Home - Artigos - Perfil Grupo Pesquisa - Conselho Editorial - Submissão de Artigos - Contato - Créditos


Do Diálogo à Colaboração

Nestes tempos em que mensageiros instantâneos, webcams, e combinações de telefone celular, computador de mão e câmera digital povoam os sonhos de consumo de nossos alunos, é comum que se valorize demais os dispositivos técnicos em detrimento de outros elementos mais fundamentais e necessários à construção coletiva de conhecimento. No entanto, frutos concretos da colaboração acadêmica e profissional têm sido obtidos por meio de tecnologias mais simples tais como e-mail, editores de texto ou interação telefônica. Pode-se facilmente substituir um programa de correio de voz por mensagens de e-mail com arquivos de áudio anexados, ou enviar uma fita de VHS pelo correio em lugar de promover uma videoconferência, se isso for necessário, mas não se pode aprender colaborativamente privilegiando a competição entre pares e as concepções reducionistas e simplificadoras do conhecimento.

Isto posto, para além das escolhas apropriadas de tecnologia e objetivos, cabe-nos refletir sobre como facilitar e estruturar, no contexto online, a colaboração autêntica entre aprendizes, e entre professores e aprendizes, tendo em mente que a falta da presença física significa "a perda das pistas que estão disponíveis na sala de aula presencial para apoiar a interação e as dimensões social e afetiva da aprendizagem assim como para manter o engajamento daqueles que estão presentes" (White 3002:59). Em parte, o apoio às dimensões social e afetiva e ao engajamento do aprendiz na colaboração dependerá de uma estruturação eficiente e relevante das tarefas de colaboração36. Porém também nesse caso há que se levar em conta a necessidade de aprendizes e professores de adquirirem habilidades específicas.

Dentre essas habilidades, vale a penar destacar ao menos três: em primeiro lugar, a habilidade de localizar grupos de pessoas dispostas e aptas a participarem de atividades colaborativas na língua-alvo, estabelecendo um esquema de colaboração que seja satisfatório para todas as partes envolvidas; em segundo lugar, a habilidade de selecionar dentre as tecnologias síncronas e assíncronas de comunicação mediada por computador aquelas mais adequadas ao esquema de colaboração adotado, ao equipamento disponível e aos contextos sócio-culturais em que os participantes estão imersos; finalmente, a habilidade para interagir por meio dessas ferramentas de forma autêntica e significativa.

Localizar grupos de pessoas dispostas a colaborar em tarefas que visam à aprendizagem de línguas tem se tornado uma tarefa mais fácil do que costumava ser há uma década, não só porque mais educadores têm optado por essa prática, mas também porque proliferam na rede diretórios de projetos e listas de contato internacionais nas quais pessoas interessadas nesse tipo de atividade podem localizar-se. Alguns exemplos desses diretórios e listas são: 2learn.ca, mantido pela 2Learn.ca Education Society of Alberta, Canadá37, o site da organização Kidlink38, baseada na Noruega e que mantém uma divisão no Brasil coordenada por pesquisadores da PUC-RJ, o banco de projetos da organização World-links, mantida pelo Banco Mundial39, a qual está ligada ao programa Enlaces-Brasil40 e a lista eletrônica International E-mail Classroom Connections41 (IECC), pela qual já passaram cerca de 28.000 propostas de colaboração feitas por professores do mundo inteiro.

Com relação à habilidade de selecionar as tecnologias mais adequadas ao tipo de atividade colaborativa que se deseja realizar, Meskill e Ranglova (2000: 23) ressaltam a necessidade de que os recursos tecnológicos sejam "colocados em contextos sociais cuidadosamente urdidos nos quais o conhecimento construído pelo próprio aprendiz seja o elemento central". Isto equivale a dizer-se que a adoção desta ou daquela tecnologia justifica-se não em função do grau de sofisticação da mesma - especialmente nos casos em que se entende por sofisticação a capacidade de certas tecnologias de emular ambientes de aprendizagem e formas de interação tradicionais - mas em função do seu impacto positivo no desenvolvimento da competência interativa dos aprendizes (White 2003). Assim, tecnologias síncronas que permitem interação todos-todos, como salas de chat, por exemplo, são provavelmente mais adequadas para atividades de socialização e construção de vínculos afetivos entre os membros de um grupo, ou para atividades de brainstorming e jogos, ao passo que tecnologias assíncronas do tipo um-para-um e/ou um-para-muitos, como listas de e-mail ou blogs compartilhados, são certamente mais indicadas para tarefas que requeiram reflexão e revisão crítica.

