significativos, no contexto do informacionalismo demanda-se de professores e aprendizes que ponham a língua-alvo em uso em eventos de comunicação significativos, nos quais, entretanto, a mediação tecnológica impõe certas particularidades assim como abre novas possibilidades. Também está no escopo do conceito de habilidades, como é compreendido em relação ao ensino-aprendizagem de línguas, o uso de estratégias cognitivas e metacognitivas (Oxford, 1990) que o aprendiz pode/deve utilizar na facilitação do processo de aprendizagem da língua-alvo. Do mesmo modo, devemos supor que o desenvolvimento da competência interativa de professores e aprendizes no contexto do informacionalismo será facilitado pela utilização de estratégias cognitivas e metacognitivas específicas. Shetzer & Warschauer (2000, Pág. 172) detectam essa intersecção entre ensino-aprendizagem de línguas e informacionalismo ao afirmarem que “enquanto anteriormente os educadores pensavam sobre como utilizar a tecnologia da informação com o propósito de ensinar línguas, cabe-lhes agora também considerar como ensinar língua de tal forma que seus aprendizes possam fazer uso efetivo da tecnologia da informação”. Para esses autores, o caminho para atingir uma integração satisfatória entre os objetivos de ensino-aprendizagem de línguas e a necessidade de inclusão de professores e aprendizes no mundo dos interagentes passa necessariamente por uma abordagem fundamentada no conceito de letramento digital . Assim como White (2003), também Shetzer & Warschauer (2000) consideram o domínio técnico de interfaces eletrônicas e dos equipamentos digitais apenas parte do problema. Para eles, o que está em jogo é um conjunto maior de habilidades de “comunicação”, “construção” e “leitura/pesquisa” que os educadores precisam adquirir e ajudar seus aprendizes a desenvolver. No eixo da “comunicação”, Shetzer & Warschauer (2000) apontam, entre outras, as habilidades necessárias para fazer contato com grupos de pessoas via Internet, participar em projetos colaborativos com pessoas que estão distantes fisicamente de modo a atingir um objetivo compartilhado, selecionar dentre as diversas tecnologias síncronas e assíncronas de comunicação mediada por computador (CMC) aquelas mais adequadas a seus propósitos de comunicação específicos, lidar com questões de netiqueta, privacidade, segurança e publicidade online. Já no eixo da “construção”, os autores apontam habilidades tais como saber combinar de forma eficaz texto escrito, imagem e som por meio do hipertexto, saber hospedar, manter, administrar e promover seus próprios websites e saber lidar com questões de propriedade intelectual, censura e segurança eletrônica. Finalmente, no eixo das habilidades de “leitura/pesquisa”, estariam habilidades tais como a de selecionar tecnologias de busca e pesquisa, a de formular perguntas de pesquisa e utilizar palavras chave de forma eficaz, a de citar fontes online corretamente, a de avaliar o nível de autoridade e expertise das fontes consultadas, a de categorizar e subcategorizar resultados de busca e, especialmente a de “mapear” idéias e conceitos de forma não-linear. Embora se possa questionar a categorização das habilidades proposta por Shetzer & Warschauer (2000) (até que ponto promover um website é “construir” e não “comunicar”?, só para citar um exemplo) sua convicção quanto à necessidade de fundamentarmos atividades de ensino de línguas online em uma perspectiva de letramento digital nos parece coerente. Isto posto, caberia refletirmos sobre como é possível integrar o desenvolvimento dessas habilidades ao processo de ensino-aprendizagem de línguas tendo em mente que, assim como professores e aprendizes possuem diferentes níveis de proficiência na língua alvo e de fluência em suas variedades falada e escrita, também diferentes graus ou níveis10 de letramento digital estarão presentes num determinado grupo de aprendizes e professores trabalhando no contexto online. Em Buzato (2001), propus, a partir de um estudo de caso, que a aquisição de letramento digital está relacionada à ação efetiva de um par-mais-competente, e ao desenvolvimento de uma competência estratégica no indivíduo semiletrado digitalmente11. Tal competência permite que ele lance mão de meios eficazes para fazer-se entender pela máquina e por outros usuários, numa gama cada vez mais ampla de situações de uso, conseguindo, com isso, participar de situações sociais da “cibercultura” nas quais teria acesso à mediação sócio-cognitiva de que necessita para continuar avançando gradualmente para níveis superiores de letramento. Tomando como referencial essa proposição e tendo em mente o conjunto de habilidades de que falam White (2003) e Shetzer & Warschauer (2000), julgo que seria útil, do ponto de vista prático, pensarmos em como utilizar recursos da Internet e softwares de domínio relativamente amplo entre usuários não-profissionais de computadores para apoiar professores e aprendizes em sua inclusão paulatina no grupo dos interagentes . Partindo da conexão entre ensino de línguas e aquisição de letramento digital que se estabelece através do conceito de habilidades, e retomando a idéia de conjuntos de habilidades utilizada por Shetzer & Warschauer (2000), proponho, a seguir, quatro eixos de desenvolvimento de habilidades a serem considerados: “da escrita ao design”, “da leitura à navegação”, “da compreensão à investigação” e “do diálogo à colaboração”.
Notas 10 Ver Buzato (2001) para uma exposição do conceito de níveis no processo de aquisição de letramento digital e critérios de reconhecimento desses níveis. voltar ao texto 11 Por “semiletrado digital” entenda-se aquele indivíduo que, já dispondo do letramento alfabético, consegue lidar adequadamente com algumas das camadas gramaticais, ou conjuntos de normas, que permitem a interação com textos no meio eletrônico, conforme Buzato (2001). voltar ao texto
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