Em parte, a dificuldade na escolha da tecnologia adequada também tem a ver com expectativas e crenças de aprendizes e professores com respeito ao papel da acuidade ou da monitoração cuidadosa de "erros" no processo de aprendizagem de uma língua. Em muitos casos, tanto professores quanto alunos vêem-se envolvidos no conflito entre o desejo/necessidade de dominar a variedade padrão da língua-alvo e o fato de que a mediação eletrônica pressupõe o uso de formas não-padrão, muitas vezes restritas àquela situação comunicativa e àquele tipo de mediação eletrônica42. Entraria aí, então, mais uma habilidade que necessitamos desenvolver, qual seja, a de negociar a ênfase, a forma e a freqüência com a qual questões de acuidade são tratadas nas atividades de aprendizagem colaborativa, bem como a de aproveitar recursos de armazenamento e recuperação dos eventos de comunicação mediada eletronicamente para tratar de tais questões.

Finalmente, tendo em mente o desenvolvimento da habilidade para interagir por meio das ferramentas de comunicação mediada por computador (CMC) de forma autêntica e significativa, caberia indagarmo-nos sobre até que ponto o domínio da variedade padrão da língua-alvo, em sua modalidade escrita, especialmente, nos impulsiona ou nos tolhe na nossa tarefa. Trabalhos como o de Crystal (2001) põem em cheque, ao menos no ambiente da Internet, a rigidez dicotômica que tradicionalmente polarizou nossa concepção de língua em modalidades escrita e oral, assim como a validade de nossos critérios de adequação no uso da língua-alvo em determinadas situações sociais. Isto nos faz questionar se, por vezes, nossos alunos são estariam sendo atrapalhados (e não auxiliados), por nossas concepções de linguagem e hábitos lingüísticos, no desenvolvimento de sua competência para atuar autonomamente no tipo específico de comunicação que se realiza na rede.

Uma discussão aprofundada sobre a validade ou não da dicotomia escrita-oralidade em face dos fatos lingüísticos da Internet não está no escopo deste trabalho. Porém, penso que devamos aproveitar o desconforto causado por esse aparente descompasso entre o que deveria ser e o que, na prática, tem sido, para nos questionar sobre a necessidade de desenvolver - ou talvez de fortalecer - aquela que talvez seja a habilidade mais importante de um professor no informacionalismo: a habilidade de, honrando a etimologia de nosso título, professar, isto é, declarar publicamente, que nosso papel não é e nem nunca será o de "pré-empacotar" fórmulas lingüísticas para receptores, e muito menos de consumi-las, mas o de redirecionar criativamente nossos circuitos de acesso à informação de modo a participar de um diálogo autêntico com nossos aprendizes e com o nosso tempo, fazendo-nos, e ajudando-lhes a fazerem-se, cada vez mais interagentes.

 

anterior - próxima

Notas

36 Harris (1998) apresenta uma taxonomia de esquemas de colaboração utilizados em diversos países e contextos escolares. Há um site de apoio ao livro, com vários exemplos, em http://virtual-architecture.wm.edu
voltar ao texto

37 http://www.2learn.ca/Projects/ ProjectCentre/projframe.html
voltar ao texto

38 http://venus.rdc.puc-rio.br/kids/kidlink/
voltar ao texto

39 http://www.worldlinks.org/db/projects/ retrieve_project_temp.php?pgno=0
voltar ao texto

40 http://www.enlaces.org.br/
volta ao texto

41 http://www.teaching.com/iecc
volta ao texto

42 Refiro-me aqui ao uso não padrão de diacríticos e sinais de pontuação, "emoticons", organizações textuais frouxas ou confusas, onomatopéias, etc., comuns nas práticas comunicativas mediadas por computador. volta ao texto